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versão impressa ISSN 0102-7395
Reverso v.28 n.53 Belo Horizonte set. 2006
CLÍNICA PSICANALÍTICA
O lobo dos homens
The wolf of men
Alberto Henrique Soares de Azeredo CoutinhoI
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
RESUMO
A partir do famoso caso clínico conhecido como "O Homem dos Lobos" e da reinterpretação do sonho sobre o qual todo ele se fundamenta, a "cena primária" (re)construída por Freud é revista à luz de fatos relacionados a uma grave doença física concomitante. O conceito de trauma em Psicanálise e sua relação com o corpo e com a angústia é discutido neste contexto.
Palavras-chave: Corpo, Trauma, Angústia, Castração, Drama edípico, Falsa ligação, Fobia.
ABSTRACT
Freud's famous clinical report known as "The wolf man" and the re-interpretation of its central dream are the basis for our review of the "primary scene" as (re)built by Freud in this case. Special attention has been given to the simultaneous occurrence of phobia and severe physical illness. In this article, we present the hypothesis that a nonsexual body trauma was essential to the development of the signifier chain in relation to the patient's animal phobia and, the longstanding mental disease (neurosis?). The concept of trauma in Psychoanalysis and its relation with the body and with anguish is discussed in this scenario.
Keywords: Body, Trauma, Anguish, Castration, Oedipal drama, False link, Phobia.
"Se tentarmos recordar do que nos ocorreu nos primeiros anos da infância, muitas vezes confundimos aquilo que ouvimos de outros com o que realmente nos pertence e que provém daquilo que nós próprios testemunhamos."
(Goethe)
1. O sonho
Como se constituiu a imagem fóbica dos lobos brancos para o "Homem dos Lobos", o famoso paciente russo que teve a análise de sua neurose infantil imortalizada por Freud em 1918, no mais polêmico de seus casos clínicos?
O conteúdo manifesto do sonho de angústia vivido pelo paciente aos quatro anos de idade e relatado a Freud precocemente em sua análise, sobre o qual toda ela se baseou, pode ser resumido nos seguintes pontos essenciais: 1. "de repente a janela abriu-se sozinha"; 2. o terror ao ver seis ou sete lobos muito brancos e muito quietos sentados na grande árvore em frente à janela, olhando para o menino "como se tivessem fixado toda a atenção" nele; 3. "os lobos pareciam-se mais com raposas... ou cães pastores quando prestam atenção a algo"; 4. o acordar aos gritos no meio da noite pelo terror de ser comido pelos lobos.
Freud ressaltou que o paciente "enfatizara sempre o fato de que dois fatores no sonho haviam-lhe causado a maior impressão: a perfeita quietude e imobilidade dos lobos e a atenção com que todos olhavam para ele" e, baseando-se em sua própria experiência na interpretação de sonhos, afirmou que esta forte sensação de realidade permitia relacionar o sonho "com uma ocorrência que realmente teve lugar e não foi simplesmente imaginada". A cuidadosa reconstrução da história de infância do paciente permitiu-lhe situar este evento real na idade de um ano e meio.
2. A "cena primária", segundo Freud
Embora Freud reconheça não ser possível afirmar como verdadeira sua construção da "cena primária", feita a partir da interpretação do sonho dos lobos, o fato é que toda a análise do caso está fundamentada nela. Esta construção parte da premissa de que "as partes do conteúdo manifesto do sonho que foram destacadas pelo paciente – os fatores do olhar atento dos lobos e sua imobilidade – devem conduzir ao conteúdo desta cena". Sua hipótese central é de que esse material reproduz o da cena primária "de algum modo deformado, talvez mesmo para o seu oposto". As pesquisas sexuais infantis que o menino empreendia à época do sonho e a história do avô que forneceu seu elemento essencial dos lobos sobre a árvore levam Freud a afirmar que o sonho se relacionava com o tema da castração e que o lobo seria um substituto do pai ameaçador.
