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Desidades
versão On-line ISSN 2318-9282
Desidades no.28 Rio de Janeiro set./dez. 2020
TEMAS EM DESTAQUE TEMAS SOBRESALIENTES
"Eu não sei se o professor está me olhando": o olhar e a tela
“I don't know if the teacher is looking at me”: the look and the screen
“No sé si el professor me está mirando”: la mirada y la pantalla
Nádia Laguárdia de Lima
Professora Associada do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais - Brasil. Coordena o grupo de pesquisa: Além da Tela: psicanálise e cultura digital (PPG-PSI) e o Programa de Extensão da UFMG: Brota: Juventude, Educação e Cultura. Pesquisadora associada ao GT Psicanálise e Educação da ANPEPP. E-mail: nadia.laguardia@gmail.com
RESUMO
Partindo da escuta de crianças e adolescentes sobre as suas experiências com 0 ensino remoto no período da pandemia, este artigo aborda a questão do olhar e sua relação com a transmissão de saber. 0 eixo central dessa discussão é a noção de olhar entre desejo e gozo. 0 texto percorre os temas da transitoriedade, transferência e transmissão, para analisar os impasses da transmissão mediada pela tela.
Palavras-chaves: olhar, transitoriedade, transmissão, tela.
ABSTRACT
Basing on listening of children and teenagers about their experiences with remote learning at the pandemics moment, this article deals with the questions of looking and their relationship with the transmission of knowledge. The central axis of this discussion is the notion of looking between desire and enjoyment. The text covers the themes of transience, transference and transmission, to analyze the difficulties of transmission mediated by screen.
Keywords: look, transience, transmission, screen.
RESUMEN
A partir de escuchar a los niños y adolescentes acerca de sus vivencias con la educación a distancia en el momento de la pandemia, este artículo aborda los temas de la mirada y su relación con la transmisión de saber. El eje central de esta discusión es la noción de mirar entre el deseo y el disfrute. El texto aborda los temas de la fugacidad, la transferencia y la transmisión, para analizar las dificultades de transmisión mediadas por la pantalla.
Palabras clave: mirada, fugacidad, transmisión, pantalla.
A pandemia da Covid-ig assolou o mundo como um real indomável, mudando os rumos da história e interferindo de forma inédita nas formas de vida. As imagens da devastação causada por um vírus invisível foram as mais visíveis nas telas de todo o mundo no primeiro semestre de 2020.
Diante da necessidade de se fazer o confinamiento social, as atividades sociais, profissionais, escolares, econômicas e de lazer, dentre outras, passaram a sermediadas portelas. Aaprendizagem escolar e a vida profissional invadiram o ambiente familiar, tornando mais tênues os limites entre o público e o privado.
Professores e alunos se depararam com uma série de dificuldades na adaptação ao ensino remoto, além de enfrentarem outros desafios impostos e, ao mesmo tempo, agravados pela pandemia e pelo confinamiento.
Quais os impactos subjetivos dessa experiência de ensino a distância sobre crianças e jovens no contexto da pandemia?
Escutando crianças e jovens
Para fazer essa reflexão, entrevistamos 15 crianças e jovens com idades entre 08 e 26 anos, alunos de escolas privadas de Belo Horizonte, que adotaram o ensino a distância no primeiro semestre de 2020. Realizamos as entrevistas por celular, em respeito à necessidade de isolamento social.
Em psicanálise, a entrevista tem sido utilizada como um método clínico de pesquisa e intervenção. Consideramos que, ao ocupar o lugar de não saber, o pesquisador dirige-se ao outro como um sujeito que possui um saber. A entrevista não segue um roteiro previamente estabelecido, apenas uma questão inicial, a partir da qual é possível seguir diferentes percursos, segundo a regra fundamental da psicanálise, a associação livre. Se a demanda de saber é do pesquisador, apostamos que, ao fazer uso da palavra, o sujeito pode passar a interrogar-se e, tocado pelo seu dizer, posicionar-se de um novo modo frente a ele.
As crianças e os jovens demonstraram interesse em contribuir com a pesquisa, sendo que alguns se mostraram até mesmo ávidos para serem escutados. O tema do ensino remoto foi atravessado por outros temas, como a pandemia, as relações familiares e sociais, os usos que fazem dos ambientes virtuais e as suas invenções.
É importante salientar que a maioria das crianças e jovens pertence a um contexto social e econômico privilegiado, contando com uma boa estrutura tecnológica e um ambiente de privacidade em casa. Apenas três jovens estudaram em escolas públicas e ingressaram recentemente na escola privada, são moradores de periferia e enfrentam restrições de acesso à internet e aos dispositivos tecnológicos em suas casas.
