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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso v.28 n.53 Belo Horizonte set. 2006

 

HOMENAGEM AOS 150 ANOS DO NASCIMENTO DE SIGMUND FREUD

 

Freud: formação do analista e transmissão da psicanálise – evolução histórica

 

Freud: formation of the analyst and transmission of psychoanalysis - historical evolution

 

 

Arlindo Carlos PimentaI

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O autor assinala que em várias situações e no próprio tecer da teoria psicanalítica e da práxis da Psicanálise, Freud não recua diante do conflito. Dentro desta perspectiva, a temática da formação dos analistas sempre foi difícil e conflituosa. Baseia-se em um artigo de M. Balint para dividir historicamente a evolução da questão em várias etapas. Salienta o autor que parte de Lacan a única proposta concreta de formação de analista e seu enlaçamento a partir da Escola, apesar dos conflitos e dissidências acontecidos. Por fim analisa brevemente a questão e seu desenvolvimento histórico no CPMG e as prováveis conseqüências desse desenvolvimento.

Palavras-chave: Conflito, Formação de analistas, Análise didática, Análise histórica, Tripé da IPA, Escola de Lacan, Questão no CPMG


ABSTRACT

The author states that in various circumstances, such as in the weaving of the psychoanalytic text and in the clinical practice of psychoanalysis, one must not back down when challenged. It is from this very standpoint that the training of analysts has always been complex and conflictive. Based on an article written by M. Balint, the author has divided the evolution of analytic training into different stages. He affirms that Lacan presented the only concrete proposal for analytic training and associated matters that were related to the School, in spite of all the conflicts and dissidences that resulted from such.The author concludes with a brief analysis on the question and its development in the CPMG, including a view on probable consequences.

Keywords: Conflict, The training of analysts, Didactic analysis, Historical analysis, IPA's tripodic base, Lacan's School, CPMG's position


 

 

Ao comemorar os 150 anos do nascimento de Freud, nada melhor que homenageá-lo retornando e rediscutindo algumas questões por ele levantadas, recolocando-as a posteriori e ao mesmo tempo avaliando suas conseqüências em nossa contemporaneidade.

 

O conflito é a marca de Freud

Não só porque em sua construção do saber psicanalítico nunca deixou de considerar como fundamental levar em contra o conflito (ver, por exemplo, a teoria pulsional), mas também porque em sua postura pessoal nunca se negou a enfrentar posições de conflito.

Assim por exemplo Freud, filho da Ilustração, tinha por um lado como meta a colocação da Psicanálise no âmbito da ciência e por outro lado, no entanto, toda a sua construção teórica e prática clínica evidenciavam quão além da ciência ela estava.

Ao mesmo tempo que a questão central da Psicanálise – o desejo inconsciente – apontava para a singularidade, para uma verdade do particular e para as dificuldades de uma generalização, era necessária a formalização de uma metapsicologia a fim de possibilitar sua veiculação.

O mesmo nível de conflito encontramos no que tange à formação dos analistas e sua instituição.

Do mesmo modo, estando o ponto central e fundamental dessa formação situado na análise pessoal do sujeito, como se verifica que tal análise foi levada a cabo, ou que tipo de laço poderia ser estabelecido a partir daí?

Se por um lado, assim como na vida social, a intromissão quer da religião, quer do Estado em questões ligadas ao desejo, tentando regulamentá-lo, é altamente indesejável, é também Freud que nos coloca a necessidade de uma lei, vinda no lugar do pai morto, sem a qual os laços sociais seriam impossíveis.

Apesar de a dimensão grupal, institucional não resolver o mal-estar, sem ela o nível do mesmo certamente seria insuportável.

Basta refletirmos sobre o crescente mal-estar de nossos dias para nos certificarmos disto.

Como então seria possível articular as dimensões do singular e do plural sem que um dano excessivo acontecesse, seja em um nível ou noutro?

Façamos um breve retrospecto histórico, a fim de que possamos perceber nesse a posteriori algo que nos ajude nesta análise.

