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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.12 n.23 São Paulo dez. 2007

 

EDITORIAL

 

A Morte da clínica. Estaríamos certamente mais inclinados a escrever nos dias que correm, passados 45 anos da publicação do livro de Michel Foucault O nascimento da clínica. Se o selo distintivo da clínica moderna, segundo esse autor, é o colóquio singular entre médico e paciente, a construção de um saber sobre a individualidade, é legítimo pensarmos que esse dispositivo está em vias de extinção.

De fato, se o tempo das primeiras consultas médicas e a prática do exame clínico encolhem cada vez mais é porque é preciso esperar que os laboratórios digam a verdade. Haveria ainda assim um saber sobre a individualidade, sem dúvida, afinal o sangue examinado é de uma pessoa, mas podemos dizer o mesmo sobre o colóquio singular?

Há que ter precaução com o que o paciente diz sobre sua própria dor. Ele pode ser um bom informante, mas também pode se equivocar. De qualquer modo, jamais comparável ao que diz o laboratório. Na dúvida, para que coloquiar? Afinal, a dor que ele pensa ser no rim – porque acredita ser a mesma que o pai e o avô tiveram um dia – revela-se, pela ressonância, ser causada pela vesícula.

Mas se no binômio clínica médica o termo clínica recua, é porque o termo médica avança. A medicina científica persegue objetivos indiciados pelas pesquisas e o progresso do conhecimento racional das doenças segue independentemente dos apelos singulares dos doentes. Seu impulso obedece outras regras que as da urgência social.

É por isso que de tempos em tempos é necessário que um comitê de ética intervenha pra avaliar se dado achado médico-científico serve ou não para a humanidade.

A ciência trabalha com a paixão pela ordem, enquanto a clínica lida com a inteligência da desordem. É por isso que a clínica tende ao estilo, ao passo que a ciência dirige-se ao padrão.

A Psicanálise segue sendo, provavelmente, o último baluarte do dispositivo clínico no contemporâneo, na medida em que permanece atrelando seu desenvolvimento teórico às urgências do mal-estar da civilização, submetendo a paixão pela ordem e a criação do padr ão ao inclinar-se (origem etimológica do termo clínica) sobre a desordem.

Mas há mais ainda! Os gregos conservavam amplitudes diferentes para os termos iátrico, específico para os males do corpo, e o termo terapêutico, com um sentido bem mais amplo, abrangendo os males do corpo e da alma.

Tudo se passa, nos dias de hoje, como se pretendêssemos reduzir todos os males a males do corpo, como atestou o Ato médico, projeto político apresentado ao congresso, que pretendia submeter todas as terapêuticas ao controle médico, sob o pretexto de que só quem é formado no conhecimento dos males do corpo saberia julgar o que é um bom caminho terapêutico.

O leitor encontrará reunidos no dossiê deste número da Estilos: Terapêutica e os Estilos da clínica, textos que testemunham, de certo modo e inspirados na psicanálise, um resgate da amplitude do termo terapêutico, seguindo a inspiração de Freud que sempre lutou pra impedir a Psicanálise de ser reduzida aos limites da prática médica. Em diversos campos – tais como a escola, o atendimento psicossocial a crianças abusadas, a prática da terapia ocupacional, a prática da intervenção precoce e outros – será possível ler com proveito os efeitos que uma experiência atravessada pela psicanálise pode comportar de restaurador do sentido amplo do termo terapêutico.

Tudo isso, mais uma vez por fidelidade à vocação desta revista, respeitando os estilos que mostram como em cada uma dessas experiências o sujeito aparece.

Rinaldo Voltolini

 

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