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Psychê

versão impressa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.9 n.16 São Paulo dez. 2005

 

EDITORIAL

 

Ana Cecilia Carvalho

Há mais de sete décadas, em 1929, em meio às grandes discussões sobre a sexualidade feminina que na época animavam os grupos psicanalíticos, a psicanalista inglesa Joan Riviere escreveu um precioso artigo intitulado Womanliness as a masquerade. Tendo feito sua primeira análise com Ernest Jones, e em seguida uma outra com Freud, Riviere tinha 46 anos. Seu conhecimento perfeito dos idiomas alemão e inglês e seu gosto pela literatura permitiriam que anos mais tarde ela integrasse o comitê encarregado de realizar o glossário terminológico da tradução das Obras Completas de Freud, coordenada por James Strachey.

Publicado em 1929 no International Journal of Psychoanalysis, esse belo texto, cujo título em português é A feminilidade como máscara – em parte autobiográfico, segundo Elisabeth Roudinesco e Michel Plon –, viria a se tornar um trabalho clássico, e referência indispensável sobre o tema da feminilidade. Baseando-se no caso clínico de uma mulher casada, mãe de família e profissional de sucesso, que sofre de angústia de reconhecimento após as exposições públicas que é obrigada a fazer em seu trabalho, Riviere tece considerações importantes cujos ecos nunca deixariam de se fazer sentir, ajudando a manter sempre novas as teses lançadas nesse texto. Para Riviere (diante de quem Ernest Jones confessava sentir-se diminuído e sobre quem S. Freud observaria ser alguém que não suportava elogios nem aceitava falhas, protestos ou rejeição), a feminilidade é uma máscara com a qual a mulher tenta esconder seu poder e disfarçar sua angústia. Em suma, não existiria uma diferença entre a feminilidade genuína e a máscara.

Curiosamente, embora tenha conquistado seu lugar no cânone da literatura psicanalítica mundial, esse artigo permaneceu praticamente desconhecido do público brasileiro, que durante anos, para citá-lo, viu-se obrigado a confiar em fontes secundárias. Portanto, é motivo de enorme alegria para nós, do Corpo Editorial da Revista Psychê, oferecermos pela primeira vez aos nossos leitores a tradução para o português, neste número 16, de A feminilidade como máscara.

Acreditamos que esta publicação não apenas suprirá definitivamente uma lacuna no campo da pesquisa bibliográfica em psicanálise, como também ajudará a esclarecer as indesejáveis imprecisões e corrigir as apropriações indevidas, para que o leitor e o pesquisador possam, afinal, comparar as diferenças entre as conhecidas formulações de Lacan sobre a inexistência da mulher (contidas na afirmação de que “a mulher não existe”) e as considerações originalíssimas de Riviere sobre a feminilidade como máscara.

Além desse artigo, neste número estão reunidos mais onze trabalhos que apresentam contribuições substanciais ao campo da psicanálise, sob diferentes enfoques teóricos e clínicos. Em uma parte desses textos, os autores retomam e desenvolvem temas importantes como a metapsicologia da fruição estética; o lugar da literatura na constituição da clínica psicanalítica em Freud; a psicanálise e o futuro da civilização moderna; os mitos familiares e a transmissão psíquica transgeracional; a origem e a incidência dos conceitos de alienação e caráter. Um outro grupo de artigos focaliza a especificidade da escuta em psicanálise e os limites da tarefa psicanalítica, para problematizá­los na abordagem dos chamados estados limites e na clínica das psicoses.

Contribuir para que o pesquisador em psicanálise possa fazer suas comparações e aprofundar sua visão crítica é, portanto, o que pretendemos neste número de Psychê. Esta publicação é coerente com nosso projeto editorial, que visa a manter sempre aberto o espaço para o debate vivo entre as inúmeras perspectivas teórico-clínicas no pensamento psicanalítico contemporâneo.

 

Ana Cecilia Carvalho

Psicanalista; Doutora em Literatura Comparada (UFMG); Professora Adjunta no Departamento de Psicologia da FAFICH-UFMG.
e-mail: anneoakwood@yahoo.com.br