Para tanto tomemos como base o artigo de Michel Balint: "Formação Analítica e Análise Didática", apresentado como contribuição ao Simpósio "Problemas da Formação Psicanalítica" e no XVIII Congresso Psicanalítico Internacional, em Londres, em 28 de julho de 19531.

Nele, Balint faz uma análise histórica e crítica da questão da formação dos analistas desde a chegada dos primeiros discípulos de Freud. Divide o transcorrer desta questão e suas conseqüências em cinco etapas desde o início até aquela época.

Temos assim: Um primeiro tempo que seria da instrução, um segundo tempo da demonstração, segue-se um terceiro da análise propriamente dita, um quarto da Superterapia e um quinto período, o da pesquisa.

O primeiro período (instrução) inicia-se em 1902, quando vários médicos se interessam pelos escritos de Freud sobre o Inconsciente, a Sexualidade e a Psicanálise.

Freud vinha da ruptura com Fliess, cujos Congressos podem ser vistos como a pré-história da Instituição Psicanalítica.

Na sala de espera do consultório de Freud, no Outono de 1902, ocorreram os primeiros encontros que receberam o nome de "Noitadas Psicológicas das Quartas-Feiras" e posteriormente Sociedade das Quartas-Feiras.

O nome dado a este período deve-se ao fato de que para se praticar a psicanálise nesse período bastava instruir-se pela leitura dos trabalhos publicados por Freud àquela época.

Segue-se o período denominado da demonstração em que alguns analistas iam a Viena, onde ficavam algum tempo e onde, durante as caminhadas com Freud, analisavam seus sonhos, e a partir daí demonstrava-se a veracidade da hipótese do inconsciente.

O terceiro período chamado de "período da análise propriamente dita" coincide com a fundação da IPA. Cabe a Ferenczi defender a idéia de que quem quisesse ser analista deveria se submeter a análise.

Ferenczi preocupa-se durante toda sua vida enquanto analista com questões tais como a formação do analista e o final de análise. Temas até hoje bastante importantes e de difícil abordagem.

Ferenczi aliás leva o tema da análise dos analistas a um extremo, no sentido de que os candidatos a analistas devem ser mais analisados que seus pacientes, ou seja, as análises didáticas deveriam ser levadas até o limite extremo ao qual um processo analítico pode ser levado. Isto é o que vai marcar o período seguinte, denominado de "supertratamento" ou "superterapia".

Com o diagnóstico do câncer de Freud em 1923, houve um certo pânico no meio dos analistas, por suporem que Freud pudesse morrer logo.

Apressou-se então em formalizar o processo de formação dos analistas, cabendo à clínica de Berlim propor o famoso tripé: análise didática, supervisão e cursos, até hoje mantidos pela IPA.

Nestas condições a proposta da chamada superterapia ganha força, mormente no que diz respeito à dimensão pré-edípica, enfatizada pela linha kleiniana. O candidato a analista deveria chegar à análise das pulsões agressivas e destrutivas, ou seja, ao nível pré-edípico.

Balint reconhece o interesse pela Superterapia, embora assinale não haver acordo do que seria exatamente isso. A partir dos anos 50 pensa-se em definir este "além da cura" não como uma superterapia, mas como uma Zona de pesquisa.

Somente em 1964, com a "Excomunhão" de Lacan e a fundação da Escola Freudiana de Paris, é que aparece uma nova proposta em termos da formação de analista.

Lacan vai propor que um analista só se produz a posteriori se ao final de sua análise emergir o desejo de analista. Desejo de analista que de forma alguma se confunde com o desejo de ser analista.

Ao fundar sua Escola, Lacan cria os dispositivos do cartel e do passe como pilares de sustentação da mesma. Segundo Calligaris2, no catálogo de Balint, o procedimento do passe se situaria na fronteira da superterapia e da pesquisa.

O procedimento do passe não foi aceito unanimemente entre os lacanianos, e alguns dos mais expressivos analistas desta época vão sair e fundar o "Quarto Grupo".