A maioria das crianças e dos jovens considerou que o ensino remoto e o presencial são duas formas distintas de aprendizagem, havendo uma perda da qualidade do ensino na transposição das aulas presenciais para as virtuais. Eles destacaram os seguintes problemas no ambiente virtual: a maior dificuldade de concentração; a perda da espontaneidade do professor; a menor participação dos alunos; a dificuldade de compreender alguns conteúdos específicos. Foram enumerados, ainda, problemas técnicos, como: "a aula trava por causa de problema de conexão"; "o professor ou algum aluno não consegue entrar"; "o professor cancela a live"; "o professor não sabe usar o zoom"; "tem muito barulho"; "os colegas não desligam o microfone"; entre outros.
Algumas crianças demonstraram certa decepção em relação às aulas ao vivo no ambiente online. Relataram as expectativas que criaram, no primeiro momento de isolamento social, com a possibilidade de rever, mesmo à distância, colegas e professores; e as frustrações sentidas diante das dificuldades em "ver e ser visto" pelo professor e pelos colegas. Algumas crianças disseram, frustradas, que o professor não lia as suas mensagens no chat.
Como principais aspectos positivos do ensino remoto, destacaram a economia de tempo no deslocamento casa/escola/casa, e o uso desse tempo para descansar, fazer atividades escolares, usar as redes sociais, brincar, jogar, trabalhar (no caso de alguns jovens) e ter maior contato com os familiares.
Para algumas crianças e jovens, a "videoaula" deveria ser uma prática constante, pois permite que os alunos assistam às aulas de acordo com as suas disponibilidades de tempo, local e o número de vezes que quiserem. No entanto, destacaram que essa atividade não substitui o ensino presencial, pois a explicação dada pelo professor no vídeo é sempre a mesma, ou seja, não tem variação, e não há espaço para os alunos colocarem as suas dúvidas.
Paula1, de 9 anos, diz:
nesse período de pandemia, eu queria que os professores dessem aula só no zoom2 porque a gente pode perguntar, e a professora pode responder na hora. Não gosto das aulas gravadas. Acho legal quando tem dois professores juntos no zoom, de duas matérias diferentes, porque eles falam de um mesmo assunto com conteúdos diferentes. Acho legal também quando as professoras conversam um pouquinho com a gente.
Mas, acrescenta que não gosta de fazer perguntas no vídeo: "Eu não levanto a mão para fazer perguntas, mas, se a professora me pedir pra responder, eu respondo".
Por sua vez, Felipe, de 9 anos, comenta: "eu gosto de aula de vídeo porque posso pausar, voltar, repetir, não perco nada", e "gosto das aulas ao vivo porque posso olhar para as pessoas". No entanto, para alguns jovens, a vantagem do ensino remoto é que ele permite a possibilidade de ver sem ser visto. Assim, disseram que preferiam assistir às aulas com o vídeo e o áudio desligados, mantendo a sua privacidade.
Felipe afirmou também estar entediado, cansado de quarentena. E acha que os professores poderíam ser mais criativos nas aulas online, usando mais recursos de imagens, vídeos e músicas. Ele dá alguns exemplos de vídeos e músicas que poderíam ser utilizados pelos professores em suas aulas. Já Fábio, também de nove anos, chamou atenção para a questão da duração das aulas síncronas que, para ele, deveríam ser mais curtas, "pois em casa é mais difícil prestar atenção". Ainda que demonstre estar feliz por ter mais tempo para brincar com o irmão, Fábio diz sentirfalta da escola, do contato com os colegas, mencionando, inclusive, a relação de cuidado que mantinha com um amigo vítima de bullying.
Jonas, 11 anos, demonstra muito entusiasmo com as possibilidades de uso dos dispositivos tecnológicos em casa. Ele diz que com a quarentena teve mais oportunidades para usar a internet e com isso aprendeu a usar os recursos tecnológicos: realizou uma live, aprendeu a fazer animes e quer fazer uma série. "Aprendí a fazer uma captura de tela que me filma". Diz que tem o sonho de criar um canal no YouTube. Com relação às aulas online, ele diz que o que acha legal é ficar conversando com os colegas no chat na hora da aula, sem o professor ver, e observa que na escola o professor tem mais controle, sabe o que está acontecendo, passa nas carteiras, vê cada aluno, ao passo que no Zoom o professor não tem controle das conversas, pois só lê o que foi escrito no chat depois que a aula termina.
Carla, 22 anos, disse que os colegas de faculdade estão trancando a matrícula, porque "as aulas virtuais são muito ruins; você não consegue participar sempre nos horários definidos, tem problemas de conexão à internet, falta privacidade em casa, [e] as aulas têm menos interação, são mais cansativas".
As crianças disseram sentir falta de sair de casa, de andar no espaço físico da escola e de se encontrar com os colegase com os professores. Paula diz que está sentindo muita falta da escola e das amigas e que, para matar a saudade das amigas, criou com elas um grupo no WhatsApp.
