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PsicoUSF

versão impressa ISSN 1413-8271

PsicoUSF v.13 n.1 Itatiba jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Adaptação brasileira da University of Rhode Island Change Assessment (URICA) para usuários de substâncias ilícitas

 

Brasilian version of the University of Rhode Island Change Assessment (URICA) for illicit substance users

 

 

Karen Priscila Del Rio Szupszynski I, *; Margareth da Silva Oliveira II, **

I Unidade de Ensino Superior Ingá Ltda.
II Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo apresenta a validação do University of Rhode Island Change Assessment (URICA) para usuários de substâncias psicoativas ilícitas no Brasil. A amostra foi de 214 sujeitos dos sexos masculino (n=194) e feminino (n=20), com faixa etária entre 13 e 44 anos de idade (M=22,93; DP=7,94). A coleta ocorreu em Porto Alegre (RS), em ambulatórios para tratamento da dependência química (n=89) e locais de internação (n=125). As análises estatísticas evidenciaram uma boa consistência interna da escala de 24 itens (a=0,657). A partir de análises estatísticas foi construído o escore T, realizando a normatização brasileira da URICA para drogas ilícitas, que apresentou bons resultados psicométricos, podendo ser usada em estudos que proponham investigar a motivação para mudança de comportamentos-problema.

Palavras-chave: URICA, Drogas ilícitas, Adaptação brasileira.


ABSTRACT

This study presents the validation of the University of Rhode Island Change Assessment (URICA) for illicit psychoactive substances users in Brasil. The sample was of 214 persons of the masculine (n=194) and feminine sex (n=20) between 13 and 44 years old (M=22,93; DP=7,94). The collection happened in Porto Alegre, in ambulatories for treatment of the chemical dependence (n=89), as much as in internment places (n=125). The statistical analysis had evidenced a good internal consistency of the 24 itens scale (a=0,657). From statistical analysis was constructed the score T, carrying through the Brazilian standardize of URICA for illicit drugs, wich presented good psicometric results, being able to be used in studies that investigate motivation for behavior-problem change.

Keywords: URICA, Illicit drugs, Brazilian version.


 

 

Introdução

O Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento (MTT), construído por James Prochaska em 1979, descreve a prontidão para a mudança a partir de estágios motivacionais pelos quais o indivíduo transita. Este modelo está baseado na premissa de que a mudança comportamental é um processo e que as pessoas têm diversos níveis de motivação e de prontidão para mudar (Calheiros, Andretta & Oliveira, 2006).

Em uma pesquisa com tabagistas, DiClemente e Prochaska delinearam quatro estágios motivacionais: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção; e posteriormente, foi verificado que, entre o estágio da contemplação e o da ação, as pessoas passavam por uma fase de planejamento das possíveis ações. Esse período foi denominado determinação ou preparação (Prochaska, DiClemente & Norcross, 1992).

Os indivíduos que estão no estágio de pré-contemplação não mostram evidências de intenção de mudar o seu comportamento-problema. Dessa forma, os pré-contempladores dificilmente procuram ajuda para iniciar seu processo de mudança e, quando o fazem, geralmente são impelidos por motivos externos como, por exemplo, encaminhamento pela família, empresa ou poder judicial (Andretta, 2005). A consideração da possibilidade de mudança ocorre no estágio de contemplação, momento no qual os indivíduos refletem sobre as implicações que seu comportamento traz para si e para os que estão a sua volta (DiClemente, 1991).

No estágio de determinação, há a combinação de uma conduta orientada na mesma direção da intenção de mudar, com a conscientização do comportamento-problema, que pode incluir busca de ajuda de um psicoterapeuta, consulta a um clínico, aconselhamento e envolvimento em atividades saudáveis (Oliveira, 2000).

A marca do estágio de ação é a modificação do comportamento-alvo mediante esforços para mudança. A ação é o estágio no qual os indivíduos mudaram de forma clara o seu comportamento por um período determinado de tempo (Prochaska, DiClemente, & Norcross, 1994).

A estabilização do comportamento em foco, evitando-se a recaída, é a marca do estágio de manutenção. Estar apto a permanecer livre do comportamento aditivo é o critério para se considerar alguém no estágio de manutenção. Este é um desafio real em todos os comportamentos de risco (Velicer, Prochaska, Fava, Norman & Redding, 1998).

