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Revista Psicologia e Saúde
versão On-line ISSN 2177-093X
Rev. Psicol. Saúde vol.13 no.4 Campo Grande out./dez. 2021
https://doi.org/10.20435/pssa.v13i4.1266
ARTIGOS
Perfil epidemiológico de agravos à saúde em policiais e bombeiros
Epidemiological profile of health problems in policemenand firefighters
Perfil epidemiologico de problemas de salud en policiales y bomberos
Gustavo Klauberg Pereira; Polícia Militar de Santa Catarina; Ricelli Endrigo Ruppel da Rocha; Roberto Moares Cruz
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
RESUMO
INTRODUÇÃO: Militares são expostos a riscos ocupacionais no trabalho.
MÉTODO: Estudo epidemiológico e descritivo de corte transversal, realizado com 4.392 policiais e bombeiros. Foram avaliadas a prevalência, incidência e associação de variáveis sócio-ocupacionais com os motivos de afastamento do trabalho, segundo Classificação Estatstica Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde.
RESULTADOS: Os agravos mais prevalentes foram por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (29,0%) e por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (23,4%). Houve aumento de 28,1% de novos casos de transtornos mentais e comportamentais e de 23,4% de doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. Variáveis sócio-ocupacionais têm relação com os motivos de afastamento do trabalho da amostra (p<0,05).
CONCLUSÃO: Policiais e bombeiros do sexo masculino e que realizam atividade operacional apresentaram alta prevalência e incidência de afastamentos do trabalho.
Palavras-chave: saúde pública,saúde do trabalhador; risco ocupacional; doenças do trabalho
ABSTRACT
INTRODUCTION: military personnel are exposed to occupatonal hazards at work.
METHOD: Epidemiological and descriptive cross-sectonal study conducted with 4,392 policemen and firefighters. The prevalence, incidence and association of socio-occupatonal variables with the reasons for leaving work, according to the Internatonal Statstical Classificaton of Diseases and Related Health Problems, were evaluated.
RESULTS: The most prevalent injuries were injuries, poisonings and some other consequences of external causes (29.0%);diseases of the musculoskeletal system and connective tssue (23.4%). There was an increase of 28.1% in new cases of mental and behavioral disorders and 23.4% in diseases of the musculoskeletal system and connective tssue. The socio-occupatonal variables had a relatonship with the main reasons to leaving the work found in the sample (p <0.05).
CONCLUSION: Military policemen and male military firefighter performing operatonal tasks presented high prevalence and incidence of sick-leave.
Keywords: public health; occupatonal health; occupatonal risks; occupatonal diseases
RESUMEN
INTRODUCCIÓN: los militares están expuestos a riesgos laborales en el trabajo.
MÉTODO: Estudio epidemiológico y descriptivo transversal realizado con 4.392 policiales y bomberos. Se evaluaron la prevalencia, la incidencia y la asociación de variables socio-profesionales con las razones para dejar el trabajo, de acuerdo con la Clasificación estadística internacional de enfermedades.
RESULTADOS: Los males más prevalentes fueron lesiones, envenenamientos y algunas otras consecuencias de causas externas (29.0%) y enfermedades del sistema musculoesquelétco y tejido conectivo (23,4%). Hubo un aumento del 28,1% en los nuevos casos de trastornos mentales y del comportamiento y del 23,4% en las enfermedades del sistema musculoesquelétco y el tejido conectivo. Las variables socio-ocupacionales tuvieron una relación con las razones principales para bajas por enfermedadde la muestra (p <0.05).
CONCLUSIÓN: Policiales y bomberos de sexo masculino que realizan tareas operativas presentaron alta prevalencia e incidencia de bajas por enfermedad.
Palabras clave: salud pública; salud laboral; riesgos laborales; enfermedades profesionales
Introdução
A Constituição Federal preconiza que a segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos e, dentre os órgãos que a exercem, estão a Polícia Militar (PM) e o Corpo de BombeirosMilitares (CBM), que atuam em beneficio social (Brasil, 1988). O exercício profisional desses trabalhadores é essencial para a manutenção da sociedade, assim, torna-se relevante socialmente compreender quaisquer doenças associadas a essa categoria profissional (Han, Park, Park, Hwang,& Kim, 2018).
