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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.31 no.58 Belo Horizonte set. 2009

 

Teoria Psicanalítica

 

Neurose de angústia e transtorno de pânico

 

Anxiety neurosis and panic disorder

 

 

Maria Mazzarello Cotta Ribeiro

Círculo Brasileiro de Psicanálise
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
Federação Internacional de Sociedades Psicanalíticas

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Partindo da afirmativa lacaniana "a angustia é o que não engana" até a perplexidade do sujeito diante da pergunta "Como você quer que eu me posicione?", este texto faz um levantamento histórico dos primeiros estudos sobre as crises de angústia e os ataques de pânico. Retoma o estudo sobre a Neurose de Angústia feito por Freud, cuja descrição nosográfica foi a usada pelas classificações psiquiátricas até 1980. Neste percurso, podemos acompanhar como a expressão Síndrome de Pânico veio em substituição à nomenclatura anterior, chegando a Transtorno de Pânico. É abordada ainda a evolução do conceito de angústia e sua apresentação clínica nos indivíduos submetidos ao real que os invade. As posições de sujeito e objeto são evidenciadas, revelando a falência do funcionamento psíquico diante de um desamparo radical, levando ao desvanecimento do sujeito. As questões clínicas referentes ao tratamento psicanalítico e psiquiátrico desses pacientes são trazidas à discussão através do relato de uma sintomatologia exuberante e de uma pesquisa das fantasias inconscientes que compõem todo o quadro.

Palavras-chave: Angústia, Neurose de Angústia, Síndrome de Pânico, Transtorno de Pânico, Sintomatologia, Libido, Falta, Posição de Sujeito e Objeto, Real, Simbólico, Imaginário, Objeto a, Desamparo radical, Gozo, Desejo.


Abstract

Starting from the Lacanian statement anguish is something that never misleads" to the perplexity of the subject before the question "What do you want from me?", this text makes a historical survey of the first studies on the crises of anguish and the attacks of panic. It recovers the study on the Anxiety Neurosis done by Freud, whose nosographic description was used by Psychiatric Classifications till 1980. In this way, we can see how the term Syndrome of Panic came to replace the previous classification, coming to the name of Panic Disorder. It also discusses the evolution of the concept of anguish and its clinical presentation in individuals subjected to the "real" that invades them. The positions of subject and object come to evidence, revealing the failure of the psychic functioning before a radical helplessness, leading to the fading of the subject. The clinical issues related to psychiatric and psychoanalytic treatment of these patients are brought to discussion through the description of an exuberant symptomatology and the search of the unconscious fantasies that make up the whole picture.

Keywords: Anguish, Anxiety Neurosis, Syndrome of Panic, Panic Disorder, Symptomatology, Drive, Fault, Positions of Subject and Object, Real, Symbolic, Imaginary, Object a, Radical helplessness, Enjoyment, Desire.


 

 

A angústia é "o que não engana"1.

O que se procurou entender desde sempre foi a angústia. Também é ela o que surge em primeiro lugar! ..., depois vem o recalque. A angústia é um estado afetivo experimentado por todos nós, numa ou noutra época, por nossa própria conta, nos alerta Freud. Por ser tão íntimo e, ao mesmo tempo, tão desconhecido, esse afeto sempre despertou interesse e inquietação nos estudiosos da alma humana, levando-os a uma multiplicidade de descrições na tentativa de dar à angústia um estatuto. Assim, ela foi classificada ora como sintoma ou um quadro patológico em si mesmo, ora como sinal, causa ou consequência de algum acontecimento. Haveria uma dificuldade em contextualizá-la?

A angústia, com sua presença incisiva nos homens, só veio a ser relacionada à subjetividade, com a psicanálise, quando esta reconheceu a existência de uma cisão interna no sujeito. Antes disto, várias áreas do conhecimento, como a filosofia, a estética, a religião, as artes, as ciências em geral, tentavam dar uma explicação para a angústia, e com isto, quem sabe, aplacar seus efeitos devastadores sobre o homem. A Igreja, por exemplo, considerava esse estado afetivo uma decorrência do desejo do homem pelo amor de Deus. Também as sociedades primitivas depositavam nos deuses ou na Natureza a responsabilidade de seus afetos.

