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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso v.31 n.57 Belo Horizonte jun. 2009

 

CLÍNICA PSICANALÍTICA

 

A angústia e o analista

 

The anxiety and the analyst

 

 

Maria Pompéia Gomes Pires

Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A autora refere-se à angústia enquanto afeto que se manifesta na fronteira entre o desejo e o gozo. Comenta o objeto a e as suas consequências no trabalho analítico.

Palavras-chave:Angústia, Desejo, Gozo, Castração, Outro, Analista.


Abstract

The author refers to anxiety as an affect that is manifest on the border between wishing and enjoyment. The object a and its consequences in analytic work are also discussed in this article.

Keywords:Anxiety, Wish, Enjoyment, Castration, Other, Analyst.


 

 

São considerações decorrentes da leitura do Seminário X – A Angústia.

– Onde se situa a angústia na estrutura psíquica e qual é a sua natureza?

Sendo a angústia um afeto, para pensarmos a questão temos que localizar os elementos psíquicos responsáveis pela produção do afeto pelo qual o sujeito é tomado.

Lacan situa a angústia, no Seminário X, tendo sua emergência no intervalo que se produz entre o desejo e o gozo. Constitui-se como um fenômeno mediano, mas não mediador, entre o desejo e o gozo. Como fenômeno de borda entre elementos de natureza diferentes, não assimiláveis um pelo outro, manifesta-se exatamente quando este espaço vazio tende a se apagar. Desejo e gozo ameaçam confundir-se. Surge então a angústia como sinal de alerta, pela aproximação do que se acreditava clivado, clivagem essa necessária para a manutenção do equilíbrio da estrutura psíquica, equilíbrio mantido pelo funcionamento do princípio prazer – desprazer.

Sinal de quê?

Sinal de algo aparecer onde não se esperava, nessa proximidade gozo/desejo.

E esse algo chama-se objeto a.

Quem é?

Algo da ordem do excesso, não encoberto pelo simbólico, vivenciado pelo sujeito como advindo da exterioridade a ele, não articulado ao significante, causando a sensação de estranheza e suspensão da compreensão.

E o objeto a pode aparecer sob diversas vestimentas, enquanto teorizado em diferentes tempos da teoria lacaniana. Como por exemplo:

Objeto da pulsão – a – pequeno outro (autre).

• Objeto a – resto. Resto da operação significante. Ou seja, de o fato do ser falante ser mortificado pelo símbolo, se tornando então sujeito, sujeito ao significante, algo falhou nessa operação. Um resto pulsional permanece como excesso, resistente à operação significante, antagônico ao significante, ameaçando o equilíbrio deste organismo, que se mostra então mais tendente ao desprazer. Em suma, estamos falando do objeto a enquanto resto e enquanto queda. Algo cai do corpo significante, permanecendo nas bordas deste corpo, na insistência constante de sua apresentação. Dejeto da operação significante. Outro nome que lhe é dado.

Objeto a – causa do desejo. Outro nome do objeto. Mas o que é isto? O excesso se transforma em causa do desejo, ou seja, o excesso causa a movimentação da cadeia de significantes na sua busca da realização do desejo inconsciente. Por trás de cada palavra jaz o a. Por trás de cada palavra ou frase que pronunciamos jaz o a, como uma carga energética, segundo retórica freudiana, carga energética que põe em movimento a cadeia de pensamento. Lembro-me aqui da definição freudiana de pulsão, que me encanta pela sua justeza, presente em “A pulsão e os destinos da pulsão”: “Se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista biológico, uma pulsão nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente como uma medida de exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo”.

• Objeto a – como objeto perdido. Relaciona-se com o objeto perdido freudiano e voltado permanentemente em direção à Coisa. Ou seja, o objeto perdido faz a indicação em direção à Acoisa. Lacan afirma no Seminário “O saber do analista” que é necessária a ligação entre os dois termos – a - e a coisa – para dar conta da produção do efeito ameaçador. Pois – a – não é nada, não possui em si o caráter de “estranho” a não ser que esteja implicado na direção à Coisa, em sua aparição deslimitada, terrificante, sendo a angústia o afeto invasivo decorrente.

