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Desidades

versão On-line ISSN 2318-9282

Desidades  no.29 Rio de Janeiro jan./abr. 2021

 

TEMAS EM DESTAQUE TEMAS SOBRESALIENTES

 

Bullying e associação de comportamentos de risco entre adolescentes da Região Norte: um estudo a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2015

 

Bullying and association of risk behaviors among adolescents in the Northern Region: a study based on the National School Health Survey, 2015

 

Bullying y asociación de conductas de riesgo en adolescentes de la Región Norte: estudio basado en la Encuesta Nacional de Salud Escolar, 2015

 

 

Renata Ferreira dos SantosI; Eliseu Verly JuniorII

IDoutora em Saúde Coletiva (UERJ), Brasil. Possui graduação em Enfermagem pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Brasil. Professora adjunta da Universidade do Estado do Amazonas e enfermeira assistencial do Instituto de Intensivista do Amazonas (IETI), Brasil. Pesquisadora do Laboratório de Estudos Epidemiológicos com população Amazônica (LAEP-UEA), Brasil. Atua na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem em Saúde do Neonato, Criança e do Adolescente. E-mail: rfdsantos@uea.edu.br
IIPossui graduação em Nutrição pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Minas Gerais, Brasil; mestrado e doutorado em Nutrição em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Com experiência em análise de banco de dados e trabalhos de campo. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da UERJ, Brasil; Procientista (UERJ) e Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ), Brasil. E-mail: eliseujunior@gmail.com

 

 


RESUMO

Objetivou-se identificar a prevalência do bullying e a associação de comportamentos de risco entre adolescentes da Região Norte a partir dos resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada em 2015. Trata-se de um estudo transversal, de abordagem quantitativa com 23.777 adolescentes matriculados em escolas públicas e privadas da região Norte. Utilizou-se a regressão multinomial e análise do modelo estereótipo para verificar a associação das variáveis, o nível de significância adotada foi 5%. Observou-se que a prevalência de adolescentes vitimados pelo bullying verbal foi de 4,3%; a de perpetradores foi de 15,9% e aqueles que eram vítimas e perpetradores do bullying, 2,0%. Os adolescentes perpetradores de bullying apresentaram três vezes maior chance de adotarem três (OR=3,22; IC95% 1,35-7,69) e quatro vezes maior chance de adotarem quatro (OR=4,04; IC95% 1,69-9,66) comportamentos de risco simultâneos. Conclui-se que os adolescentes da região norte que perpetraram o bullying assumiram mais comportamentos de risco à saúde.

Palavras-chaves: adolescente, comportamento de risco à saúde, bullying.


ABSTRACT

This study aimed to identify the prevalence of bullying and the association of risk behaviors among adolescents in the Northern Region based on the results of the National School Health Survey conducted in 2015. This is a cross-sectional study, with a quantitative approach with 23,777 adolescents enrolled in public and private schools in the North region. Multinomial regression and stereotype model analysis were used to verify the association of variables, the level of significance adopted was 5%. It was observed that the prevalence of adolescents victimized by verbal bullying was 4.3%; perpetrators was 15.9% and those who were victims and perpetrators of bullying 2.0%. Adolescents who were bullied were three times more likely to adopt three (OR=3.22; CI95% 1.35-7.69) and four times more likely to adopt four (OR=4.04; CI95% 1.69-9.66) simultaneous risk behaviors. It was concluded that adolescents from the northern region who perpetrated bullying assumed more health risk behaviors.

Keywords: teen, health risk behavior, bullying.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo identificar la prevalencia del bullying y la asociación de conductas de riesgo entre los adolescentes de la Región Norte sobre la base de los resultados de la Encuesta Nacional de Salud Escolar realizada en 2015. Se trata de un estudio transversal, con un enfoque cuantitativo con 23.777 adolescentes matriculados en escuelas públicas y privadas de la región Norte. La regresión multinomial y el análisis del modelo de estereotipos se utilizaron para verificar la asociación de variables, el nivel de significancia adoptado fue del 5%. Se observó que la prevalencia de adolescentes víctimas de bullying verbal fue del 4,3%; los autores fueron del 15,9% y los que fueron víctimas y autores del bullying en un 2,0%. Los adolescentes que fueron acosados tenían tres veces más probabilidades de adoptar tres (OR 3,22; IC95% 1,35-7,69) y cuatro veces más probabilidades de adoptar cuatro (OR-4,04; IC95% 1,69-9,66) comportamientos de riesgo simultáneos. Se concluyó que los adolescentes de la región septentrional que perpetraron el bullying asumieron más conductas de riesgo para la salud.