Bombeiros e policiais militares têmambientes sociais e ocupacionais que favorecem a exposição frequente a riscos e a insalubridade, pois se envolvem com períodos repetidos e longos de trabalho intenso, alta tensão e violência no trabalho, exposição a perigos químicos, físicos, biológicos e psicológicos, aumentando a ocorrência dos mais diversos agravos à saúde (Wickramasinghe, Wijesinghe, Dharmaratine,&Agampodi, 2016; Kim, Ahn, Kim, Yoon,&Roh, 2016). Além disso, têm sido observados que os níveis de estresse dos militares são superiores quando comparados a outras classes profissionais, não somente pelos riscos envolvidos na profissão e a excessiva carga de trabalho, mas também pela qualidade das interações produzidas nas organizações militares, pautada em preceitos rígidos de hierarquia e disciplina (Minayo, Assis,& Oliveira, 2011; Magajewski, 2010).
Um estudo realizado sobre a saúde mental e física em 26 ocupações profissionais inglesas mostrou que a profissão de militar ficou ranqueada entre o 9º e 11º, no geral, e em 1º lugar das ocupações com problemas de saúde (Velden et al., 2013).Em outro estudo sobre níveis de qualidade de vida e estresse ocupacional, realizado com 1.837 profissionais da segurança pública do Estado de Mato Grosso (Brasil), foi verificado que 52% apresentavam estresse, com associação significativa entre altos níveis de estresse e má qualidade de vida, bem como a necessidade de estratégias institucionais para melhorar a qualidade de vida na Segurança Pública do Estado (Lipp, Costa,& Nunes, 2017). Outra investgação, com 200 policiais militares da Região Metropolitana de Florianópolis, mostrou que a prevalência de transtornos mentais e comportamentais foi de 24% (Lima, Assunção,& Barreto, 2015).
Nesse contexto, a ocupação de militar tem sido alvo de estudos epidemiológicos, devido ao aumento dos afastamentos para tratamento de saúde por doenças físicas e mentais e as implicações na saúde pública, nas organizações de segurança e na sociedade em geral (Baasch, Trevisan, & Cruz, 2017; Castro, Avila, & Cruz, 2015; Han et al., 2018; Lima, Blank, & Menegon, 2015). Apesar disso, a maioria das pesquisas realizadas com militares não têm avaliado possíveis preditoressócio-ocupacionais dessas doenças. O conhecimento destes preditores possibilita o acompanhamento e a intervenção nos fatores que prejudicam a saúde dos militares, e serve como parâmetro para o estabelecimento de medidas preventivas que possibilitem mudanças comportamentais, as quais apresentam impacto direto na saúde e na segurança destes profissionais.
Com a finalidade de buscar mais informações sobre agravos à saúde em policiais e bombeiros militares para subsidiar políticas de promoção e prevenção da saúde ocupacional, bem como possibilitar uma atuação profissional mais eficaz, eficiente dos militares à sociedade, o objetivo deste estudo foi avaliar o perfil epidemiológico e sócio-ocupacional de policiais militares e bombeiros militares de Santa Catarina afastados do trabalho para tratamento de saúde, no período de 2014 a 2016.
Método
Este estudo epidemiológico descritivo e de corte transversal analisou a prevalência de afastamentos do trabalho entre os períodos de 2014 a 2016. A população estudada foi de 4.392 militares do Estado de Santa Catarina, Brasil, divididos em 3.787 policiais militares e 604 bombeiros militares que se afastaram do trabalho por adoecimento. O militar é avaliado por uma junta médica, com função pericial, que registra as informações do militar afastado em um banco de dados da Junta Médica da Polícia Militar de Santa Catarina.
A fonte de dados da Junta Médica da Polícia Militar de Santa Catarina, cujo acesso ocorreu após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, protocolo número 1.513.146, continha informações sociode-mográficas, ocupacionais e de diagnósticos de afastamentos de acordo com a Classificação Estatstica Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10). A CID-10 é composta por 22 capítulos, os quais apresentam códigos referentes à quantidade de sinais e sintomas, aspectos de anormalidade, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças (Iacoponi, 1999).