A angústia das crianças manifestou-se especialmente através da incerteza quanto ao momento de retorno das atividades escolares presenciais, do contato com o professor, dos passeios e atividades ao ar livre, e dos encontros com os amigos. Paula diz: "O que eu estou sentindo mais falta é de brincar com as minhas amigas".
Alguns jovens afirmaram que a pandemia trouxe uma mudança em sua visão da vida, pois passaram a perceber a sua transitoriedade. Antonia, 18 anos, descreve essa percepção:
esse é o meu último ano na escola, eu vou me formar no final do ano de 2020. Eu tinha muita expectativa com relação a esse ano de despedida da escola. Sonhava com as festas, os eventos de incentivo, os passeios com a turma. A gente tem uma série de rituais de despedida na escola. Esse é um momento muito importante na nossa vida, que está sendo perdido. Com a pandemia e o fechamento da escola, perdí o interesse pelas aulas, perdí o incentivo pelos estudos, perdí o laço com os colegas, uma convivência de onze anos! Claro que a gente conversa pelas redes sociais, mas não é a mesma coisa. Mas o que eu sinto mais falta é do contato com os professores. Eu não estou tendo a chance de me despedir deles. Tem um lado afetivo na relação com o professor. Os professores da minha escola são muito atenciosos. Estou há muito tempo na escola, então todos os professores me conhecem, brincam comigo, são carinhosos.
Foi possível perceber alguns recursos utilizados pelas crianças e jovens para lidar com a angústia diante do desconhecido. Marina, 10 anos, disse que aceitou melhor o isolamento social depois que estabeleceu um cronograma de atividades diárias. Ela disse que está "produzindo muito" no confinamiento, fazendo aulas, exercícios e também brincando, jogando e inventando coisas, e não gosta de ver notícias sobre a pandemia. Estabelecer uma rotina de atividades, brincar e evitar saber notícias sobre a pandemia foram recursos encontrados por Marina para evitar a angústia.
Por sua vez, João, de 8 anos, disse que está muito triste por não poder ver a avó:
Eu ficava com ela todo dia depois da aula. Eu gosto muito dela, a gente brincava, conversava, ela fazia bolo para mim, agora eu fico só dentro de casa. É muito ruim. Também tenho medo dela morrer de Corona. Eu fico mais tranquilo quando converso com ela portelefone e ela fala que está bem. Então eu ligo para ela todo dia.
Já Maria Fernanda, 11 anos, recorre à fantasia para evitar a angústia: "Para não ficar ansiosa, eu fico pensando que estou de férias só com os meus pais e que posso aproveitar para brincar com eles e que, quando as férias acabarem, eu vou encontrar com os meus amigos".
O ensino a distância parece oferecer certa proteção para aqueles que apresentam dificuldades de socialização na escola. Renata, 20 anos, mostrou se sentir protegida pela tela:
Eu estou confortável em casa. Não preciso me arrumar, não preciso me mostrar. Quando sinto falta de conversar com alguém, uso o WhatsApp. Com o confinamiento, eu tenho uma desculpa para não sair, não arrumar estágio. Posso adiar os projetos. Estou gostando das aulas online, especialmente porque posso desligar a câmera e não ser vista. Se você liga a câmera, você fica o tempo todo visível para todos. Na faculdade eu posso ficar lá atrás, escondida, e até dormir na carteira. Eu acho que as aulas na escola são bem melhores, o contato com as pessoas e com a universidade é muito rico, mas é mais cômodo ficar em casa.
Os jovens apontaram que as redes sociais permitem encontros e distrações no período da pandemia, diminuindo a sensação de isolamento social, mas destacaram que o seu uso também pode causar angústia. O Instagram foi mencionado por uma jovem como uma rede "falsa", que passa a ilusão de que está todo mundo feliz e produtivo na quarentena, o que causa angústia "porque você se sente diferente, improdutivo, incapaz".
Algumas crianças e adolescentes falaram do cansaço provocado pelo excesso de tela. Maria Fernanda, 11 anos, disse que sempre ficou "colada" no celular, mas por prazer. Com o ensino remoto e o aumento do uso das redes sociais, ela disse que sentiu "um cansaço de tela". Assim, começou a fazer atividades que até então não fazia, como 1er um livro, desenhar e escrever poesias em um caderno.
As jovens que ingressaram recentemente em uma instituição de ensino privada demonstraram maior angústia em relação à pandemia e ao ensino remoto, como nos diz Gisela, 20 anos:
Não estou gostando das aulas online. Estudei em escola pública a vida toda e agora estou numa universidade privada. Convivo com pessoas de diferentes classes sociais em meu curso. Não é fácil acompanhar um curso superior numa universidade se você estudou a vida toda em escola pública. Eu preciso estudar mais do que todo mundo, preciso correr atrás de tudo o que não tive, e não tenho recurso para comprar todos os livros e materiais necessários. Com a pandemia parece que tudo se agravou. Eu não tenho um computador de uso pessoal, nem um espaço privado para estudar em casa. As aulas virtuais não têm a mesma qualidade das aulas presenciais. O contato próximo com o professor é muito rico, no vídeo é tudo muito impessoal, e o professor perde a espontaneidade. Não tem aquele contato olho a olho.