Prochaska, DiClemente & Norcross (1992) afirmam que avaliar a motivação para mudança, independentemente do tratamento utilizado, parece ser um aspecto importante para a utilização de intervenções adequadas aos pacientes. A utilização de escalas para monitoração das mudanças é freqüente e faz parte do estilo de trabalho de intervenções motivacionais. Diversas pesquisas têm estudado o MTT a fim de estimar sua aplicação no tratamento das adições. Alguns instrumentos têm sido utilizados para a mensuração do estágio motivacional como: University of Rhode Island Change Assessment - URICA (McConnaughy, Prochaska & Velicer, 1983), Stages of Change Readiness and Treatment Eagerness Scale - SOCRATES (Miller & Tonigan, 1995), algoritmos e escalas analógico-visuais.

Miller & Tonigan (1995) utilizaram a SOCRATES para averiguar a motivação de uma amostra de alcoolistas graves. A pesquisa identificou que esta escala possuía uma estrutura de três fatores: ambivalência, reconhecimento e ação, comprovando ser um instrumento de alta confiabilidade.

Figlie, Dunn & Laranjeira (2004) estudaram a consistência interna e a estrutura fatorial da versão em português da SOCRATES (versão 8.0) em uma amostra ambulatorial de dependentes de álcool, baseando-se na estrutura fatorial explicitada por Miller & Tonigan (1995). No estudo de Figlie, Dunn & Laranjeira (2004), SOCRATES apresentou boa consistência interna e confiabilidade. Similarmente ao trabalho de Figlie, Dunn & Laranjeira (2004), encontrou-se uma estrutura de dois fatores não-independentes agrupados ao redor de dois diferentes conceitos, o AMREC e o conceito de ação, talvez em virtude da semelhança de conceitos entre ambivalência e reconhecimento.

A escala URICA (University of Rhode Island Change Assessment), criada por McConnaughy, DiClemente, Prochaska & Velicer (1989) é uma escala que busca avaliar os estágios motivacionais de indivíduos, baseada nos estágios de mudança do MTT. Trata-se de uma medida de auto-relato, do tipo escalar, criada inicialmente para estudar os problemas relacionados ao tratamento do tabagismo e atualmente empregada de forma genérica para todos os problemas associados a comportamentos de dependência.

O desenvolvimento da URICA para a população norte-americana iniciou com 165 itens, os quais foram submetidos a três juízes com bom conhecimento na área. Desses itens, 145 apresentaram boa consistência, mas apenas 125 foram realocados no instrumento. A redução do instrumento foi evoluindo e dividiu-se em três etapas: na primeira etapa foram considerados 75 itens, com 15 itens por estágio; na segunda, 50 itens, com 10 itens para cada estágio e, na terceira e última etapa, foi construída uma versão com 32 itens, tendo 8 itens para cada estágio. É importante considerar que, a partir da análise fatorial, o estágio de determinação não se manteve como um estágio separado, não se constituindo, portanto, como um domínio do instrumento. As análises estatísticas utilizadas foram a correlação interitens, correlação entre cada item e o escore total de itens, coeficiente de alfa de Cronbach, coeficiente de correlação linear de Pearson e a análise de Clusters (McConnaughy, DiClemente, Prochaska & Velicer, 1989).

Callaghan e colaboradores (2005) avaliaram o estágio motivacional de pacientes de um programa de tratamento para adolescentes abusadores de substâncias psicoativas, utilizando a URICA. O estudo comprovou a validade da URICA, já que os adolescentes que pontuaram altos escores no estágio de pré-contemplação represen-taram substancialmente o número de desistências do programa.

A validade preditiva dos estágios de mudança em dependentes de heroína foi investigada por Henderson, Saules & Galen (2004), usando a URICA para predizer a adesão ao tratamento, a partir de amostras urinárias negativas de heroína e/ou cocaína durante um programa de tratamento de 29 semanas. O estudo comprovou que os sujeitos que pontuaram um escore maior no estágio de manutenção também apresentaram amostras de urina livres de cocaína e maior adesão ao tratamento.