Para compor o banco, uma análise exploratória inicial mostrou que os códigos diagnósticos CID-10 mais frequentes na amostra foram as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99), os transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), as lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98) e fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (Z00-Z99), totalizando 78% dos casos. As outras categorias, A00-B99: algumas doenças infecciosas e parasitárias; C00-D48: neoplasmas (tumores); D50-D89: doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos e alguns transtornos imunitários; E00-E90: doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas; G00-G99: doenças do sistema nervoso; H00-H59: doenças do olho e anexos; H60-H95: doenças do ouvido e da apófse mastoide; I00-I99: doenças do aparelho circulatório; J00-J99: doenças do aparelho respiratório; K00-K93: doenças do aparelho digestivo; L00-L99: doenças da pele e do tecido subcutâneo; N00-N99: doenças do aparelho geniturinário; O00-O99: gravidez, parto e puerpério; P00-P96: algumas afecções originadas no período perinatal; Q00-Q99: malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas; R00-R99: sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte; V01-Y98: causas externas de morbidade e de mortalidade e; U00-U99: códigos para propósitos especiais, corresponderam a 22% dos casos. Dessa forma, as categorias foram divididas em: M00-M99; F00-F99; S00-T98; Z00-Z99 e "Outros" (agrupamento dos demais códigos diagnosticados).
As variáveis dependentes da presente pesquisa são a quantidade de dias afastados do trabalho e os diagnósticos por CID-10 mais frequentes. As variáveis independentes incluíram as características sócio-ocupacionais: sexo, região militar de atuação, atividade operacional ou administrativa, instituição (Polícia Militar de Santa Catarina ou Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina) e carreira (praças: soldados, cabos, sargentos, sub-tenentes; e oficiais: tenentes, capitães, majores, tenentes-coronéis e coronéis).
A prevalência foi calculada dividindo a quantidade de sujeitos acometidos por uma doença pelo total de indivíduos da população (N=14.175). O cálculo da taxa de incidência foi realizado como a razão do número de novos casos afastados por uma doença, e o total de sujeitos em risco/ano. A incidência cumulativa (Δ%) foi calculada pela razão da somatória do número de novos casos afastados por uma doença a cada ano, e o total de afastamentos entre 2014 e 2016.
Inicialmente, foi realizada a análise descritiva dos dados e apresentada como frequências absolutas e relativas, média e desvio-padrão. Para determinar a estatstica paramétrica ou não paramétrica, foi verificada a normalidade dos dados através do teste de Kolmogorov-Smirnov e o teste de Levene para analisar a homogeneidade entre as categorias. Devido à distribuição não normal dos dados de afastamento para tratamento de saúde das categorias sexo, carreira, região militar, atividade e instituição, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney para as comparações entre 2 categorias. Para comparar a média de dias de afastamento de acordo com os códigos diagnósticos CID-10 mais frequentes, foi utilizado o teste t de Students para amostras independentes, pois a análise mostrou distribuição normal.Para verificar a associação das variáveis dependentes (F00-F99, M00-M99, S00-T98, Z00-Z98 e Outros) com as variáveis independentes (sócio-ocupacionais), foram testadas as associações por meio do Teste do Qui-Quadrado de Pearson (χ2). As variáveis testadas em que a associação apresentou nível de significância de p ≤ 0,20 foram selecionadas para entrada na modelagem de regressão logística multivariada e hierárquica. Assim, obtiveram-se as Razões de Chance (OR) com seus respectivos intervalos de confança (IC95%). A partr dos resultados da primeira análise, foram incluídas incialmente, em ordem crescente, no modelo, todas as variáveis com menor valor de p obtido no Teste do Qui-Quadrado de Pearson (χ2). O nível de significância adotado para todas as análises foi de p<0,05. Todas as análises foram realizadas no StatsticalPackage for the Social Sciences (SPSS) versão 25.0.
Resultados
No período de 2014-2016, estiveram em licença para tratamento de saúde (LTS) 4.392 policiais militares e bombeiros militares de Santa Catarina. A estimativa dos custos com pagamento dos salários dos militares afastados nesse período foi de R$29.713.716,07. O ano de 2014 despendeu R$3.653.011,64, com 582 afastamentos; 2015, R$ 13.570.955,27 (n=1.995 afastamentos); e 2016, R$12.489.749,16 (n=1.814 afastamentos).
No perfil dos militares avaliados, predominou o sexo masculino (92%), pertencente à carreira das Praças (97,3%), exercendo atividade operacional (79%). A região metropolitana da capital do estado (1ªRPM - 44,2% e 11ªRPM - 8,5%) concentrou o afastamento de policiais militares, e os bombeiros afastados atuam na região litorânea (Tabela 1).