Palabras clave: adolescente, comportamiento de riesgo de salud, bullying.


 

 

Introdução

A violência direcionada a adolescentes é muito presente em todas as partes do mundo. O ambiente familiar é responsável por 50% dos registros e os demais relatam violências comunitárias, muitas delas ocorrendo em ambiente escolar (Brasil, 2008). Compreender as peculiaridades e especificidades da violência na escola pode permitir processos de aconselhamentos mais eficazes para as vítimas e/ou agressores (Sampaio, 2015).

A escola é considerada um ambiente que permite aos estudantes discutir e refletir sobre as questões vivenciadas durante a fase da adolescência (Beserra, 2015). É também, um local de socialização, de promoção da cidadania, integração social, formação de opinião e desenvolvimento social (Marriel et al. 2006).

No ambiente escolar, os estudantes modificam suas concepções de mundo por meio da vivência de diferentes situações (Freschi; Freschi, 2013). Por esse motivo, as relações vivenciadas no ambiente escolar podem ser amigáveis e cordiais, ou não, como a ocorrência de bullying.

O bullying envolve comportamentos violentos repetitivos com a intenção de machucar e/ou perturbar. Resulta de um desequilíbrio de poder entre agressor e vítima, capaz de assumir diferentes formas, tais como: agressão verbal, física, relacional ou cibernética (Azeredo, 2015; Liu; Graves, 2011). O bullying pode ocasionar repercussões de curto, médio e longo prazo, e ainda adesão de comportamentos de risco à saúde (Francisco; Libório, 2009; Azeredo, 2015).

Essa adesão pode ser entendida como a participação em atividades que podem comprometer a saúde física e mental do adolescente, sendo que algumas condutas iniciam-se em razão do caráter exploratório do jovem, bem como pela influência do meio (grupos de iguais, ambiente escolar, família). Entretanto, alguns comportamentos podem levar à concretização de atitudes grosseiras e significativas nos níveis individuais, coletivos e familiares (Feijó; Oliveira, 2001).

No Brasil, os primeiros resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE)1, realizada em 2009, revelou que 5,4% dos adolescentes relataram ser vítimas de bullying quase sempre ou sempre nos últimos 30 dias, enquanto 25,4% relataram ser raramente ou às vezes vítimas desse tipo de agressão no mesmo período (Malta et al. 2010). Em 2012, em sua segunda edição, a pesquisa evidenciou o crescimento da prevalência de bullying, passando para 7,2% e um aumento para 6,8% nas capitais, o que correspondeu à elevação de 25% (Malta et al. 2014). Já em 2015, a terceira edição da PeNSE revelou que ser vítima de bullying manteve-se estável em 7,4% entre os estudantes de escolas públicas e privadas (Mello et al. 2017).

O interesse das investigações sobre o bullying no Brasil é recente, requerendo esforços para que se possa analisar e compreendê-lo e ainda propor intervenções mais articuladas para a realidade do país. Estudos vêm sendo desenvolvidos em vários países e mostram diferentes prevalências tanto de vitimização quanto de perpetração (Francisco; Libório, 2009; Azeredo, 2015). Nesse sentido, o objetivo do presente estudo é identificar a prevalência do bullying e a associação de comportamentos de risco entre adolescentes da Região Norte a partir dos resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada em 2015.

 

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, de abordagem quantitativa, que analisou os dados da PeNSE, realizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2015.

A edição da PeNSE de 2015 foi composta de duas amostras independentes de adolescentes que cursavam o 9º ano do Ensino Fundamental (amostra 1), regularmente matriculados em escolas públicas e privadas, e adolescentes que frequentavam do 6° ano do ensino fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio (amostra 2) (IBGE, 2016). Para este estudo, utilizou-se somente os dados dos adolescentes da amostra 1.

