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Psychê

versão impressa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.10 n.18 São Paulo set. 2006

 

ARTIGOS

 

Reflexões sobre o enquadre no acompanhamento terapêutico

 

Reflections on therapeutic accompaniment setting

 

 

Hailton Yagiu1

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A intenção deste artigo é refletir a partir de uma situação prática sobre a questão da regra de abstinência e do enquadre no acompanhamento terapêutico, contando para isso com as reflexões e conceitualizações feitas por outros autores, e a partir destas propor um ponto de vista de como um enquadre pode ser estabelecido nesta pratica.

Palavras-chave: Acompanhamento terapêutico, Psicanálise, Regra de abstinência, Enquadre, Clínica.


ABSTRACT

This paper intends to reflect from a practical situation on the question of the rule of abstinence and the setting in the therapeutic accompaniment, using reflections and conceptualizations made by other authors, and from these suggests a viewpoint about how the setting can be created in this practice.

Keywords: Therapeutic accompaniment, Psychoanalysis, Abstinence rule, Setting, Clinic.


 

 

“Quando se trabalha com os outros, percebemos a necessidade de sermos pacientes, de conceder aos outros o tempo e o espaço que necessitam para chegar a sua própria compreensão da bondade e da condição de guerreiros. Se nos desesperamos e tratamos de impor a alguém a bondade fundamental somente conseguiremos aumentar o caos. Ao nos darmos conta disso, nos tornamos extremamente humildes e pacientes no trabalho com os demais. Deixamos que as coisas assumam sua própria forma a seu devido tempo. Paciência é, pois, brindar continuamente aos demais com uma atitude carinhosa que não desespera. Jamais deixamos de crer na bondade fundamental do próximo, na sua capacidade de atualizar o momento e o sagrado, de chegar a ser um guerreiro no mundo”
(Trungpa, 1984, p. 185).

 

O espaço da clínica

Quando falamos do espaço na prática da clinica, remetemo-nos ao tema de suas fronteiras, e conseqüentemente, à questão do enquadre. Mas quando a prática sai dos moldes do consultório e passa a ser exercida nos espaços da cidade, como no caso do acompanhamento terapêutico, não basta que se lhe adaptem as fronteiras do consultório, um outro enquadre fazse necessário. Na prática, a questão do enquadre é importante na medida em que traça os limites aquém dos quais uma atividade pode ser terapêutica, e além dos quais ela deixa de sê-la; e se estas fronteiras tornam-se móveis, o que acontece é que tanto o profissional como seu paciente perdem aquilo que em um consultório lhes protege das influências nocivas a tal atividade.

No acompanhamento terapêutico freqüentemente encontramo-nos frente a diferentes situações que colocam em questão os limites, e dependendo do manejo os efeitos podem ser desastrosos ou construtivos. Pretendo, a partir de um recorte da prática, abordar a questão da regra de abstinência; em seguida, com um olhar analítico, tematizá-la e propor que deixe de ser um código fixo de conduta para o acompanhante e passe a ser plástica, tal qual muitas vezes essa prática nos solicita; e finalmente, abordar a questão do enquadre e sua construção.

 

Ecos de um acompanhamento

Libris tem uma história conturbada; originário de uma família tradicional, diz que nasceu para salvar um casamento em ruínas; sua mãe teria dito que engravidara para evitar uma separação, mas seus pais acabariam por se separar em sua adolescência. Com a separação, sua mãe perdeu a guarda dos três filhos por ser alcoólatra, então seu pai o levou, juntamente com seus dois irmãos, para a casa da avó paterna, que passou a criá-los, morando juntos com os avós. Nessa época ele começou a ter uma forte ligação com seu avô.

Em sua infância Libris foi expulso de várias escolas por seu comportamento rebelde e manipulador, que o levava, entre outras coisas, a organizar os colegas contra o regime das escolas. Na adolescência sentiu-se atraído por um amigo da escola, e temendo a reação de seu pai, extremamente rigoroso e machista, tentou o suicídio, mas fracassou na tentativa; então resolveu revelar ao seu pai sua opção sexual. Mais tarde, ainda na adolescência, ouviu do pai que ele seria o único filho com quem aquele não teria que se preocupar, pois diferente de seus irmãos, Libris destacava-se pela inteligência e iniciativa. Conseguiu terminar o colegial e entrar no curso de psicologia em uma faculdade, mas se afastou e depois abandonou sem chegar a cursar o primeiro ano.

