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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.38 no.72 Belo Horizonte dez. 2016

 

TEORÍA PSICANALÍTICA

 

A atemporalidade das estruturas psíquicas e o inclassificável

 

The timelessness of psychic structures and the unclassifiable

 

 

Carla de Abreu Machado Derzi;I Cristina Moreira MarcosI

IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo visa discutir o diagnóstico estrutural no campo psicanalítico, levando em consideração o termo “inclassificáveis”, que surge nos dias atuais. O trabalho aproxima a estrutura psíquica da estrutura de linguagem para evidenciar as diferenças entre elas. Essas diferenças, juntamente com a clínica da atualidade que corrobora para manifestar o real da estrutura, possibilitam incluir nas classificações o inclassificável. Sendo assim, pensar o diagnóstico estrutural é tentar manter a porta de abertura para a contingência radical do real.

Palavras-chave: Estrutura, Inclassificável, “Não-todo”.


ABSTRACT

In this paper, we discuss the structural diagnosis in psychoanalysis, taking into account unclassifiable cases that show up in the clinical work today. We will compare the structure of language and the psychic structure, in order to highlight the differences between them. These differences, along with the clinical work that manifest the structure of the real, make it possible to classify the unclassifiable. The structural diagnosis is a way to keep an open door to the radical contingency of the real.

Keywords: Structure, Unclassifiable, "Not-all".


 

Estabelecer um diagnóstico estrutural no campo da psicanálise não é tarefa fácil, sobretudo na atualidade, época em que vigora o seguinte imperativo do supereu: Avalie!!!!. Milner afirma que a avaliação é um método que busca o consentimento do outro e se reveste de roupagens científicas, porém não tem nada de científico (MILLER; MILNER, 2006, p. 11). A avaliação possibilita o ser passar do estado de ser único para ser comparável a outros.

Sendo assim, como estabelecer o diagnóstico na psicanálise excluindo o método de classificação, ou até mesmo de comparação, já que acolhemos o incomparável do sujeito? Estabelecer um diagnóstico é avaliar sintomas e sinais a fim de classificá-los.

Trata-se, ao diagnosticar, de inserir o sujeito em um grupo, de definir algumas propriedades que passarão a representá-lo, com todos os efeitos de mortificação que daí advêm (SOLER apud VIEIRA, 2001, p. 171).

Assim, é necessário ratificar que a psicanálise reconhece que algo subsiste além da classe representável, que há algo do sujeito dessemelhante de qualquer outro.

Baseando-se nessa discussão, Miller acrescenta o termo “inclassificáveis”, realçando dois momentos na clínica:

Um momento nominalista, em que recebemos o paciente em sua singularidade, sem compará-lo a nada, como o inclassificável por excelência; e um segundo momento, estruturalista, em que o referimos a tipos de sintomas e a existência da estrutura (MILLER, 2005, p. 404,).

Miller discute esses termos em duas conversações clínicas: O conciliábulo de Angers em 1996 e A conversação de Arcachon em 1997 (MILLER, 2005), evidenciando-se um mais além da perspectiva estruturalista.

Diante disso, surgem algumas questões: Qual é o lugar do diagnóstico estrutural na clínica psicanalítica? Deve-se levar em consideração simultaneamente esses dois momentos da clínica? Como conciliá-los? Por que o termo “inclassificáveis” surge nos dias atuais? Será que ocorreu uma falência no modelo estruturalista, deixando de ser um operador universal em primazia do caso único?

Este artigo discute o diagnóstico estrutural no campo psicanalítico para atingir a unicidade do caso. Pensar desse modo o diagnóstico estrutural é tentar manter a porta de abertura para a contingência radical do real levando em consideração a estrutura psíquica do sujeito.

 

O diagnóstico estrutural

A noção de estrutura em Freud não foi bem sistematizada como em Lacan. Segundo Kaufmann (1998, p. 527), Freud traz uma noção de estrutura desde a Interpretação dos sonhos, em que o sonho tem uma estrutura que pertence ao aparelho psíquico e uma configuração de elementos distribuídos segundo as relações de ordem.

Na Conferência XXXI, Freud ([1932] 1969) relaciona os doentes mentais com a estrutura de um cristal, corroborando para a construção do conceito de estrutura psíquica:

Se atirarmos ao chão um cristal, ele se parte, mas não em pedaços ao acaso. Ele se desfaz, segundo linhas de clivagem, em fragmentos cujos limites, embora fossem invisíveis, estavam predeterminados pela estrutura do cristal. Os doentes mentais são estruturas divididas e partidas do mesmo tipo (FREUD, [1932] 1969, p. 77).