Uma reflexão psicanalítica
Como é possível perceber, as experiências virtuais têm significados e efeitos específicos para cada um. Contudo, o tema do olhar esteve muito presente nas falas das crianças e dos jovens, especialmente em reflexões relacionadas à transitoriedade, à transmissão e ao uso da tela.
Na teoria freudiana, o olhar relaciona-se à constituição da sexualidade. Como objeto da pulsão escópica, o olhar sustenta a curiosidade sexual e, ao ser sublimado, transforma-se em interesse científico. Para Lacan (2005/1962-1963), o campo visual difere-se do olhar. Enquanto o primeiro refere-se à percepção das imagens e se apoia na constituição narcísica do estádio do espelho, o segundo diz respeito ao real e está elidido do campo da visão. O olhar é causa de desejo, mas também fonte de angústia.
A pandemia remeteu os jovens à transitoriedade. Freud, em seu texto sobre a transitoriedade (1974/1916), comenta que toda catástrofe nos remete à transitoriedade da vida, e pode tirar, para alguns, o valor da sua beleza. Essa reflexão freudiana pode ser articulada ao texto de Lacan sobre a construção da cena do mundo (2005/1962-1963). Lacan descreve o mundo como um empilhamento de restos, e a cena do mundo como a construção da história em torno desses restos. A cena do mundo é o campo visual que encobre o objeto olhar. No entanto, a visão se sustenta e se organiza pela função do olhar que é elidido desse campo. Como percebemos nas falas de alguns jovens, a irrupção da pandemia provocou um abalo em sua visão de mundo, fazendo emergir o olhar na dimensão real e despertando a angústia.
As crianças e os jovens também destacaram a importância do olhar na relação com o saber. Assim, buscamos o apoio de alguns textos de Freud e de Lacan para sublinhar que o olhar, em sua função de resto, é o que impulsiona o saber. Finalmente, discutimos a relação entre o olhar e a transmissão. A construção lacaniana sobre a mancha no campo visual é o que nos guia nessa elaboração. A nossa hipótese é a de que a mancha do olhar faz borda entre desejo e gozo. O olhar incide no campo visual através da mancha. É através da mancha que o real se apresenta na cena, enlaçando simbólico e imaginário. O olhar como mancha sustenta a transmissão de saber.
Sobre a transitoriedade: o olhar que abala a cena do mundo
É surpreendente observar como antes da pandemia vivíamos confinados às telas dos nossos gadgets e deixávamos de perceber a paisagem à nossa volta. Agora, na fresta da nossa janela, buscamos captar os pequenos detalhes com os quais a natureza nos presenteia diariamente: a árvore florida na rua; o pássaro que pousa na janela; a gota de chuva que pinga no vidro. Desejamos sair da tela, nos sentar sob a sombra de uma árvore, prestar atenção nos pássaros e andar pela praça.
O sentimento de transitoriedade surgiu na fala de alguns jovens como uma mudança na visão de mundo a partir da pandemia, comprometendo o interesse pela aprendizagem. Eles passaram a perceber a vida como transitória, frágil, sem controle: "Tudo passa tão rápido; não sabemos quando nos encontraremos de novo, quando poderemos sair em grupo, passear pelas praças, parques e shoppings" (Antonia, 18 anos).
Ajovem continua:
A gente sempre estudou sobre guerras e pandemias, mas ninguém imaginava que ia viver isso. A situação de incerteza, de imprevisibilidade, tira a vontade de fazer qualquer coisa, faz perder o foco, tira o estímulo para os estudos. A gente passa a ver o mundo de outra forma, sem a mesma beleza de antes.
Freud, em seu texto sobre a transitoriedade (1974/1916), comenta sobre um passeio que fez pelos campos, num dia de verão, na companhia de um poeta. Segundo Freud, o poeta admirava a beleza do cenário à sua volta, mas não extraía disso qualquer alegria: "perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à extinção, de que desaparecería quando sobreviesse o inverno, como toda a beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou poderão criar" (Freud, 1974/1916, p. 345). Toda aquela beleza pareceu-lhe despojada de seu valor por estar fadada à transitoriedade.