Stephens, Cellucci & Gregory (2004) avaliaram adolescentes usuários de tabaco, por meio da URICA, para ver o quanto esses adolescentes estavam preparados para a cessação do comportamento-problema. Após a aplicação, os adolescentes que pontuaram mais no estágio de ação e/ou manutenção foram os adolescentes que realizaram as mudanças mais concretas em seu hábito de fumar, comprovando a capacidade da URICA em discriminar a motivação dos indivíduos para a mudança de comportamento.

Outra pesquisa com a URICA, em usuários de tabaco, foi realizada por Amodei & Lamb (2004), com uma amostra de 183 sujeitos. Esse estudo examinou a validade convergente e concorrente dessa escala. Os achados mostram uma correlação positiva das subescalas contemplação e ação com os escores da contemplation ladder, a qual é uma escala alternativa que foi projetada como uma medida contínua de prontidão para a cessação do fumar.

Hasler, Klaghofer & Buddeberg (2003) realizaram uma adaptação e validação da URICA para a população alemã. A amostra foi composta de 129 pacientes com transtornos alimentares. A consistência interna das subescalas foi considerada boa e/ou muito boa. As médias e os desvios padrão das subescalas foram semelhantes aos encontrados na validação do instrumento original. O estudo concluiu que a URICA mostra-se um instrumento válido para avaliar a dimensão motivacional para mudança de comportamentos-problema.

Dozois, Westra, Collins, Fung & Garry (2004) realizaram um estudo com o intuito de validar a URICA para pessoas que relatassem ter qualquer problema relacionado à ansiedade. A amostra constituiu-se de 252 estudantes, com idade média de 20 anos e com escore médio de ansiedade avaliado pelo Inventário de Ansiedade de Beck. No estudo a URICA total apresentou consistência interna de alta intensidade (a=0,79), bem como em suas subescalas: pré-contemplação (a=0,77); contemplação (a=0,80), ação (a=0,84) e manutenção (a=0,82). Os autores também realizaram outro estudo de validação da URICA com pacientes com diagnóstico de problema de ansiedade (transtorno do pânico com ou sem agorofobia). A amostra foi composta de 81 sujeitos. Os resultados também comprovaram a validade e fidedignidade da URICA, demonstrando o coeficiente de Cronbach de a=0,83 para a URICA total e boa consistência interna para suas subescalas: pré-contemplação (a=0,73); contemplação (a=0,79), ação (a=0,90) e manutenção (a=0,81).

O objetivo deste estudo é realizar a validação e adaptação brasileira da URICA para usuários de substâncias psicoativas ilícitas, visto sua importância para a área clínica e para a pesquisa.

 

Método

Participantes

A amostra foi por conveniência, composta por 214 sujeitos dos sexos masculino (n=194) e feminino (n=20) e com faixa etária entre 13 e 44 anos de idade (M=22,93; DP=7,94). Os participantes eram usuários de pelo menos uma droga ilícita (maconha, cocaína, solvente ou crack), tinham, no mínimo, a quinta série do Ensino Fundamental e possuíam nível socioeconômico variado. A amostra foi coletada na cidade de Porto Alegre, tanto em ambulatórios para tratamento da dependência química (n=89), quanto em locais de internação (n=125). Foram excluídos do estudo os sujeitos que não possuíam a escolaridade mínima exigida, assim como os sujeitos com qualquer comprometimento cognitivo, o qual impedisse a compreensão e o preenchimento dos instrumentos.

Instrumentos

- Entrevista estruturada: com o objetivo de estabelecer o perfil sociodemográfico da amostra estudada e a história de consumo de cada droga utilizada.

- Entrevista clínica estruturada: elaborada segundo crité-rios do DSM-IV-TR (2002) para realizar diagnóstico de abuso ou dependência de substâncias.

- URICA - University of Rhode Island Change Assessment (McConnaughy, DiClemente, Prochaska & Velicer, 1989): escala composta por 24 itens (versão reduzida) desenvolvidos para medir o estágio motivacional no qual o sujeito se encontra, dividida em quatro subescalas: pré-contemplação (6 itens), contemplação (6 itens), ação (6 itens) e manutenção (6 itens).

- Escalas Wechsler de Inteligência (Cunha, 2000): foram utilizados para investigação de déficit cognitivo os subtestes de vocabulário, cubos, dígitos e código.

