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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.2 São João del-Rei abr./jun. 2017
Projetos de carreira de adolescentes: contribuições de uma intervenção em Orientação Profissional em um Centro de Referência em Assistência Social
Adolescent career projects: contributions of an intervention in Vocational Guidance in a Reference Center of Social Assistance
Proyectos de carrera de adolescentes: contribuciones de una intervención en Orientación Profesional en un Centro de Referencia para la Asistencia Social
Leonardo de Oliveira BarrosI; Camélia Santina MurgoII
IPsicólogo, mestre e doutorando em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica (Universidade São Francisco). Bolsista CAPES
IIDoutora em Psicologia: Ciência e Profissão pela PUC-Campinas. Docente e coordenadora do Programa de Pesquisa e Iniciação Científica do curso de Psicologia e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação (mestrado) em Educação da Universidade do Oeste Paulista
RESUMO
Nos processos de Orientação Profissional (OP), é fundamental desenvolver estratégias adequadas que possibilitem aos jovens refletirem acerca de sua trajetória profissional. Esse relato de experiência objetiva descrever uma intervenção em OP realizada com 30 adolescentes usuários de um Centro de Referência de uma cidade pequena do interior paulista. Foram realizados oito encontros em que se utilizaram técnicas de autoconhecimento, reconhecimento de habilidades, informações sobre profissões, mercado de trabalho e bolsas estudantis. A intervenção foi avaliada positivamente pelos adolescentes. Evidencia-se que a OP pode ser inserida em serviços especializados, possibilitando o acesso de adolescente a programas que visam planejar a construção de carreira.
Palavras-chave: Orientação vocacional. Adolescentes. Políticas públicas.
ABSTRACT
In career guidance processes (OP) it is essential to develop appropriate strategies to enable young people to reflect about their professional career. This paper aims to describe an intervention experience in OP conducted with 30 adolescents, users of a Reference Center in a small town in São Paulo State. Eight meetings were held making use of techniques of self-knowledge, recognition of skills, and information on professions, labor market and student scholarships. The intervention was evaluated positively by the adolescents. It demonstrates that the OP can be inserted into specialized services, enabling teenagers' access to programs aimed at planning to build career.
Keywords: Vocational guidance. Adolescents. Public policies.
RESUMEN
En los procesos de orientación profesional (OP) es esencial desarrollar estrategias adecuadas que permitan a los jóvenes reflexionar sobre su carrera profesional. Este artículo pretende describir una experiencia de intervención en OP realizada con 30 adolescentes, usuarios de un Centro de Referencia en una pequeña ciudad del estado de São Paulo. Se realizaron ocho reuniones con técnicas de autoconocimiento, reconocimiento de habilidades e información sobre profesiones, mercado de trabajo y becas estudiantiles. La intervención fue evaluada positivamente por los adolescentes. Esto demuestra que el OP puede insertarse en servicios especializados, permitiendo el acceso de los adolescentes a los programas destinados a planificar la carrera.
Palabras clave: Orientación profesional. Adolescentes. Políticas públicas.
Introdução
A inserção da Psicologia nos serviços de Assistência Social é ainda recente no Brasil, fato que, por um lado, dificulta a atuação profissional em função da escassez de materiais norteadores da prática e, por outro, favorece o desenvolvimento de estudos e novas formas de trabalho nesse contexto. Ribeiro e Guzzo (2014, p. 85) apontam que "o compromisso social da psicologia surge a partir das críticas relativas ao caráter elitista, individualista e predominantemente clínico da profissão". Porém, esse compromisso não deve ser entendido como mera ampliação do campo de trabalho mediante políticas sociais, mas ser discutido de forma crítica em relação às efetivas contribuições que a Psicologia pode realizar nesses contextos.
A partir da aprovação da Política Nacional de Assistência Social (Brasil, 2004) surgem inovações em relação ao Sistema Único de Assistência Social (Suas) visando a garantir a proteção social, atender ao caráter emergencial da situação de pobreza e de desigualdade e realizar o acompanhamento de indivíduos e famílias cujos vínculos familiares e sociais se encontram fragilizados e/ou rompidos (Macedo, Sousa, Carvalho, Magalhães, Sousa & Dimenstein, 2011). Nesse contexto de inovações, surgem os Centros de Referência em Assistência Social (Cras), entendidos como unidades públicas estatais de base territorial e localizados em áreas de vulnerabilidade social. Entre as atribuições dos Cras estão a execução de serviços de proteção social básica e a organização e coordenação da rede de serviços socioassistenciais locais da política de assistência social (Brasil, 2005).