Em sua interpretação, Freud transforma os elementos centrais do conteúdo manifesto do sonho em seu oposto: do menino ser observado atentamente pelos lobos imóveis para o menino olhar lobos em movimento. Com esta torção interpretativa essencial e agregando outros dados da história do paciente e situações que presumiu ter ocorrido naquele instante, Freud reconstruiu (ou construiu?) a "cena primária" da cópula entre os pais à qual o menino teria assistido com tenra idade. Esta cena teria sido o evento "real" traumático vivido pelo menino aos dezoito meses de vida, que motivaria o sonho de angústia e a fobia a lobos iniciada aos quatro anos, sua neurose obsessiva infantil a partir dos quatro anos e meio, a alucinação da perda do dedo aos cinco anos (episódio psicótico?) e sua longa doença posterior.
Porém, o que mais chama a atenção na descrição dessa cena é a riqueza de detalhes com que ela teria sido reconstruída por Freud a partir do relato do paciente, mais de vinte anos depois, durante sua análise. Exatamente esta pletora de nuances, com que Freud tenta criar a convicção de realidade da cena, é o que a torna praticamente inverossímil, quando nos lembramos que seu observador era uma criança de dezoito meses de idade sofrendo com os sintomas da malária. Tal criança, psiquicamente imatura e fisicamente debilitada, teria sido capaz não só de assistir quieta e atentamente à cópula entre os pais, mas também de registrar particularidades dela como a cor branca das roupas dos pais e da cama, a voz do pai e as feições da mãe, o aspecto de seus genitais, as posições e o número dos coitos e a forma como é interrompida a cena. Esta óbvia incoerência não passou despercebida por vários autores que estudaram a fundo este caso clínico de Freud, entre eles Patrick Mahony, cuja opinião pode ser resumida na seguinte afirmação extraída de seu livro Gritos do Homem dos Lobos: "...No mito traumático densamente investido da cena primária ele (Freud) é, em vários níveis, o criador de sua própria cena primária: ele gera a cena, a presencia e a engendra repetidamente no seu paciente, tenta ‘convencê-lo' da sua construção ou criação." (Mahony, p.155).
Convencer: este era o objetivo central de Freud ao relatar este caso, historicamente contemporâneo do embate que ele então travava com Adler e Jung, no seio do movimento psicanalítico, para provar a veracidade de sua teoria sobre o caráter nuclear da sexualidade infantil na gênese das neuroses. Para tanto, era essencial que sua convicção sobre a "cena primária" fosse antes compartilhada por aquele que a teria presenciado: seu paciente. Este aspecto histórico não pode ser relegado, pois ele explica a supervalorização com que Freud se dedicou a este caso e ao paciente, atitude que não passou despercebida por este e que foi a origem do relacionamento analista-analisando mais longo, conturbado e polêmico de toda a história da Psicanálise.
3. Evento real concomitante à "cena primária": a malária
Há, porém, na história de infância do paciente, um evento concomitante à pretensa "cena primária" construída por Freud, que é de ordem factual: a malária da qual o menino padeceu, por tempo indeterminado pelos registros do caso. O sofrimento físico e emocional conseqüente à intensidade das manifestações clínicas da doença e às intervenções médicas relacionadas ao seu diagnóstico e tratamento certamente constitui um trauma significativo para uma criança de um ano e meio de idade, cujas repercussões são difíceis de predizer. Entretanto, desprezá-las ou muito subestimá-las como fez Freud, a exemplo do que ocorreu com outro evento importante da história do paciente – a morte de sua irmã – não parece ser aceitável, em face de suas prováveis repercussões psíquicas tardias.
O desafio aqui passa a ser o de tentar demonstrar como um trauma psíquico real não sexual – a malária – pode vir a substituir a "cena primária" construída por Freud, de caráter sexual explícito porém apenas presumida, na origem do sonho de angústia que demarca o início da fobia e da posterior doença (neurose?) do paciente.