Lacan (2005/1962-1963) demonstra que a psicanálise denuncia o cosmo como lugar de engano. Para ele, a história é a montagem do mundo, a encenação. Num primeiro tempo, temos o mundo, no segundo, o palco em que fazemos a montagem desse mundo: "O palco é a dimensão da história" (p.43). Lacan destaca, no primeiro tempo, o mundo como um empilhamento de restos, um depósito de destroços sem coerência interna, e, no segundo tempo, a visão de mundo, a sua montagem, o palco onde se encena a história. O mundo com o qual acreditamos lidar seria apenas um depósito dos restos acumulados, um empório de épocas que se sucederam.
Ahistória do mundo é um arranjo de partes dotado de sentido (Porge, 2009), o campo perceptivo que encobre o olhar. A visão se sustenta pela função do olhar que, no entanto, está elidido desse campo. A angústia é a emergência do objeto olhar no campo da visão, quando a constituição da imagem especular mostra o seu limite.
A pandemia abalou a cena do mundo. O desconhecimento sobre as formas de tratamento do vírus, o seu potencial destruidor, expuseram a fragilidade da vida. O mundo se revelou como uma justaposição de fragmentos sem sentido, fazendo emergir a dimensão real do olhar que desperta a angústia.
O olhar que impulsiona o saber
Marina, 10 anos, explica da seguinte forma o seu incômodo com as aulas online: "eu não sei se o professor está me olhando".
Há uma dimensão do olhar que nos enlaça. Em um artigo escrito às vésperas do seu sexagésimo aniversário, para um volume coletivo em comemoração ao 50º aniversário de fundação do colégio em que estudou dos 10 aos 18 anos, em Viena, Freud comenta que, caminhando pelas ruas da cidade, podia encontrar, inesperadamente, algum cavalheiro idoso e bem conservado, ao qual saudava, quase humildemente, porque o reconhecera como um antigo professor. Entretanto, depois parava e refletia se seria realmente o professor:
Seria realmente ele, ou alguém bastante semelhante? Como parece jovem! E como estamos velhos. Que idade poderá ter hoje? Será possível que os homens que costumavam representar para nós protótipos de adultos, sejam realmente tão pouco mais velhos que nós? (Freud, 1974/1914, p. 285).
Há algo de obscuro que impede o total reconhecimento do outro. O tempo presente parece mergulhar na obscuridade, e o material surgido nos escaninhos da memória se apresenta com todas as suas conjecturas, ilusões e deformações (Freud, 1974/1914). A imagem do professor e as lembranças das experiências escolares da infância são atravessadas por fantasias e desejos inconscientes, restando sempre um impossível de apreender.
A emoção sentida por Freud ao se encontrar com o antigo mestre revela a dimensão inconsciente que incide na transmissão do saber. Como o autor observa, para muitos, os caminhos das ciências se constroem apenas por meio dos professores, e, para Freud, a transferência, que possibilita a transmissão, é uma experiência amorosa.
Essa experiência amorosa tem relação com o objeto olhar. Em seu Seminário, Livro 1, Lacan (1993/1953-1954) observa que o estado amoroso, quando se produz, não intervém para qualquer parceiro ou para qualquer imagem, mas existem algumas condições para o amor à primeira vista. Freud nos ensina sobre a potência do olhar no encontro amoroso, apontando que os nossos desejos se organizam a partir dele.
A dimensão do olhar privilegiada na função do desejo está presente no processo de constituição do sujeito. Em seu Projeto para uma psicologia científica (1974/1895), Freud argumenta que a vivência de satisfação é uma experiência fundamental para a constituição do aparelho psíquico, que marca a passagem do registro da necessidade para o campo do desejo. Ao primeiro grito do bebê, a mãe lhe oferece o alimento, supondo a necessidade de saciar a sua fome. Freud interpreta que, num segundo momento, o choro do bebê estaria relacionado à ausência daquele que cuida, ou seja, ao que desaparece do seu campo de visão.
O objeto da primeira experiência de satisfação é visual e corresponde à Coisa que não pode ser atingida nem na alucinação do desejo, nem na realidade. Para Lacan, a Coisa é o objeto perdido, jamais reencontrado, que desperta o desejo no mundo visível do qual ela está elidida (Lacan, 1997/1959-1960).
A teoria freudiana da pulsão demonstra como a linguagem se apropria do corpo, destituindo-o das determinações naturais e transformando-o em corpo erógeno. A constituição da sexualidade ocorre a partir do circuito da pulsão em torno do seu objeto de satisfação, que envolve três tempos lógicos: ativo, reflexivo e passivo. No caso da pulsão escópica, trata-se de "ver, ver-se, ser visto". No terceiro tempo do circuito pulsional escópico, a criança se faz objeto para um Outro, num "fazer-se ser vista", e um novo sujeito surge dessa operação. Lacan ressalta que, se as pulsões oral e anal estão situadas no nível da demanda, "no nível da pulsão escópica estamos no nível do desejo do Outro" (Lacan, 1995/1964, p. 102). O olhar situa-se, portanto, em relação ao desejo do Outro.
