Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Reverso
versão impressa ISSN 0102-7395
Reverso vol.38 no.71 Belo Horizonte jun. 2016
TEORIA PSICANALÍTICA
As figuras paternas, um assunto coletivo
The father figures, a collective matter
Michèle Bompard-Porte
Tradução: Bernardo Maranhão
Revisão da tradução: Carlos Antônio Andrade Mello
I Universidade de Brasília
RESUMO
Segundo Freud, a existência de figuras paternas em um grupo humano é contingente e depende das dinâmicas coletivas prevalentes. Uma recapitulação sucinta das três dinâmicas paradigmáticas segundo Freud – horda, matriarcado, grupo fraternal – permite concluir que a invenção dos pais no seio dessas dinâmicas advém mais propriamente da lógica fálica que do reconhecimento da alteridade dos sexos. Assim, a autoridade dos pais depende de uma regressão infantil, e tornar-se adulto psíquico implica separar-se disso.
Palavras-chave: Pais, Psicologia coletiva, Horda, Matriarcado, Grupo fraterno, Clivagem, Onipotência.
ABSTRACT
According to Freud, existence of the father figures in a human group is contingent and depends on the prevailing collective dynamics. A brief recall of the three paradigmatic dynamics according to Freud – herd, matriarchy, fraternal group – allows us to conclude that the invention of the fathers amidst these dynamics derives rather from the phallic logic than from the recognition of the alterity of sexes. Thus, the authority of the parents depends on an infantile regression, and becoming psychically adult implies separating oneself from that.
Keywords: Fathers, Collective psychology, Herd, Matriarchy, Fraternal group, Division, Omnipotence.
Em setembro de 1897, Freud não acredita mais em sua neurótica (FREUD, [1887-1904] 1986). O delírio a dois (Freud e Fliess), do qual Emma Eckstein foi a vítima, guarda, sem dúvida, relação com essa mudança teórica.1 No entanto, a psicanálise foi fundada dessa maneira. A primeira teoria da sedução era, com efeito, uma teoria local, extrínseca e unicausal dos sintomas. A afirmação segundo a qual “não há no inconsciente signo de realidade, de modo que não se pode distinguir a verdade da ficção investida de afeto”, assim como a ideia correlata da eficiência das fantasias, criou a psicanálise e seu domínio, a realidade psíquica.
Eis aqui as razões que Freud enumera em sua carta de 21 de setembro de 1897 a Fliess, para recusar a teoria da sedução. Primeira: “[...] as decepções contínuas das tentativas de conduzir uma análise a sua verdadeira conclusão”. Segunda: “[...] a surpresa de que na totalidade dos casos o pai deva ser acusado como perverso, inclusive o meu” – tal havia sido a desastrosa entrada dos pais na psicanálise. Terceira, a ideia fundadora da psicanálise: “[...] a percepção certeira de que não há no inconsciente signo da realidade, de modo que não se pode distinguir a verdade da ficção investida de afeto (Por conseguinte, a solução continua sendo que a fantasia sexual se aproveita regularmente do tema dos pais)”. Quarta razão: “[...] a reflexão quanto ao fato de que, nas psicoses mais profundas, a lembrança inconsciente não irrompe, de modo que o segredo dos eventos vividos da infância não se trai, mesmo no delírio mais confuso” (FREUD, [1887-1904] 1986, p. 283-284).
Duas cartas a Fliess, um encontro com ele e, três semanas mais tarde, Freud escreve de novo a seu amigo, em 15 de outubro de 1897, para lhe comunicar uma ideia.
Ser completamente sincero consigo mesmo é um bom exercício. Um único pensamento de valor geral me veio. Encontrei a paixão amorosa pela mãe e o ciúme contra o pai em mim também, e eu os considero agora como um evento geral da primeira infância [...]. Se é assim, compreende-se a potência arrebatadora de Édipo Rei, apesar de todas as objeções que a razão levanta contra a pressuposição do destino [...] a lenda grega capta uma propensão que cada um reconhece, porque a sentiu em si mesmo durante sua existência. Cada um dos espectadores foi em germe e em fantasia um tal Édipo e, em vista da realização de sonho aqui transposta para a realidade, cada um recua de espanto com o conjunto da parcela de recalcamento que separa seu estado infantil de seu estado atual. Atravessou-me o espírito, furtivamente, a ideia de que a mesma coisa poderia estar no fundamento de Hamlet (FREUD, [1887-1904] 1986, p. 293).
O trauma da sedução pelo pai foi substituído em três semanas pela ideia da configuração edipiana, que é herdeira da dimensão traumática, anteriormente trazida à luz.
