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versão impressa ISSN 0102-7395
Reverso vol.36 no.68 Belo Horizonte dez. 2014
ARTIGO
Do isolamento autístico à extensão dos pseudópodes em direção aos outros no autismo
From autistic isolation towards the extention of the pseudopods towards others in autism
Marina Bialer
Université Denis Diderot
RESUMO
O presente texto analisa os relatos das lutas de autistas para se liberar do isolamento autístico glacial através da análise da autobiografia de Donna Williams, escritora-autista, cuja literatura nos fornece indícios das condições nas quais é possível a saída do fechamento autístico, através das suas diversas estratégias inventadas que, com uma eficácia relativa, permitem ao autista manter seus pseudópodes estendidos em direção aos outros.
Palavras-chave: Psicanálise, Autismo, Literatura, Autobiografia.
ABSTRACT
This paper analyzes the accouts of the autistics’ struggles to liberate themselves from the glacial autistic isolation through the analysis of the autobiography of the autistic-writer Donna Williams, whose literature give us evidences about the conditions which make leaving the autistic isolation possible, through various invented strategies that, with a relative effectiveness, allow the autistic to keep his pseudopods extended towards others.
Keywords: Psychoanalysis, Autism, Literature, Autobiography.
Introdução
Solidão e isolamento caracterizam o autismo clássico, kanneriano. E é marcante nas autobiografias de autistas a dificuldade que eles encontram para viver em um mundo compartilhado, devido a sua instabilidade e sua imprevisibilidade, incorrendo na necessidade, às vezes temporária, de se isolar na segurança de um mundo solitário. As descrições tradicionais da sintomatologia no autismo designavam tal modo de se isolar de “casulo autístico”. Esse isolamento é um mecanismo de defesa estruturante do autismo, mas que o autista pode tentar romper, em certas condições que respeitem o seu timming e a lógica subjetiva autística. A possibilidade de o autista abandonar a fortaleza autística em direção ao laço social exige que ele possa estender seus pseudópodes em direção ao mundo, a partir do preestabelecimento de algumas condições que lhe permitam sentir segurança no mundo e não ser invadido por overloads sensoriais e afetivos.
O sentimento de insegurança, de total desproteção exige a manutenção da autoproteção criada no mundo isolado controlado, mantendo a distância as ameaças vindas do mundo externo ou exigindo que as possibilidades de abertura ao mundo estejam sob controle do autista. Podemos observar na primeira etapa de abertura, quão assustador e caótico é o mundo exterior; caótico, se fora do controle.
No presente texto, analisamos algumas das indicações de Donna Williams, autista australiana, autora de quatro autobiografias e diversos livros sobre o autismo, sobre algumas das condições que permitem a saída do isolamento autístico e quais aspectos da lógica autística devem ser considerados para que a extensão dos pseudópodes seja viabilizada. Os muros autocriados no autismo são uma defesa contra uma vivência de ameaça existencial. Qualquer saída do mundo isolado é um risco a ser enfrentado. A saída do casulo, do isolamento, em direção a uma maior abertura envolve enfrentar uma angústia extremamente intensa. As autobiografias de autistas demonstram a existência de um cálculo estratégico de quanto tempo e de por quanto tempo cada um dos autistas tolera a manutenção de pontes provisórias entre os mundos. Existe a possibilidade da expansão desse limiar de tolerância através do desenvolvimento das potencialidades psíquicas de cada autista e de modalidades de estratégias de autotratamento.
Donna relata o conflito persistente entre sua vontade de se sobrepor ao vazio originado pelo seu mundo isolado, a dificuldade em “renunciar ao meu próprio império sobre mim, a fim de entrar em comunicação com os outros” (WILLIAMS, 2012, p. 128) e a vontade de poder viver no mundo compartilhado. Em Donna, há inúmeros exemplos de objetos, personagens imaginários e pessoas “reais”, cujos laços lhe permitiram querer sair do seu isolamento e ter confiança para enfrentar seus medos e sua angústia e, assim, poder habitar o mundo compartilhado.
As condições singulares dos laços com humanos implicam a presença de interlocutores que tinham como traços algumas das seguintes características: presença tranquilizadora, voz modulada e calma, respeito pela maneira de se relacionar de Donna, olhar não invasivo, possibilidade de ir além da fachada, coragem e esperança de que valia a pena ir além do aparente isolamento.