A filosofia, por sua vez, não considerava essa dimensão cindida do ser dentro dele próprio. Era impossível pensar o homem fora de uma consciência de si mesmo. A angústia seria a expressão do temor de consequências que, porventura, a ira de seres superiores poderia ter sobre o homem. Este ainda não era visto como portador de uma vida pulsional que se movimenta no seu interior e deixa em evidência sua divisão.

Mais tarde, a filosofia introduziu a ideia da angústia diante do Nada, com S. Kierkegaard. Os pensadores se seguiram, aprofundando essa concepção do homem angustiado pela sua própria existência, chegando à psiquiatria, com sua conceituação biológica, e à psicanálise, inovando com a revelação de uma divisão estrutural do homem e o seu desamparo psíquico.

Os primeiros estudos reconheciam clinicamente as crises de angústia e as fobias. Essas últimas, sendo uma tentativa de barrar a angústia e usando de deslocamento e objetos substitutivos, foram se classificando nosograficamente, de acordo com o objeto fóbico escolhido. Então, temos: agorafobia, claustrofobia, acrofobia, hidrofobia, fobia de animais, fobia social, etc.

Antes da psicanálise, esses quadros eram descritos pela psiquiatria e para falar da angústia, citando apenas alguns autores, começamos, em 1872, com o termo agorafobia que foi introduzido pelo psiquiatra alemão Karl Frederic Westphal referindo-se às crises de angústia em lugares, não só abertos, mas públicos, apontando uma questão social nos ataques. Nessa época publicou o texto "A agorafobia, uma doença neuropática", que se encontra traduzido para o português. Um pouco mais tarde, na França, H. Legrand Du Saulle (1876) também privilegia o transtorno do medo diante de espaços, mas retira o enfoque de serem públicos. Ele destaca a amplidão e o vazio dos espaços, não importando se públicos ou privados. Já Emil Kraepelin (1878), psiquiatra alemão, referiu-se aos ataques de angústia como neurose de terror (Schreckneurose) atribuindo à angústia um valor etiológico. Depois foram descritos, também na França, os "terrores mórbidos" por E. Doyen (1885) enfatizando que apesar da percepção, pelo paciente, de uma irracionalidade do afeto, isso não impedia a ocorrência das crises, e a "ansiedade paroxística" de Brissaud (1890) que ressaltava a ausência de fatores físicos na vivência de forte sentimento de morte iminente. S. Freud em 1894 apresenta a classificação de "neurose de angústia". Já no século XX, surge na França a "grande ansiedade" de Henri Ey (1950), que enfatiza o caráter paralisante do medo. No Brasil temos Iracy Doyle, psiquiatra e psicanalista, que em 1955, em seu Nosologia Psiquiátrica, afirma ser a angústia, apresentada nesses quadros, um sintoma neurótico, de motivações múltiplas e raízes muito precoces. Foi uma das pioneiras no Brasil a preconizar o encaminhamento desses pacientes para o psicanalista, dizendo que "só ele seria capaz de lidar com a complexidade de tais situações"2. Em 1979, A. Nobre de Melo, psiquiatra brasileiro, considera o pânico uma emoção primária observável desde o nascimento e ligada à vida afetiva. Outros psiquiatras também concorreram com novas descrições para os transtornos psíquicos desencadeados pela angústia, chegando aos nossos dias como Transtorno de Pânico.

Para a medicina, sempre vigorou o enfoque organicista, mas alguns psiquiatras se afastaram desta concepção e apontaram uma dimensão mais subjetiva para esse transtorno. Assim, Ludwig Binswanger, psiquiatra suíço, na década de 1920, correlaciona a angústia à dimensão existencial fundamental da "derrelição", termo tomado do filósofo Martin Heidegger. "É uma existência confrontada com uma situação de desamparo total, encontrando-se, de repente, abandonada e desprovida de qualquer ajuda, seja humana ou divina"3.

Donald F. Klein, no início da década de 1960, considerou em muitos casos a participação de alguns aspectos emocionais, entre eles, a angústia de separação. Esta, quando vivenciada pelas crianças, se transformaria na vida adulta nos ataques de pânico. Avançando nos seus estudos, ele relacionou esses ataques a descargas descoordenadas de neurônios que seriam os responsáveis pelas respostas da criança às situações de separação da mãe. Assim, associava os ataques de angústia também a transtornos no funcionamento bioquímico, enquanto outros pesquisadores defendiam a ideia de um distúrbio metabólico.