Reportando-se à obra de Sartre O ser e o Nada, Lacan, no seminário I (1993/1953-1954), argumenta que o objeto humano se distingue de qualquer outro objeto "na medida em que é um objeto que me olha" (p. 246). E acrescenta que o olhar aqui não se confunde com o fato de que eu vejo os seus olhos. Posso me sentir olhado por alguém de quem não vejo os olhos. A partir do momento em que eu penso que sou olhado, já sou algo diferente, "pelo fato de que me sinto eu mesmo tornar-me um objeto para o olhar de outrem" (p. 246). Nessa posição, que é recíproca, "... sou um objeto que se sabe ser visto" (p. 246).
Assim, Lacan desloca o olhar para o objeto, diferenciando-o do olho que vê uma imagem. O olhar advém "do exterior", não é um atributo do sujeito. Esse olhar desconhecido e inapreensível faz parte dos objetos. O sujeito é também afetado pelo olhar enquanto objeto.
Em sua teoria do estádio do espelho, Lacan descreve o processo de constituição da imagem corporal a partir da identificação do sujeito com uma imagem unificada de si próprio, que é a imagem do outro como semelhante. O "eu" apreende sua imagem na imagem que o outro lhe devolve. Porém, para a assunção da imagem do corpo no espelho, é preciso que a criança se volte para aquele que a segura, para que ele autentique sua descoberta. Esse reconhecimento do Outro permite que a criança assuma uma determinada imagem de si, que, no entanto, jamais se fecha em uma identidade unívoca (Lacan, 2005/1962-1963).
Lacan vai ressaltar a presença do objeto olhar na constituição da imagem no espelho (Lacan, 2005/1962-1963, p. 277). O olhar não pode ser apreendido pela imagem, trata-se de um furo, de uma luz que ofusca a visão, que cega com a sua luminosidade. A relação especular suporta as identificações imaginárias, mas dissimula a distinção entre visão e olhar. Se a visão pode ser tomada como função do órgão da vista, o olhar, seu objeto imánente, é onde se inscreve o desejo do sujeito (Miller, 2013).
O objeto olhar pode incidir no campo da visão sobre a forma da mancha. Usando o exemplo dos insetos, que também possuem um par de olhos, Lacan comenta que "vemos aparecer a existência de uma mancha dupla, cujo efeito é fascinar o outro, predador ou não" (Lacan, 2005/1962-1963, p. 264). Para Lacan, o segredo do fascínio pela imagem é o encobrimento da falta, constitutiva do sujeito. "O encobrimento promovido pela imagem vela também que o objeto que aí se apresenta como causa da jubilação é justamente o olhar, causa da Schaulust, o gozo espetacular" (Quinet, 2002, p. 133).
O componente de fascínio da função do olhar, enigmático em si mesmo, é o ponto de irradiação, a função do desejo que se revela no campo visual. A mancha é o sinal que me olha, e é por me olhar que me atrai. O objeto a é um postiço, é a isca com que se fisga o Outro, o olhar é "aquilo que falta, não é especular, não é apreensível na imagem" (Lacan, 2005/1962-1963, p. 278). O olhar que escapa ao campo da visão inaugura o desejo de ver. Há uma dimensão do olhar que desperta o desejo, e o desejo de ver transforma-se em busca de saber.
A relação com o saber se dá em torno de um vazio fundamental, constituinte da subjetividade. Da operação de constituição do sujeito se extrai um resíduo, o objeto a. O saber é tecido em torno desse objeto inapreensível. Assim, o que impulsiona o saber é objeto olhar como vazio. A construção de saber é o movimento em torno desse vazio, que corresponde ao movimento do desejo.
O saber é apreendido no campo do Outro de uma maneira singular, sendo sempre parcial, pois envolve a dimensão de não saber, própria ao inconsciente. A dimensão de gozo também está presente na apropriação do saber. O saber é algo a ser devorado, incorporado, degustado, e para tê-lo, "é preciso empenhar a própria pele" (Lacan, 1985/1972-1973, p. 130). O gozo da pulsão escópica sustenta a busca de "tudo ver".
Para Lacan (1985/1972-1973), o objeto a é o que enlaça o sujeito ao Outro, na medida em que o sujeito localiza no Outro o objeto a. "A criança olhada, ela tem o a. Será que ter o a é sê-lo?" (p.135).
O olhar e a transmissão: da tela à janela
Lúcia, 18 anos, descreve a perda que se dá na transposição do ensino presencial para o remoto: "O professor perdeu o brilho, as aulas perderam o encanto, não tem cor, toque, cheiro, troca de olhares. Os professores parecem robôs, sem vida". Mais adiante, acrescenta que, na tela, "o professor está dentro de um quadrado, e ao lado ele, 40 quadradinhos [...] Eu perdí o interesse pelas aulas".