As atividades desenvolvidas no Cras devem levar em consideração o contexto em que a população está inserida, respeitando heterogeneidade e particularidades dos grupos familiares e a diversidade cultural local. De acordo com as Normas Operacionais Básicas do Suas (NOB/Suas), os centros de informação e de educação para o trabalho são serviços de proteção básica (Brasil, 2005). Com pauta nessa caracterização, o trabalho a ser desenvolvido ganha um caráter interdisciplinar que proporciona a diversos profissionais sua entrada no Suas, retirando, portanto, a exclusividade do Serviço Social na execução da política de assistência social. Nesse sentido, o psicólogo tem a possibilidade de colaborar para a efetivação dessa política e auxiliar na superação de vulnerabilidades.
No atual contexto da sociedade brasileira, é por meio do trabalho que o indivíduo alcança a emancipação psicossocial. Assim, há necessidade de uma colocação assertiva no mercado de trabalho que ajude a romper com o histórico de exclusão e vulnerabilidade das famílias e, especialmente, de jovens atendidos pelo Suas. Nessa direção, Sobrosa, Camerin, Perrone e Dias (2013) constataram que adolescentes de nível socioeconômico baixo entendem o trabalho como benéfico, essencial, valoroso e como meio de obter seu próprio dinheiro, o que lhes asseguraria certa autonomia em relação a seus pais. Ainda assim, a inserção de adolescentes no mercado de trabalho apresenta-se como algo cercado por vulnerabilidades, medos, alegrias e contradições (Torres, Paula, Ferreira & Pinheiro, 2010), demandando intervenções que favoreçam a saúde do adolescente trabalhador.
Em 2004 o Governo do Estado de São Paulo criou o Programa Ação Jovem (Decreto nº 56.922/11), que objetivou promover a inclusão social de jovens de 15 a 24 anos, membros de famílias com renda per capita de até meio salário, mediante a transferência de renda de R$80,00 mensais como apoio financeiro temporário (de 12 a 36 meses). O Programa tem entre seus objetivos estimular a conclusão da escolaridade básica, ofertar atividades complementares, com foco na preparação para o mercado de trabalho, e favorecer a inserção do adolescente nesse campo. Desse modo, sabendo que a OP pode auxiliar na identificação dos interesses e em uma tomada de consciência em relação à trajetória profissional, intervenções com essa perspectiva respondem aos objetivos do Programa. Todavia, não são encontrados materiais que indiquem como realizar o processo de OP de acordo com as regulamentações do Suas, ainda que existam referenciais para populações específicas e contextos de vulnerabilidade social (Bock, 1995; Bock, 2010; Bock, 2014), o que possibilita desenvolver e publicar práticas que possam ser utilizadas por psicólogos e/ou orientadores de carreira na esfera da assistência social.
Assim, é importante desenvolver métodos que atendam a demanda dos usuários do Suas e que possibilitem o avanço da Psicologia como ciência e profissão. Embora não se encontrem referenciais para a execução da OP na esfera governamental da Assistência Social, a literatura aponta o desenvolvimento dessa prática em outros órgãos sociais não governamentais (Costa, 2007; Dimas & Soares, 2007; Pereira, Chaves & Galvão, 2013). A justificativa para desenvolver intervenções em OP nesse contexto responde à discussão dos psicólogos que a percebem como possibilidade de transformação social e como postura profissional comprometida com o desenvolvimento comunitário (Costa, 2007).
Nessa direção, Dimas e Soares (2007) realizaram uma pesquisa com 91 jovens moradores da Ilha do Mel, Paraná, a fim de conhecê-los, saber suas relações com as escolhas profissionais, identificar suas preferências, valores e os sentidos que atribuem ao trabalho, além de correlacionarem essas escolhas com os costumes locais. Os encontros foram realizados em instituições comunitárias por meio de dinâmicas que facilitaram discutir os temas propostos. Os resultados constaram que, nesse contexto, é importante propiciar ao jovem discutir sobre limites e possibilidades da escolha profissional, fortemente marcada pela realidade cultural.