4. Reinterpretação do sonho à luz dos fatos
Parece impossível aceitar que doença desta gravidade tenha passado sem conseqüências emocionais sérias em uma criança de um ano e meio de idade, psiquicamente despreparada para lidar com um verdadeiro cataclismo vivido no real do corpo e incapaz de simbolizá-lo. Não se trata aqui de provar se a "cena primária" montada por Freud a partir da interpretação do sonho dos lobos realmente ocorreu. O ponto crucial desta discussão é que o evento real não sexual concomitante à pretensa cena – a malária – pode ter fornecido elementos vitais para a gênese do sonho de angústia de conotação sexual inquestionável, dois anos e meio mais tarde, que deflagra a fobia a lobos do menino e toda sua longa doença posterior. Por que vias psíquicas isto poderia acontecer? Como conectar os dois traumas? Voltar ao conteúdo manifesto do sonho e tentar reinterpretá-lo à luz de fatos relacionados à malária e à história do paciente parece ser o único caminho para ligar os dois eventos traumáticos.
Dos pontos essenciais do sonho, não há o que discutir acerca da interpretação que Freud dá ao primeiro. "De repente a janela abriu-se sozinha" é a expressão onírica mais plausível para o despertar súbito diante de algo ameaçador. Mas é vital lembrar que a coisa que ameaça não está fora do sonhador, ela é algo que já é parte de seu inconsciente. Este despertar representa para o sujeito o que Lacan denominou "o encontro com o real". A angústia deste momento, no presente caso, expressa a significação de marcas mnêmicas primitivas não simbolizadas, equivalentes às percepções (W) imaginadas por Freud em sua famosa "Carta 52" a Fliess. Acredito que essas marcas representam o afeto ligado ao intenso desprazer vivido no real do corpo do menino de dezoito meses de idade durante a crise malárica, acrescido de todo o sofrimento conseqüente às intervenções diagnósticas e terapêuticas que ele experimentou durante a grave doença. Toda esta carga de afeto de origem não sexual é revivenciada aos quatro anos de idade durante o sonho de angústia com os lobos, que marca o encontro do menino com o horror da castração. Mas o que há de comum entre estes dois momentos tão díspares da história desse menino, que permite associá-los tão solidamente? A resposta, a meu ver, é o agente desses dois momentos traumáticos aos olhos da criança: o médico. Ele é que está presente tanto no real da malária e das agressivas intervenções a ela relacionadas, quanto no imaginário como responsável por levar a cabo a castração, ameaça comumente feita aos meninos naquela época para inibir suas experiências masturbatórias. A "ferida que ficava no lugar", como disse a Nanya ao menino, "equivaleu a esta ameaça" na opinião do próprio Freud. Com este significante – médico – em mente voltemos ao sonho.
O outro elemento essencial de seu conteúdo manifesto refere-se às características marcantes dos seis ou sete lobos que observam atentamente o menino: eles são muito brancos e estão muito quietos, "como se tivessem fixado toda a atenção" nele. Compare-se esta descrição com a atitude típica de um médico vestido de branco, preocupado com seu pequeno paciente, observando-o imóvel e atentamente à beira de sua cama. Esta imagem deve ter sido presenciada muitas vezes pelo menino enfermo, se nos lembrarmos das particularidades da doença: a importância do registro cuidadoso da curva térmica no diagnóstico da malária, a gravidade da crise malárica demandando atenção constante por parte de médicos ou enfermeiras (que também se vestem de branco), a necessidade de vigiar a criança após o medicamento para ter-se a certeza de que ela não o vomitou e de continuar vigiando-a depois para detectar as possíveis complicações do tratamento. É fácil agora perceber a semelhança entre os lobos do sonho e a imagem do(s) médico(s), que o menino associou com todo o desprazer por ele vivido durante sua grave enfermidade, aos dezoito meses de idade. Porém no sonho existem seis ou sete lobos, embora no desenho que o retrata o paciente tenha registrado apenas cinco. É provável que este elemento do sonho derive realmente, como Freud afirmou, dos contos infantis que o menino ouviu em que aparecem os lobos, não tendo relação direta com as vivências ligadas à malária. Ainda assim, pode-se aventar duas hipóteses para este elemento no contexto da doença: 1. a imprecisão do número de lobos pode refletir a presença de mais de uma pessoa de branco (médicos e/ou enfermeiras) cuidando da criança, variando de cinco a sete como ele relatou; 2. este também seria o número mínimo de dias de observação necessários para definir-se o tipo de malária do paciente de acordo com a periodicidade da febre (terçã ou quartã), informação que a criança teria ouvido do médico e registrado.