A média de afastamentos dos militares (Tabela 1) mostrou que os policiais militares se afastam por mais tempo,em comparaçãoaos bombeiros militares (p<0,001) - em média, 6,9 dias a mais. Já os militares que atuam na atividade operacional permanecem mais tempo afastados do trabalho quando comparados aos que atuam na atividade administrativa (p<0,05), em média, 3 dias a mais.
Além disso, nos policiais militares, a região da 1ªRPM apresentou a menor média de dias de afastamento por LTS comparadaàs demais regiões (p<0,001). Também, a região da 12ªRPM mostrou menor média de afastamento por LTS em comparaçãoàs regiões da 2ª RPM, 3ª RPM, 5ª RPM, 6ª RPM, 7ª RPM e 10ª RPM (p<0,001). Com relação aos bombeiros militares, a 1ª RBM teve a menor média de dias de afastamento por LTS comparadaà 2ª RBM (p<0,0001). Não houve diferença estatsticamente significativa no tempo de afastamento entre as variáveis sexo e carreira dos militares (p>0,05) (Tabela 1).
Na Tabela 2, apresenta-se a distribuição dos afastamentos por ano e de acordo com os diagnósticos mais frequentes recebidos pelos militares em LTS, entre 2014-2016. Nesse período, a taxa de crescimento dos afastamentos do trabalho por LTS, de 2014 a 2016, foi de 312%.
Os agravos à saúde mais prevalentes entre policiais militares e bombeiros militares de Santa Catarina foram por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98; 29,0%), doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99; 23,0%) e outros (22,0%), correspondendo a 2/3 de todos os afastamentos dos militares de SC (Tabela 2). Os agravos à saúde menos prevalentes nos militares foram os transtornos mentais e comportamentais (F00-F99; 14,4%) e os fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (Z00-Z99; 11,0%) (Tabela 2).
A Tabela 3 apresenta a taxa de incidência e a incidência cumulativa dos principais agravos à saúde dos policiais militares e bombeiros militares catarinenses no período analisado. A incidência cumulativa mostrou que, ao longo de 3 anos, ocorreram 28,1% de novos casos de transtornos mentais e comportamentais; 23,4% de novos casos de doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo; e 23,2% de outros agravos à saúde.
A taxa de incidência de afastamento por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99), com 123 casos a cada 1.000 militares, e outros CID com 119 casos a cada 1.000 militares, foi maior em 2015,em comparaçãoa 2014 e 2016 (Tabela 3). Em contrapartida, em 2016,comparado a 2014 e 2015 (Tabela 3), foi maior a taxa de incidência de afastamentos por transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), com 139 casos a cada 1.000 militares; as lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98), com 59 casos a cada 1.000 militares; e os fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (Z00-Z99), com 39 casos a cada 1.000 militares.
A Tabela 4 e 5 apresentam a análise de regressão logística multivariada bruta e ajustada de acordo com as categorias mais frequentes de afastamentos dos militares.
De acordo com a análise logística multivariada ajustada por categoria para todo o período (Tabela 5), militares do sexo masculino apresentam 27% menos chance de se afastar por transtornos mentais e comportamentais (F00-F99) em comparaçãoa militares do sexo feminino (OR 0,73 IC95%: 0,55-0,97). Os policiais militares apresentam razão de chance 40% maior (OR 1,40 IC95%: 1,07-1,83) do que os bombeiros militares de se afastarem por transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), enquanto a carreira de praças tem64% menos chance de se afastar por transtornos mentais e comportamentais (OR 0,36 IC95%: 0,24-0,54).
Com relação aos afastamentos por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99), a carreira de praças e a região litorânea mostrou razão de chances de 143% (OR 2,43 IC95%: 1,38-4,28) e 23% (OR 1,23 IC95%: 1,02-1,48), respectivamente, de se afastar por M00-M99,em comparaçãoà carreira de oficiais e região serrana. Além disso, os policiais militares têm42% menos chances de se afastar por M00-M99, comparados aos bombeiros militares (OR 0,58 IC95%: 0,48-0,70).