Com intuito semelhante, Costa (2007) desenvolveu um programa de OP entre 1999 e 2004, com adolescentes de 13 a 18 anos, moradores de uma favela de Belo Horizonte, Minas Gerais. Os grupos eram compostos por 10 adolescentes, os encontros semanais, com duração de uma hora e meia, com o objetivo de valorizar os estudos, conhecer o mercado de trabalho e as profissões possíveis, bem como suas dificuldades e possibilidades. O projeto permitiu concluir que há a possibilidade de uma escolha profissional consciente e pautada na realidade psicossocial, sendo de grande importância permitir que os jovens em situação de vulnerabilidade discutam estigmas e rompam com eles.
Vale ainda ressaltar, conforme estudo de Sobrosa, Camerin, Santos e Dias (2012) com jovens pertencentes a camadas sociais economicamente pouco favorecidas, que são várias as dificuldades, como a financeira e as limitações na formação, para esses jovens buscarem cursos de qualificação profissional, emergindo a necessidade de propor reflexões e estratégias que os auxiliem na tomada de decisão a respeito da trajetória profissional.
Dessa forma, com intuito de expandir o alcance da OP e contribuir para a atuação da Psicologia no Suas, este trabalho teve como objetivo descrever uma intervenção em OP com adolescentes e jovens vinculados ao Programa Ação Jovem em um Cras. A experiência será relatada a partir da sequência das atividades e dos resultados dos dois grupos atendidos na intervenção, com apontamentos das questões significativas das atividades.
Método
Participantes
O Cras onde o trabalho foi desenvolvido se localiza em uma cidade de pequeno porte no interior do estado de São Paulo, com 62 famílias cadastradas em seu território de atuação, das quais 45 adolescentes e jovens são beneficiários do Programa Ação Jovem. Do total de beneficiários, 15 não participaram da intervenção por exercerem atividade profissional no período diurno e vespertino, sendo dispensados pela instituição de comparecerem aos encontros. Os 30 beneficiários restantes foram divididos em duas turmas de 15 participantes com idades de 14 a 17 anos, do sexo feminino e masculino, estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio de Escolas Públicas. O Grupo 1 foi composto na maioria por adolescentes do 3º ano do Ensino Médio e o Grupo 2 por adolescentes das demais séries.
Materiais e Procedimentos de obtenção e registro de dados
Para a discussão das temáticas no decorrer dos encontros, além de recursos audiovisuais e materiais gráficos, foram utilizados:
a) Roteiro de Entrevista Inicial, desenvolvido pelos autores, contendo nove questões abertas relativas a dados de identificação, inclinações de interesses profissionais, conhecimento sobre profissões, sonhos, influências e medos em relação à escolha e expectativas em relação à intervenção.
b) Atividades e técnicas de autoconhecimento: o objetivo foi conhecer as expectativas em relação às preferências e a profissões apresentadas como as que gostariam de escolher.
c) Técnicas de autoavaliação de habilidades e interesses: Matriz de Habilidades e Interesses Profissionais (Magalhães, 2011), que tem por objetivo explorar habilidades de trabalho em relação à motivação e competência. Também foram utilizadas as "Frases para completar" (Bohoslavsky, 1993), que tem por objetivo explorar a identidade vocacional.
d) Informações sobre profissões, mercado de trabalho e bolsas estudantis.
e) Roteiro de avaliação da intervenção, desenvolvido pelos autores, contendo nove questões abertas referentes à avaliação da participação na intervenção.
f) Entrevista devolutiva: a coleta de materiais para subsídio de uma devolutiva aconteceu a cada encontro; os orientandos realizavam as atividades de forma escrita e depois as expunham para o grupo, o que possibilitou que as discussões acontecessem. As atividades escritas e analisadas como um todo resultaram na devolutiva, que conteve uma síntese dos resultados de cada encontro e, por fim, o levantamento das ocupações trazidas na entrevista inicial e as inclinações manifestas ao fim da intervenção.
Desenvolvimento dos encontros
O processo de OP foi estruturado em oito encontros semanais com duração de uma hora e aconteceram no Cras, em horário distinto do período escolar dos adolescentes. Antes do início das atividades, houve uma reunião com a presença dos pais e adolescentes para esclarecimentos sobre a intervenção e assinatura de consentimento dos pais e adolescentes para a) participação na orientação e b) uso dos dados para fins acadêmicos, assegurando-se os cuidados éticos previstos pelo Conselho Nacional de Saúde e Código de Ética do Psicólogo.