Como é possível constatar, a substituição do ensino presencial pelo remoto envolve perdas. A imagem reproduzida numa tela plana, bidimensional, não capta todo o colorido pulsional que se transmite no encontro "olho a olho".
A imagem fixa na tela não faz "função quadro". A função quadro é articulada à função da fantasia pelo enquadre do olhar, uma construção que é subjetiva. Através do conceito de quadro, a geometria perspectiva permite mostrar a estrutura visual da fantasia que enquadra o olhar. O quadro Os embaixadores, de Holbein, é utilizado por Lacan para ilustrar a esquize entre visão e olhar (Lacan, 1995/1964). Ao ver o quadro de frente, o sujeito está no mundo da representação, com os objetos simbólicos e culturais do mundo sensível. No entanto, um objeto faz mancha no quadro, é um elemento estranho ao conjunto que escapa à cena do mundo. Esse objeto é percebido quando o espectador muda de posição e se coloca lateralmente, olhando o quadro de vies, mudando o ponto de vista (Quinet, 2002). Essa mudança de perspectiva faz mancha no campo visual e abala o registro especular.
Para Porge (2009), quadro e janela se equivalem para instaurar urna nova lógica do olhar. Um quadro é um ato de abertura, que visa criar bordas sobre urna superficie sem bordas. Abrir uma janela é traçar uma moldura, um gesto para olhar. Ao traçar um quadrilátero sobre urna superfície, abre-se uma janela. A lógica do olhar é a lógica da janela segundo a topologia do furo. Assim, o quadro comporta urna dupla perspectiva: enquadre e furo, fechamento e abertura.
Para Belting (2015), o globo ocular, considerado do exterior, é um espelho redondo sobre cuja superficie o mundo circundante se reflete, mas através da pupila o olhar se volta para o exterior, como se fosse uma janela. A janela corresponde também a uma moldura, que não é só uma delimitação estética, mas também um parâmetro de medida.
Na cultura ocidental, o mundo é um mundo a ser visto e se abre ao olhar por detrás de uma janela simbólica. A janela permite ao espectador estar "aqui", presente com o seu corpo, e entregar-se ao "ali", a lugares que só o olhar pode alcançar. Ao permitir superar o obstáculo da parede, o olho desvincula o observador de seus limites corpóreos. Para o olhar ocidental, é diante da janela que se decide a relação com o mundo. "Assim, a janela é ao mesmo tempo vidro e abertura, enquadramento e distância" (Belting, 2015, p. 117).
Para Lacan o correlato do quadro é o ponto de olhar, que está situado no mesmo lugar em que se encontra o quadro, mas do lado de fora. Entre os dois está "o anteparo, o écran" (Lacan 1973/1964, P- 95)- Assim, é possível fazer uma distinção entre tela e quadro. Como salienta Quinet, se a tela é um anteparo ao olhar para o sujeito, o quadro pode representar não só o olhar, mas também o próprio sujeito da representação (Quinet, 2002).
Enquanto a tela faz anteparo ao olhar, a janela permite a abertura, a passagem, a transposição. A mancha no quadro faz função de janela ao incluir um elemento estranho ao conjunto, algo perturbador que faz mudar o ponto de vista.
Amancha na imagem faz borda entre desejo e gozo, articulando o real do olhar ao campo perceptivo, causando o desejo. Mas a mancha também pode invadir o campo visual, desestabilizando-o, produzindo o efeito que se tem quando o sujeito é confrontado com algo excessivo, com um olhar invasor.Nesse caso, a aparição disruptiva do objeto no campo visual se dá na forma de uma intrusão geradora de angústia, provocando a desestruturação radical da cena do mundo.
A nossa hipótese é a de que a mancha, em sua função de borda entre desejo e gozo, atua na transmissão do saber. O olhar incide sobre o campo visual através da mancha. É através da mancha que o real se apresenta na cena, enlaçando simbólico e imaginário. A mancha é tanto o segredo do fascínio do olhar, que causa o desejo e impulsiona o saber, quanto o que se transmite do real no sombreado da visão. Algo da dimensão do gozo escapa entre os significantes e se apresenta como mancha do olhar.
Em sua reflexão sobre as sessões virtuais em análise, Rivera (2020) observa que na live não há outro ponto de vista possível, pois é impossível olhar a pessoa de lado, explorar suas facetas, flutuar no espaço à sua volta. A autora ressalta, ainda, que a tela é plana, bidimensional, anulando qualquer possibilidade de que haja algo "embaixo" dela. Assim, defende que a tela não é um véu que convida ao gesto de desvelamiento de algo, mas um simples écran que achata qualquerespessura, dando-se como uma perspectiva mínima, única e evidente, que não oferece ao espectador senão a equivalência frontal, ou seja, a complementaridade intersubjetiva, capturando o sujeito em uma identificação com aquela imagem, sem brecha para um terceiro, ela é um espelho imóvel. Diante dela, não se pode mover ou gesticular de modo a quebrar sua captura fascinante pela percepção do corpo que está fora da imagem. Assim, ela defende que, nos atendimentos online, trata-se de assumirmos - em ato - a invenção de estratégias para abrir brechas na tela.
Para além dos atendimentos online, a transmissão de saber se sustenta naquilo que escapa ao campo visual, o objeto olhar. A transmissão envolve a dimensão do gozo, e o objeto a é um elemento de gozo. Nesse sentido, para que a transmissão tenha lugar, é preciso fazer mancha na tela, deixando escorregar isso que se transmite de piso a piso.
Marina, 10 anos, ao comentar sobre o despreparo de uma professora no uso das tecnologias digitais, diz que em suas aulas a sua imagem sai do campo visual, ela começa a falar com os alunos com o microfone desligado, compartilha a sua imagem na tela ao invés do texto da aula, conversa com quem está ao seu lado sem desligar o microfone, e pede ajuda aos alunos na utilização dos recursos tecnológicos. Curiosamente, Marina diz que essa é a sua professora preferida: "Eu gosto muito dela, ela sempre escuta agente no início da aula, pergunta se agente está bem, e diz que quer ver a carinha de cada um". Apesar das dificuldades técnicas, Marina diz gostar das suas aulas, pois "a professora explica bem; é cuidadosa com a gente". Nota-se, então, que o domínio tecnológico não garante a transmissão de saber. Talvez até mesmo por não pretender ocupar o lugar de quem detém o saber, a professora oferece um lugar ao saber do aluno e viabiliza a transferência.
Educar passa por algo que escapa ao professor. O professor no processo de ensino transmite "através do seu testemunho, seu afeto, sua pulsão, considerando que as tecnologias afetam tanto os espaços físicos, quanto os espaços subjetivos da educação" (Dias et.al.,2019, p. 207). O ensino remoto estandardizado corresponde à aspiração contemporânea de uma subjetividade sem restos. Nas aulas online, o enquadre da imagem na tela sugere um mundo rigorosamente ordenado, calculado, previsível, capturado e cristalizado num espelho imóvel. No entanto, como vimos, algo pode furar essa previsibilidade, esse cálculo, essa ordenação. É furando o sentido que algo pode ser transmitido.
Para Lacan, a transferência é um jogo de olhar. O olhar para o sujeito é sempre "um jogo da luz com a opacidade" (Lacan, 1995/1964, p. 95). Esse jogo é da ordem de uma invenção com o que há de intransmissível. Porge (2019) esclarece que "o intransmissível está no coração do desejo de transmitir, não como inefável perdido nas areias de um deserto, mas como soleira para a invenção" (p. 15). Assim, na transmissão, trata-se de um saber-fazer com o jogo de olhar.
Algumas considerações finais
Na contemporaneidade, a desvalorização do Ideal e a ascensão ao zênite social do objeto a (Lacan, 2003/1970) expõem um real sem lei e fora do sentido. Diante do declínio do Ideal, a vertente estrutural do supereu assume o lugar de comando, incitando o gozo.
O desejo de ver se transforma em um imperativo de gozo que se impõe a todos, alimentando a ilusão de transparência. As telas tomaram todo o espaço social, ninguém escapa aos seus ferozes olhos mecânicos (Didi-Huberman, 2014)
O uso das redes sociais captura os sujeitos pela modalidade de gozo escópico, incitando o "ver" e o "dar-se a ver". No entanto, o excesso de luz das telas pode destruir a própria exposição, pois, como salienta Didi-Huberman (2014), ao se exibirem como mercadorias em vitrines, trocando a dignidade civil pelo espetáculo comercializável, os sujeitos desaparecem. Para o autor, a claridade dos nossos tempos faz desaparecer os vaga-lumes que, como lampejos moventes do desejo, precisam das sombras para sobreviver.
O ensino remoto nos coloca uma série de desafios: como enlaçar os sujeitos através da tela? Como fomentar a busca de saber? Como fazer da tela uma janela, condição para a transmissão?
Diante da luz que nos ofusca, podemos emitir pequenos lampejos que sustentam uma força diagonal na claridade (Didi-Huberman, 2014). É preciso buscar nas margens desse mundo inundado de luz os pequenos lampejos que, como restos, possibilitam a transmissão. Assim, algo da dimensão pulsional pode incidir sobre a tela e fazer mancha na imagem, num jogo de sombra e luz que toca o sujeito. É pela via de um saberfazercom ojogo de olharque algo se transmite.
Referências bibliográficas
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Data de recebimento/fecha de recepción: 14/05/2020
Data de aprovação/fecha de aprobación: 08/09/2020
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2 Aplicativo utilizado para a realização de videoconferências.