Entretanto, foi a posteriori, com a teoria de Lacan, que essa descoberta da noção de estrutura em Freud é ressaltada.

Retomemos a obra de Freud na Traumdeutung, para ali nos relembrarmos que o sonho tem a estrutura de uma frase, ou melhor, atendo-nos à sua letra, de um rébus, isto é, de uma escrita da qual o sonho da criança representaria a ideografia primordial, e que reproduz no adulto o emprego fonético e simbólico, simultaneamente, dos elementos significantes que tanto encontramos nos hieróglifos do antigo Egito quanto nos caracteres cujo uso a China conserva (LACAN, [1953] 1998, p. 268).

Em Pequeno discurso no ORTOF, Lacan ([1966] 2001) afirma que, para Freud, os sonhos, os atos falhos e os chistes são estabelecidos como fatos de linguagem. Esses fatos que aparecem e dos quais não temos controle vêm do inconsciente. Lacan acrescenta que a experiência do inconsciente é também exterior ao sujeito e designa esse lugar, como o lugar do Outro, anunciando sua fórmula “O inconsciente é o discurso do Outro” (LACAN, [1966] 2001, p. 223). Desse modo, o inconsciente é estruturado como linguagem, já que linguagem é estrutura e que, antes mesmo de nascer, somos banhados pela linguagem, que determina o homem.

Lacan fundamentará o inconsciente como uma estrutura de linguagem, fazendo existir uma estreita relação entre a estrutura de linguagem e a estrutura psíquica. Lacan extraiu da estrutura da linguagem elementos que nos fazem entender a estrutura do inconsciente, entretanto ele também faz uma subversão, ou seja, cria uma outra versão para a estrutura do inconsciente e marca uma ruptura radical em relação ao movimento estruturalista.

O conceito de estrutura foi introduzido por Sausurre no Curso de linguística geral. Segundo Coelho, uma estrutura é:

Um conjunto de elementos com leis próprias independentes das leis que regem cada um desses elementos; a existência de tais leis relativas ao conjunto implica que a alteração de um dos elementos provoque a alteração de todos os outros; dado que o valor de cada elemento não depende apenas do que ele é por si mesmo, mas depende também, e sobretudo, da posição que ele ocupa em relação a todos os outros do conjunto (COELHO apud SADALA; MARTINHO, 2001, p. 2).

Recorrendo a estrutura de linguagem e as leis sociais que regem as alianças e os parentescos em Lévi-Strauss, acrescido da noção de estrutura fundamentada em Jakobson e Sausurre, Lacan afasta o Édipo do mito e o aproxima da descrição de uma estrutura. Em A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud, Lacan ilustra seu apoio nos estruturalistas e a reviravolta da linguística no estatuto das ciências humanas. Ele estende essa reviravolta ao campo psicanalítico: “é toda a estrutura da linguagem que a experiência analítica descobre no inconsciente” (LACAN, [1957] 1998, p. 498). Lacan ainda exemplifica a extensão da linguística ao campo da psicanálise, quando retoma as duas figuras de linguagem – metáfora e metonímia – de Jakobson como processos do funcionamento psíquico, articulando-as com a condensação e com o deslocamento.

Diante disso, a estrutura edípica repousa em relações entre significantes. A função paterna, e a materna, enquanto existências particulares tornam-se atributos significantes e com funções específicas. Lacan extraiu fundamentos da estrutura da linguagem para a estrutura edípica. Há algo que circula na estrutura – o falo – objeto metonímico, como no jogo de passar o anel, que determina a posição do personagem (LACAN, [1957] 1988, p. 521).

Nesse ponto, há uma separação fundamental entre a estrutura de linguagem e a estrutura psíquica, já que na estrutura psíquica há um elemento que desliza, presentificando a falta: o falo. Eis aqui a subversão de Lacan, pois o falo é o significante da falta, inscreve algo que é uma ausência, fazendo a falta se inscrever como presença. O pai em Freud entra como pênis, através das diferenças sexuais, da diferença anatômica. Já em Lacan, o pai entra como Nome, como quem dispõe do significante fálico.

A função paterna é fundamental no Édipo, já que faz operar o falo na estrutura, deslizando-o. É exercendo a castração simbólica que a lei se torna uma instância exterior a qualquer personagem. O pai é apenas o suporte da lei, exercendo sua função como morto. A função paterna é introduzida pela dimensão da ausência, essa função advém da morte do pai da horda primitiva. A lei nasce da morte do pai da horda, onde um totem é erigido para representá-lo. Trata-se de um processo de simbolização.