É interessante apontar alguns exemplos dados pela própria Donna sobre suas intervenções quando trabalhava em escolas especiais e outras modalidades de educação e tratamento de autistas. O presente texto enfocará especificamente a maneira como Donna manejava as situações educativo-terapêuticas de modo a auxiliar crianças autistas a sair do isolamento autístico, alicerçando estratégias terapêuticas que ela pôde inventar com cada criança em sua singularidade, respeitando o timming de cada uma delas.
Este artigo analisa características dos percursos de saída do isolamento autístico em direção ao mundo compartilhado e ao laço social, através da análise desses textos autobiográficos, analisando diversas situações de manejos terapêuticos de Donna no laço com outros autistas, evidenciando a proximidade dessas intervenções com as balizas propostas pela clínica lacaniana do autismo.
Intervenções de Donna no laço com outros autistas
Quando Donna encontra Perry, um jovem autista, pela primeira vez, ela não lhe dá bom dia, nem pergunta como ele está; senta-se perto dele, pega alguns objetos e começa a classificá-los em grupos, enquanto Perry brinca com outros objetos. Após essa primeira etapa de brincar em mundos paralelos, o que permite a Perry perceber a presença de Donna como não invasiva, Donna, sem olhá-lo, derruba discretamente alguns dos objetos de Perry. Perry arruma os objetos que Donna derruba como se não estivesse fazendo algo relevante e, em seguida, faz o mesmo movimento de Donna ao derrubar ele próprio alguns de seus objetos. Depois de algumas outras brincadeiras, Perry começa a organizar e categorizar os objetos de Donna. Após sua inserção na brincadeira de Donna por iniciativa própria, Perry vai em direção a Donna, evitando o contato de olhar e ao mesmo tempo demonstra querer se aproximar dela. Donna realiza, então, uma sutil “pressão”, olhando-o diretamente e dizendo-lhe para fazer o mesmo.
Podemos notar, primeiramente, a entrada sutil de Donna através de sua inscrição no circuito do objeto de Perry: sua presença é delicada, não invasiva, o que lhe operacionaliza se inserir no mundo de Perry. E nesse lugar de parceria, Donna pode intervir, inscrevendo um menos no circuito do objeto, derrubando um objeto e alterando o circuito do objeto. Então, é Perry quem pode se dirigir ao mundo compartilhado, mexendo nos objetos de Donna.
Outro exemplo interessante dado por Donna é o encontro com Anne, autista de oito anos de idade, aluna na escola onde Donna trabalha como educadora. Anne permanece a maior parte do tempo sozinha, voltada para si mesma, com a boca colada na borda da carteira escolar, explorando solitariamente a superfície do mundo. E a maneira como as pessoas em volta de Anne tentam forçá-la a interagir só aumenta suas respostas de encapsulamento, tornando ainda mais sólidos seus mecanismos de defesa de recusa de contato.
Quando Anne tem medos e terrores, os adultos tentam acalmá-la e a forçam a ficar junto de uma boneca que era considerada extremamente invasiva e sistematicamente jogada por Anne para longe. Donna ressalta que é importante dar a Anne um ponto de apoio no qual possa se refugiar para se acalmar, para em seguida se abrir para o mundo.
Donna intervém ao dar discretamente uma escova de cabelo para Anne, que começa a explorar esse objeto e fica fascinada por ele, mexendo nas suas cerdas que criam um som discreto. Com Anne mais tranquila, manuseando o objeto, Donna começa a recitar repetidamente uma melodia, produzindo um ritmo, ao mesmo tempo que faz Anne se dar leves tapinhas no braço, o que viabilizava a inscrição ritmada de pequenas diferenças baseadas nos sons da melodia. Anne começa a marcar o ritmo da melodia através de um ruído na sua garganta. Em seguida, Donna começa a omitir trechos da melodia, e Anne entra e continua a melodia, cantando enquanto marca o ritmo no próprio braço.