Foram incluídas as escolas da região norte do Brasil que apresentaram o quantitativo de no mínimo 15 alunos matriculados no referido nível e excluídos os adolescentes matriculados nos turnos noturnos, bem como os adolescentes matriculados em escolas públicas e privadas de outras regiões do país.

Na PeNSE, edição 2015, os dados foram coletados utilizando questionários estruturados autoaplicáveis, inseridos em smartphone, com módulos temáticos, tais como: aspectos socioeconômicos, contexto familiar, bullying e hábitos alimentares, prática de atividade física, violência, segurança, entre outros aspectos (IBGE, 2016). Para este estudo, utilizou-se o banco de dados da PeNSE, disponibilizado para domínio público no endereço eletrônico do IBGE2.

Para este estudo, na etapa de tratamento dos dados, considerou-se somente bullying do tipo verbal, sendo criadas quatro categorias para ocorrência de bullying: não sofre/nem pratica bullying (adolescentes que responderam "não" informando que nem praticavam e nem tampouco sofriam bullying verbal); vítima (adolescentes que informaram que receberam alguma ofensa de um colega da escola que o deixou magoado, incomodado, aborrecido, ofendido e/ou humilhado); perpetrador (adolescentes que informaram que realizou alguma ofensa a um de seus colegas na escola) e vítima/perpetrador (adolescentes que informaram ser tanto vítima quanto perpetrador de bullying verbal).

Em relação à adesão de comportamentos de risco3, considerou-se o somatório das afirmativas positivas dos adolescentes em relação às seguintes variáveis: alimentação não saudável regular, ingestão de álcool, tabagismo, consumo de drogas, sedentarismo e uso de preservativo. Categorizadas em: nenhum risco, 1 comportamento de risco, 2 comportamentos de risco, 3 comportamentos de risco, 4 ou mais comportamentos de risco.

A análise dos dados foi dividida em etapas. Utilizou-se software estatístico Stata, versão 14.0. Na primeira etapa da análise dos dados, as variáveis qualitativas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Os dados foram tratados segundo o teste do Qui-quadrado de Pearson, adotando-se o valor de p<0,05 e o nível de significância foi 5%.

Realizou-se a análise de regressão multinomial, utilizando as variáveis de ajustes aos aspectos socioeconômicos (sexo, idade, cor/raça, tipo de escola e escolaridade da mãe), e ainda a análise do modelo estereótipo para descrever a distribuição por categoria de bullying associada pelo somatório do número de comportamentos de risco adotados pelos adolescentes.

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, em sua terceira edição (2015), foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP), sob o número de parecer 1.006.467.

 

Resultados

Os resultados da PeNSE de 2015 contaram com um universo de 102.301 adolescentes. Os dados da região norte que compuseram a amostra deste estudo representaram 24,3% do total nacional e foi composta por 23.977 estudantes de 714 escolas localizadas nos sete estados da região. Em relação às características sociodemográficas, observou-se que, quanto ao sexo, metade (51,4%) dos adolescentes eram do sexo feminino, com idades na faixa etária de 11 a 14 anos (64,7%). A maioria (89,2%) dos adolescentes participantes desta investigação estava regularmente matriculada em escolas públicas, autodeclarava-se pertencente à cor/raça parda (56,4%) e tinha mães com o grau de escolaridade de ensino fundamental completo e ensino médio/superior incompleto (47,1%) (Tabela 1).

Os dados evidenciaram que a prevalência entre os adolescentes escolares da região norte vitimadas pelo bullying verbal foi de 4,3% (IC95% 3,86-4,72); entre aqueles que praticam bullying, denominados como perpetradores, foi de 15,9% (IC95% 15,02-16,87); e entre aqueles que eram vítimas e perpetradores do bullying, revelou-se a prevalência de 2,0% (IC95% 1,70 - 2,23).

Todas as variáveis sociodemográficas avaliadas apresentaram associações significativas com as categorias de bullying. Destacaram-se: maior prevalência de perpetradores entre os adolescentes do sexo masculino (19,2% comparado com 12,9% com as do sexo feminino); maior prevalência de vítimas entre os de cor/raça amarelo (7,4% comparados os pardos, brancos e indígenas, com aproximadamente 4% cada); e a maior prevalência de vítima (5,0%) e vítima/perpetrador (2,4%) foi observada entre os adolescentes cujas mães não tinham nenhuma escolaridade ou ensino fundamental incompleto (Tabela 2).