Por outro lado, já se observou suficientemente a que ponto a primeira introdução do “complexo de Édipo” entrelaça a psicologia individual com a coletiva? Édipo Rei é o título da peça de teatro (a tradução alemã usual, como a francesa, suaviza: palavra por palavra, o grego diria “Édipo tirano”). Freud cursou suas humanidades, ele sabe que Sófocles (496-406) concorria para as Dionísias atenienses. Ele evoca também a lenda grega, expressis verbis. Assim, ao menos quatro coletividades são convocadas quando Édipo aparece para a psicanálise. O antigo povo grego em torno da lenda; a “democracia” ateniense, criadora das Dionísias; a assembleia dos cidadãos convocados às ditas Dionísias e que assistiam notadamente às representações teatrais, durante toda a semana de primavera que a festa durava; a cidade de Tebas enfim, sua história e seus mitos de fundação.
A configuração é análoga no caso de Hamlet, cujo tema Shakespeare tomou emprestado da Historia Danica, redigida no final do século XII por Saxo Grammaticus, ainda que as representações teatrais londrinas no Globo, nos anos 1600, não adviessem da religião, e que o sistema político britânico fosse então uma realeza.
Certamente, a cena de teatro é propícia à evocação da “outra cena”. Não obstante, Édipo, seu pai Laio e sua esposa e mãe Jocasta devem sua existência aos diversos grupos humanos que os inventaram e depois os encenaram e perpetuaram.
Mais tarde, Freud insiste. É necessário nada menos que todo o Totem e tabu (1912-1913) com o “mito científico”2 que nele se desenvolve, para tentar conferir alguma inteligibilidade à configuração edipiana. Novamente, a existência do pai – ou, mais propriamente, a de diversas figuras paternas – depende de vários. Convém, portanto, reconhecer que, segundo a psicanálise freudiana, a existência de figuras paternas é contingente. Elas dependem dos grupos que inventam ou não sua existência e depois garantem ou não sua persistência – o que Freud denomina matriarcado é uma configuração coletiva sem figura paterna evidente.
As três dinâmicas coletivas paradigmáticas3
Retornemos à dinâmica libidinal fundamental das massas, segundo Freud: por que e como pessoas podem se reunir e depois permanecer juntas ou se dispersar. A questão é elucidada, entre outros escritos, em Psicologia das massas e análise do eu (1921) texto em que Freud propõe notadamente um sistema esclarecedor do processo fundamental. Os membros de um coletivo investem um mesmo ocupante do lugar de {objeto exterior-objeto do eu-ideal do eu}, e esse investimento idêntico cria o traço comum que provoca as identificações do eu entre eles e que depois as sustenta. O custo econômico do pertencimento a um coletivo é bastante alto, uma vez que ele necessita de dois investimentos libidinais de natureza diversa e em duas direções. Os custos tópicos e dinâmicos não são menores, já que reduzir os processos dos objetos exteriores, os dos objetos do eu e os das formações do ideal do eu a um só investimento apaga dinâmicas psíquicas diferentes, variadas e ricas, sob esse único investimento simplista.
Para Freud, há mais três dinâmicas paradigmáticas dos grupos, segundo o nível de redução psíquica que o ocupante do lugar do {objeto exterior-objeto do eu-ideal do eu} implica. Elas correspondem às três possibilidades quanto à atribuição do prestígio da autoridade em um grupo humano. Um chefe de carne e osso ocupando o lugar do {objeto exterior-objeto do eu-ideal do eu} corresponde à organização da horda (monarquia). Algumas pessoas em função de autoridade e ocupando o lugar do {objeto exterior-objeto do eu-ideal do eu} correspondem a um grupo matriarcal (oligarquia). Se, enfim, o prestígio da autoridade é compartilhado entre a maioria dos membros do grupo (poliarquia), tal grupo é totêmico, fraternal, democrático – Freud emprega todos esses qualificativos, que significam nuances na dinâmica correspondente. Ele evita em geral o nome de patriarcado, ao passo que o de matriarcado lhe parece adequado para designar a dinâmica coletiva que se segue ao assassinato do pai primevo. Fica claro que, nos grupos de tipo fraternal, totêmico ou democrático, não existe mais ocupante em carne e osso do lugar do [objeto exterior-objeto do eu-ideal do eu]. Um processo do ideal do eu, ainda que rudimentar, tem lugar: trata-se de compartilhar esse que desapareceu – na formulação inicial, a do “mito científico”, os irmãos compartilham a nostalgia do pai onipotente, uma vez que elaboraram sua inexistência. Eles compartilham uns com os outros, então, a autoridade, selando entre eles um pacto em nome do pai.
As noções de horda, matriarcado e grupo totêmico (ou fraternal ou democrático) significam estilizações metapsicológicas das quais Freud detalha pouco a pouco as modalidades de funcionamento ao longo de toda a sua obra.4 Todo grupo real comporta as três dinâmicas, que envolvem em geral relações conflituais, mesmo se uma dessas dinâmicas prevalece. Por exemplo, a ditadura hitlerista comporta um Führer evidente, chefe de horda por excelência. Mas o estado nazista se organiza também graças ao poder de alguns: a burocracia nazista mais os chefes das grandes empresas que permitiram a chegada de Hitler ao poder e depois colaboraram com o regime. Enfim, mesmo no estado nazista, existem grupos nos quais a autoridade é compartilhada, a exemplo dos grupos da resistência.