Libris conta que viveu experiências inesquecíveis de “perda do chão”; a primeira aconteceu logo depois da morte de seu avô, quando passou a se sentir inseguro dentro da própria casa, então saiu e foi morar com um companheiro com quem mantinha relacionamento na época. Depois de cerca de um ano, rompeu o relacionamento e envolveu-se com uma pessoa mais velha; tempos depois terminou o relacionamento porque seu companheiro foi morar fora do país sem demonstrar interesse em levá-lo. Nesse momento Libris diz ter perdido o chão pela segunda vez. Depois disso teve alguns relacionamentos duradouros, mas foi perdendo ainda na juventude todos os amigos mais próximos, vítimas de mortes prematuras, e em seu trajeto descobriu o mundo das drogas.

Rotulado pela família de homossexual e de adicto, como sua falecida mãe, Libris não conseguiu se adaptar e se manter em trabalho nenhum, e seu pai não queria que fosse morar com a nova família que constituiu. Passou então a morar com a ajuda financeira do pai em um bairro próximo ao centro da cidade, conhecido por ter muitas casas transformadas em pensões, passando a ser expulso delas por apresentar novamente comportamento inadequado. Nessa fase passou também por algumas internações devido aos acidentes que sofria por estar embriagado, e na mais recente foi internado a um passo de um coma alcoólico, pois ficara dias sem comer, apenas bebendo. Nessa situação sou chamado a acompanhá-lo. Na época, além do acompanhamento terapêutico, Libris tinha acompanhamento psiquiátrico e freqüentava um hospital-dia onde participava de atividades como terapia ocupacional, terapia em grupo, individual e de família.

Passados alguns meses de acompanhamento, Libris encontrava-se em uma situação delicada; necessitava de um comprovante de residência para a renovação do documento que lhe garante alguns benefícios. A obtenção de uma simples conta de luz, telefone ou água transformava-se para ele em um grande problema, e começava a ficar paranóico e a levantar suas hipóteses: o proprietário da pensão onde ele mora não vai com a sua cara, logo não lhe fornecerá comprovante nenhum; seu pai desconfia da retidão de suas ações e intenções e não quer marginais batendo na porta de sua casa, portanto também não vai fornecer o tal comprovante.

Temendo perder o prazo de renovação de seu benefício, Libris não sabe o que fazer, pois se perdê-lo passará a ter inúmeros problemas, sendo inclusive impedido de levar adiante seus projetos de trabalho. Esta questão surge durante um acompanhamento, no qual ele contou a versão relatada acima, acrescentando que havia pensado em uma solução. Permaneci em silêncio ouvindo suas conjecturas, tendo pensado no acompanhante como a solução de seu problema – “pensei que você poderia me emprestar um comprovante de endereço, porque dos outros você sabe que eu não vou conseguir”, diz em tom meditativo.

Permaneci na mesma postura, e Libris ao perceber o silêncio, acrescentou: “não sei se você é contra, sei lá... Cada acompanhante tem uma postura diferente...”. Frente a essa inédita solicitação, não sabia bem o que fazer; durante instantes fiquei estático, algumas cenas começaram a passar em minha mente, como flashs: as últimas conversas entre os acompanhantes sobre o tema, supervisões, aulas de cursos. Aos poucos consegui vislumbrar que meu paciente estaria vivendo esse momento de enorme insegurança, em que o mundo flutuando parecia bailar a sua volta.

 

Ressonâncias de um incômodo

Ao término do acompanhamento fui para casa, mas naquele dia levei comigo um leve incômodo, uma sensação de ter cometido uma falha, de não ter sido capaz de impor certos limites. Ao verificar a necessidade do estabelecimento de alguns limites, que eu julgava ser o grande nó da questão, fui levado a perceber que se tratava antes de descobrir o que motivara tal atitude; de minha parte, a única pista que tinha em mente era o impulso de tentar resolver concretamente os problemas, de trazer para o campo da realidade questões do campo simbólico.