A função do pai atinge o real, na medida em que é a falta de significante no campo da linguagem que nos faz pensar em um campo fora da linguagem, que é o real. Há algo fora da lei, que instaura a lei. Nesse caso, é o real que institui o simbólico, ou seja, o pai da horda primitiva se situa como além de qualquer personagem e funda a lei simbólica. A estrutura do sujeito é esse lugar que o ser falante ocupa na estrutura de linguagem, é a questão de cada um em relação ao Outro. Sendo assim, podemos concluir que a noção de estrutura na linguística é subvertida no campo da psicanálise:

Para Sausurre, a linguística só tem acesso ao estatuto de ciência na condição de limitar muito bem o seu objeto específico – a língua –, a consequência disso é o aborto da fala e do sujeito. Para Lacan, e isso não poderia ser diferente, o sujeito é afetado pela estrutura que obedece a uma lógica: os significantes que o determinam e o gozo do sexo que o divide, fazendo-o advir como desejo. Para Lacan, sujeito e estrutura são categorias coextensivas (ALTOÉ; MARTINHO, 2012, p. 1).

Dessa forma, pode-se verificar que a estrutura do sujeito se dá por algo fora do campo da linguagem, pela dimensão do real ou ainda é a falta de um elemento na estrutura que funda a estrutura psíquica do sujeito. A inclusão do sujeito e a inscrição do buraco (real) onde falta um significante no campo do Outro (sistema de linguagem) marca a diferença da psicanálise com a linguística.

Para a psicanálise a estrutura é paradoxal, diferente da estrutura na linguística, na qual a estrutura forma uma totalidade. O paradoxo na estrutura em psicanálise se manifesta pela presença da função paterna que faz o “todo”. O todo, estrutura do Outro, é constituído pela exceção, é exatamente a exceção estabelecida pela função do pai enunciada por Lacan, no texto Radiophonie, que denuncia a impossibilidade de formar o espaço fechado “para todo x”, sendo assim incompleto. “Menos-um designa o lugar do Outro” (LACAN, [1970] 2001, p. 409).

Observa-se, assim, que o Outro não se sustenta sozinho. É a partir do significante que ex-siste, fora do campo da linguagem, fora do mundo, significante sem relação com outro significante, significante absoluto, que a dimensão do real se presentifica. O Outro depende de um campo que não existe, ex-siste (MILLER, 2002). É exatamente o pai da horda primitiva, que não foi submetido à castração, que marca a exceção na função paterna, para que o todo seja formado. O Nome-do-Pai nos conduz a uma falta de representação, a um buraco no saber, ao real. O Nome-do-Pai se aproxima do objeto a de tal forma que Lacan (1974-1975, p. 32) afirma que no nó borromeu o que sustenta os três registros juntos é a função paterna.

Posteriormente, Lacan substitui o Nome-do-Pai pelo objeto a. Isso pressupõe que o Nome-do-Pai vale não pelo que ele significa, mas pelo artifício que permite uma amarração entre os registros. O sujeito é efeito desse Outro estruturante e paradoxal:

[...] o estado do sujeito (neurose ou psicose) depende do que se desenrola no Outro” (LACAN, [1959] 1998, p. 555).

Sendo assim, o diagnóstico estrutural leva em consideração algo que escapa, já que a estrutura do “todo” é incompleta, ou melhor, a exceção é necessária para que a estrutura seja formada. O que escapa, ex-siste e está fora, é do real, é da singularidade do sujeito.

O singular, “como tal”, não se parece com nada, ele ex-siste à semelhança, ele está fora do que é comum (MILLER, 2009, p. 35).

Torna-se necessário esclarecer que, ao estabelecer um diagnóstico estrutural, deve-se buscar a exceção. Diagnosticar é escutar a singularidade, o que está fora da classe e da regra, e não apenas classificar, inserindo o sujeito em um grupo. O diagnóstico na prática psicanalítica aponta para o que há de único em cada sujeito. Caso apenas classifiquemos, corremos o risco de aplicar uma técnica.

E Miller ressalta:

Não há um único ponto técnico em análise não vinculado à questão ética... Na análise, contudo, as questões técnicas são éticas, por um motivo muito preciso: nela nos dirigimos ao sujeito (MILLER, 1997, p. 222).

A singularidade está fora de padrões, por isso não há padrões na orientação lacaniana.

 

O inclassificável

O que está fora do padrão é o que não se pode classificar: o inclassificável. O DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) aponta a existência dos inclassificáveis em que tenta incessantemente incluir todas as classificações, ou seja, codificar o não codificável, ocorrendo, assim, um remanejamento constante das classificações: o real se manifesta!