“A diferença dos sexos não desempenha nenhum papel” nas massas
Tentaremos, em um momento, verificar se as três dinâmicas paradigmáticas são suscetíveis de inventar figuras parentais – e quais seriam elas – e, em seguida, se tais dinâmicas são suscetíveis de perpetuar a existência das figuras em questão. Antes, contudo, conviria meditar sobre essa nota:
Mesmo onde se formam grupos que são uma mistura de homens e mulheres, a diferença dos sexos não desempenha nenhum papel. Mas há sentido em perguntar se a libido que mantém os grupos reunidos é de natureza homossexual ou heterossexual, porque ela não é diferenciada segundo os sexos e passa completamente ao largo, particularmente, das finalidades da organização genital da libido.5
Do ponto de vista metapsicológico, esse enunciado é simples de compreender6. Ele resulta da redução, a um só investimento, dos processos que criam, investem e mantêm objetos exteriores, objetos do eu e formações do ideal do eu. A regressão tópica – e também formal e temporal – é considerável. A convicção, a crença ou a confiança na existência do ocupante do lugar do {objeto exterior-objeto do eu-ideal do eu} investido dispensam quase todo trabalho de separação e asseguram uma completude narcísica que é supersaturada pelas identificações do eu recíprocas.7 Não há lugar, nem libido, para o trabalho (psíquico) de elaboração (difícil) da alteridade dos sexos. Tal trabalho implica, ao contrário, desbastes narcísicos diversos e a elaboração de perdas e de separações. Além disso, salvo situação muito excepcional do gênero orgia, a participação em um coletivo e a atividade sexual genital se excluem mutuamente.
Lógica fálica nos grupos
No entanto, o exame mais elementar, assim como certas observações do próprio Freud, permite concluir que a diferença dos sexos desempenha também um certo papel nos grupos.
Pouco a pouco, os aliados da massa fraternal se aproximam de uma instauração do antigo estado em um novo nível, o homem (Mann, o homem no sentido sexuado) volta a ser chefe de uma família e quebra (brach) os privilégios da ginecocracia (Frauenherrschaft) que se mantivera durante o tempo sem pai. A título de indenização (Schädigung), ele [o homem] pode bem ter então reconhecido as divindades maternas cujos sacerdotes foram castrados (kastriert) para a segurança da mãe, segundo o exemplo que fora dado pelo pai da horda primitiva (FREUD, 1921, p. 152).
A “ginecocracia”, Frauenherrschaft, que Freud considera, por hipótese, ser a dinâmica prevalente após o assassinato do Urvater, implica que a diferença dos sexos desempenha um certo papel; o mesmo vale para a retomada do poder pelo “homem”, der Mann; o mesmo vale ainda para a hipótese de que os sacerdotes das divindades maternas sejam “castrados”, kastriert. De resto, a passagem de uma situação coletiva a outra parece implicar, segundo Freud, conflito – guerra dos sexos? –, quebra (“o homem quebra a ginecocracia”) e indenizações (Schädigung).
Em Moisés e o monoteísmo, Freud retoma assim o tema:
Um outro processo de um tempo ulterior vem a nós muito mais palpável. Sob a influência de fatores exteriores que não necessitamos seguir aqui, e que também, em parte, não são muito conhecidos, a ordem social matriarcal vem a ser substituída (abgelöst) pela patriarcal, fato ao qual naturalmente se associou uma reviravolta (Umsturz) das relações jurídicas [existentes] até então. Acredita-se identificar a marca de um eco dessa revolução (Revolution) ainda na Oréstia de Ésquilo. Mas esse retorno (Wendung) da mãe ao pai caracteriza, ademais, uma vitória da espiritualidade (Geistigkeit, sem conotação religiosa, quase “intelectualidade”) sobre a sensorialidade e, portanto, um progresso cultural, pois a maternidade é demonstrada pelo testemunho dos sentidos, ao passo que a paternidade é uma hipótese admitida (Annahme) construída sobre uma conclusão e uma pressuposição (FREUD, 1939 [1934-1938], p. 221).
Novamente a mudança é descrita como brutal, “reviravolta”, Umsturz, e “revolução”, Revolution. Ele recorre, além disso, ao mais arcaico em matéria de defesa: “retorno”, Wendung.8 Esse é o termo que Freud promove em 1915, em As pulsões e seus destinos, (1915) explorando as primeiras defesas conhecidas, retorno (Wendung) de uma pulsão da atividade à passividade, acompanhada, em geral, de um retorno correspondente contra a própria pessoa, e reversão no contrário (Umkehrung ins Gegenteil). Essas defesas são completamente independentes da alteridade dos sexos.
