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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.13 n.25 São Paulo dez. 2008

 

DOSSIÊ: ESCRITAS II

 

A singularidade do erro ortográfico nas manifestações d'alíngua

 

The singularity of orthographic error in the manifestations of lalangue

 

La singularidad del error ortográfico en las manifestaciones de lalengua

 

 

Eduardo CalilI; Cristina FelipetoII

IDocente da Universidade Federal de Alagoas. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
IIDocente da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Ensino, Texto e Criação (ET&C)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Discute-se neste trabalho a questão da singularidade a partir da presença de erros ortográficos em texto produzido por alunos da 1ª série do ensino fundamental. Mantém-se referência ao constructo teórico do Interacionismo em aquisição de linguagem, campo que, a partir de um encontro com a psicanálise lacaniana, considera que há um real da língua e um sujeito efeito de linguagem. Procura-se sustentar a supremacia do significante no sujeito, fato em que Lacan muito insistiu ao longo de seu ensino. Os significantes articulam-se através dos operadores metafórico e metonímico até que a linguagem, por meio desse funcionamento, possa fazer deles um equívoco.

Descritores: singularidade; erro ortográfico; significante; operadores metafórico e metonímico; alíngua.


ABSTRACT

This paper discusses the question of singularity based on orthographic errors in texts produced by children at the elementary school. We make reference to the Interactionism on language acquisition which considers, making use of Lacanian theory, the existence of a real of language and a speaker which is effect of language. This view asserts the supremacy of the signifier over the speaker, a fact Lacan insisted on. The signifiers articulate themselves through metaphorical and metonymical operators until language makes mistake.

Index terms: singularity; orthographic errors; signifier; metaphorical and metonymical operators; lalangue.


RESUMEN

Se discute en este trabajo la cuestión de la singularidad a partir de la presencia de errores ortográficos en textos producidos por alumnos del 1er grado de la enseñaza primaria. Se mantiene referencia al constructo teórico del Interacionismo en adquisición del lenguaje, terreno en el que, a partir de un encuentro con el psicoanálisis lacaniana, considera que hay un real de la lengua y un sujeto que es efecto de lenguaje. Se busca sustentar la supremacía del significante en el sujeto, cuestión que Lacan insistió mucho a lo largo de su enseñanza. Los significantes se articulan através de los operadores metafórico y metonímico haciendo con que en el funcionamiento de la lengua se imponga un equívoco.

Palabras clave: singularidad; errores ortográficos; significantes; operadores metafórico y metonímico, lalengua.


 

 

É esse o efeito necessário das homofonias que há e da metalinguagem que não há: nenhum ser falante pode vangloriar-se de ter o domínio dos ecos multiplicados de seu dizer. É, pois, igualmente como Um a menos e Um a mais que o real insiste nas redes de alíngua, como convém ao que, por si, não resulta nem da conta imaginária, nem do cálculo simbólico.
(Jean-Claude Milner, 2006)

 

Introdução

O presente estudo está inserido em um conjunto de reflexões que entende o manuscrito escolar e a relação do aluno com seu próprio escrito como lugar material de emergência do singular, apesar da demanda de homogeneização inerente à prática escolar. Ao afirmarmos nosso engajamento com essa dimensão, tocamos em algo menos preciso do que a aparente simplicidade que o termo "singular" possa evocar1. De que se faz o singular? Qual a sua natureza perante aquilo que o aluno escreve? De que modo se reconhece o que estaria indiciando a posição subjetiva daquele que escreve para, a partir de então, identificar marcas de singularidade?

Um manuscrito escolar, mesmo envolvendo uma intensa rede de relações lingüísticas e discursivas (sintáticas, semânticas, morfológicas, ortográficas, gráficas, pragmáticas, textuais), é comumente seccionado em função do objetivo de estudo pretendido. Propomos, então, tratar o problema da singularidade de um ponto preciso, a saber, do erro ortográfico. Essa pontuação, ou melhor, essa articulação entre singularidade e ortografia encontra respaldo teórico no encontro dos estudos em aquisição de linguagem com a psicanálise lacaniana.

 

A ortografia e sua aquisição em questão

A aquisição da ortografia tem sido discutida por estudos centrados, prioritariamente, sobre os processos mentais cognitivos e as habilidades de percepção e memorização. Esses estudos procuram explicar a aprendizagem das formas escritas convencionais, apresentando uma importante e extensa descrição dos tipos de erros ortográficos produzidos por escolares de diferentes faixas etárias e níveis sociais (Moreira, 1996; Morais 1998, 2002; Nunes, Buarque & Bryant, 1992; Rego & Buarque, 1997; Zorzi, 1998; dentre muitos outros). Apesar de sua importância, sustentada por precisas análises quantitativas, que estabelecem períodos e estágios de desenvolvimento, todas essas investigações trazem um conjunto de erros que não se encaixam nas próprias classificações propostas, isto é, aqueles erros que não formam uma classe homogênea, com incidência sistemática e regular, são agrupados e denominados por termos tão diversos quanto vagos como, por exemplo, "outras" (Zorzi, 1998, p. 41), "outros" (Morais, 1997, p. 72; Nunes et al., 1992, p. 76), "inclassificáveis" ou "inconsistentes" (Moreira & Pontecorvo, 1996, p. 86). Apoiando-se em números de ocorrências, esses autores aceitam aqueles erros que preenchem critérios científicos de repetibilidade (e, conseqüentemente, de regularidade e freqüência) e de previsibilidade como importantes e suficientes para explicar a relação da criança com a ortografia, higienizando, em contrapartida, aqueles que transbordam tais critérios.

Esse conjunto de estudos sobre o desenvolvimento da ortografia, de viés teórico marcadamente cognitivista, elege a criança como lugar de atuação sobre a língua, cujas regras e hipóteses construídas são produtos de sua análise, reflexão, generalização e intencionalidade. Nesse momento, essa razão parece-nos ser suficiente para que não façamos uma revisão desses estudos, mas reservemos nosso espaço para adentrarmos na construção do referencial teórico que sustentará nossa análise do erro ortográfico singular2.

Manteremos, portanto, nossa referência ao constructo teórico em aquisição de linguagem, uma vez que esse campo considera o fato de que há, na língua, algo que repetidamente nela se inscreve (e que, ao mesmo tempo, escapa ao lingüista) e, simultaneamente, um sujeito dividido que dela não faz todo, deixando dessa confluência emergir sua singularidade3. Suspendemos, assim, uma concepção em aquisição de linguagem oral ou escrita formatada em estágios de desenvolvimento determinados pela faixa etária e, no caso da ortografia, pela apropriação de seu sistema.

Desse modo, esperamos sustentar a primazia do funcionamento da língua, promovendo, em decorrência, um esvaziamento das incursões psicológicas e/ou mentais que normalmente acompanham os trabalhos sobre ortografia e sua aquisição.

Em resumo, a questão que trazemos é: como interpretar o singular que pode ser observado no texto do aluno, procurando escapar de uma abordagem que tome sujeito e língua enquanto mediados por uma percepção que constrói paulatinamente a língua como objeto de conhecimento? Para começar a responder a essa pergunta é preciso dizer desde já que, no quadro teórico ao qual nos filiamos, promoveu-se um afastamento da Psicolingüística e um retorno à Lingüística, mas à Lingüística saussuriana, aquela a que se dirigiu Lacan em certo momento de seu "retorno a Freud". Na seqüência, através da apresentação e análise de um dado, esperamos mostrar a prevalência do movimento do significante em relação ao do significado para explicar a emergência daqueles erros ortográficos que não se encaixam nas classificações atualmente vigentes.

 

Das relações aos pólos: o que move o funcionamento da língua

Uma das decorrências das reflexões de Saussure (1916/1995) – considerado o fundador da lingüística moderna – acerca da noção de língua é que ela é um sistema de relações. Disso decorre a impossibilidade de se apreender as unidades lingüísticas fora desse sistema. Isso significa dizer que as unidades só têm existência através das relações recíprocas que elas mantêm entre si, e delas provém a possibilidade de significação. Com efeito, é o que podemos observar em afirmações do autor, como: " a língua tem o caráter de um sistema baseado completamente na oposição de suas unidades concretas" (p. 124). e " a língua [é] um sistema em que todos os termos são solidários e o valor de um resulta tão-somente da presença simultânea de outros.... Assim, o valor de qualquer termo que seja está determinado por aquilo que o rodeia" (pp. 133-135).

As relações entre as unidades concretas da língua desenvolvem-se através de dois eixos, quais sejam, o sintagmático e o associativo (ou paradigmático). Esse funcionamento, ou melhor, esse sistema, define um interior, uma ordem interna à língua: "a língua é um sistema que conhece somente sua ordem própria" (Saussure, 1916/1995, p. 31). Apesar de afirmar, com relação ao signo, que conceito e imagem acústica "estão intimamente unidos e um reclama o outro" (p. 80), Saussure confere o caráter de arbitrariedade (isto é, o fato de que a união entre significante e significado é de "puro encontro") somente ao signo. Ao discorrer sobre o "caráter linear do significante", observamos que a linearidade concerne somente ao significante. Trata-se somente das imagens acústicas: "... os significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo; seus elementos se apresentam um após o outro; formam uma cadeia" (p. 84). Ora, o valor seria resultante da relação, no sintagma, entre os significantes.

A noção de valor, que implica a de relação, é proposta por Saussure para explicar de que forma organizam-se as unidades lingüísticas no sistema. A resultante disso é que o sentido ou qualquer unidade de significação é obtido sempre "só depois", isto é, o valor se fixa a posteriori, a partir da relação que se estabelece entre significantes no eixo sintagmático.

Jakobson (1963/1999), ao estudar as afasias, chama a atenção dos lingüistas para os distúrbios afásicos através dos mecanismos de funcionamento da linguagem. Ao fazê-lo, acaba redimensionandoos e chamando-os de "operações", "pólos" e "processos" metafóricos (associativos ou paradigmáticos) e metonímicos (sintagmáticos). De fato, ao estudar quais aspectos da linguagem são prejudicados nos diferentes tipos de afasias, Jakobson (1963/1999) afirma: "O papel principal que estas duas operações desempenham na linguagem foi claramente percebido por Ferdinand de Saussure" (p. 40, ênfase nossa). E: "As variedades de afasia são numerosas e diversas, mas todas oscilam entre os dois tipos polares que acabamos de descrever.... O desenvolvimento de um discurso pode ocorrer segundo duas linhas semânticas diferentes: um tema...pode levar a outro quer por similaridade, quer por contigüidade. O mais acertado seria falar de processo metafórico no primeiro caso, e de processo metonímico no segundo" (p. 55, itálico nosso).

Nesse texto de Jakobson está claro que todos os tipos de afasias oscilam entre os dois pólos de funcionamento da linguagem, e que toda e qualquer manifestação de linguagem pode ser descrita e explicada através desse funcionamento. Desse modo, o autor, ao estender seu trabalho buscando explicar formas de dizer (poesia e afasias) que escapam a uma língua já constituída, inevitavelmente tomada como referência, como padrão de normalidade, dá um passo em direção à singularidade.

Na parte que segue, buscaremos explicar o encontro de Lacan com a obra de Saussure, bem como a querela daí resultante.

 

Do que Lacan fez com a Lingüística (ou seria o contrário?)

Restituir a força técnica da psicanálise – a qual, para Lacan, encontrava-se fora de prumo (Dosse, 1994) – é um empreendimento que só poderia ser levado a cabo mediante a releitura da obra freudiana. É em Função e campo da fala e da linguagem (mais conhecido como "Discurso de Roma"), proferido em 1953 no Instituto de Psicologia da Universidade de Roma, que Lacan anuncia o seu programa de retorno a Freud marcando a importância – teórica e prática – do trabalho com a linguagem. Lacan anuncia aí a necessidade de aproximação às filosofias de Kojève e de Heidegger, à antropologia de Lévi-Strauss e à Lingüística saussuriana, única via possível para "reconduzir a experiência psicanalítica à fala e à linguagem, como a seus fundamentos" (Lacan, 1998a, p. 290).

Em seu O seminário, livro 3: As psicoses, 1955-1956 (1988), Lacan tocará nos trabalhos de Jakobson sobre as afasias e falará, pela primeira vez, na metáfora e na metonímia. Todavia, é em uma palestra dirigida a estudantes na Sorbonne, realizada em maio de 1957 e intitulada A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud, que Lacan formalizou e formulou de maneira mais explícita a inversão do algoritmo saussuriano a partir dos processos metafóricos e metonímicos que Jakobson emprega em seus estudos sobre a fala afásica. O psicanalista francês submete o signo saussuriano à escuta analítica, subvertendo-o: S/s. Esse algoritmo, segundo Lacan, lê-se "significante sobre significado, correspondendo 'o sobre' à barra que separa as duas etapas" (Lacan, 1998b, p. 500).