Donna interrompe tal dinâmica para realizar outras atividades na escola, mas aponta que Anne se apropria da melodia ritmada para se acalmar sozinha em situações que antes lhe produziam um pânico abismal. Em um momento posterior, Donna começa a balançar um objeto de cristal na frente de Anne que dele se apropria e a ele recorre para se acalmar conjuntamente com a melodia ritmada. Donna enfatiza que Anne, que anteriormente sempre tivera um “olhar morto” (WILLIAMS, 2012, p. 310) em face de outras pessoas, passa a olhá-la diretamente enquanto canta e a “convida” para várias atividades, pegando sua mão e levando-a para brincarem juntas.
A entrada de Donna ocorre através do objeto (pente) oferecido a Anne em uma intervenção terapêutica através da qual Donna permite que Anne tenha um tempo de autoexploração e de apropriação do objeto oferecido, que vai ser incorporado ao seu mundo. Após Anne ter transformado esse objeto em algo que produz nela segurança e tranquilidade, Donna lhe oferece uma melodia e inventa um ritmo, e ambos são apropriados por Anne. A ritmicidade permite a marcação de uma regularidade assim como a inscrição de marcas diferenciais no ritmo contínuo, constituindo uma estratégia psíquica para se autotranquilizar que pode ser desencadeada pela própria Anne uma vez que ela sozinha utiliza do ritmo inventado por Donna e das marcas oferecidas por outro humano, para produzir os sentimentos de segurança e tranquilidade.
Outro exemplo fornecido por Donna relata seu encontro com um pequeno autista, Robbie, diagnosticado autista de baixo funcionamento e considerado retardado mental pelas pessoas a sua volta, que tinham baixíssimas expectativas sobre suas capacidades. Donna aponta o risco dessa falta de aposta em Robbie, assim como em outros autistas em encapsulamento autístico que, nas suas palavras, conseguiram convencer todas as pessoas de que não havia ninguém lá, deixando o mundo dos outros totalmente sem acesso a eles. Donna encontra Robbie em uma escola especial onde a atenção que lhe é dedicada se restringe basicamente aos cuidados de higiene. Robbie não reclama, não demanda, tem uma face sem expressão e um assustador olhar morto. É um mestre na “arte de não-ser” (WILLIAMS, 1994, p. 22).
Logo no primeiro contato com Robbie, Donna aposta que há alguém ali... Donna senta-se ao lado de Robbie, olhando para um ponto distante e, como se não estivesse fazendo nada, deixa cair repetidamente alguns objetos, um por um, como se os objetos não tivessem relação com a sua mão ou com ela.
Robbie, olhando para o nada, distante, começa a pegar todos os objetos que Donna derruba, espantando os educadores da escola, que nunca imaginavam que Robbie fosse capaz daquele ou de qualquer tipo de interação. Donna começa a pegar um objeto de Robbie para cada novo objeto que ela deixa cair. Em seguida sai da sala e, quando volta, encontra Robbie carregando o último objeto que ela havia deixado cair. Naquele momento, Donna registra um sorriso de Robbie ao olhar as cores daquele objeto, apontando ser possível encontrar, momentaneamente, uma marca vital, singular, expressa na face dela.
Donna demonstra seu respeito pelo timming de Robbie, que ainda não está pronto para sair do isolamento autístico, mas aponta a possibilidade de criar ligeiras pontes que permitem o contato com as outras pessoas. Donna cria um esboço de circuito de objeto entre ela e Robbie, o que permite a ele se apropriar do último objeto, carregando consigo algo que traz a marca do outro. Ainda que Robbie não possa viver compartilhando seu mundo, é evidente o fato de Donna apontar que há um sujeito por trás da fortaleza autística, e é preciso que alguém acredite nisso, que aposte que há alguém lá e tenha a vontade, o respeito e o timming para estabelecer as pontes que permitem a saída do isolamento autístico.
Com Jody, outra autista de baixo funcionamento, Donna entra docilmente no movimento repetitivo que ela estava realizando com a água da piscina e começa a intervir, interrompendo o padrão que Jody fazia, mas de modo que a própria interrupção origine um novo padrão que inclui o movimento de Jody e a intervenção de Donna. Enquanto elas repetem a brincadeira, Jody começa a olhar para Donna, que retribui calmamente o olhar, sorrindo singelamente, como se estivesse sorrindo para si própria. Donna decide, então, intervir para ajudar Jody a entrar na piscina e dar mais um passo em direção à abertura.