Além disso, a leitura minuciosa das duas citações permite constatar que Freud não pressupõe uma elaboração psíquica refinada da alteridade dos sexos. Ele se atém a uma clivagem manifesta e conflitual – lógica fálica – que atribui sucessivamente o prestígio da autoridade e o valor fálico, primeiro às mulheres e mães, depois ao homem e pai. A ênfase é posta, ademais, nas únicas figuras de autoridade parentais – com o aspecto infantil que o investimento nessas figuras implica, ou, alternativamente, com as regressões temporal, tópica e formal de que tal investimento necessita. Relações entre semelhantes estão fora de questão, sejam eles do mesmo sexo ou dos dois sexos. A fortiori, está fora de questão o reconhecimento da alteridade dos sexos. Tampouco na organização patriarcal existe algo que permita pensar que uma elaboração da alteridade dos sexos tenha tido lugar. A oposição fálico versus castrado parece apenas mais próxima da anatomia, e como que redobrada pela invenção dos sacerdotes castrados. A maioria dos homens recobrou certo poder, mas em detrimento das mulheres que são desapossadas desse poder e devem ser indenizadas: “ter ou não ter”, ainda e sempre, a lógica fálica prevalece.
Abre-se uma pista que poderia ter sido sugerida pela análise dos processos psíquicos coletivos efetivos. Quando homens e mulheres são distinguidos como tais, nos grupos, trata-se em geral de uma distinção fálico versus castrado, trata-se, antes, de clivagem, e não de elaboração da alteridade dos sexos propriamente dita – a expressão “guerra dos sexos” pode então ser empregada. Isso se aplica com certeza no caso dos monoteísmos.
Será preciso recordar que os homens judeus agradecem a Deus todas as manhãs em suas preces por ele não tê-los feito mulheres? A religião de um deus onipotente à imagem do qual os homens são feitos não pode incitar a compartilhar entre adultos dos dois sexos aquilo que eles (como adultos no sentido psíquico) deveriam ter reconhecido com inexistente, a saber, a onipotência (fálica narcísica). A prece cotidiana, ao contrário, mantém a convicção de que a onipotência existe, com o cortejo de seus correlatos, clivagem, desprezo pelo outro sexo etc., etc.
A parte explicitamente matriarcal da dinâmica da igreja católica mostra fenômenos análogos. Maria é mãe e virgem; intocada, ela é o modelo do “manto sem costura” da igreja; os dogmas da imaculada concepção (1950) e da assunção (1853) vêm como incremento. Em matéria de onipotência (fálica narcísica), isso vai longe assim – os padres, embora não corporalmente castrados, fazem voto de celibato. Quanto às mulheres da comunidade, elas suportam a clivagem e a dominação masculina, autorizadas pelas referências ao mito de Eva e aos escritos de Paulo, entre outras. A criação das beguinarias e a caça às bruxas organizada durantes séculos na Europa são episódios dessa clivagem... em nome do pai, segundo se diz. Qual pai? A isso iremos em um momento.
Na comunidade muçulmana, a presença da clivagem seria igualmente fácil de demonstrar. É inútil dedicar muito tempo aos debates modernos sobre o véu.
A convicção incessantemente mantida de que existe(m) (alg)uma(s) figura(s) da onipotência implica, com efeito, clivagem (e negação da realidade) tanto em psicologia individual quanto em psicologia coletiva.
Eis aqui um resultado provisório. Se certos grupos inventam e reconhecem um pai ou alguns pais, parece que isso não implica que a elaboração da alteridade dos sexos seja efetuada nesses grupos. Parece mesmo, aliás, que as dinâmicas coletivas paradigmáticas dão acesso, segundo Freud, à lógica fálica e à clivagem que a acompanha. Dito de outro modo, reconhecimento de figuras paternas e elaboração da alteridade dos sexos são processos psíquicos relativamente disjuntos. O primeiro não precisa de mais do que a lógica fálica; o segundo implica ultrapassá-la.
Clivagem em psicologia individual e em psicologia coletiva (recordatório)
Que me seja perdoado citar aqui o item “clivagem” do glossário de um trabalho meu já antigo, Le mythe monothéiste. Une lecture de L’Homme Moïse et la religion monothéiste, Paris, ENS Editions, 1999.
Clivagem. Spaltung. Clivar é fender um mineral – diamante, mica – no sentido de suas camadas lamelares. Mas o alemão klieben, do qual provém nosso “clivagem” por via dos diamantistas de Amsterdam (klieven), é pouco utilizado. Spalten significa também fender segundo a estrutura, a exemplo do que ocorre com o feldspato, mas o termo é mais amplo: Spaltung designa, no domínio mineral, clivagem e desintegração; no domínio vegetal, a esfoliação; em física atômica, a fissão; no domínio religioso, o cisma. Trata-se, certamente, de cisão, de dissociação, mesmo de desdobramento (inclusive da consciência), mas a divisão da Spaltung vai até a decomposição e a fragmentação. Com esse termo, Freud aprofunda uma pesquisa assinalada nestes termos em 1924: ‘[...] o eu poderá evitar a ruptura em direção a um lado qualquer [isso, supereu, mundo exterior] ao se deformar a si mesmo, ao consentir em perder sua unidade, e mesmo, eventualmente, ao se fissurar (zerklüftet) ou ao se dividir em vários pedaços (zertleilt)’ (G.W. XIII, p. 391, Neurose und Psychose).