Os dados da Tabela 3 evidenciaram que houve associação entre todas as variáveis de comportamento de risco e vulnerabilidades dos adolescentes com as categorias de bullying, com destaque para: maior frequência de perpetradores entre os etilistas (24,4% vs. 13,9% nos não etilistas); entre os tabagistas (32,2% vs. 14,9%), usuários de drogas (38,0% vs. 15,2%) e entre os que não usavam preservativos regularmente (27,2% vs. 14,5%). As prevalências de vítimas/perpetrador também foram maiores, com destaque para uso de drogas (6,5% vs. 1,8%) e uso de álcool (4,1% vs. 1,8%).

Observou-se que todas as categorias de bullying assumiram pelo menos um comportamento de risco (Tabela 4). Pouco menos da metade (47%) dos adolescentes acumularam quatro comportamentos de risco. Houve associação entre todos os desfechos de comportamento de risco com as categorias de bullying, com destaque para maior frequência entre as vítimas com acúmulo de três comportamentos de risco (6,1%). Em relação aos perpetradores e às vítimas/perpetradores também foram maiores para o acúmulo de quatro comportamentos de risco (37,5% e 6,7%, respectivamente).

No que tange às associações entre as categorias de bullying e a adesão de comportamentos de risco ajustados por variáveis sociodemográficas (Tabela 5), os perpetradores, comparados com quem não sofre nem prática bullying, apresentaram maior chance de aderirem três (OR=3,22; 1,35-7,69) e quatro (OR=4,04; 1,69-9,66) comportamentos de risco simultâneos. Não foi observada associação significativa entre a adesão de comportamentos de risco com as demais categorias de bullying.

 

Discussão

O presente trabalho revelou que, entre os adolescentes da região norte do país, em relação à variável sexo, evidenciou-se a maior prevalência de perpetração do bullying entre os adolescentes do sexo masculino. Diversos estudos apontam em seus resultados que a perpetração do bullying é mais prevalente entre os meninos (Malta et al. 2016; Dias et al. 2014; Obrdalj et al. 2013). Uma possível explicação para esse fenômeno é proposta por autores como Matos e Carvalhosa (2001), ao afirmarem que os meninos possuem uma interação mais agressiva e explosiva com seus pares em comparação com as meninas, o que resulta em mais casos desse tipo de violência.

Nos estudos de Obrdalj et al. (2013) e Seals e Young (2003), os meninos apresentaram maior necessidade psicológica de revelar força física, a qual, associada a aspectos biológicos como tamanho e força e a fatores sociais, possibilitava aos adolescentes utilizarem a agressão física para perpetrar o bullying.

O presente estudo observou que há maior prevalência da categoria perpetradora de bullying na escola privada e de vítimas na escola pública. Os achados de Mello et al. (2017) e Santana e Costa (2016) revelaram que o nível socioeconômico e o status social do aluno podem contribuir para maior chance de perpetração do bullying. Malta et al. (2014) apontaram que essa prática foi relatada por 23,6% (IC95% 22,8-24,4) entre adolescentes matriculados em escola privada, enquanto que 20,3% (IC95% 18,6-22,1) na escola pública, revelando, ainda, que os alunos matriculados em escola pública tiveram menor chance de praticar bullying (OR= 0,87; IC95% 0,78-0,97).

No que se refere à cor/raça, a maior prevalência de perpetradores foi entre os entrevistados que se autodeclararam indígena (17,3%) e preta (17,2%). Este resultado é similar ao encontrado nos estudos realizados por Malta et al. (2014), Mello et al. (2017) e Oliveira et al. (2015). A relação entre cor/raça e bullying é de certa forma esperada, pois, em muitos casos, uma quantidade pequena de adolescentes de uma determinada etnia/cor de pele pode ocasionar um desequilíbrio de poder e, assim, eles se tornam vítimas em potencial dos colegas que representam maioria étnica (Felix; You, 2011). É importante considerar também as questões de dinâmica social, discriminatórias e culturais relacionadas à intolerância e ao preconceito que, igualmente, são preditoras do bullying (Silva; Alves; Iossi, 2016; Silva et al., 2018).