- Figuras Complexas de Rey (Rey, 1999): as Figuras Complexas de Rey objetivaram avaliar as funções neuropsicológicas de percepção e memória visual, através da cópia e reprodução de memória. Seu objetivo foi verificar o modo como o sujeito apreendeu os dados perceptivos que lhe foram apresentados e o que foi conservado espontaneamente pela memória.

- Régua de Prontidão (Velasquez, Maurer, Crouch & DiClemente, 2001): é uma técnica visual-analógica, simples e eficaz, para averiguar em qual estágio de mudança o sujeito se encontra. O terapeuta pergunta a seu cliente qual dos pontos da régua melhor reflete o quão pronto ele está, no presente momento, para mudar seu comportamento-problema.

Procedimentos

O processo de validação semântica exige um complexo roteiro de procedimentos a fim de realizar adequadamente a tradução de um instrumento. Inicialmente foi realizada uma primeira tradução da URICA (McConnaughy, DiClemente, Prochaska & Velicer, 1989) da língua inglesa para a língua portuguesa. O trabalho foi realizado por um profissional, graduado em letras, habilitado em língua inglesa, conhecedor do objetivo da tradução. Posteriormente, o instrumento obtido foi aplicado em 10 sujeitos a fim de verificar dúvidas ou expressões confusas. O próximo passo foi a back-translation, na qual o instrumento foi invertido para o idioma de origem. O trabalho foi realizado por um nativo da língua inglesa, com fluência em língua portuguesa e desconhecedor do objetivo da tradução.

Após a back-translation, houve uma nova tradução para língua portuguesa, que foi realizada por um brasileiro, com fluência em língua inglesa, conhecedor dos objetivos da tradução. Feita esta nova tradução, foi realizada uma comparação dos instrumentos, e estes foram encaminha-dos a um comitê de juízes especialistas, que foi formado por uma equipe multidisciplinar especializada, conhecedora do tema da pesquisa, da finalidade do instrumento e dos conceitos a serem analisados. O trabalho dos juízes consistiu em detectar possíveis divergências nas traduções, cabendo-lhes comparar os resultados entre si, verificando se os itens da escala referiam-se ou não ao tema que se propõem a medir.

A versão final em português foi aplicada em 10 sujeitos com as características da amostra pesquisada, constituindo um estudo piloto. O objetivo dessa aplicação foi verificar, do ponto de vista desses participantes, se o instrumento também estava adequado tanto gramatical quanto funcionalmente.

Com o término do estudo piloto, foram excluídos os protocolos de pesquisa dessa primeira fase da validação, sendo, então, iniciada nova coleta de dados. Os participantes que preencheram os critérios de inclusão foram encaminhados para uma entrevista individual. Os participantes eram convidados a realizar uma entrevista individual de aproximadamente uma hora e, após terem aceitado participar do estudo, assinavam termos de consentimento livre e esclarecido. Uma equipe de auxiliares de pesquisa, previamente treinada, realizou a coleta de dados.

Análise dos dados

As informações coletadas foram organizadas e analisadas pelo Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 12.0. A análise exploratória dos dados constou de medidas descritivas e de distribuição de freqüência. Na validação da URICA, foram utilizados o alfa de Cronbach e o coeficiente de correlação não-paramétrico de Spearman. Para comparar as médias das subescalas dos pacientes internados e ambulatoriais, foi utilizado o teste-t de Student para amostras independentes e, para a comparação das médias da escala de Prontidão, foi usada a análise de variância (ANOVA). O nível de significância utilizado foi de 5%.

 

Resultados

Inicialmente é importante ressaltar alguns fatos referentes ao desenvolvimento desta pesquisa. O percentual de sujeitos do sexo masculino excedeu consideravelmente o percentual feminino. Este fato deve-se a uma realidade da distribuição em relação ao gênero de abusadores de drogas não só existente na região sul do Brasil, como em toda extensão brasileira. Os resultados que seguem são referentes a 214 sujeitos usuários de substâncias psicoativas ilícitas.