Analisando com mais cuidado o acontecido, pude perceber que transferencialmente eu fora colocado em um lugar paterno – na verdade o desejo de Libris era o de poder solicitar a seu pai uma conta e obter dele a resposta. Do lugar onde fui colocado e me coloquei, algumas opções de resposta eram possíveis: eu poderia ter lhe explicado que esta era uma relação terapêutica, e assim sendo não me cabia esse tipo de atitude; apontar que seu desejo era o de pedir ao pai, e que na verdade o pedido não estava sendo dirigido a mim; e finalmente, fornecer a conta. Se nomearmos essa seqüência, teremos: a interpretação na transferência, da transferência, e um ato analítico respectivamente, todas elas fazendo parte de uma estratégia terapêutica para aquele paciente.

Descobri mais tarde, sobre o divã, que meu desejo, ao deslizar por entre as minhas questões com a paternidade, pegou carona na situação concreta e moveu minha ação, com isto mostrando que o desejo permeia nossa prática, mesmo que não o saibamos.

Situado nesse contexto, e tendo como pano de fundo a questão da confiança e da segurança que Libris raras vezes pudera experimentar, julguei ser necessário responder afirmativamente à solicitação e concordei em lhe emprestar uma conta – uma conta em meu nome para que ele, então, pudesse comprovar seu endereço. De imediato a situação se invertera, se Libris estava perseguido pela idéia de que não conseguiria uma conta, agora era eu quem estava perseguido pela idéia de qual seriam as conseqüências de minha atitude, tanto em nível mais concreto, quanto terapêutico.

À medida que fui desenvolvendo meu raciocínio a partir desse ato, uma questão foi surgindo: quando e a partir de quais critérios, de um lugar terapêutico, podemos atender a solicitação de um paciente? E se isso acontece, quais as conseqüências? Estas questões, incluídas em uma mais ampla, de como se constituiria nesses casos o enquadre?

Para a psicanálise tais questões dizem respeito ao que Freud denominou de regra de abstinência, existindo diferentes pontos de vista, que variam conforme os contextos em que foram elaborados. Para citar dois exemplos: baseado em sua experiência com neuróticos, para Freud, conforme a natureza do caso e a peculiaridade do paciente, seria necessário que se lhe consentisse algo, no entanto, não deveríamos consentir demasiadamente, pois o terapeuta que propiciasse a seu paciente tudo o que ele acha que este teria direito, estaria cometendo o mesmo erro que cometem aqueles que, ao tornarem o entorno do paciente tão agradável, permitem que este se refugie das provações da vida, pois neste local estaria protegido das frustrações. Já Winnicott, baseando-se em sua experiência com pacientes graves, diz que em determinados casos, o manejo do enquadre requer que a regra de abstinência seja violada, casos nos quais uma intervenção terapêutica tem como objetivo restabelecer a confiança do paciente em seu ambiente, ao lhe proporcionar a adaptação ambiental que ficou faltando em seu desenvolvimento, e sem o qual ele não teria outra solução senão repetir e aperfeiçoar seus mecanismos de defesa. Ao se proteger da constante ameaça de um aniquilamento já produzido, o paciente estaria totalmente privado da possibilidade de criar, pois esta depende da confiança em um relacionamento seguro.

Vemo-nos frente a um tema com diferentes pontos de vista; freqüentemente na prática do acompanhamento terapêutico estamos às voltas com situações em que a prática questiona a teoria, momentos em que ficamos às vezes sem saber o que fazer, e a despeito disso temos que tomar uma posição. Para avançar em nossa questão vamos recorrer a um artigo que analisa o funcionamento mental do analista em sua prática, e no qual serão baseados os próximos parágrafos.

Figueira (1992) afirma que se dissecássemos a mente de um analista descobriríamos que entre o que ele ouve e a sua interpretação há um superego técnico analítico, cuja função é a de observar e controlar o ego analítico enquanto o psicanalista trabalha, ilustrando como e porque ele se formaria, e os problemas que daí surgem. Segundo esse autor, o superego técnico analítico varia conforme a estrutura e o funcionamento de cada profissional, mas teria em todos eles uma relação com o superego técnico analítico originário, codificado por Freud no contexto dos primórdios da psicanálise, quando ainda corria o risco de ser desqualificada, por causa da possibilidade de alguns acidentes devidos ao desconhecimento da teoria, mas também da interferência das características pessoais do analista em sua prática. Para o primeiro caso, a recomendação era a de que se estudasse cuidadosamente a teoria; e para o segundo, Freud pensou em controlar essas interferências indesejáveis que poderiam surgir na mente do analista, ou seja, ele propunha colocar limites no ego do analista, e isto seria feito, no jargão analítico, por uma instância superegóica introjetada.

Esta foi a forma de Freud garantir minimamente a ocorrência de acidentes em seu métier devido às influencias da personalidade do psicanalista, no tempo em que ainda não existia a analise de formação. Mas Freud alertava que

por outra parte, faço bem ao apresentá-las como alguns conselhos e não pretender que elas sejam incondicionalmente obrigatórias. A extraordinária diversidade das constelações psíquicas intervenientes, a plasticidade de todos os processos anímicos e a riqueza dos fatores determinantes se opõem, por certo, a uma mecanização da técnica, e tornam possível que as vezes um procedimento legitimo não produza efeito em algumas ocasiões, enquanto que outro habitualmente considerado errôneo atinja em algum caso a meta (1913, p 125).

Segundo Figueira, com esses conselhos Freud pretendia que seu leitor se identificasse com ele, introjetasse as orientações e as tornasse parte de seus superegos, de forma a controlar as interferências indesejáveis que pudessem agir em suas mentes. Mas com isso também provocava o surgimento de sentimentos de culpa, quando se percebe que esses conselhos foram violados, e seja gerada uma insegurança, se o principiante ousar ir além desses parâmetros. Segundo o mesmo autor, os conselhos técnicos de Freud levam de forma geral à formação de um superego técnico psicanalítico, e fazem com que o analista controle suas emoções e afaste os sentimentos que poderiam levá-lo às imprecisões técnicas que acabariam por comprometer a validade da psicanálise. O que não deixa de ser um problema para quem trabalha efetivamente com emoções.

Nesse mesmo artigo, Figueira afirma que Ferenczi postulava que o funcionamento mental dos analistas não poderia ser controlado da forma como Freud propunha; em sua concepção, o trabalho psíquico do psicanalista seria bastante complexo e envolveria diferentes atividades, tratando-se de

deixarmos agirem sobre nós as associações livres dos pacientes e ao mesmo tempo deixarmos a nossa fantasia jogar com este material associativo; no meio tempo, comparamos as novas conexões com os resultados anteriores da análise, sem deixar, nem por um instante, de levar em conta e criticar nossas tendências próprias (Ferenczi, s/d, p. 308).

Desta forma, Ferenczi nos revela um outro aspecto da questão, o da valorização das emoções e fantasias que surgiriam no contato com a fala do paciente, e mostra-nos como poderíamos utilizá-las com fins terapêuticos, ao propor a utilização do que ele chama de tato, que seria a

faculdade de “sentir com”. Se conseguirmos, com a ajuda de nosso saber, tirado da dissecção de muitos psiquismos humanos, mas sobretudo da dissecção de nosso eu, se conseguirmos, então, tornar presentes as associações possíveis ou prováveis do paciente, associações que ele ainda não percebe, poderemos – não tendo, como ele, que lutar com resistências – adivinhar seus pensamentos retidos, mas também suas tendências inconscientes (p. 303).

Ao autorizar o analista a utilizar-se de suas emoções como mais um instrumento de trabalho, Ferenczi propõe uma ampliação desse espaço mental e enfatiza o conhecimento de seus próprios mecanismos psíquicos, ou seja, a importância da análise do analista. Em outras palavras, segundo o conceito formulado por esse autor, podemos dizer que o tato seria algo que nos permite levar em conta e perceber o outro, e em especial suas emoções. Por meio do tato podemos perceber o que o outro tem a nos dizer, tanto dos aspectos já conhecidos, quanto dos que ainda lhe são desconhecidos, e estão em vias de serem tornados conscientes.

No acompanhamento terapêutico é fundamental esta capacidade de ser um corpo de ressonância do mundo emocional do acompanhado; poder ocupar o lugar onde se é transferencialmente colocado; poder suportar esse lugar e os afetos que nos são dirigidos, para então poder responder com alguma atitude terapêutica, e isso é possível por meio desse atributo denominado tato; não se tratando, portanto, apenas de uma questão de técnica, mas de um atributo que se adquire na e com a prática, refinado pelas supervisões e pela análise pessoal, e que nos capacita a escutar as singularidades em jogo.