Este estudo revelou com particularidade que os adolescentes perpetradores de bullying, da região norte do país, apresentaram maior probabilidade de chance da adesão de múltiplos comportamentos considerados de risco e de vulnerabilidade à sua saúde. Aponta-se, com destaque, que, dentre os comportamentos de risco à saúde, o uso de álcool e de outras drogas ilícitas comumente é pontuado nas evidências científicas como predição para o bullying entre adolescentes (Swahn; Donovan, 2004; Gomes et al. 2006; Farrell et al. 2010; Malta et al. 2011; Peleg-Oren et al. 2012; Garcia-Continente et al. 2013).

No que diz respeito à relação da alimentação com o bullying, observou-se que o aumento do consumo de alimentos por adolescentes pode ser uma resposta ao estresse ocasionado pelas provocações ao sofrer bullying, como um enfrentamento temporário para gerar calma, alívio e fuga (Clark et al. 1999; Ong; Fuller-Rowell.; Burrow, 2009). De maneira geral, estudos sugerem que as vítimas de bullying exteriorizam suas angústias no consumo de alimentos tidos como não saudáveis, o que pode aumentar o risco de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis entre os adolescentes (Jansen et al. 2004; Zanelato, 2014).

Quanto ao consumo de álcool regular pelos adolescentes, os achados deste estudo revelaram que pouco menos de um quarto dos adolescentes (24,4%) que consumiam bebida alcoólica eram perpetradores do bullying. Merece assinalar que existe a compreensão de que a adolescência é uma fase marcada por transformações físicas, psicológicas e por uma série de descobertas em busca de maior autonomia social (Costa; Souza, 2005).

Silva e Padilha (2011) alertam que o contato precoce dos adolescentes com as bebidas alcoólicas é relevante para o surgimento do alcoolismo. Quando associado a problemas de saúde na idade adulta, aumenta significativamente o risco de se tornar consumidor em excesso ao longo da vida (Strauch et al. 2009; Mccambridge; Mcalaney; Rowe, 2011).

Enfatiza-se que o consumo excessivo álcool na adolescência também está associado ao insucesso escolar e a outros comportamentos de risco, como tabagismo, uso de drogas ilícitas e sexo desprotegido (Pechansky; Szobot; Scivoletto, 2004; Andrade et al. 2012; World Health Organization, 2014).

O estudo de Mota et al. (2018) mostra que a relação entre o bullying e o consumo de álcool regular revela associação duas vezes maior entre alto risco para agressão direta4 e o consumo de álcool entre adolescentes (RP=2,26; IC95% 1,25-4,11), além de apontar também duas vezes mais chance de permanecer significativo e associado o alto risco para agressão relacional5 (OR=2,13; IC95% 1,17-3,90). Além disso, também devem ser apresentados outros apontamentos da PeNSE 2009, ao revelar que, em ambos os sexos, foram observadas associações entre violência física e ser vítima de bullying com o uso de drogas ilícitas e efeito potencializado do consumo de álcool e drogas (IBGE, 2010).

Outro comportamento de risco que cabe discutir é o tabagismo. A prevalência global do consumo regular de tabaco entre os adolescentes do presente estudo foi de 6,7%. Cabe destacar que a prevalência de adolescentes que fumavam e perpetravam o bullying foi de 32,2%. Os dados da PeNSE de 2012 revelaram que mais de 30,0% dos adolescentes de 13 a 15 anos experimentaram fumar antes dos 12 anos de idade (Barreto et al. 2014). Já nos achados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), realizado em 2013 e 2014 com 74.589 adolescentes de municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, revelou-se que 18,5% dos adolescentes fumaram pelo menos uma vez na vida, 5,7% fumavam no momento da pesquisa e 2,5% havia fumado por sete dias seguidos (Figueiredo et al. 2016).