Donna enfatiza a importância de seu movimento de forçar sutilmente Jody a sair do fechamento em si mesma, ao mesmo tempo que respeita o fato de que a estereotipia é um movimento de proteção para assegurar a necessidade de controle e para prevenir a invasão de um mundo vivido como caótico. Após a primeira intervenção que lhe permitiu sua inserção dócil no movimento repetitivo de Jody, Donna começa a pegar a mão de Jody e a coloca posicionada de modo a olhar o resto da piscina. A cada vez que Donna virava Jody para ficar de frente para a piscina, Jody voltava a olhar a parede.
Donna se coloca como um duplo, que empresta um acesso à pulsionalidade para que Jody possa se mover na piscina, viabilizando o movimento, respeitando a vontade e a decisão da própria Jody de explorar a piscina e se abrir para o mundo. Jody, então, toma a mão de Donna e se joga na piscina. Quando Jody começa a ser tomada por pânico, Donna realiza um movimento ritmado no braço de Jody, o que lhe permite se acalmar. Donna salienta a importância de tal movimento repetitivo ritmado para assegurar que Jody podia recorrer à segurança de algo previsível e não ter que se fechar para se proteger da angústia face ao ameaçador imprevisível. Jody volta para os degraus da piscina, repete os movimentos ritmados no próprio braço e, então, pega a mão de Donna e se joga na piscina. Olhando para Donna, Jody começa a nadar, e Donna vê emergir uma vivacidade em seus olhos.
Donna reconhece o valor de segurança que a estereotipia tem para Jody e procura lhe oferecer novas estratégias de autotranquilização, que lhe permitam afrouxar o circuito de estereotipia e se abrir para o mundo. Donna aponta a importância dessa forçagem sutil, ressaltando a importância de respeitar o movimento de recusa, de Jody precisar sentir que tem o controle de quando vai entrar em contato com o mundo. Donna se oferece como duplo, como apoio para a dinamização e realiza uma sutil forçada para ajudar Jody a sair do isolamento autístico, após ela ter aceitado a sua presença e dado o consentimento para ser pressionada para sair, estabelecendo circuitos compartilhados com Donna.
É interessante sublinhar a maneira privilegiada por Donna para entrar em contato com esses vários autistas não verbais. Ela realiza uma entrada dócil através de uma inserção discreta nos movimentos repetitivos e estereotipias para desse lugar poder intervir, modificando o circuito autístico de modo que cada um deles pudesse, na parceria com Donna, dar alguns passos de abertura em direção ao mundo. Não há uma imposição de Donna de um modelo a priori, mas uma invenção para que cada um possa se interessar pelo mundo, sem se sentir demasiadamente ameaçado pela imprevisibilidade e pelo caos.
Considerações sobre as intervenções de Donna e as orientações psicanalíticas
Pode-se traçar uma ponte entre as orientações que Donna nos dá sobre as intervenções adequadas em cada caso e as orientações psicanalíticas na clínica do autismo. Tomando como referência três textos sobre as orientações do tratamento do autismo no campo lacaniano para dialogar com as intervenções realizadas por Donna, é impressionante notar os pontos de convergência, o que é ainda mais impactante porque em vários de seus textos Donna expressa uma antipatia e aversão por diversas modalidades de teorias e práticas psicológicas e psicanalíticas. Independentemente da pertinência que têm várias das suas críticas, há uma concordância impressionante entre as linhas gerais das intervenções de Donna daquelas propostas pelos autores que optamos como referência para o presente texto, a saber, Alfredo Jerusalinsky, Jean-Claude Maleval e Leda Bernardino.
Podemos sistematizar, nesses autores, a importância dada a uma etapa preliminar, de inscrição do analista como pré-requisito para qualquer intervenção. Nessa etapa, há da parte do analista a aposta de que há um sujeito ali e que ele é permeável aos efeitos das palavras. A inscrição do analista se dá através de uma entrada delicada no circuito autístico, através da identificação do analista aos automatismos ou a um circuito de objeto, em um posicionamento discreto, não demandante. Podemos citar os exemplos de Donna não demandando nada dos autistas, colocando-se discretamente na presença deles de uma maneira não intrusiva, que permite ao autista inscrevê-la no seu tempo.