Os militares do sexo masculino mostraram razão de chances 79% (OR 1,79 IC95%: 1,34-2,38) maior de se afastarem das atividades por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98) do que os militares do sexo feminino, e os que trabalham na atividade operacional têm 125% (OR 2,25 IC95%: 1,86-2,72) mais chances de se afastar por S00-T98 do que os que trabalham em atividade administrativa. Em contrapartida, os militares que trabalham na região litorânea têm 20% menos chances de se afastar por S00-T98.
Quanto aos afastamentos por fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (Z00-Z99), os policiais militares apresentam 36% (OR 1,36 IC 95%: 1,01-1,83) mais chances, comparados aos bombeiros militares. E os "Outros" fatores associados aos afastamentos mostraram que os militares que trabalham na região litorânea têm 36% mais chances comparados aos que trabalham na região serrana (OR 1,36 IC95%: 1,10-1,66); entretanto, o sexo masculino e a atividade operacional têm 34% (OR 1,34 IC95%: 0,51-0,83) e 46% (OR 1,46 IC 95%: 0,46-0,64), respectivamente, menos chances de se afastar por outras doenças, em comparação ao sexo feminino e à atividade administrativa.
A Tabela 6 apresenta a comparação entre as variáveis sócio-ocupacionais de acordo com grupos de risco ao adoecimento.
Os resultados do teste t de Students mostraram que os militares do sexo masculino se afastam por um período maior por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas do que o sexo feminino (p<0,001). Em contrapartida, no sexo feminino, o tempo de afastamento por outros agravos à saúde foi maior comparado ao sexo masculino (p<0,001). Não houve diferença entre os sexos no tempo de afastamento por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, transtornos mentais e comportamentais e fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (p>0,05) (Tabela 6).
Os militares que atuam como praças se afastam por mais tempo do que os militares na carreira de oficiais por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (p<0,001). Entretanto, os oficiais se afastam por um período maior por transtornos mentais e comportamentais comparados aos militares praças (p<0,001). Nos outros agravos a saúde, não houve diferença com relação à carreira dos militares (p>0,05) (Tabela 6).
A atividade administrativa dos militares mostrou que o período de afastamento por transtornos mentais, comportamentais e outros é maior quando comparado aos militares que realizam atividade operacional (p<0,05). Para os militares que realizam atividade operacional, o tempo de afastamento por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas foi maior comparado aos militares que realizam atividade administrativa (p<0,001). O tempo de afastamentos por doenças do sistema osteomuscular, do tecido conjuntivo e fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde não foram diferentes entre as atividades dos militares (p<0,05) (Tabela 6).
Os bombeiros se afastam por um período maior por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo em comparaçãoaos policiais militares (p<0,001). Por outro lado, os policiais militares se afastam por períodos mais longos por transtornos mentais, comportamentais e fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde,-comparados aos bombeiros (p<0,05) (Tabela 6).
Discussão
Esta pesquisa apresenta resultados significativos sobre o perfil epidemiológico de policiais militares e bombeiros militares de Santa Catarina afastados do trabalho para tratamento de saúde entre 2014-2016. Além das despesas financeiras ao Estado, em torno de 30 milhões de reais no período estudado, o afastamento dessa classe profissional custa à população o aumento da insegurança e riscos, pois, além da redução do efetivo no emprego das atividades de segurança pública, a sobrecarga dos demais trabalhadores aumenta as chances de adoecimento profissional e as dificuldades paras os gestores, que já sofrem com altas demandas e responsabilidades (Oliveira & Santos, 2010; Bezerra, Minayo,& Constantno, 2013). A média de dias afastados do trabalho dos militares mostra que os policiais se afastam por mais tempo que os bombeiros (Tabela 1). Esta diferença pode estar relacionadaàs características da ocupação entre os militares. Policiais militares lidam constantemente com a violência, a brutalidade e agressões, e intervêm em situações de problemas humanos de muito confito e tensão, aumentando o risco para doenças mentais e comportamentais (Minayo et al., 2011; Silva, Matos, Valdivia, Cascaes,& Barbosa, 2013; Elntb& Armstrong, 2014),enquanto bombeiros atuam em situações trágicas, como incêndios, colisões e salvamentos com frequente exigência física, portanto, maior risco de desenvolver doenças osteomusculares (Lima, Assunção & Barreto, 2015; Pires, Vasconcellos,&Bonfat, 2017).