No que se refere ao perfil sociodemográfico, a amostra total foi constituída de 214 sujeitos, dos quais 89 estavam realizando atendimento ambulatorial e 125 estavam internados por problemas com drogas ilícitas. Em relação a diagnóstico de dependência química, 48 eram dependentes de maconha, 70 de cocaína e 33 de crack. Quanto ao estado civil, 190 eram solteiros, 18 casados e 6 separados. Do total da amostra, 139 sujeitos declararam não ter uma atividade profissional. Quanto à escolaridade, 83 sujeitos possuíam ensino fundamental incompleto, 25 ensino fundamental completo, 51 ensino médio incompleto, 27 ensino médio completo, 25 ensino superior incompleto e 3 completaram o ensino superior. Quanto à idade do uso de drogas ilícitas, a média para início do uso da maconha foi de 14,07 (n=116; DP=3,10); já a média de idade para início do uso de cocaína foi de 17,87 (n=139; DP=5,32); a média de idade para início do uso de crack foi de 19,56 (n=127; DP=6,02) e a média de idade para início do uso de solventes foi de 15,39 (n=62; DP=4,01).

Os participantes da pesquisa, a partir das medidas das funções cognitivas, obtiveram desempenho dentro da média esperada para sua faixa etária. Os dados são apresentados na Tabela 1.

 

 

Os resultados da validação semântica, pareceres dos juízes especialistas e back-translation, indicaram que não houve dificuldade de tradução dos itens da URICA, porém alguns ajustes foram feitos, no sentido de adequar as frases à língua portuguesa coloquial. A análise estatística descritiva encontrou uma concordância entre os juízes de 87,5% dos itens examinados, referente à primeira tradução da URICA. Utilizou-se o critério de decisão sobre pertinência do item conforme Pasquali (1998).

Com relação à consistência interna, a fidedignidade estimada, baseada no coeficiente de Cronbach, para a URICA - adaptação brasileira para drogas ilícitas, na escala de 24 itens, foi de a=0,657. Avaliou-se também a consistência interna para os 24 itens, distribuídos em quatro subescalas, apresentadas na Tabela 2.

 

 

 

O nível de prontidão para mudança também foi avaliado, obtido por meio da equação: contemplação (C) + ação (A) + manutenção (M) - pré-contemplação (PC) = escore de prontidão (EP). Ou seja, o nível de prontidão para mudança é obtido pela da soma dos escores da contemplação, ação e manutenção, subtraindo-se a pré-contemplação. Analisando as médias alcançadas pela amostra pôde-se observar que o nível de prontidão para mudança variou entre 12 e 83 pontos, tendo como média M=61 pontos.

A relação entre prontidão para mudança e diagnóstico de abuso ou dependência de drogas foi estabelecida. Os resultados dos diagnósticos de abuso ou dependência, identificados de acordo com entrevista baseada nos critérios de DSM-IV-TR, foram comparados, por meio da ANOVA, com as médias do nível de prontidão para mudança. Esses dados são apresentados na Tabela 3.

Outros fatores correlacionados foram a prontidão para mudança e tipo de tratamento. A amostra foi subdividida, conforme o tipo de tratamento realizado, em pacientes com atendimento ambulatorial e pacientes internados em instituições especializadas para tratamento de dependência química. As médias do nível de prontidão para mudança foram obtidas em ambos os grupos e comparadas, por meio da ANOVA. Na Tabela 4, esses achados são demonstrados.

 

 

A validação convergente apresentou resultados satisfatórios, pois foram encontradas correlações estatisticamente significativas entre a régua de prontidão e a subescala de contemplação (r=0,313; p=0,018) e entre a régua de prontidão (r=0,346; p=0,010) e a subescala da ação (r=0,588; p<0,05). Não foi estatisticamente significativa a correlação entre a Régua e as demais subes-calas ou entre a Régua e a URICA total.

O escore T foi calculado de acordo com a média e o desvio padrão, obtidos em cada subescala na amostra estudada. A tabela 5 ilustra a normatização brasileira da URICA para as drogas ilícitas.

 

 

Discussão

Neste estudo, foram avaliadas pessoas que utilizassem drogas ilícitas, sendo uma considerada como droga de eleição. A amostra estudada apresentou uso de maconha, cocaína, crack e solventes. O maior índice de abuso e dependência foi observado em relação à maconha, cocaína e crack, permanecendo o solvente como uma droga de uso mais esporádico.