Passando para a outra questão que colocamos, a do enquadre, basearnos-emos em um texto no qual Nogueira afirma que, em se tratando da construção de um enquadre, devemos, dentro de nossos estilos próprios, ter o cuidado para que ele “não seja apenas um elemento opressor construído de fora para dentro” (1993, p. 92-3). Segundo o autor, um enquadre

não se adota, ele se constrói, e deve ser um conjunto de elementos, propiciadores do trabalho analítico, resultantes de um processo evolutivo de libertação, e não apenas de uma adoção rígida de regras e cânones restritivos. Aqui devemos encontrar os caminhos da liberdade de execução de nossa tarefa, de modo que ela se imponha não como um elemento de medo, mas como um elemento de amor, não como uma rejeição, mas como uma forma de acolhimento da pessoa que a está realizando (p. 92-3).

Se aproximarmos essa teorização à nossa prática, podemos dizer que as teorias deveriam ser apropriadas e utilizadas de forma que elas nos deixassem livres para que pudéssemos, de forma amorosa e acolhedora, perceber e criar as condições que propiciem a realização do trabalho, ou seja, um enquadre que possibilite e favoreça a criação de um espaço em que o acompanhado se sinta confortável para falar, o que revela o poder de produção que possui um enquadre adequado.

Se o acompanhante consegue estabelecer uma distância ideal para com o acompanhado, e de ambos com o meio que os circunda, de forma a reduzir os ruídos, ele pode criar um enquadre tal que possibilite a criação de um espaço de fala, a partir do qual seria possível perceber a capacidade do acompanhado de aproveitar da própria situação, e de colocar em cena seu mundo psíquico, e que levaria à promoção da saúde. Parodiando Winnicott, poderíamos dizer que este seria um “enquadre suficientemente bom”.

O fato de o acompanhante se utilizar em sua prática das experiências advindas de sua formação, torna possível que se diga que no acompanhamento terapêutico o enquadre pode ser constituído pela soma da parte estrutural, a cidade e seus elementos, mais a condição mental do acompanhante; ou seja, nessa prática específica, o enquadre possuiria um aspecto prático que é constituído ao longo de nossas experiências e que propicia condições de trabalho em locais e situações adversas.

Para concluir, penso que violar uma determinada regra de conduta em uma situação específica e adotar uma conduta terapeuticamente adequada dependerá da forma como cada um de nós, por meio da transferência, utiliza o tato de maneira amorosa e acolhedora; a maneira como cada um de nós introjeta e cria os critérios com os quais irá estabelecer as próprias regras de conduta é dada por sua transferência com o triplo modelo da formação – teórica, prática e da análise pessoal –, e as conseqüências de sua conduta só serão percebidas a posteriori.

Ao aprofundar algumas anotações que tinha feito para a confecção deste texto, descobri com certa surpresa que a idéia de um saber prático adquirido por meio da experiência, e que exige uma grande capacidade de observação, memória e senso de oportunidade, era denominada pelos antigos gregos de techné (técnica); e que eles davam a um determinado conjunto das techné, dentre as quais a medicina fazia parte, o nome de métis, que seria a inteligência prática, que depende da habilidade ou da capacidade de quem a exerce. As principais características da métis seriam: o golpe de vista, perceber instantaneamente o que é essencial e o que não é; o expediente, capacidade de encontrar rapidamente uma solução inesperada ou resolver uma dificuldade de modo astuto e sutil; e sobretudo, o senso de oportunidade, ou kairós, que seria a percepção do momento oportuno para realizar a ação, que a medicina grega denomina crise, no qual a doença pode ser curada (Chauí, 1994, p. 1167). Esfreguei os olhos... Não poderiam ser estes alguns dos atributos de um acompanhante terapêutico?

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência
Hailton Yagiu
Rua Harmonia, 1088 – 05435-001 – Vila Madalena – São Paulo/SP
tel.: (11) 9222-000
E-mail: hyagiu@yahoo.co

Recebido em 15/04/06
Aprovado em 01/06/06

 

 

1Psicanalista; Acompanhante Terapêutico do Instituto “A Casa”; Participa do Programa de Esquizofrenia/PROESQ e do Laboratório Interdisciplinar de Neurociência e Cognição/ LiNC (UNIFESP-EPM).