“Eu me encontro por um momento na interessante situação de não saber se o que quero comunicar deve ser avaliado como conhecido desde há muito tempo e autoevidente ou como completamente novo e estranho. Creio, contudo, que é mais o segundo caso.” Assim começa A divisão do eu no processo de defesa, que Freud redige em 1938, uma vez terminado Moisés e o monoteísmo. Confia-se em Freud e na coorte de psicanalistas que se debruçaram sobre esse processo de defesa: não há nada de evidente e parece haver evidência. A figura do bom pai de família e torturador é uma configuração psíquica que a história do século XX demonstra ser genérica sob certos regimes políticos (privilegiando horda e matriarcado). Da tese do ‘fetichismo da mercadoria’, certos sucessores de Marx deduzem também uma clivagem genérica, em nossas sociedades capitalistas: de um lado, a vida social, na qual cada um, reificado, reduz-se ao egoísmo; do outro, a vida privada, na qual diversos intercâmbios podem existir. Essa clivagem depende da denegação do trabalho humano, reduzido à coisa: mercadoria.
Não há contradição mais complementar ao trabalho de Freud, elucidando como os grupos exploram processos psíquicos individuais, dos quais a ontogênese e a eventual estabilização são inteligíveis. No caso, a clivagem do eu resulta da vontade de manter a existência da onipotência, em primeiro lugar a da mãe (‘falo da mãe’) – e, por participação, a sua própria –, uma vez que se constatou sua primeira camada: vista do sexo da mãe; ela não pode fazer os filhos sozinha; alteridade dos sexos. Em lugar de elaborar (no sofrimento) essa minoração da mãe, de si e dos outros humanos, e de enfrentar os temores da castração, o eu se separa em dois, uma parte parecendo aceitar a realidade e submeter-se a ela, a outra parte não. Segue-se a isso uma posição psíquica estranha, em que todo enunciado e seu contrário valem segundo os momentos – a dimensão simbólica da linguagem está ausente; sustentar sua palavra não significa nada. Além disso, cria-se um compromisso figurando a clivagem: o fetiche. Ele nega a existência da onipotência materna (como ‘objeto’ separado dela), precisamente ao afirmá-la (como esse que provém dela); depois, nega-a novamente (por exemplo, por meio dos maus-tratos ou atos destrutivos que lhe são infligidos): movimentos da denegação. O fetiche é a coisa inseparada do fetichista, o signo necessário a sua potência, mesmo a sua existência, e cuja eficiência permanece mágica.
Talvez se tenha compreendido melhor como as noções de clivagem, de denegação da realidade e de fetiche são interligadas na perspectiva freudiana, e como essas noções dependem da convicção mantida de que há uma ou algumas figuras onipotentes – das quais certamente o sexo biológico não importa. Essas posições psíquicas são “normais” na primeira infância – elas decorrem da absoluta dependência dos pequenos em relação aos adultos. Sua persistência ou sua reaparição na idade adulta dão testemunho da eficiência excepcional do psiquismo infantil sobre o do adulto, entre os humanos – o que Freud denomina o inconsciente. Sua existência e suas configurações dependem, por um lado, da prematuridade dos recém-nascidos na espécie humana e, por outro lado, do período de latência, segunda infância, entre cinco anos e a puberdade, durante a qual certamente podemos desenvolver todo tipo de aprendizagem, mesmo se não somos suscetíveis de atividade genital reprodutora, mas também recalcamos nossa primeira infância, o que lhe confere sua eficiência excepcional.
Os pais, figuras infantis
Simultaneamente com a superação (Überwindung) e a rejeição (Verwerfung) desses fantasmas puramente incestuosos, é alcançado um dos feitos mais significativos e também mais dolorosos do tempo da puberdade, a separação (Ablösung) em relação à autoridade dos pais, graças à qual, unicamente, cria-se a oposição da nova geração em face da anterior, oposição tão importante para o progresso cultural (FREUD, 1905 G.W., v. V, p. 128).
Eis uma passagem que ajudará a compreender melhor o que está aqui em questão. As figuras parentais e sua autoridade, quaisquer que sejam, são infantis. É coerente encontrá-las eficientes nos grupos, na exata medida em que a dinâmica destes impõe a seus membros a regressão tópica principal que se evocou, mais as regressões temporais e formais correlatas.