 

O CPMG

Devido às vicissitudes históricas, já bastante conhecidas, o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda – secção de Minas Gerais adotou o modelo de formação da IPA.

Caruso, fundador o Círculo Vienense, apesar de combater a ortodoxia da IPA, adota o modelo de formação desta.

O Professor Malomar, conforme seu depoimento gravado, esteve em análise com Caruso por cerca de 1 (um) ano em Viena e a partir daí se intitula didata e como tal funda o grupo mineiro e autoriza os primeiros didatas.

Com o crescimento do grupo inicial, as inevitáveis tensões e conflitos levam à criação da Comissão de Análise Didáticas (CAD) que, segundo o depoimento de Antonio Ribeiro, tinha o mesmo espírito do comitê protetor que na segunda década do século XX fora criado em torno de Freud.

O movimento político de 1983 rompe com a hegemonia dos didatas e estabelece que a análise dos candidatos poderia ser conduzida por qualquer sócio do CPMG.

Em 1988 é criado o Fórum de Psicanálise, que substitui o Instituto de Formação ligado ainda ao modelo vigente até 1983. A partir do final dos anos 90, o modelo atual é progressivamente implantado e consta basicamente de dois tempos: o tempo do saber e o tempo do fazer.

As análises pessoais, a partir de 1983, são deixadas a critério do analisante e seu analista, sendo que este deve ser reconhecido pela Instituição. Como este reconhecimento é feito não fica bem claro.

Após algum tempo de convivência na Instituição, o candidato a sócio solicita seu ingresso na mesma, sendo escolhida uma comissão ad hoc para receber a demanda do candidato a sócio.

São examinados seu currículo, sua produção e participação em atividades, bem como os motivos de sua escolha pelo CPMG.

Após a escuta do candidato, uma produção de textos é feita pelos membros da comissão ad hoc e pelo candidato e depois levada à assembléia geral dos sócios. Esta aprovará ou vetará o acolhimento do candidato a sócio.

No entanto, a questão dos dois outros tripés da formação, a saber a supervisão e sobretudo a principal que são as análises pessoais ficam entre parênteses.

O modelo da IPA é burocrático e o modelo lacaniano controvertido, não apresentando uma alternativa viável. No entanto, a meu juízo, carece de uma atenção maior, e uma análise mais detida desta importante questão. A temática das análises, desde as didáticas, certamente deveria ser levada em conta, com o mesmo esforço e dedicação que tem sido dispensado aos cursos.

Quem sabe cuidamos do acabamento e descuidamos dos alicerces? Estaria em continuidade com este termo a questão da transferência de trabalho, participação nas atividades e produção de trabalhos? Tema espinhoso e difícil mas que ao ensejo do sesquicentenário de Freud não poderíamos deixar de tocar. Afinal é o próprio Freud quem diz: "A Psicanálise se aprende pela pele".

 

Bibliografia

BALINT, M. Formação analítica e análise didática. Contribuição ao Simpósio "Problemas da Formação Psicanalítica". XVIII Congresso Psicanalítico Internacional, Londres, jul.1953.        [ Links ]

CALLIGARIS, C. Questão da Formação do Psicanalista. Uma História Crítica. Boletim de Associação Psicanalítica de Porto Alegre – Ano 1, n.3/4, nov.1990.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rua Paraíba, 1317/501 - Savassi
30130-141 - Belo Horizonte - MG
Tel.: (31) 3281-1722
E-mail: apimenta@pib.com.br

Recebido em 30/05/2006
Aprovado em 03/07/2007

 

 

IPsiquiatra. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG.
Membro da Escola de Psicanálise e do Campo Lacaniano (EPCL - Brasil).
1 Balint, M. Formação Analítica e Análise Didática. Contribuição ao Simpósio "Problemas da Formação Psicanalítica". XVIII Congresso Psicanalítico Internacional, Londres, jul. 1953.
2 Calligaris, C. Questão da Formação do Psicanalista. Uma História Crítica. Boletim de Associação Psicanalítica de Porto Alegre – Ano 1, n.3/4, nov. 1990.

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