Diante da amostra estudada, 139 sujeitos declararam não ter uma atividade profissional e 83 sujeitos possuíam ensino fundamental incompleto. Estes dados mostram os significativos prejuízos que o uso/abuso de substâncias psicoativas causa na vida das pessoas em todas as suas áreas: familiar, social, física, emocional e profissional. Outro dado relevante é o início precoce do uso de drogas ilícitas. A média de idade de iniciação de substâncias psicoativas variou de 14 a 19 anos, sendo a maconha [M=14,07 (n=116; DP=3,10)] a droga que os sujeitos utilizaram mais precocemente.

Em relação ao processo de adaptação e validação da URICA, a escala manteve, de forma geral, as condições avaliadas em outros estudos, capturando os diferentes níveis motivacionais na população estudada. Na construção do nome da versão final da URICA optou-se por conservar as iniciais do nome da escala em inglês, acrescentando-se "adaptação brasileira para drogas ilícitas", com o intuito de facilitar possíveis buscas em bases de dados.

Em relação à validade semântica a URICA - adaptação brasileira para drogas ilícitas demonstrou boa equivalência semântica e conceitual, conforme os resultados dos pareceres dos juízes especialistas e do brainstorming, sendo que todo o processo fundamentou-se nos estudos de Ciconelli (2003) e Pasquali (1998). O processo de validação semântica e adaptação brasileira da URICA para drogas ilícitas foi direcionado à população clínica (internada ou com atendimento ambulatorial), tendo como foco o tratamento para o uso de drogas.

A consistência interna da URICA - adaptação brasileira para drogas ilícitas medida pelo coeficiente de Cronbach foi satisfatória a partir de 24 itens selecionados. Ao serem comparados os resultados obtidos pelo coeficiente de fidedignidade de Cronbach para as quatro subescalas, observou-se que a escala total da adaptação brasileira apresentou consistência interna plenamente satisfatória. (Amodei & Lamb, 2004; Callaghan e colaboradores, 2005; Dozois, Westra, Collins, Fung & Garry, 2004; Hasler, Klaghofer & Buddeberg, 2003).

Alguns autores já vêm demonstrando a necessidade da elaboração de estudos comparativos entre a URICA e instrumentos convergentes (Sutton, 2001). Callaghan e colaboradores (2005) encontraram dados significativos de validade da URICA quando comparada aos resultados de algoritmos relacionados à intenção de mudar. A validade convergente da pontuação total das subescalas da URICA - adaptação brasileira para drogas ilícitas com a régua de prontidão demonstrou correlações satisfatórias: de baixa intensidade com a subescala de ação e, igualmente, de baixa intensidade com a subescala de contemplação. Deve-se lembrar que essas duas subescalas (estágios motivacionais) demonstram mais explicitamente a mudança de comportamento e a tomada de decisão em relação à modificação do comportamento-problema. Quanto maior a pontuação na régua de prontidão acredita-se que mais motivado o individuo está para modificar seu comportamento-problema. Diante dessas características, a presença de uma maior correlação entre a pontuação dessas subescalas e os resultados da régua de prontidão fica mais clara.

DiClemente, Schlundt e Gemmell (2004) afirmaram que diante da estrutura que os estágios motivacionais apresentam, avaliar a pessoa somente com o escore alcançado em cada subescala seria dissociar, erroneamente, o processo de mudança pela qual ela está passando. O autor refere que uma avaliação do nível de prontidão total dos indivíduos submetidos a tratamentos para dependência química seria mais adequada. Neste estudo o nível de prontidão foi avaliado e relacionado a duas variáveis: grau de envolvimento com a droga e tipo de tratamento recebido.

Por meio de uma análise de variância (ANOVA) pode-se observar que o nível de prontidão para mudança foi maior entre dependentes de maconha (M=62,14) do que em relação aos abusadores de maconha (M=57,37). Isso evidencia que os abusadores de maconha mostram-se menos motivados para mudança e menos conscientes de seu problema do que os indivíduos que apresentaram dependência para esta droga. A correlação entre o nível de prontidão para mudança e o uso de cocaína mostrou que tanto os abusadores (M=62,16) quanto os dependentes (M=67,07) de cocaína apresentaram níveis de motiva-ção acima da média da amostra (M=61), evidenciando diferenças de baixa intensidade (Callaghan e colaboradores, 2005; Stephens, Cellucci & Gregory, 2004).

O nível de prontidão para mudança também foi comparado ao tipo de tratamento recebido pelo cliente (atendimento ambulatorial ou internação). A análise de variância mostrou que as pessoas que se encontravam internadas (M=65,83) apresentaram um nível de prontidão significativamente maior do que aquelas que recebiam tratamento ambulatorial (M=54,19).