A indústria farmacêutica, baseada nas causas orgânicas estabelecidas para esses transtornos, muito se desenvolveu e avançou na eficácia de produtos para a contenção das crises. Tem se esmerado na produção de medicamentos, direcionando-os, cada vez mais, para sintomas específicos. Porém, esta terapêutica ainda não pode ser considerada totalmente eficaz, pois não garante a evitação da eclosão da angústia, e não consegue impedir que os pacientes se sintam ameaçados pelo seu retorno.

Por ser a angústia um afeto devastador e multissintomático, sua descrição clínica deu muitas voltas levando a modificações na nomenclatura, de crises de angústia à Neurose de Angústia descrita por Freud, passando, nesse intervalo, pelas fobias, neurose de terror, ansiedade paroxística, síndrome do pânico, chegando aos compêndios psiquiátricos atuais como Transtorno de Pânico, terminologia hoje consagrada.

Neurose de Angústia e Transtorno de Pânico, a princípio, parecem ser duas entidades clínicas distintas, tratadas por ciências também distintas. A primeira seria do domínio da psicanálise e a segunda da psiquiatria? Parece que assim se estabeleceram a partir do momento em que a classificação nosográfica do Distúrbio de Pânico foi oficialmente usada pelo DSM-III, em 1980, que o descreve como "o aparecimento súbito de uma apreensão intensa, medo ou terror, associados frequentemente com sentimentos de catástrofe iminente"4. Apresenta uma lista de acometimentos físicos e termina dizendo que os ataques duram, geralmente, minutos; mas podem chegar a horas. A subjetividade envolvida nas crises não era considerada, e abordagens psicológicas só seriam aceitas com o suporte medicamentoso. Em 1995, foi editado o DSM-IV, em que a expressão Síndrome do Pânico não aparece mais.

Alguns anos depois, esta entidade foi incorporada à Classificação Internacional de Doenças da OMS – CID, hoje, a CID-10, onde no Capítulo V: Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (1993), encontramos Transtorno de pânico ou Ansiedade paroxística episódica, F41.0. Está descrito como a ocorrência de "ataques recorrentes de ansiedade grave (pânico), os quais não são restritos a qualquer situação ou conjunto de circunstâncias em particular e que são, portanto, imprevisíveis. (...) os sintomas dominantes variam de uma pessoa para outra, porém, início súbito de palpitações, dor no peito, sensações de choque, tontura e sentimentos de irrealidade (despersonalização ou desrealização) são comuns. (...) há um medo secundário de morrer, perder o controle ou ficar louco. Os ataques duram minutos, podendo ser mais prolongados. (...) Um ataque de pânico com frequência é seguido por um medo persistente de ter outro ataque"5. É feita também uma diferenciação entre transtorno e ataques de pânico, explicando que esses últimos ocorrem como parte de transtornos fóbicos já existentes. O termo pânico se consagrou pelo caráter súbito e aparentemente inexplicável das crises. Pesquisas estatísticas sugerem maior incidência de transtorno de pânico nas mulheres, e de ataques de pânico, secundários a quadros de depressão, nos homens.

Como vimos, no final do século XIX os pesquisadores já conheciam e descreviam os ataques de angústia e de pânico, e os associavam, etiologicamente, a distúrbios orgânicos: funcionais, metabólicos, enzimáticos, etc e ao resultado de esforços e tensões muito intensos.

George M. Beard (1879), neurologista norte-americano, descreveu a Neurastenia, uma patologia decorrente de uma debilidade do cérebro cuja fonte estaria nas práticas sexuais nocivas, principalmente a masturbação excessiva. Clinicamente, apresentava fadiga física de origem nervosa, com sintomas variáveis e múltiplos. Conhecedor dessa concepção, Freud em 1894 escreve o texto "Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular intitulada ‘neurose de angústia’", e diz nele que deveríamos separar da neurastenia todos os sintomas neuróticos que tinham mais a ver entre si do que com as descrições neuropatológicas concernentes à neurastenia. A partir daí, desenvolveu seu próprio conceito de Neurose de Angústia, a Angstneurose, distinguindo-o do conceito de neurastenia, que enfatizava o baixo investimento libidinal. Na Neurose de Angústia a ênfase foi colocada na geração de angústia decorrente do acúmulo de excitação somática, de natureza sexual, não descarregado por uma ação psíquica específica ou adequada sendo, então, gasto em reações somáticas inadequadas, desenvolvendo uma intrigante gama de sintomas manifestada, particularmente, no corpo. São eles: arritmia cardíaca, distúrbios respiratórios (dispneia), dores no peito (anginas), congestões, sudorese, insônia, ataques de tremuras e calafrios, ataques de medo com paralisia motora, ataques de fome devoradora, parestesias, sensação de desfalecimento, vertigem locomotora, pavor noturno, distúrbios gastrointestinais, irritabilidade, expectativa ansiosa, despersonalização ou desrealização, etc, que podem ser facilmente confundidos com doença orgânica. Salienta que todos eles "podem ser agrupados em torno do sintoma principal da angústia, já que cada um deles mantém com ela uma relação definida"6. Embora as duas afecções tenham etiologia orgânica, originando-se de uma excitação no campo somático, a Neurose de Angústia é o resultado da atuação de fatores que impedem a excitação sexual somática de ter uma correspondência psíquica. Uma falha na elaboração do representante psíquico correspondente à excitação somática acarretaria os ataques de angústia. "O mecanismo da neurose de angústia deve ser procurado em uma deflexão (desvio) da excitação sexual somática da esfera psíquica, com um consequente emprego anormal dessa excitação"7. E no ano seguinte, continua: "(...) é uma tensão física que não consegue penetrar no âmbito psíquico e, portanto, permanece no trajeto físico"8. A libido acumulada se transformava em angústia. Atribuía sua gênese, principalmente, ao coito insatisfatório, inclusive chega a mencionar que os sintomas das crises de angústia repetem as modificações respiratórias e de frequência cardíaca que também ocorrem na copulação normal.

A primeira menção de Freud ao termo Neurose de Angústia foi no "Rascunho A", sem data, enviado a Fliess, provavelmente em 1892. Retorna a ele no "Rascunho B", de 1893, acrescentando que a Angstneurose, Neurose de Angústia, tem duas formas de se apresentar: em ataques súbitos de angústia, Angstanfall, ou em manifestações crônicas. Em ambos os casos, predomina uma angústia sem que se reconheça claramente seu objeto. O "Rascunho E", escrito no ano seguinte, também é dedicado a esse tema.

Freud conhecia intimamente estes ataques, pois ele mesmo fora vítima deles em vários momentos de sua vida. Em sua obra há relatos de ter sido acometido por angústia de morte, acompanhada de sintomas cardíacos e vertigens.

Embora a angústia seja o afeto por excelência dos transtornos psíquicos, foi em 1894 que Freud a distinguiu e classificou o seu aparecimento súbito nos pacientes como Neurose de Angústia, terminologia adotada, por muitos anos, entre os transtornos neuróticos nas classificações psiquiátricas até por volta de 1979/80.

Na psiquiatria, passou a ser denominada Síndrome ou Transtorno de Pânico.

Mescladas ao estudo da Neurose de Angústia estão as fobias, que se instalam com o objetivo de evitar a angústia ao fixá-la em um objeto substitutivo. Na agorafobia, por exemplo, o paciente invadido pelo pânico desenvolve quadros de inibição e de limitações de funções do eu por temer ser acometido pelos sintomas de não ter como ser socorrido, e acredita que evitando determinados locais ou situações estaria livre do retorno dos ataques. Esses episódios são consequentes a alguma ameaça inconsciente, imaginária ou real de perda de um ente querido ou a iminência da própria morte, representantes da ameaça de desamparo. Não muito raro encontramos intensos sentimentos de raiva e culpa, mesclados aos ataques de pânico, como também uma oscilação entre a busca de independência e o medo da liberdade e da autonomia. Assim, o desamparo, que é estrutural no homem, nesse momento toma uma proporção inusitada de uma catástrofe interna.

Percebendo ser o recalque o responsável por uma importante diferença entre as patologias psíquicas, Freud então as separou em dois grupos. Denominou Neuroses Atuais, a neurastenia, a neurose de angústia e a hipocondria, que foi incluída em 1914, no artigo "Sobre o narcisismo, uma introdução". Sob a denominação de Neuroses de Transferência ou Psiconeuroses, agrupou a histeria de conversão, a histeria de angústia (fobias) e a neurose obsessiva. Esse segundo grupo reunia a característica de ter sua origem num conflito psíquico e seus sintomas estavam submetidos aos efeitos do recalcamento.

Retoma a Neurose de Angústia em duas Conferências. Em 1916/17, Conf. XXV, "Angústia", quando descreve e distingue a angústia realística, onde o perigo está no mundo externo, e a angústia neurótica, onde o perigo está no mundo interno, reafirmando o papel do recalque. E na Conferência XXXII, "Angústia e vida pulsional", de 1932, em que acrescenta às duas anteriores a angústia moral desenvolvida pela ação do Supereu sobre o desejo pulsional e, voltando ao trauma do nascimento, fala de uma primeira angústia, a angústia tóxica, causada por alterações na respiração e nos batimentos cardíacos no momento do nascimento, sintomas esses, também, descritos nos ataques de angústia. Alterações de neurotransmissores, químicas e fisiológicas cerebrais também são defendidas pela psiquiatria para os Transtornos de Pânico.

Freud finaliza esta Conferência afirmando que "não mais sustentaremos ser a libido que é transformada em angústia". Primeiro vem a angústia,... depois o recalque! Da teoria do trauma psíquico afirma "a existência de uma dupla origem da angústia: uma, como consequência direta do momento traumático, e a outra, como sinal que ameaça com uma repetição de um tal momento"9.

No intervalo entre essas duas Conferências escreveu, "O Estranho", em 1919, onde dá um enfoque existencial à angústia, quando é estudado o conceito do Unheimlich, que é essa impressão de coisas conhecidas de há muito, mas incomodamente estranhas. Seria uma manifestação daquilo que deveria permanecer oculto e vem à tona. A vivência do Édipo e a angústia de castração, contidos nos complexos infantis recalcados, são despertados abruptamente, sem a devida preparação do psiquismo. Em 1921, na "Psicologia de grupo e a análise do eu", Freud aborda o uso do termo pânico para o medo sem justificativa para a ocasião e sua irrupção, como pânico, entre os indivíduos de um grupo, quando cessam os laços emocionais que, anteriormente, os uniam e lhes emprestavam força. E em 1926, no artigo "Inibições, Sintoma e Angústia", enfoca a questão do trauma e a teoria da angústia, mas não a neurose de angústia.

Lacan, no "Seminário: a angústia, livro 10", amplia a questão da angústia dizendo que ela se instala na iminência da falta vir a faltar, pela irrupção do objeto a, dimensão do Real. O desejo seria o antídoto para a angústia. Se ele não pode advir, o indivíduo é igualado a objeto de gozo ou de desejo do Outro.

As crises de angústia da nossa ancestral Neurose de Angústia se atualizam hoje nos Transtornos de Pânico. Não falamos mais em Neurose de Angústia. Falamos, escutamos e recebemos no consultório Transtornos de Pânico, evidenciando a falência do funcionamento psíquico não só como uma descarga pulsional, mas, muito mais, como uma reação desesperada do sujeito diante da condição de desamparo radical do existir, sendo avassalado pela invasão do real, não encontrando garantias no simbólico. Colette Soler, no artigo "Discurso e Trauma", de 2004, ressalta a irrupção da angústia diante da ausência de um Ideal do Eu, que em outros tempos era representado pelo mestre, pelo Outro. Hoje, esse Ideal do Eu se apresenta com uma existência fragmentada e inconsistente, que não ampara o sujeito. Diante disto, lembra C. Soler, inaugura-se uma "solidariedade coletiva que se oferece como um Outro de substituição, uma reparação derrisória, mas, compensadora e consoladora do non sense real"10.

Na era do capitalismo, que há muitos anos estamos vivendo, o indivíduo é desconsiderado pelas exigências dessa sociedade consumista e de objetos descartáveis, o próprio sujeito. Tudo lhe causa angústia, desde a magnitude do perigo em comparação com suas próprias forças até a ameaça de rompimento dos laços emocionais, que confirmaria sua derrelição. O sujeito não encontra espaço para sua inserção nos grupos, sem trauma, assim como também se vê na iminência de uma possível exclusão de algum grupo social, intelectual, econômico ou familiar, tendo como pano de fundo episódios de depressão.