Outro elemento intrigante do sonho é o fato de os lobos estarem sentados na árvore, que o paciente depois identificou como uma das nogueiras do jardim de sua casa. Também aqui é possível interpretar este dado no contexto do trauma representado pela malária para o menino. Ele teria ouvido muitas vezes que o remédio amargo que ele era obrigado a tomar, o qual provavelmente vomitou em várias ocasiões e que talvez provocou-lhe outros efeitos desagradáveis, provinha de uma árvore. Daí a ligação tão estreita entre os lobos e a árvore no sonho, como a que ele percebeu existir entre o médico assustador e o remédio ruim.
O último elemento essencial, que caracteriza o sonho como tipicamente de angústia, é o fato dele terminar com o menino acordando aos gritos pelo pavor de ser comido pelos lobos, expressão simbólica do horror à castração e do medo do pai, como magistralmente Freud interpretou. Porém, afeto de igual magnitude, embora sem conotação sexual, já havia certamente sido experimentado pelo menino durante a malária que sofreu em tenra idade. A síntese desta experiência com o turbilhão de sentimentos ameaçadores vividos durante a travessia do drama edípico desaguam no sonho, que integra elementos das duas vivências traumáticas. O elo entre elas, como procurou-se demonstrar, é o significante médico.
5. Algumas elaborações complementares
Existem no relato do caso dois pontos nebulosos abordados por Freud, que talvez também encontrem explicação no contexto da malária que o menino sofreu. O primeiro diz respeito ao número três, repetidamente citado pelo paciente, mas não relacionado por ele a nenhum fato ou situação específicos. Freud o interpreta como o número de cópulas dos pais às quais o menino teria assistido durante a alegada "cena primária", que teria ficado em sua memória. É razoável pensar que uma criança de dezoito meses de idade possa contar até três, desde que o que conta seja adequado ao seu desenvolvimento intelectual e emocional. Imaginar que criança desta idade, debilitada pela malária que então sofria, seja capaz não só de assistir atentamente à "cena", como também definir quando uma relação sexual começa e quando ela acaba para poder contá-las, parece absurdo. Por outro lado, lembremo-nos que a febre na malária pode ser do tipo terçã, ou seja, apresentar crises a cada três dias. Embora no relato do caso o menino tivesse febre todos os dias, ele provavelmente ouviu o médico referir várias vezes este aspecto da doença na conversa com os pais, registrando-o. Nascido em Odessa, perto da Criméia, ele pode ter mesmo sofrido do tipo cotidiano de malária, "que era duas vezes mais comum do que a febre terçã na Criméia, como sabemos através do clássico da época, Manual de Patologia Geográfica e Histórica (1883), de August Hirsch" (Mahony, p.79). De qualquer forma, esta dúvida diagnóstica deve ter gerado repetidas discussões médicas nas quais a palavra três foi mencionada, sendo retida pela criança.
Outro aspecto polêmico abordado por Freud em sua análise do caso refere-se ao distúrbio alimentar apresentado pela criança antes mesmo do sonho com os lobos, que ele considera "a primeira das doenças neuróticas do paciente" e "resultado de algum processo na esfera da sexualidade", localizada na fase oral. Porém, é fácil entender um distúrbio alimentar em relação à malária, já que intensos sintomas digestivos são comuns durante a doença. A manifestação do transtorno alimentar do menino foi o apetite exclusivo por coisas doces. Se nos lembrarmos do sabor extremamente desagradável da medicação usada no tratamento da malária, que o menino era obrigado a ingerir provavelmente escondida na comida como estratégia para evitar sua recusa em recebê-la, é fácil aceitar que ele rejeitasse o alimento habitual e fosse compelido a preferir alimentos doces, sem que isso tenha qualquer conotação sexual.