Neste estudo, não houve diferença entre os militares do sexo masculino e feminino na média de dias de afastamento (Tabela 1). Destacamos que, apesar da predominância masculina na profissão e maiores chances de traumas externos, gerando maior possibilidade de se afastarem (Schneider, Signorelli,& Pereira, 2017), as mulheres militares tendem a apresentar maior quantidade de sintomas de sofrimento psíquico (Oliveira &Bardagi, 2009; Castro & Cruz, 2015), estresse em relação à organização de trabalho, conflitos interpessoais(Baasch et al., 2017) e sofrem discriminação de gênero e assédio (Bezerraet al., 2013). Portanto, ambos os militares acabam se afastando por motivos diferentes.
Os militares que realizam atividade operacional se afastam por períodos maiores em comparaçãoaos militares que atuam na atividade administrativa (Tabela 1). Estes resultados corroboram com outros estudos que mostraram que militares que atuam fora dos quartéis ficam mais expostos a riscos de acidentes, tensão, exposição frequente à morte, apresentando mais afastamentos por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2011; Lima, Blank, & Menegon, 2015; Nabeel, Baker, McGrail, & Flotemesch, 2007).
Interessantemente, os oficiais e os praças não diferem na média de dias afastados para tratamento de saúde no período (Tabela 1). Destacamos que, apesar do nível hierárquico entre os oficiais e os praças, ambas as carreiras são submetidas aos mesmos riscos e sobrecargas, como a vigilância e o uso permanente de arma de fogo, aumentando a probabilidade de desenvolver estresse em função dos níveis de responsabilidade ( Lima, Blank, & Menegon; 2015).
Os agravos à saúde mais prevalentes no período de 2014 a 2016, nos militares, foram por S00-T98, com 29,0%; M00-M99, com 23,0%; e outros, 22,0% (Tabela 2). Os estudos têm mostrado resultados confitantes sobre a prevalência de agravos à saúde em militares. Por exemplo, em um estudo com bombeiros militares do estado do Rio de Janeiro, mostrou-se que as doenças mais prevalentes foram as doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo (M00-M99), com 21%; as lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98), com 12,6%; e os transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), com 8,9% dos casos, corroborando em parte com o presente estudo (Pires et al., 2017). Em outro estudo, com policiais militares de Pernambuco, as doenças mais frequentes foram o diagnóstco "outros" e os transtornos mentais e comportamentais (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2012). Em uma revisão sistemática para avaliar o risco ocupacional, lesões e doenças em policiais militares, observou-se que as doenças relacionadas aos transtornos mentais e comportamentais (F00-F99) e as doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo (M00-M99) foram as mais prevalentes nos militares, no período de 1987 a 2017, corroborando em parte com esta pesquisa (Mona, Chimbari, & Hongoro, 2019). A diferença encontrada, deste estudo com os demais, pode ser explicada pelas características das amostras e de outras variáveis não avaliadas, como a prática de atividade física, doenças hereditárias, distúrbios de sono e abuso de álcool pelos militares.
De acordo com os agravos à saúde, as maiores taxas de incidência ocorreram nas doenças relacionadas aos transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), osteomusculares e do tecido conjuntivo (M00-M99) e "outros" (Tabela 3). Inferimos que fatores relacionados ao trabalho podem explicar as doenças com maior incidência. Os militares trabalham com elevados níveis de estresse, violência, longas jornadas de trabalho, altas demandas e responsabilidades, repetção e excesso de força, posturas inadequadas, fatores que podem explicar os adoecimentos por doenças mentais e comportamentais e do sistema osteomuscular (Han et al., 2018; Robazzi et al., 2012). Na categoria Outros, diversos fatores podem estar relacionados, dentre eles, os psicossociais no trabalho dos militares, que auxiliam no desenvolvimento de comprometimentos cardiovasculares (enfartes), respiratórios (asma), transtornos imunitários (artrite, reumatoide), gastrointestnais (úlcera, dispepsia), dermatológicos (psoríase, alergias), entre outros ( Lopes, Waeny, & Macedo; 2018).