O estudo de Viera et al (2008) realizado com 1.170 adolescentes de escolas públicas do município de Gravataí (RS) observou que, nos últimos 30 dias, a prevalência de tabagismo foi de 4,4% entre os adolescentes, achado este menor ao encontrado na presente pesquisa. O estudo revelou ainda que a prevalência do uso de tabaco e álcool nos últimos 30 dias esteve associada à presença de sentimento de tristeza, solidão, dificuldade para dormir e ideação suicida.

O estudo de Elicker et al. (2015), realizado em 2010 com 4.667 adolescentes estudantes do 9º ano do ensino fundamental de escola pública, da cidade de Porto Velho (RO), observou o consumo de tabaco de 6,4%, prevalência similar ao achado da presente investigação. De todo modo, evidencia-se na literatura científica que o consumo de tabaco de forma regular entre os adolescentes associa-se a outros comportamentos de risco, como consumo de álcool e outras drogas (Malta et al. 2014; Elicker et al. 2015; Mota et al. 2018).

Entre os adolescentes que afirmaram positivamente fazer uso regular de drogas e que perpetravam o bullying, a prevalência observada foi de quase sete vezes maior quando comparado às demais categorias analisadas no presente estudo. Estudos afirmam que os comportamentos antissociais e o uso de álcool e outras drogas estão associados à prática de bullying (Peleg-Oren et al. 2012; Garcia-Continente et al. 2013).

Mello et al. (2017) verificaram que a chance de adolescentes que experimentaram drogas praticarem o bullying foi de 47% (OR= 1,47; IC95% 1,38-1,57). O consumo de drogas lícitas e ilícitas por adolescentes são fatores fortemente associados à perpetração de diferentes formas de violência. Esses autores revelaram ainda que a chance dos adolescentes que consomem drogas perpetrarem violência verbal foi de 56% (OR= 1,56; IC95% 1,54-1,59) (Romaní; Gutiérrez; Lama, 2011).

Destaca-se que os adolescentes que apresentaram estilo de vida sedentária eram os que mais perpetravam o bullying, comparados às demais categorias (17,7%). Diversos estudos trazem forte associação entre o aumento de comportamentos sedentários e o excesso de peso entre os adolescentes (Silva; Lopes; Silva, 2007; Coqueiro; Petroski; Pelegrini, 2008; Dias et al. 2014; Bacil et al. 2016).

Supõe-se que os adolescentes não se sintam muito atraídos por outros tipos de atividade de vida diária, incluindo a prática de atividade física, como, por exemplo, caminhada, por considerá-los sem importância para suas expectativas e os substituem pelos comportamentos sedentários (Dias et al. 2014). Em relação às categorias de bullying, cabe mencionar que poucos estudos investigaram a associação do sedentarismo com a prática e/ou ocorrência de bullying entre adolescentes. Frente a essa constatação, merece destaque um estudo de 2013 que observou, entre os adolescentes da cidade de Caxias do Sul (RS), que os de comportamentos sedentários representaram 55% mais chance de serem vítimas de bullying (RP=1,55; IC95% 1,01-2,36) e mais do que o dobro (RP=2,42; IC95% 1,47-3,97) de serem agressores (Rech et al. 2013).

Os resultados obtidos revelaram ainda que os perpetradores de bullying são os que menos praticam sexo seguro, utilizando preservativo, seguidos da categoria vítima e vítima/perpetrador. Compreender as justificativas da prática de sexo desprotegido entre adolescentes é de suma importância para aclarar a respeito do cuidado que o adolescente tem consigo e com o outro.

Quanto à informação sobre o uso de preservativo, o estudo de Mello et al. (2017) também observou que os adolescentes perpetradores do bullying eram os que iniciaram relação sexual mais precocemente e de forma desprotegida, com diferença significativa quando comparados aos não agressores. Nesse contexto, um estudo de 2014 utilizou dados da PeNSE de 2012 e observou o comportamento sexual dos adolescentes. Os seus achados identificaram que aqueles cujas mães possuíam menor escolaridade e que não supervisionavam o tempo livre dos seus filhos apresentaram maior chance de ter relação sexual precocemente, independentemente do uso de preservativo. Esses autores revelaram ainda que os adolescentes da Região Norte e Sudeste do Brasil apresentaram maior chance de terem relação sexual (com preservativo OR=1,54 e sem uso de preservativo OR=1,42) em relação aos adolescentes da Região Sul, uma vez que estes apresentaram razão de chance menor (com preservativo OR=0,86 e sem preservativo OR=0,88) (Oliveira-Campos et al. 2014).