É importante relembrar que a estrutura do ‘todo’, do Outro, da sexuação masculina, está fundamentada no teorema de Gödel, que denuncia que nem todas as proposições verdadeiras podem ser demonstradas. O que não é possível de ser demonstrável é o que escapa: o inclassificável. Embora não seja classificável, o inclassificável não pode ser ignorado. “Toda classificação bem feita deve incluir a classe dos inclassificáveis” (MILLER, 2005, p. 400).

Os casos inclassificáveis excedem na atualidade. Isso ocorre porque o sintoma se manifesta por duas vias: a via singular, que concerne ao gozo, e a via universal, que é marcada por significantes que procedem do Outro, traduzindo seu aspecto cultural e social.

Anteriormente, a clínica clássica tinha como resposta a clínica do “Outro”, a estrutura da sexuação masculina, na qual o universal se manifestava. No entanto, hoje o sujeito não se encontra mais ligado aos significantes do Outro. Os sintomas encontram-se ao serviço do gozo, denunciando a ruptura dos laços com o Outro (DERZI, 2012, p. 171).

Miller situa a crise contemporânea a partir do declínio dos ideais e a promoção do mais-de-gozar, o objeto a se situa no lugar dos ideais. Segundo Miller (1997, p. 16), eis o matema da nossa civilização: “a > I”. Nesse sentido, o objeto a seria a bússola da civilização de hoje, e haveria um privilégio do mais de gozar como gozo contemporâneo. O que orienta o sujeito não é mais o Nome-do-Pai, mas o objeto a.

A clínica do real se manifesta no mundo atual pelo desfalecimento do mundo simbólico. O objeto a se presentifica, manifestando uma clinica contínua, sem limite e sem totalizador, pois cada paciente terá uma saída diferente. O real aí se manifesta impedindo a classificação. Na atualidade, a variedade dos casos denuncia o real e sua singularidade.

É a clínica do não-todo, pois encontramos o real, o real enquanto ele não é universal, que denuncia uma variedade infinita de casos clínicos (DERZI, 2012, p. 171).

A pluralidade de sintomas corresponde a um efeito de dispersão pulsional.

Tendlarz (2007, p. 29) afirma que a clínica nos remete à pluralização dos Nomes-do-Pai relativa à função da metáfora paterna. Na primeira clínica de Lacan, temos como norte a presença ou a ausência do Nome-do-Pai. Na segunda clínica, borromeana, a diversidade de soluções inventadas pelo sujeito já não corresponde ao regime do Nome-do-Pai, mas ao regime do não-todo contemporâneo. Podemos pensar que a clínica clássica, que corresponde à estrutura do todo e das classes, ou seja, da sexuação masculina, tornou-se uma clínica do não-todo. Revela-se que não há um todo universal, o que Lacan nomeou como não-todo.

Destaca-se que não existe a estrutura do não-todo sem a estrutura do todo. Pode-se falar apenas da prevalência da estrutura do não-todo, e não da exclusão da estrutura do todo. Isso ocorre na medida em que há uma falta de complementariedade entre os gozos, mostrando a não relação, nos impedindo de excluir um ou outro. Daí o gozo feminino ser suplementar, e não complementar ao gozo fálico. O gozo suplementar é um gozo estranho em relação ao significante, que simboliza os dois sexos, mostrando que uma parte do gozo é fálico, e outra parte escapa ao significante. A estrutura não-toda coloca em evidência o real da estrutura. Lacan denuncia um limite na função fálica, não situando o gozo feminino do lado da universalidade. Aproximamos os inclassificáveis do gozo feminino pelo fato de evidenciar o real e pela emergência da singularidade de cada caso. A estrutura do não-todo está do lado da mulher, onde nenhum conjunto se totaliza, então não é possível classificá-las.

Desse modo, o gozo se manifesta em novas modalidades nos dias atuais, mas as estruturas psíquicas (neurose, psicose e perversão) não se alteram, pois elas não são efeitos nem consequências de um contexto histórico. O que se altera são as manifestações clínicas; o diagnóstico estrutural é atemporal. As categorias clínicas nos permitem abordar os tratamentos sintomáticos singulares de cada sujeito, que é sempre um desvio em relação ao universal.

Tomar o caso como único é extrair o que lhe é próprio e destacar a solução única que retira o sujeito das classificações (MILLER, 2003). Se, por um lado, podemos pensar a anorexia e a bulimia, por exemplo, como tipos clínicos em nossa contemporaneidade (ALVARENGA; FAVRET; CÁRDENAS, 2007), por outro, devemos nos perguntar sobre a particularidade das soluções encontradas pelos sujeitos, um a um, diante das dificuldades que experimentam na construção da relação com o Outro.