O outro aspecto significativo do caso no contexto deste trabalho diz respeito à frase sistematicamente usada pelo paciente para expressar suas dores. Ela é a repetição do que sua mãe disse indo em direção à estação de trens, acompanhada de seu médico que a visitara e a examinara, tendo consigo o menino: "não posso viver mais deste jeito". Para Freud, a apropriação desta frase pelo paciente significa sua identificação com a mãe. Porém, é plausível que ela possa ser interpretada de outra forma, se nos lembrarmos que nesse momento o sonho com os lobos já havia ocorrido e o menino achava-se mergulhado no conflito edípico e absorto com o fantasma da castração. É possível que, neste contexto, ele possa ter entendido esta frase da seguinte forma: "não posso viver mais deste jeito, fálica", ou seja, sua mãe, assim como as demais mulheres, não mais poderia continuar a possuir o pênis que ele lhe atribuíra até então. O detalhe importante na situação que interessa ressaltar é que esta frase foi dita na presença de um médico, o agente da castração no imaginário da criança, e pode ter-lhe soado como a aquiescência da mãe a que ele finalmente cumprisse seu papel em relação a ela, ou seja, algo como "está bem, eu concordo, agora você pode me castrar", atestando-lhe a condição de "lobo dos homens".
6. Trauma e falsa ligação
Em síntese, o cerne desta discussão é a tese de que dois momentos traumáticos da história do menino, separados pelo intervalo de dois anos e meio, são conectados no sonho dos lobos através do significante médico.
Resta procurar justificar a hipótese de que um trauma real não sexual – a malária – possa substituir a pretensa "cena primária" freudiana, de caráter sexual explícito, como o primeiro dos elementos formadores do sonho de angústia com os lobos. Tal desafio esbarra com o conceito fundamental de que em Psicanálise o traumático sempre é sexual, o que excluiria a possibilidade de pensarmos em "trauma real não sexual". Tal situação talvez nos aproxime mais de um dogma do que de um conceito, um paradoxo se nos referirmos à própria essência ética e epistemológica da Psicanálise. Este impasse teórico só pode ser conciliado se encontrarmos, dentro da metapsicologia psicanalítica, argumentos que nos permitam aceitar como não sexual o trauma no real do corpo causado pela malária.
A respeito das "cenas primárias", Anna Freud (1951) defendeu inicialmente que as experiências traumáticas precoces sobrevivem somente em lembranças encobridoras, que são condensações de dois ou mais eventos patogênicos. Mais tarde (1967), revê o conceito de trauma, definindo-o como "uma experiência de desamparo por parte do ego, em face do acúmulo de excitação, seja de origem externa ou interna", o que talvez permite aplicá-lo a qualquer situação em que o aparelho psíquico se defronte com a chegada irruptiva de estímulos, sexuais ou não, com os quais ele não está preparado para lidar.
Contemporaneamente, a síndrome do pânico tem sido entendida por muitos psicanalistas como corolário do conceito freudiano de neurose de angústia, resultado da "emergência de uma representação com uma qualidade tão primitiva, tão próxima da sensação, com uma intensidade tão próxima do puro afeto, que impede que a angústia sinal atue, o que anteciparia ao Ego algo do risco de falência", embora ela possa manifestar em outros casos a angústia de castração vinculada ao drama edípico (Sigal, 2001).
Ainda assim sempre haverá, sob a ótica da teoria psicanalítica, como caracterizar qualquer ato do outro sobre o corpo do sujeito, mesmo que exclusivamente de desprazer e anterior ao drama edípico, como vinculado à sexualidade lato sensu, justificando o conceito de que o trauma sempre é sexual. Afinal, conceito ou dogma?
7. Conclusão
A discussão das hipóteses aqui defendidas sobre o papel da malária e do significante médico na gênese do sonho com os lobos, interpretado por Freud como resultado da "cena primária" por ele defendida, é um exemplo do valor perene do relato de um caso clínico. Este permite às novas gerações de psicanalistas a oportunidade de discutir conceitos e de se aventurar em releituras, como forma eficaz de manter viva a causa da Psicanálise e de renovar seu princípio ético essencial: o amor à verdade. O psicanalista, ao se arriscar a relatar seus próprios casos e ter suas interpretações e construções eventualmente contestadas por outros, contribui concretamente para a consolidação da teoria e da prática psicanalíticas.
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Recebido em 30/05/2006
Aprovado em 03/07/2007
I Médico. Participante do Fórum de Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG