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Psychê

versão impressa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.8 n.15 São Paulo dez. 2004

 

RESENHAS

 

 

Gisela Haddad1

Universidade São Marcos

Endereço para correspondência

 

 

ALONSO, Silvia Leonor; FUKS, Mario Pablo. Histeria. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. (Coleção Clínica Psicanalítica). 267p. ISBN 8573963433.

Escrever um livro sobre Histeria que faça parte de uma coleção psicanalítica poderia ser indevidamente apontado como um lugar comum. O engano seria duplo: tanto a coleção dirigida por Flavio Ferraz é muito bem cuidada, como esse livro surpreende por sua abrangência e rigor.

Ao final da leitura do trabalho de Mario Fuks e Silvia Alonso é difícil não se sentir capturado pela paixão com que ambos se debruçaram para trabalhar o tema. Paixão esta que deve ser destacada juntamente com outros elementos que tornam a leitura extremamente agradável. Refiro-me à consistência e à clareza de formulações conceituais, aliadas a uma visível experiência clínica. Para quem não os conhece, esta excelência deve-se aos longos anos que dedicaram ao ensino no Curso de Psicanálise do Sedes Sapientiae exercendo a função de professores, supervisores e autores de trabalhos teóricos.

Há um propósito claro em colocar os holofotes na importância dos estudos sobre a histeria, seja abordando sua história e acompanhando Freud em seus primeiros passos em direção ao que hoje chamamos de Psicanálise, seja apontando o fato da histeria informar sobre os valores, o ethos e o que deve ser censurado em cada época, destacando assim sua atualidade. E é para confirmar que a histeria continua atual e com novas cores pós-modernas que os auto-res voltaram-se para os textos de Freud, descrevendo a evolução de seu pensamento, seus questionamentos, suas mudanças de rumos, correções metapsicológicas e apurações no método. Como bem disseram, Histeria e Psicanálise nasceram juntas, e se Freud criou um espaço para escutar as histéricas em seu sofrimento, estas ofereceram seu corpo e sua fala para que ele descobrisse a psicanálise.

O enlace entre a histeria e a sexualidade, ou a histeria e o feminino, mereceu dos autores um espaço importante: desde a Antigüidade o termo histeria (que em grego significa útero) está ligado explícita ou implicitamente a uma e a outra. É com muita propriedade que estas questões são debatidas no livro, seja para reafirmar a estruturação da histeria no interior da sexualidade infantil, em seu intercruzamento com o Édipo e a fase fálica, seja para colocar em discussão as posições de Freud sobre a sexualidade feminina e as contribuições que novos autores e estudos trazem sobre o assunto.

A noção de recalque mereceu um capítulo, já que foi partindo da constatação de que as histéricas precisavam esquecer os motivos pelos quais sofriam suas dores que Freud intuiu o inconsciente e a possibilidade de estabelecer conexões importantes no psiquismo humano, fundando assim o método psicanalítico. Seguir a evolução desse conceito significa seguir praticamente toda a obra de Freud. Pode-se dizer que as histéricas em geral não percebem o erotismo que vem implícito em sua fala e gestos. Há um misto de sedução e ingenuidade permeado pelo recalque. Freud afirmará sempre que o que se recalca é da ordem do sexual. A histérica, dividida pela ação do recalque, fala tanto de sua defesa quanto de seu desejo.

Outro capítulo do livro fica dedicado ao corpo, palco das manifestações histéricas e portanto de fundamental importância desde Freud até os dias de hoje, confirmando a capacidade peculiar dos histéricos em utilizar o corpo para se comunicarem e se expressarem. Como bem destacam os autores, nas pacientes histéricas é o corpo que negocia por elas as questões que são incapazes de assumir, e por isso, por meio de uma boa mistura entre emoção, linguagem e gesto, provocam um impacto estético em seus interlocutores. O capítulo foca as discussões sobre o sintoma histérico e suas nuances teóricas.

No capítulo sobre a fase fálica os auto-res brindam os leitores com a possibilidade de acompanhar e discutir o desenvolvimento teórico do que constitui o âmago da construção dos sintomas histéricos. Édipo, reconhecimento das diferenças sexuais, castração, sexualidade feminina, narcisismo, escolha de objeto e papel do pai vão sendo apresentados em toda sua complexidade, à luz não só da conceituação freudiana, mas também de outros teóricos.