O sujeito é invadido pela angústia sem saber diante de quê padece.

Donde a angústia não é sem objeto, formulação lacaniana.

E a angústia não é sem objeto, mas também o objeto em questão é aquele que designa a Coisa.

Falando de outra maneira, segundo Lacan, o objeto que provoca a angústia no neurótico é a “a – Coisa” – ou seja, O Desejo do Outro – enquanto exige que o sujeito apague seus limites, entregando-se-lhe de forma incondicional.

Penso que a apresentação de um pequeno flash de um caso clínico possa nos falar algo a esse respeito.

A pessoa vem em busca de análise por se apresentar em estado constante de angústia. Em casa, no trabalho, até no sono.

Nas sessões, se angustia com a sua dor, quer solucioná-la.

Gentil, fala de forma calma, mas o tempo todo.

Em certa sessão, em que as coisas transcorriam dessa forma, fui surpreendida pela impressão: “Mas ele não para!”, sendo levada a intervir:

“– Você me fala de algo sem parada?”

Silêncio. Responde com associação: “Engraçado, tem muito tempo que não penso mais nisso. Não gosto de pensar nisso. Eu era muito pequeno. Talvez uns cinco anos. Fiz uma experiência. Fiquei diante do espelho e me olhava. Ia observando e pensando quem eu era, filho de quem, onde morava, isso ia indo até que fui possuído por um pânico de não saber mais quem era eu, um vazio sem nada. Esse vazio tomou conta de mim por algum tempo.

Relata sobre uma experiência que o acalma. Gosta de fechar os olhos, deitado e se imaginar no meio do mar, sem limites, no ponto mais fundo do mar, e se ver afundando, afundando, mais nada.

A Coisa apresenta esses dois aspectos paradoxais de repulsão e ao mesmo tempo de atração.

 

 

De um lado, o Outro Real (A) tamponado pelo objeto a.

Do outro lado, o desejo, campo do sujeito do significante, campo da significação ou do sentido.

Notação:

Temos: a

Fórmula da fantasia, aquilo que faz barra ao gozo, aplaca a angústia e ao mesmo tempo é uma proposta de realização do desejo inconsciente.

Compreendemos aqui o porquê da formulação de Lacan: a angústia tem a mesma estrutura da fantasia.

E quanto ao desejo:

O desejo diz respeito àquele que deseja, que se escreve como: , que é também aquele que padece da angústia assinalada pelo Eu.

E o desejo do sujeito o é em relação ao objeto que lhe causa o desejo – a – dando esta intervenção novamente na constituição da fórmula da fantasia inconsciente: a.

Lembramos, em Freud, que toda manifestação da vida mental se dá através de uma fantasia, que é a expressão mental dos instintos.

 

 

expressão mental dos instintos

O – a – tem como correlato subjetivo a angústia, suportada pelo S, donde a estrutura da angústia equivale à estrutura da fantasia.

Para situarmos o desejo, temos necessariamente que marcar o campo do Outro do significante ().

E o campo do Outro do significante carrega em si a barra (/) que é a marca da castração (φ).

Em Freud, pensar a angústia implica pensar a castração, pois, para ele, a angústia é angústia de castração.

 

 

A castração então se refere à simbolização, sendo que onde falta a castração aparece a angústia pela presentificação do objeto.

Ainda em relação à angústia e ao significante:

O significante, em sua natureza de semblant, é aquilo que engana.

A angústia, em sua relação com o real, é aquilo que traz a certeza.

E a certeza é aquilo que, por mais significantes que se lhe apresentem, a eles ela não se reduz. Não há possibilidade, por parte do sujeito, de convertê-la em um elemento deslizável, apreensível na cadeia de significantes.

Então:

A certeza advém ao sujeito, não através do significante, mas através da ação. Não qualquer ação, mas aquela irrefreável, impulsiva.