O sexo masculino e a carreira de praças mostraram menos chances de desenvolver transtornos mentais e comportamentais (F00-F99) em comparaçãoaos militares do sexo feminino e da carreira de oficiais. Contudo, os policiais militares apresentam 40% mais chances de se afastar por transtornos mentais e comportamentais (Tabela 5), comparados aos bombeiros militares. Policiais militares lidam constantemente com a violência, a brutalidade e agressões, e intervêm em situações de problemas humanos de muito conflito e tensão (Minayoet al., 2011; Silvaet al., 2013; Elntb& Armstrong, 2014), enquanto bombeiros atuam em situações trágicas, como incêndios, colisões e salvamentos (Lima, Assunção & Barreto, 2015; Pireset al., 2017), com frequente exigência física.
Os militares que são praças e trabalham na região litorânea apresentam mais chances de se afastar por doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo (M00-M99) e "outras" categorias do que os oficiais e a região serrana (Tabela 5). A região litorânea do estado de Santa Catarina apresenta as cidades mais populosas, consequentemente, em grandes centros urbanos há maiores índices de violência, expondo os militares direta ou indiretamente ao aumento das lesões físicas, acidentes e morte (Gonçalves, Queiroz, & Delgado, 2017; Schmid & Serpa Junior, 2019).
No estudo de Baasch, Trevisan e Cruz (2017), a principal causa de afastamentos de policiais e servidores públicos de Santa Catarina foi por transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), resultados diferentes desta pesquisa. Na investgação de Pinto (2010) com servidores públicos militares do Rio Grande do Sul, encontraram-se maiores frequências de afastamentos por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98) e doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99), corroborando com esta pesquisa. Segundo Bravo, Barbosa e Calamita (2016), ao estudarem 285 policiais militares atendidos na Unidade Integrada de Saúde (UIS) da cidade de Marília,evidenciou-seque traumas e problemas ortopédicos são os problemas de saúde que mais levaram os policiais a se afastarem de suas atividades laborais, predominando os traumatsmos em serviço ou no quartel [exceto em educação física], traumatsmo em folga e problemas ortopédicos (dores) sem relação precisa com traumas prévios.
Com relação aos afastamentos por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas (S00-T98), os militares do sexo masculino e que trabalham na atividade operacional apresentam 79% e 125% mais chances de se afastarem por estas doenças, respectivamente, comparados aos militares do sexo feminino e da atividade administrativa (Tabela 5). A predominância masculina na profissão e a forte expressão da virilidade, aliada ao alto risco inerente à atividade, expõe os militares do sexo masculino a maiores chances de traumas externos (Schneideret al., 2017). Além disso, com o grande desgaste físico e a baixa aptidão física desses profissionais para suportar a sobrecarga de trabalho diário, ocorre um aumento da taxa de lesões (Silva et al., 2013; Limaet al., 2015; Nabeelet al., 2007; Ferreiraet al., 2011).
Conclusão
A verificação do perfil epidemiológico dos militares com maiores chances de adoecimento em razão do exercício profissional permite reorganizar o processo de trabalho, possibilitando ações e decisões estratégicas voltadas à melhora da saúde e qualidade de vida no trabalho desses profissionais, com repercussões aos serviços prestados à sociedade. Os policiais e bombeiros militares apresentaram alta prevalência e incidência de afastamentos por lesões, envenenamentos e algumas outras consequências de causas externas e por doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo no período de 2014 a 2016. Militares do sexo masculino e que realizam atividade operacional foram associados aos principais agravos à saúde.
As organizações militares de Santa Catarina não têmem seu Quadro de Oficiais da Saúde profissionais com formação voltada à saúde mental dos militares, implicando consideravelmente na manutenção e cronificação do adoecimento de policiais militares e bombeiros militares, conforme apresentado neste trabalho. Assim, formar um Quadro de Saúde multidisciplinar não só aumenta as chances de desenvolvimento de ações estratégicas unifica-das para gestão da saúde dos militares como impacta diretamente os serviços prestados à população.
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Recebido em 12.03.2020
Última revisão: 20/05/2020
Aceito em 4.07.2020
Sobre os autores::
Gustavo Klauberg Pereira: Mestre em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Psicólogo da Polícia Militar de Santa Catarina.
E-mail: gkpgustavo@gmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4097-0020
Ricelli Endrigo Ruppel da Rocha: Pós-doutorando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Professor na Universidade do Oeste de Santa Catarina.
E-mail: ricelliendrigo@yahoo.com.br
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-4277-1407
Roberto Moares Cruz: Pós-Doutorado em Método e Diagnóstco, Universidade Federal de Santa Catarina. Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: robertocruzdr@gmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4671-3498