Outro tema complexo, as identificações – conceito que atravessa toda a obra de Freud para no final ganhar o estatuto estruturante no aparelho psíquico –, são assinaladas e debatidas em toda a sua variedade, até porque ocupam um lugar importante na formação dos sintomas histéricos. A identificação histérica se faz em uma situação de desejo, sendo importante destacar a necessidade da histérica em manter o desejo insatisfeito; ela está sempre às voltas com o enigma do desejo entre homens e mulheres. Esse tema é trazido pelos auto-res com muita acuidade clínica, discutindo inclusive as contribuições lacanianas.

A inserção de um capítulo dedicado à histeria masculina abre um espaço pouco comum na literatura psicanalítica. Em geral há resistência entre os homens em aceitarem que possam ser histéricos, por a histeria estar ainda muito identificada com as mulheres. Ao apontar as diferenças importantes entre a sintomatologia masculina e feminina, ou explicar essas diferenças à luz da metapsicologia, o leitor ver-se-á remetido às suas próprias questões clínicas, e muito provavelmente alguns de seus pacientes surgirão em sua memória.

Dando prosseguimento ao objetivo dos autores em percorrer a clínica da histeria, em dois capítulos aventuram-se a discutir suas fronteiras com a psicose e a depressão. É assim que podemos também debruçar-nos sobre a história da psiquiatria clínica, seus diagnósticos, psicofármacos e seu afastamento da psicanálise ou entrosamento com ela (e a histeria), de acordo com a cultura da época.

De Freud a nossos dias as discussões sobre o entendimento das neuroses, a visão dos diferentes autores, e a ênfase em aspectos que são valorizados, inclusive por diferenças culturais, mostram-nos como a histeria pode vir a ser estudada a partir de alguns aspectos que são destacados em sua diversidade, e portanto assumir roupagens aparentemente diferentes.

Assim é que alguns autores apontam a luta das histéricas em fazer triunfar o amor sobre o ódio e o tédio, enquanto outros destacam seu ressentimento e hostilidade. De qualquer maneira, é importante ressaltar que “a histeria se institui em um espaço de saber sobre a sexualidade, sobre o corpo e sobre o feminino”, saber este que muda com o tempo.

Em nosso momento histórico as histerias, graças à globalização e à conseqüente rapidez com que é difundo o que se vive, tomam formas de epidemias psíquicas e entram em cena com síndromes de pânico, fadiga crônica, anorexias e bulimias, personalidades múltiplas e fibromialgias. Ao expressarem seu sofrimento pelo discurso operante em seu meio, os histéricos querem se fazer escutar.

Seria o desejo feminino um desejo histérico?

Esta pergunta justifica as discussões levantadas no último capítulo do livro, no qual coloca-se em foco a tão controversa questão da sexualidade feminina, seus destinos e sua dependência à dimensão histórica das metas do ideal do eu individual ou coletivo. Estaria a mulher fadada a recalcar sua sexualidade tornando-se histérica, ou seria possível um caminho em que o erotismo feminino permitiria a circulação do desejo e o livre curso do jogo amoroso?

A complexidade do tema dá lugar a uma gratificante viagem que se faz com a autora (este capítulo é parte de um livro sobre sexualidade feminina e foi escrito por Silvia Alonso), em que são levantadas e discutidas questões tão caras a nós, mulheres.

Resenhar um bom livro é uma tarefa difícil por exigir de quem a faz uma certa resignação na escolha de alguns pontos em detrimento de outros. A diversidade e a abrangência teórica e clínica dos estudos sobre a histeria estão distribuídos de forma concisa e consistente, convidando os leitores a partilharem com os autores suas reflexões e questões.

 

 

Endereço para correspondência
Gisela Haddad
E-mail: gishaddad@yahoo.com

 

 

1 Psicóloga; Especialização em Psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientiae; Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade São Marcos (Linha de Pesquisa Constituição do Sujeito na Família e Clínica).