Certo é, em todo caso, que toda figura psíquica paterna (ou materna), investida e eficiente, provém, segundo Freud, do infantil ou da regressão. Começa-se a compreender que tal figura é disjunta da elaboração da alteridade dos sexos.
Falta ainda tentar conceber mais precisamente como se instituem e funcionam as diversas figuras paternas possíveis.
“Pai” da horda
Na horda, não há lugar para nenhuma individuação. É o reino da pura relação de forças. O chefe da horda dispõe do poder deôntico – sobre o ser e a existência dos membros (Freud utiliza o exemplo da ordália dos recém-nascidos – literalmente, os pais matam os filhos –, no Complemento que ele redige para o caso do Presidente Schreber). Na horda, o tempo é a eternidade do narcisismo primário – do qual o chefe da horda é o representante por excelência, segundo Freud. “Vive-se, mata-se, morre-se sem sabê-lo”, cheguei a escrever.
Ocorre que o chefe de uma horda real se intitula “pai do povo”, ao modo de Stálin, mas isso não é uma necessidade – Hitler não se utilizou muito dessa designação; um general pode se instituir “pai” do regimento, sublinhando, assim, o lado horda da dinâmica do grupo. Freud, em sua obra, faz um uso sistemático de “pai” e “arquipai”. Ele denomina Vater ou Urvater o chefe da horda do “mito científico”, e guarda por vezes essa designação para denominar aquele que ele intitula também “guia”, Führer, da horda. Conviria atentar para essa designação e para o que ela implica, conforme já sugerido. “Pai” designa aqui uma figura da onipotência. Ela é realista do ponto de vista da criança pequena, cuja sobrevivência depende, de fato, do bem-querer e da competência dos adultos próximos, notadamente do “pai”, se alguém é designado como tal. “Pai” designa também o chefe de um grupo monocentrado cujos membros foram reduzidos por regressão à submissão (ao terror nunca faltam, como fatores instituintes, a referida regressão e a dinâmica horda prevalente).
Matriarcado
Existe um grupo paradigmático sem pai, segundo Freud, o matriarcado. No mito científico, trata-se do reino das mães. Esse reino se segue ao assassinato do pai pelos filhos reunidos. Nascido de um assassinato, esse grupo continua a identificar morte com nascimento – é um traço quase patognomônico, que permite estabelecer facilmente diversos aspectos da dinâmica matriarcal. Assim, é preciso enterrar as sementes para que os brotos despontem – as sociedades agrárias têm um forte componente matriarcal; o mesmo se verifica em todas as instituições nas quais a partida e a chegada da maioria dos membros se identificam uma com a outra: hospitais, universidades justamente denominadas Alma mater, “um perdido, dez encontrados”. A onipotência atribuída a alguns dirigentes implica a prevalência da lógica fálica: tudo ou nada, com a clivagem e a denegação da realidade correlatas. A identidade morte-nascimento implica que o tempo seja visto e vivido como reversível e, frequentemente, como cíclico.
Manter sua palavra não tem, então, sentido algum. Nossas sociedades modernas e pós-modernas, com suas oligarquias plutocráticas, funcionam, de maneira prevalente, segundo uma dinâmica matriarcal, tal como Freud a concebe. Se a elaboração da alteridade dos sexos é excluída, nada impede que uma rica sexualidade pré-genital se desenvolva (o “consumo” é, quanto a isso, típico, com a publicidade que o organiza). As dinâmicas matriarcais não são muito observantes quanto ao incesto. Na ausência de alteridade dos sexos elaborada, a genitalidade funciona como uma pulsão parcial a mais. Assassinatos e destruições são em geral considerados como fecundos (em nossas sociedades atuais, toda destruição material é contada como crescimento do PIB).9 Ainda que, segundo a construção mítica, o matriarcado não atribua o poder às mães, a dinâmica correspondente funciona, com efeito, independentemente do sexo dos membros. Nosso sistema midiático, por exemplo, em sua dimensão matriarcal, trata identicamente suas “vedetes”, sejam elas mulheres, sejam homens. Não há “pai”, de fato. Há matriarcas fálicas e filhos – isto é, adultos que acreditam na potência das matriarcas.
Horda e matriarcado são próximos. Etienne de la Boétie havia sublinhado isso ao narrar a história da submissão dos lídios por Ciro, em seu Discurso da servidão voluntária (redigido em 1548, segundo Montaigne). Em vez de submeter ao seu exército a cidade de Sardes, com o risco de destruir sua esplêndida arquitetura, Ciro trata de impor aos habitantes a frequência cotidiana a bordéis e outras tavernas e casas de jogos, sob a vigilância de seus funcionários. E a vila é rapidamente subjugada (LA BOÉTIE, 1548, p. 68-69).