Através da ação o indivíduo retira certeza à angústia, apropriando-se dela. Enquanto está envolvido numa ação, o sujeito se situa em um degrau prévio à angústia, desprendendo-se dela.

O processo da cura pode nos apresentar dois tipos de ação: o acting-out e a passagem ao ato.

“O acting-out é uma mensagem ao Outro (analista) para que acorde, para que olhe o que não pode escutar.”

É uma exigência de interpretação perante a transferência sem análise.

No Seminário X Lacan diz que, se o analista não analisa a transferência, caído de seu lugar de analista envia o analisando diretamente para o acting-out.

Já a passagem ao ato refere-se a uma retirada de cena, onde a transferência se quebra e o sujeito vai, identificado ao objeto que cai.

E da parte do analista: em que consiste o ato analítico?

Temos:

a) O engano – através do significante semblant da coisa. O poeta Rilke nos fala o que isto é: “Estamos aqui para dizer: casa, ponte, árvore, porta, cântaro, fonte, janela – e ainda: coluna, torre... mas para dizer, compreenda, para dizer as coisas como elas mesmas jamais pensaram ser intimamente.”

b) A certeza – trazida pela angústia que se resolve no ato.

Duas suposições do analista a partir daí:

a) Analista como sujeito suposto saber: na prática analítica se apresenta quando as coordenadas simbólicas oferecidas pelo discurso têm como conse-quência a revelação de um saber a respeito da verdade, que se manifesta na interpretação.

b) O analista como equívoco do sujeito suposto saber: o analista não sabe. O analista em sua posição de indeterminação enquanto sujeito (pois analista não é sujeito) é tomado pelo ato. Ato impulsivo. Nesse ato retira certeza à angústia e se lança, como diz Jacques-Allain Miller, na impulsão da passagem ao ato. “A conversão da indeterminação do sujeito em certeza própria do ato se constitui numa passagem ao ato de um tipo especial, pois o que define a passagem ao ato analítico é exatamente o não saber a respeito, o precipitar-se ao ato. O que é particular, realmente, a essa passagem ao ato é que ela é uma condição de saber e implica na renúncia, pelo analista, de operar na sua prática enquanto sujeito.” A esse saber, decorrente do ato analítico, cabe uma verificação. Esta possibilidade de verificação do efeito do ato em um saber é o que garante a distância entre o ato analítico e o ato psicótico.

A verificação:

 

 

Torção Möebiana.

O discurso do analista apresenta-se numa relação de torção möebiana ao discurso do mestre. O produto do discurso do analista, no caso o saber promovido pelo ato, é transformado em um novo S1, relativo ao discurso do mestre, fazendo circular uma cadeia nova.

Outro flash de caso clínico:

A pessoa, culta e refinada, busca análise por sentir-se derrotada na vida. Seu processo analítico é caracterizado pela presença da reação terapêutica negativa. Em certa sessão, o discurso da analisanda provocava em mim uma sensação difusa de confusão interna. De repente me vi olhando para os pés da pessoa, vindo à minha mente a expressão: “meia de pobre.” Sou levada a interromper o que falava com a pergunta: – A pobreza te preocupa?

O rumo das associações é torcido e a analisanda fala dos sofrimentos de criança com a falta de dinheiro dos pais.

Para terminar:

Acredito que a posição do analista – posição de a – que questiona no processo da cura é casada com o efeito angústia. Sendo a angústia o instrumento de base para orientar a sua busca da verdade.

 

Bibliografia

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RILKE, R.N. As elegias de duino (1912-1922). Rio de Janeiro: Globo, s/d.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Av. Francisco Deslandes, 869/502 - Anchieta
30310-530 - BELO HORIZONTE/MG
Tel.: (31)3227-5602
E-mail: pompeiapires@hotmail.com

RECEBIDO EM: 15/04/2009
APROVADO EM: 27/04/2009

 

 

Sobre a Autora

Maria Pompéia Gomes Pires
Psicóloga. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG.

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