A estruturação da intervenção em oito encontros respondeu ao tempo e espaço disponibilizados pela instituição. Todavia, Soares (2010), ao fazer um levantamento do trabalho desenvolvido no Laboratório de Informação em Orientação Profissional (Liop) da Universidade Federal de Santa Catarina, aponta que os processos acontecem de modo a conter de oito a dez encontros, divididos em três momentos: autoconhecimento, informação profissional e projeção para o futuro. Assim, na estruturação da intervenção, tomou-se o cuidado de abranger essas três etapas, sendo que os encontros foram estruturados da mesma forma para os dois grupos e, no Encontro 7, optou-se por deixar que os orientandos escolhessem a temática a ser trabalhada.
O Encontro 1 foi utilizado para a entrevista inicial realizada de modo grupal, sendo que os adolescentes responderam ao Roteiro de Entrevista Inicial para identificação dos interesses profissionais e expectativas em relação à OP e, posteriormente, discutiram suas respostas ao questionário. Ainda nesse encontro, foi realizada a atividade "Árvore das Preferências", que favoreceu a reflexão sobre os aspectos positivos e negativos dos interesses e sobre os planos para o futuro. Para tal, solicitou-se que os adolescentes desenhassem uma árvore em uma folha sulfite. Eles receberam recortes em formato de folhas de árvores em papel verde e amarelo e de pequenos frutos vermelhos. A tarefa dos adolescentes era colar essas folhas e frutos na árvore desenhada, sendo que, nas folhas verdes, deveriam colocar o nome de atividades cotidianas que fazem e gostam, nas folhas amarelas atividades que fazem, mas não gostam e, se pudessem, deixariam de realizar e, nos frutos, aquilo que imaginam fazendo no futuro.
No Encontro 2, objetivou-se auxiliar os adolescentes na identificação dos interesses e habilidades por meio da técnica "Frases para completar" (Bohoslavsky, 1993). Já o Encontro 3 teve por objetivo refletir sobre a influência dos valores na escolha profissional e na carreira. Para tanto, a atividade "Leilão dos Valores" foi realizada, sendo ela uma simulação de um leilão no qual os adolescentes recebiam réplicas de notas de dinheiro e podiam comprar, a partir de lances, "valores" que consideravam importante para suas vidas e para suas carreiras (exemplo: sabedoria, autonomia, acumular fortuna, fama e solidariedade).
No Encontro 4, aplicou-se a técnica Matriz de Habilidades e Interesses Profissionais (Magalhães, 2011) com o objetivo de explorar os interesses profissionais dos adolescentes.
O Encontro 5 teve início com a retomada dos aspectos explorados por meio da Matriz de Interesses e Habilidades com intuito de possibilitar uma melhor reflexão sobre as habilidades pessoais, ocupações e os ambientes compatíveis. Na sequência foi realizada a técnica "Loja das profissões e do futuro profissional" (Soares & Krawulski, 1999), em que os adolescentes receberam a orientação de que deveriam imaginar que estavam em uma cidade na qual encontrariam duas lojas que vendiam profissões. A tarefa dos adolescentes era escolher, em cada loja, que profissões gostariam de ter para si. Essa atividade proporciona refletir sobre as profissões consideradas antigas e as profissões em alta de acordo com a visão dos orientandos, além de permitir a expressão das fantasias e medos relacionados ao ato de escolher.
No Encontro 6, a temática explorada foi referente à informação sobre as profissões e oportunidades no mercado de trabalho. Para tanto, realizou-se a pesquisa e exposição oral de informações sobre as profissões apontadas pelos orientandos na Entrevista Inicial realizada no Encontro 1, sendo que, com o auxílio do orientador, eles foram responsáveis por expor as informações ao grupo. Nessa atividade, eles puderam verificar nível de formação, instituições públicas e privadas da região que oferecem a formação, valores de mensalidades, salário inicial e contexto atual do mercado de trabalho. Após explorar o cenário das profissões, realizou-se a técnica "Curtigrama" (Soares-Lucchiari, 1993), na qual os orientandos receberam uma folha de sulfite dividida em quatro quadros. Foi solicitado que classificassem as profissões selecionadas na exploração feita na atividade anterior nesses quadros denominados "gosto e faria", "gosto e não faria", "não gosto e faria", "não gosto e não faria".
No Encontro 7, os adolescentes escolherem o tema a ser abordado, sendo que o primeiro grupo optou por elaborar planos de estudos para se prepararem para o Exame Nacional do Ensino Médio; o segundo grupo escolheu questões relativas ao primeiro emprego. Esse encontro também trouxe informações sobre os diferentes níveis de formação, bolsas estudantis, concursos, entrada no mercado de trabalho e roteiro de estudos.
Por fim, o Encontro 8 foi utilizado para devolutiva coletiva do processo de OP, no qual os orientandos tiveram acesso a todos os materiais da intervenção e realizou-se uma reflexão acerca das habilidades e autoconhecimento pessoal, com foco em possibilitar aos adolescentes a tomada de decisão adiante da trajetória profissional. Esse encontro também foi utilizado para avaliação do processo pelos orientandos e encerramento do grupo por meio da técnica "Autobiografia do futuro" (Mahl, Soares & Neto, 2005), que consistiu na escrita de uma carta na qual projetaram o futuro em 10 anos, podendo expressar seus planos e projetos de vida auxiliados pela realização da intervenção. A carta deveria ser endereçada a uma pessoa importante contando como está a vida, qual sua profissão, suas conquistas e dificuldades. O objetivo dessa técnica é verificar a projeção de futuro do orientando e a trajetória que imagina ter que seguir em relação à construção da carreira.
Resultados e discussão
Os encontros grupais evidenciaram que a maioria dos adolescentes tinha uma visão orientada para o nível superior como forma de atingir o sucesso profissional. Porém, entrada e permanência em uma universidade eram vistas como dificultosas em virtude de um pensamento comum a todos no qual "sem dinheiro é difícil correr atrás dos sonhos". Alguns adolescentes reproduziam em seus interesses profissionais a história da sua família, tendo como figuras de referências pessoas de seu círculo de convívio, sendo esse aspecto a maior influência em relação à escolha. Um pequeno número de participantes demonstrou conhecimento sobre as profissões e traçou planos de carreira, com metas e passos para atingirem seus objetivos, e outro grupo encontrou-se totalmente sem direção para a escolha profissional, não revelando inclinação para nenhum tipo de atividade.
As dúvidas em relação ao futuro profissional são comuns nessa faixa etária, sendo constatadas também em um estudo de Becker, Bobato e Schulz (2012). Ao trabalharem temáticas sobre autoconhecimento e projeto de vida com adolescentes, identificaram que as narrativas deles apontavam para duas direções, sendo que um grupo tinham dúvidas em relação à tomada de decisão e outro expressava relações entre suas habilidades e as áreas de interesse profissionais atuais.
No tocante às influências recebidas na construção de uma identidade profissional, os resultados concordam com os de Levenfus e Soares (2010), que apontam que o adolescente se identificará inicialmente com a família e outros apoios que o meio social oferece. Isso demanda compreender a forma como essa identificação ocorre, a fim de possibilitar aos orientandos uma análise crítica da construção da sua trajetória profissional.
Os adolescentes puderam refletir sobre a influência dos valores pessoais na escolha de carreira por meio da atividade do "Leilão dos Valores". Três valores apareceram com maior frequência como os mais importantes, sendo eles: Justiça (um mundo sem corrupção, preconceitos, mentiras ou fraudes); Solidariedade (cooperação entre as pessoas) e Estabilidade (uma vida tranquila e livre de qualquer pressão). Nesse sentido, concorda-se com Lachtim e Soares (2011) que, ao analisarem os valores atribuídos por adolescentes ao trabalho, constataram que eles atribuíam valores positivos voltados não só ao desenvolvimento de aspectos pessoais, mas também a questões sociais que se relacionam ao seu contexto.
A partir das técnicas de Informação Profissional, evidenciou-se que os orientandos optaram por profissões que recebem um prestígio social (jogador de futebol, medicina, engenharia) e preteriram profissão que, em suas visões, não eram consideradas importantes, tais como a de professor. Puderam ainda explorar o empenho pessoal empregado para chegar até a profissão. Porém, os orientandos novamente colocaram a questão financeira ou bens materiais como principal fator de conquista de uma profissão em detrimento de motivação, responsabilidade e hábito de estudo. Sobrosa et al. (2013) também encontraram resultados parecidos, uma vez que, em seu estudo, os adolescentes apontaram baixa associação entre profissão e responsabilidade, isso sendo entendido como indicativo de uma visão ingênua em relação ao trabalho.
No trabalho com essa demanda, verificou-se a necessidade da conscientização de que é possível construir uma carreira profissional por meio do estudo, sendo que, pelos dispositivos legais, há meios de adentrar e permanecer no ensino superior. Em relação aos adolescentes que desejavam profissões que não demandavam curso de nível superior, foram trabalhadas as possibilidades de formação específica e profissionalizante, ressaltando a necessidade de o profissional ter um diferencial para se colocar no mercado de trabalho.
O trabalho em grupo precisa contemplar as demandas coletivas, mas de modo que as demandas individuais sejam também trabalhadas. Assim, o oitavo encontro reservou-se para a entrevista devolutiva e avaliação do processo. A partir da devolutiva foi possível discutir a exploração das habilidades, autoconhecimento e conhecimento da realidade profissional. As devolutivas foram discutidas no grupo, possibilitando esclarecer pontos sobre profissões que não foram esclarecidos anteriormente.
O trabalho foi finalizado com a técnica "Autobiografia do futuro" (Mahl et al., 2005). Nos escritos, verificou-se que os adolescentes passaram a pensar na carreira como algo a ser construído e relataram o sucesso profissional evidenciado por meio de aquisição de casa, carros e outros bens materiais, assim como um meio de manterem a família que desejam construir. O trabalho é o meio pelo qual desejam romper com as estruturas vigentes, sendo relatado que, com um emprego, podem ajudar seus familiares a saírem das situações de vulnerabilidade. Um fato que chama a atenção é o de que todos os adolescentes projetam um futuro morando longe da cidade em que residem. Evidenciou-se que eles não tiveram dificuldades em projetar o futuro, fator que diverge do encontrado por Becker et al. (2012) no trabalho com uma população semelhante.
A avaliação da intervenção pelos participantes possibilitou verificar os pontos positivos e os que poderiam ser melhorados para um programa mais satisfatório. Todos os participantes avaliaram como importante terem participado da OP, que os auxiliou a compreenderem os interesses e motivações para uma escolha responsável. Sugeriram um maior número de encontros e maior carga horária para melhor exploração dos temas e apontaram como dificuldade a questão de falar perante o grupo, sendo que a timidez apareceu como um fator que atrapalhou o aproveitamento e o esclarecimento de algumas dúvidas.
Considerações finais
A intervenção em OP com adolescentes vinculados ao Programa Ação Jovem contribuiu para a reflexão sobre as escolhas profissionais de uma população em situação de vulnerabilidade e permitiu o desenvolvimento de um trabalho a partir dos parâmetros definidos pela política pública do Suas. Por se tratar de uma primeira experiência de intervenção em OP nesse contexto, é necessário considerar os pontos positivos e aqueles que precisam ser desenvolvidos para aperfeiçoamento do trabalho na esfera social governamental.
Considerando as avaliações dos orientandos, sugere-se que o tempo empregado no trabalho grupal seja maior e, de acordo com as possibilidades, com grupos menores, a fim de permitir maior integração entre os participantes e evitar que aspectos como a timidez impeçam a participação efetiva dos membros. Nesse sentido, concorda-se com Melo-Silva e Jacquemin (2001) que a modalidade de orientação grupal torna-se mais produtiva quando há uma integração entre os membros dos grupos, demandando do orientador observar a forma de relacionamento entre os membros do grupo e com a tarefa e como ocorre o aprendizado entre eles.
Embora tenham sido encontradas diferenças em relação à escolaridade, sugere-se manter uma divisão em relação ao ano escolar a fim de que haja espaço para explorar preocupações referentes a cada nível, considerando-se que o aluno do terceiro ano do ensino médio encontra-se em um momento de transição escolar, apresentando inquietações maiores que os de 9º ano, que ainda estão começando a preocupar-se com as questões profissionais. Assim, considerando esse fator, a intervenção foi positiva ao compor grupos. Também se sugere que a devolutiva ocorra individualmente, além do contexto grupal, de modo a permitir que questões mais pontuais e individuais sejam esclarecidas.
Por fim, sugere-se a realização de novas intervenções nesse contexto a fim de serem verificados a eficácia e o aperfeiçoamento da intervenção. É preciso que os profissionais de OP possibilitem o acesso desse serviço a populações tais como a participante dessa intervenção e não se limitem apenas a essa faixa etária, mas que considerem todos os usuários dos Cras e de outras políticas públicas e sociais. Cabe aos orientadores desenvolverem ações pautadas nos parâmetros éticos e sociais, colaborando para que as pessoas sejam reconhecidas em suas singularidades de modo a construírem uma trajetória profissional e conquistarem uma emancipação pessoal e profissional a partir dos seus interesses.
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Recebido em 01/03/2016
Aprovado em 29/05/2017