Em relação às associações do bullying e adesão de comportamentos de risco à saúde, cabe destacar que os adolescentes do presente estudo, categorizados como perpetradores, foram os que mais adotaram hábitos e comportamento de risco dentro do contexto social e escolar em que estão inseridos, assumindo, assim, um comportamento diferenciado frente aos demais adolescentes categorizados como vítima e vítima/perpetrador de bullying.

 

Conclusão

A prevalência de adolescentes do 9º ano que vivenciaram o bullying na região norte foi de 4,3%. Quanto aos que eram vítimas e perpetradores do bullying, revelou-se a prevalência de 2,0%. E sobre aqueles que praticam bullying, denominados como perpetradores, a prevalência foi de 15,9%.

Por outro lado, ao realizar a associação de comportamentos de risco entre adolescentes, concluiu-se que o fenômeno bullying, em especial do tipo verbal, os expôs a condições susceptíveis aos riscos e vulnerabilidades, como uso abusivo de álcool e outras drogas, tabagismo e práticas de relações sexuais sem preservativo. Por sua vez, destaca-se que essas condições estão atreladas, em grande maioria, aos perpetradores do bullying verbal.

Chamou atenção, neste estudo, que perpetradores do bullying verbal foram em sua maioria do sexo masculino. No ambiente escolar, esses adolescentes assumiram mais comportamentos de risco à saúde e vulnerabilidades, tais como alimentação não saudável regular, consumo de álcool, drogas, tabaco, relação sexual sem preservativo e sedentarismo.

Apreende-se que o contexto escolar brasileiro, em especial da região norte, continua sendo um espaço de (re)produção da violência e que a escola não é a única responsável por essa prática, pois se trata de um fenômeno complexo, dinâmico, multifacetado e multicausal, com raízes também em questões de ordem macrossociais, econômicas e sociocultural.

As limitações deste estudo estão relacionadas ao seu desenho transversal, que não permite estabelecer relações de causa e efeito. Além disso, pode ter ocorrido viés de memória em algumas das questões relacionadas ao questionário. Sob outra perspectiva, os resultados deste estudo nos permitem conclamar a importância de criação de políticas públicas que fortaleçam intervenções nas escolas com temas sobre violências interpessoais, gênero, promoção da cidadania e educação em saúde. É indispensável que adolescentes tenham possibilidades de desenvolvimento, no que diz respeito às relações sociais e à atuação cidadã crítica nos contextos em que vivem. Considera-se que a educação em direitos humanos é um desses caminhos para a potencialização da capacidade dos adolescentes, de modo que possam ser protagonistas de mudança social e construtores de sua história, do cuidado de si e do outro, além de implicados com o bem-estar social e respeito às diferenças.

 

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Data de recebimento/Fecha de recepción: 30/09/2020
Data de aprovação/Fecha de aprobación: 12/01/2021

 

 

1 A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) é fruto da parceria do Ministério da Saúde com apoio do Ministério da Educação, possui abrangência nacional e está em sua terceira edição (2009, 2012 e 2015). Essa pesquisa investiga informações que permitem conhecer e dimensionar os fatores de risco e proteção à saúde dos adolescentes, sendo realizada por amostragem, utilizando como referência para seleção o cadastro das escolas públicas e privadas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (IBGE, 2016).
2 Endereço eletrônico: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9134-pesquisa-nacional-de-saude-do-escolar.html?=&t=downloads
3 A noção de comportamento de risco assumida neste estudo é a mesma adotada pela PeNSE (2015). Entende-se como ação de experimentação de comportamentos e vivências assumidas pelo adolescente que comprometa a sua saúde e bem-estar.
4 A agressão direta inclui formas de agressão física direta que ocorre em resposta a ataques iniciados por outros (como ato de revidar) (Mota et al. 2018).
5 Já a agressão relacional inclui comportamentos que prejudicam o relacionamento da vítima com outros pares, incluindo a exclusão, apelidos e encorajamento a brigas (Mota et al. 2018).

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