Grupo fraternal, “havia uma pletora de pais”
Terceiro e último grupo paradigmático, segundo Freud, o grupo totêmico, fraternal ou democrático, no qual os homens, em sua maioria, retomaram o poder limitado que sua aliança impõe, ao se tornarem pais: “havia uma pletora de pais, e cada um limitado pelos direitos dos outros” (FREUD, 1921, p. 152). Ao contrário dos precedentes, esse grupo reconhece a irreversibilidade do tempo – o pai está morto e pranteado por todos, vale dizer, reconhecido como inexistente. Manter sua palavra tem sentido: é o fundamento dessa dinâmica e da aliança estabelecida entre os irmãos. “Progresso da espiritualidade”, como vimos: além da palavra mantida, um pensamento hipotético-dedutivo (processo secundário) pode ter curso – a prova visível (matriarcado) não é mais necessária.
No entanto, o grupo dos irmãos tornados pais comporta outra dinâmica fundamental de subsistência a dinâmica por meio da qual esse grupo conserva sobre os outros membros da coletividade, entre eles, as mulheres e mães, o poder que adquiriu. Dito mais claramente, Freud se inspira em democracias e em outras repúblicas históricas: Atenas, Roma, Estados Unidos da América, mesmo a França da Terceira República. Em todos os casos, os cidadãos são apenas os machos adultos e autóctones – grosso modo, dez por cento da população, na Atenas do século quinto. É preciso então reconhecer que a clivagem cidadãos-irmãos-pais versus outros membros do grupo não advém da dinâmica fraternal. Em outras palavras, o grupo dos irmãos aliados democraticamente, entre eles, é redobrado pelo mesmo grupo, dessa vez exercendo sobre os outros membros da coletividade, dentre os quais as mães e mulheres, sua autoridade segundo uma dinâmica matriarcal... donde sua designação de “pais”. E é preciso, ademais, levar em consideração o pai no seio da família, cuja forma de autoridade advém daquela do chefe da horda, “em um outro nível”.
Nada poderia ser mais ambíguo. Essa posição paterna implica, ao mesmo tempo: uma dinâmica fraterna, instaurada pelos machos aliados entre si e se reconhecendo (em princípio) como semelhantes; uma dinâmica matriarcal que eles exercem, como minoria, sobre o conjunto do coletivo considerado; uma dinâmica de horda, enfim, que se instaura na família na qual o pai é a única autoridade.
Disso resulta que, no ponto em que se é suscetível de renunciar à existência da onipotência e, por conseguinte, reconhecer semelhantes, não há “pais”, mas apenas “irmãos” ou mesmo “cidadãos”. Onde os pais existem, a dinâmica da horda e a do matriarcado são prevalentes. A noção de pai – na medida em que dá lugar a um investimento –, decididamente, só tem sentido do ponto de vista de um psiquismo infantil, ou do ponto de vista de um psiquismo de adulto que permaneceu infantil ou que voltou a sê-lo.
Para dizer adeus
E é assim que Édipo Rei ou A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca nos tocam, pela via do inconsciente. Ocorre que certas culturas, dessas que chamamos de “primitivas”, parecem ter acedido a organizações sociais mais elaboradas do que as nossas, nas quais a partilha da autoridade entre todos os adultos era alcançada – penso nos relatos de etnólogos sobre certos grupos aborígenes australianos, ou certos grupos indígenas da América. Se se acredita, ademais, nos arqueólogos e pré-historiadores atuais, a invenção de uma figura da onipotência entre os humanos é tardia. Ela dataria do Natufiano, cerca de dez mil anos atrás, logo antes da invenção da agricultura, entre a costa leste do Mediterrâneo e a porção alta do Tigre e do Eufrates. Nesse tempo, os humanos se representaram, pela primeira vez, curvados, devotos e minúsculos sob a imensa figura da grande deusa. Anteriormente, a arte rupestre os desenhava ou esculpia de pé, correndo, caçando, dançando, em meio ao mundo animal circundante10 …e dos dois sexos (“perdemos tudo no neolítico”, tive ocasião de escrever).
O trabalho de uma análise poderia ser descrito como o que permite a alguém reconduzir (quase) os dois pais à humana condição. Eles são apenas dois pobres humanos, como o próprio sujeito, como todos os outros, e como o analista – análise da transferência.
Assim, a questão não é “matar” pai e/ou mãe, o que significaria apenas a confirmação da onipotência deles e a da sua própria, mas terminar por se render à evidência: o pai e a mãe a quem se amou, odiou e temeu na primeira infância, esse pai e essa mãe que foram tão admirados, são as figuras que nossa impotência infantil fomentou. Continuar a se reivindicar pai ou mãe de um filho púbere, com tais ou tais privilégios, é sinal de que o infantilismo reina... em toda a nossa cultura, e não apenas sobre as figuras dos pais.