Em alguns casos, podemos descrever como o caso se apresenta, a forma de gozo que ali se configura, entretanto o real em jogo não nos permite situar a estrutura. Qual a solução inventada pelo sujeito? A pluralização dos Nomes-do-Pai aponta para a passagem de um elemento organizador ao múltiplo. Há que ressaltar a importância do diagnóstico para a clínica psicanalítica e, ao mesmo tempo, levar em consideração o que há de único em cada sujeito. Miller (2003) recorda-se do neologismo lacaniano “varité”, uma condensação entre a verdade e a variedade, para afirmar o caráter relativo das classificações diagnósticas.

Miller (2003, p. 30) se pergunta qual é a regra universal da espécie dos sujeitos sob a qual cada analisante subsume seu caso. A resposta é um universal muito particular: a ausência de regras. É o único universal que vale para um sujeito, porém é um universal negativo que significa a ausência de uma regra e que, portanto, revela que a relação do sujeito com o outro é aberta à invenção. O ser falante não pode subsumir-se a si mesmo como um caso da regra da espécie humana. Ele é sempre exceção à regra, e seu sintoma, sua invenção.

Todo diagnóstico se refere à classe, e sabemos que nossas classes diagnósticas não têm um fundamento nem na natureza, nem na observação; são artifícios que se fundam na prática linguística dos praticantes. O universal da classe nunca está completamente presente em um indivíduo. Há sujeito toda vez que o indivíduo se distancia do universal. Passamos, assim, do universal da classificação ao singular de cada caso, da estrutura aos modos de gozo (MILLER, 2003, p. 30). Isso não quer dizer uma negação da teoria ou das categorias clínicas. O que se apresenta em cada caso como não remetendo à identificação no campo do Outro revela o real em jogo na prática clínica. Trata-se de se orientar e tomar o caso a partir do real em jogo. Lacan afirma na Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos “Escritos” que:

[...] o que decorre da mesma estrutura não tem forçosamente o mesmo sentido. É por isso que só existe análise do particular: não é de um sentido único, em absoluto, que provém uma mesma estrutura, sobretudo não quando ela atinge o discurso. [...] Os sujeitos de um tipo, portanto, não têm utilidade para os outros do mesmo tipo (LACAN, [1973] 2003, p. 554).

Lacan é estruturalista e se afasta dos nominalistas.

O Outro se diz que não existe, mas a estrutura sim. E por isso que Lacan pode dizer explicitamente que era realista, e não nominalista (MILLER, 2005, p. 403).

Embora Lacan seja estruturalista, ele sempre reconheceu o gozo do sujeito. O que é inclassificável é o gozo do sujeito. É importante ressaltar que os inclassificáveis não esgotam a clínica estruturalista, assim como a estrutura do não-todo não exclui a estrutura do todo. A atualidade nos obriga a aprofundar a noção de estrutura no campo psicanalítico, já que nos dias atuais a clínica ultrapassa os limites do significante e enuncia o real da estrutura.

 

Considerações finais

Enfim, a noção de estrutura desde Freud e em Lacan nos permite pensar que o sujeito se constitui tanto pela linguagem quanto pelo que está fora da linguagem: o real. A articulação entre o real e a linguagem é o nosso ponto de partida intransponível. Conclui-se que não é possível desprezar a clínica estruturalista: ela é atemporal. E os inclassificáveis surgiram na atualidade apenas pelo fato de evidenciarem o real da estrutura.

Sendo assim, a clínica nominalista não elimina a clínica estruturalista assim como a clínica do não-todo não elimina a clínica do todo. Ou melhor ainda, a clínica estruturalista vigora no campo da psicanálise, e os inclassificáveis estão incluídos nessa clínica, já que o real da estrutura possibilita a dispersão da singularidade de casos clínicos na atualidade.

A psicanálise deve fazer existir o universal da estrutura da mesma maneira que ele é concebido na psicanálise: ele é sempre paradoxal. Ou seja, o universal existe somente se ele se complementa de uma exceção fora dele. É necessário, assim, escutar os casos clínicos como se fossem exceções à regra, como experiências individuais para destacar que existem as exceções (DERZI, 2011, p. 176).

 

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Endereço para correspondência
Carla de Abreu Machado Derzi
E-mail: carladerzi@gmail.com

Cristina Moreira Marcos
E-mail: cristinammarcos@gmail.com

Recebido em: 17/01/2016
Aprovado em: 11/03/2016

 

Sobre as autoras

Carla de Abreu Machado Derzi
Docente do Curso de Graduação em Psicologia da PUC Minas.

Cristina Moreira Marcos
Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas.

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