A psicanálise, diferenciando-se da psiquiatria organicista, trouxe à tona a subjetividade desse indivíduo acometido pelos ataques de pânico. O reconhecimento da existência do desejo inconsciente e os desdobramentos da pulsão nas manifestações da pulsão de morte se tornaram evidências mais importantes para a clínica psicanalítica, em detrimento das considerações orgânicas.

Retomando a expressão que abre este texto, "a angústia é o que não engana", acrescentamos, "ela não é sem objeto"11.

Sendo a angústia um afeto, portanto, não redutível ao recalque, ela fica fora da rede de significantes, onde ocorre o engano. A angústia, fora desta rede, não engana, não ilude. É o que é: angústia. É o Real, na sua falta total de sentido, invadindo o Imaginário, quebrando sua busca ilimitada de sentido, levando à perda das referências.

"Os significantes fazem do mundo uma rede de traços em que a passagem de um ciclo a outro torna-se então possível. (...) o significante gera um mundo, o mundo do sujeito falante, cuja característica essencial é que nele é possível enganar"12. Próteses de felicidade se seguem.

As afirmações acima nos lembram a Carta 52 onde trabalhamos as inscrições, os traços, as mudanças de registros e as falhas na tradução, onde ocorre o engano.

As marcas do inesperado, do súbito, do conhecido que nos parece desconhecido nas crises de pânico vêm ratificar a existência do objeto a, o real, inominável, não simbolizável. Submetido a uma sociedade de gozo implacável, o indivíduo, reduzido a um resto e posto como objeto, torna-se depositário da angústia. Vê-se delimitado por três posições de referência em relação à dimensão do Outro: a demanda, o gozo e o desejo do Outro. Muitas vezes, tenta uma saída pelo masoquismo, colocando-se numa posição de humilhação e assujeitamento a esse Outro, como servidão, na busca de proteção, porém, essa tentativa mostra-se ilusória. Neste cenário, o sujeito emaranhado na pergunta "Como você quer que eu me posicione?", e sob as exigências do Ideal do Eu, sucumbe à angústia. Ameaçado pelo desamparo e não encontrando suas identificações sustentatórias, sente-se desvanecer, e o corpo, aí, entra em cena.

 

 

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Endereço para correspondência:
Rua Tomé de Souza, 860/806 - Savassi
30140-909 - Belo Horizonte/MG
Tel.: (31) 3261-1572
E-mail: mazzarellocotta@yahoo.com.br

RECEBIDO EM: 30/06/2009
APROVADO EM: 24/08/2009

 

 

Sobre o Autor

Maria Mazzarello Cotta Ribeiro
Psicóloga. Psicanalista. Membro e ex-presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise e do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Filiada à Federação Internacional de Sociedades Psicanalíticas – IFPS.

1 LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p.131.
2 DOYLE, Iracy. Nosologia psiquiátrica. Impresso no Estabelecimento General Gustavo Cordeiro de Farias: Rio de Janeiro, 1961, p.74.
3 PEREIRA, Mário Eduardo Costa. Pânico – contribuição à psicopatologia dos ataques de pânico. : São Paulo: Lemos Editorial, 1997, p.31.
4 DSM-III, Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais da American Psychiatric Association. Washington, D.C. USA. Lisboa: Editora Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1980, p. 221.
5 CID-10, Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da OMS de Genebra. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p.137.
6 FREUD, Sigmund. Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular intitulada ‘neurose de angústia’ (1894). ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.III, p.108.
7 FREUD, Sigmund. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess. Rascunho B (1893). ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p.126.
8 FREUD, Sigmund. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess. Rascunho E (1894). ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p.269.
9 FREUD, Sigmund. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1932). Conferência XXXII – Angústia e vida pulsional. ESB. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.XXII, p.119.
10 SOLER, Colette. Discurso e trauma. In: Retorno do Exílio – o corpo entre a psicanálise e a ciência. Org. Sonia Alberti e Maria Anita Carneiro Ribeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004, p.72.
11 LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p.101.
12 LACAN, Jacques. O seminário, livro 10: a angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p.87.

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