Referências
CAUVIN, R. Naissance des divinités. Naissance de l’agriculture. La Révolution des symboles au Néolithique. Paris: CNRS, 1994. [ Links ]
FREUD, S. Briefe an Wilhelm Fliess (1887-1904) [Cartas a Wilhelm Fliess]. Ungekürzte Ausgabe. Herausgegeben von Jeffrey Moussaieff Masson. Deutsche Fassung von Michael Schröter, Frankfurt am Main, S. Fischer Verlag, 1986. Carta a Fliess, 21 set. 1897. [ Links ]
FREUD, S. Carta 69 (21 set. 1897). In: ______. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos (1886-1889). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 309-311. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1). [ Links ]
FREUD, S. Carta 71 (15 out. 1897). In: ______. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos (1886-1889). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 314-317. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1). [ Links ]
FREUD, S. L’Homme Moïse et la religion monothéiste (1939 [1934-1938]) [Moisés e o monoteísmo], G.W., XVI, 1986.
FREUD, S. Massenpsychologie und Ich-Analyse [Psicologia das massas e análise do eu], 1921, G.W. XIII, 1986. [ Links ]
FREUD, S. Trois essais sur la théorie sexuelle (1905) [Três ensaios sobre a teoria da sexualidade]. G.W., V, 1986.
LA BOETIE, E. Discours de la servitude volontaire (1548). Paris: Pfluger (sem data de edição visível). [ Links ]
Endereço para correspondência:
E-mail: michele.bompard-porte@wanadoo.fr
Recebido em: 18/12/2015
Aprovado em: 11/03/2016
Sobre a autora
Michèle Bompard-Porte
Psicanalista. Professora em universidades.
Autora de vários livros, dos quais o mais recente é Douleurs psychiques et angoisses: entre psychanalyse et mathématique, em colaboração com Daniel Bennequin, Paris, L’Harmattan, 2015.
Coordenou a edição das obras completas de René Tom pelo Institut des Hautes Etudes Scientifiques, Bures-sur-Yvette, 2003.
1 Emma Eckstein é a paciente que Freud confia a Fliess na primavera de 1895, para uma operação no nariz, a pretexto de suprimir sua masturbação persistente. Pode-se falar em um delírio a dois. Fliess opera Emma Eckstein em Viena, apesar de não habilitado na cidade e esquece quase um metro de gaze na ferida. Após quase haver sucumbido, a paciente permanece desfigurada depois das operações que se seguem a essa primeira. Ao continuar a trabalhar com Emma, após esse episódio, é que Freud vem a recusar a tese do trauma sexual/pré-sexual, em favor da eficiência da realidade psíquica e das fantasias (outono de 1897). Emma é uma personagem de destaque no sonho da injeção de Irma e uma das autênticas vítimas da pesquisa freudiana (cf. Freud, [1887-1904] 1986).
2 É assim que Freud qualifica seu trabalho, nove anos mais tarde, em Massenpsychologie und Ich-Analyse (1921) [Psicologia das massas e análise do eu], G.W. XIII, p. 151.
3 Encontram-se estudos alongados sobre esse tema em diversos trabalhos de Bompard-Porte, publicados a partir de 1997, que comentam a obra freudiana. Dois artigos resumem alguns resultados elementares: 1998, Les langues des masses, selon Freud. Cliniques méditerranéennes, 57/58, Paris, Erès, p. 77-93; 1999; Les preuves selon la psychanalyse. Conviction, croyance, confiance
et invention. Topique, 70, Paris, Esprit du Temps, p. 129-147.
4 Será preciso recordar que cerca de metade da obra de Freud é consagrada aos processos psíquicos coletivos? No caso, a elaboração se inicia em Totem e tabu (1912-1913) e prossegue quase continuamente até a última obra, Moisés e o monoteísmo (1934-1938).
5 Massenpsychologie und Ich-Analyse [Psicologia das massas e análise do eu], G.W., XIII, p. 158 (nos Nachträge [no pós-escrito]).
6 Não cabe aqui comentar a autorreferência por meio da qual "a libido [...] passa ao largo das finalidades da organização genital da libido".
7 Assim, o trabalho psíquico necessário à criação de um grupo fraternal - trabalho que comporta, contudo, a elaboração das perdas do pai da horda e da convicção quanto a sua onipotência - não é suficiente, segundo Freud, para que a alteridade dos sexos se torne pensável. Isso implica que os elementos do narcisismo concernidos no trabalho em questão são apenas aqueles do narcisismo dito primário.
8 Comentários estendidos sobre Wendung em: BOMPARD-PORTE, M. Le sujet. instance grammaticale selon Freud. Paris: L'Esprit du Temps, 2006, notadamente p. 64-66.
9 A proliferação programada das doenças e mortes profissionais (amianto, etc.) assim como a das intoxicações de massa (pesticidas, dioxina, radioatividade, obesidade, etc.) estão em perfeita conformidade com a dinâmica matriarcal de nossa sociedade. Do mesmo modo, as guerras totais e a destruição do planeta. Além do fetichismo da mercadoria, sempre ativo, conviria estudar a criação das crianças fetiches, correlato provável das técnicas do "consumo de massas".
10 Cf., p. ex., Cauvin (1994).