Após o analista estar inserido no circuito autístico e ter a sua presença aceita, é possível e desejável realizar intervenções, o que podemos observar quando Donna se posiciona no lugar de duplo autístico, cujo contato com o autista favorece a dinamização e a apropriação do corpo próprio para viabilizar a saída do encapsulamento autístico.
Com Jody, Donna intervém introduzindo uma diferença e estabelecendo um novo circuito que envolve uma marca conjunta dela e de Jody. Há um segundo movimento, através do qual Donna força sutilmente Jody para a abertura, embora respeite o seu timming e sua necessidade de ter controle sobre esse processo, precisando também recorrer a movimentos defensivos de recusa. Donna tenta flexibilizar lentamente o circuito, seja pela introdução da diferença, seja pela expansão do movimento em direção ao mundo compartilhado.
Com Anne, Donna ajuda a criar um espaço de proteção através da adoção de um objeto, antes de intervir no circuito propriamente dito. O objeto inicialmente não é compartilhado em um circuito, mas é assimilado como parte da própria Anne. Após o tempo de exploração do objeto que viabiliza a sua incorporação, Anne pode se desgrudar da autoexploração solitária para a interação com as outras pessoas e objetos. É somente nesse momento que Donna intervém, introduzindo leves diferenças em um ritmo marcado sobre o corpo de Anne. Anne se apropria desse ritmo, com cortes na melodia e pode entrar na melodia de Donna, colocando o seu traço-ruído quando há a falta na melodia de Donna. Anne também marca sobre o próprio corpo o ritmo melódico com marcas de diferença.
É interessante apontar a congruência das intervenções de Donna no circuito em relação às indicações terapêuticas dadas pelos três psicanalistas que abordamos neste texto. A importância da escolha de um objeto do mundo da criança, que nesse caso Donna ajudou a inventar, para realizar as pontes de destacamento do real através da inscrição de marcas de diferença, que cortam o real e contínuo. A inscrição dessa alteridade, de um mais ou menos no circuito, do diferente, permite que o analista seja inscrito como outro e que haja uma marca outra na relação do autista consigo próprio. Donna utiliza essas intervenções, inscrevendo descontinuidades, alterando repetições, variando um elemento, após o estabelecimento das condições preliminares da sua inscrição no circuito, do consentimento do autista para a abertura e do sentimento de segurança.
Donna aponta a importância desse consentimento do autista para a entrada do mundo externo e dos outros no seu mundo isolado, após um percurso de transição no qual as experiências de vida vão permitindo aos autistas desenvolver suas capacidades, apropriando-se de características que lhe permitam uma relação com o mundo, sem sentir que isso implica a sua morte existencial, estabelecendo pontes permanentes entre o seu mundo e o dos outros. A partir do trabalho singular realizado por cada autista, Donna aponta que o autista pode adquirir confiança no mundo e encontrar coragem para sair do seu mundo isolado e solitário. No seu próprio ritmo, mobilizado pelo interesse pessoal, o autista poderá estabelecer seus pseudópodes cada vez mais longe, criando um compartilhamento cada vez mais intenso entre os mundos.
Podemos concluir enfatizando a ressalva realizada de Donna sobre esse timming singular subjetivo, baliza indispensável para o manejo clínico no autismo.
Só quando ocorre este despertar e este interesse pelo exterior estiver solidamente estabelecido é que se poderá retirar o fio de proteção, lentamente, pedaço por pedaço, e ir além (WILLIAMS, 2012, p. 315).
Referências
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Endereço para correspondência:
Rua Dr. Homem de Melo, 407/ 71
05007-001 - São Paulo - SP
E-mail: mbialer@hotmail.com
Recebido em: 14/05/2014
Aprovado em: 15/09/2014
SOBRE A AUTORA
Marina Bialer
Psicóloga. Master em lettres, langues, sciences humaines et sociales pela Université Denis Diderot (Paris VII). Doutora em psicologia clínica pela USP. Doutora em Recherches en Psychopathologie et Psychanalyse pela Université Denis Diderot (Paris VII). Pós Doutoranda FEUSP. Pesquisadora LEPSI-USP.