Outra análise realizada através do teste T foi a relação entre os escores das subescalas da URICA com o tipo de tratamento recebido pelo cliente (atendimento ambulatorial ou internação). Em relação aos resultados das subescalas, os sujeitos que se apresentavam internados demonstraram menor pontuação na pré-contemplação e maior pontuação nas demais subescalas, quando comparados aos pacientes que recebiam tratamento ambulatorial. Isso evidencia uma maior eficácia de tratamento de reclusão, no qual o paciente se concentra de forma mais pontual em seu comportamento-problema.

A elaboração das normas brasileiras da URICA foi realizada a partir da construção do escore T, calculado a partir das médias de desvios padrão da amostra estudada. Segundo DiClemente, Schlundt & Gemmell (2004), a normatização da URICA para substâncias psicoativas ilícitas é de extrema relevância, considerando que o comportamento dos usuários desse tipo de drogas diferencia-se do comportamento dos usuários de álcool ou tabaco. A normatização refere-se à capacidade de interpretar um escore que um sujeito recebeu em um teste (Pasquali, 1998). A transformação dos vários escores brutos da URICA em escores T permite essa correta interpretação a respeito do desempenho do cliente, em relação a sua idade ou em relação à idade e escolaridade de seus pares na amostra normativa. Os escores T da URICA - adaptação brasileira para drogas ilícitas apresentaram uma média de 50 e um desvio padrão de 5.

 

Conclusões

A URICA - adaptação brasileira para drogas ilícitas apresentou-se como um instrumento adequado para uso em pesquisas e na prática clínica, para avaliar os estágios motivacionais de indivíduos, baseada nos estágios de mudança do MTT.

Nesta pesquisa, utilizou-se a escala de 24 itens, uma vez que as propriedades psicométricas foram satisfatórias e similares a validações americanas. Também se deve considerar a aplicabilidade mais fácil, por tratar-se de uma escala mais breve, o que pode ser importante em nosso contexto brasileiro, onde a contenção de custos e tempo significa, na maioria das vezes, a possibilidade de se efetivar uma pesquisa e, assim, descobrir-se novos achados, como no exemplo desta pesquisa, no tratamento para usuários de substâncias psicoativas ilícitas.

Este estudo demonstrou que o auxílio no campo da dependência química, investigando o grau de motivação para mudança, pode minimizar, ao menos em parte, o índice de abandono de tratamentos e aumentar o nível de adesão.

Estudos acerca das propriedades psicométricas da URICA para comportamentos dependentes específicos ainda são escassos. A importância de pesquisar o construto do MTT ficou clara a partir da revisão de literatura, bem como dos resultados apresentados neste estudo. No entanto, salienta-se que esta pesquisa abre um universo de investigação acerca da avaliação do grau de prontidão para mudança em usuários de substâncias psicoativas ilícitas, sendo apenas uma pequeníssima parte do que deve ser descoberto dentre o meio científico evidenciando esse construto. O maior objetivo é a ampliação dos conhecimentos e maiores oportunidades, aos profissionais que trabalhem com dependentes químicos, de desenvolvimento de novas estratégias de prevenção e tratamento.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: grmarga@pucrs.br

Recebido em maio de 2007
Reformulado em abril de 2008
Aprovado em abril de 2008

 

 

Sobre as autoras:

* Karen Priscila Del Rio Szupszynski é psicóloga e mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, docente da Faculdade de Psicologia da UNINGÁ e coordenadora do Grupo de Estudos em Terapia Cognitiva de Maringá. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Intervenção Terapêutica Cognitivo-Comportamental e Entrevista Motivacional, atuando principalmente no estudo da prontidão para mudança, drogas ilícitas e comorbidades.
** Margareth da Silva Oliveira é doutora em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo, com aperfeiçoamento no Brazilian Cognitive Therapy Training Program pelo Beck Institute for Cognitive Therapy And Research. Atualmente, é professora adjunta da Faculdade de Psicologia e coordenadora do Grupo de Pesquisa Intervenções Cognitivas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS.

Agradecimentos ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS, ao Dr. Carlo Di Clemente, Dr. Eduardo Remor e à Capes.