Para Saussure, o significado e o significante constituem as duas faces do signo e estão relacionados, sendo a barra a significação. Para Lacan, o significante não forma uma "composição" com o significado, não faz parte do signo, ou seja, o algoritmo lacaniano não é o signo, é a sua possibilidade. Ademais, o significante não está encarregado de representar o significado. Segundo Lacan, devemos nos livrar da "ilusão de que o significante atende à função de representar o significado, ou, melhor dizendo: de que o significante tem que responder por sua existência a título de uma significação qualquer." (Lacan, 1998b, p. 501).

Depreende-se dessa subversão que a barra é barreira mesmo, resistente à significação, e dela depende a autonomia do significante; ainda, que as duas faces do signo saussuriano são substituídas pela distinção de duas etapas do algoritmo. Sendo o algoritmo pura função do significante, como ele "funciona"? Se Lacan diz que somente as correlações do significante ao significante fazem emergir a significação, esta não deve passar pelo significado, ou seja, é da articulação entre significantes, ou, melhor, entre cadeias significantes que deriva o significado.

Da questão de saber como "funciona" o significante, fizemos somente uma primeira abordagem. Dando prosseguimento, podemos dizer que os processos inconscientes encontrados por Freud (1900/1996) na constituição dos sonhos não engendram um trabalho anárquico; ao contrário, obedecem a leis que foram chamadas por Freud de condensação e deslocamento, às quais Lacan fez corresponder os mecanismos que estruturam qualquer discurso, vale dizer, a metáfora e a metonímia.

A interpretação através dos processos metafóricos e metonímicos alcança fecundidade na medida em que é capaz de desvelar uma "outra coisa" e uma "outra função" da linguagem, que freqüentemente escapa ao lingüista: o equívoco, a ruptura, que nascem da presença evanescente de um real que aí insiste sem cessar. Esse real, Lacan o define como sendo "o impossível, tal como o defino pelo que ele não pode, em nenhum caso, escrever-se" (1985, p. 127).

No plano da linguagem, o real deixa materialmente suas cicatrizes por meio da articulação do significante, produzindo furos na cadeia sintagmática, e é marcado por uma radical imprevisibilidade, pois não se sabe quando nem quais efeitos ele produzirá através da linguagem.

Cabe salientar que a empreitada lacaniana submete a lingüística a fins que lhe são, em grande parte, alheios. Tanto é que Lacan, buscando afastarse da noção de língua preconizada pela lingüística forja o termo "alíngua" (Lalangue) para nomear o lugar do nãotodo, do que resiste a ser apreendido em uma totalidade, e afirma que "o que se sabe fazer com alíngua ultrapassa de muito o que podemos dar conta a título de linguagem ... uma linguagem sempre hipotética com relação ao que a sustenta, isto é, alíngua (Lacan, 1985, p. 180). Como bem observa Arrivé (1999, p. 11), a relação entre Lingüística e Psicanálise está longe de ser tranqüila. Ela suscitou indignação tanto da parte de psicanalistas quanto da parte de lingüistas, e há até aqueles que aí permanecem indiferentes, ignorando-a por completo, mas no sentido de uma denegação (Milner, 1987).

A incursão lacaniana pela lingüística restringiu-se, como afirma Milner (1996), ao primeiro classicismo. A dedicatória "A Jakobson", em seu O seminário, livro 20: Mais, ainda, 1972-1973, em que Lacan vale-se do termo "lingüisteria" (Lacan, 1985, p. 25) marca, em realidade, um adeus, um distanciamento daquela disciplina.

O autor parte, então, em busca da matematização da doutrina psicanalítica, cuja figura maior é o nó borromeano4. Quanto aos lingüistas, poucos se deixaram afetar pelos resultados da releitura lacaniana. Essa recusa ocorre não apenas porque o sujeito ocupa lugar central na teoria psicanalítica, mas ainda porque esta, ao revelar a estrutura lingüist(ér)ica do inconsciente, revela também que os mecanismos de condensação e deslocamento descobertos por Freud (1900/1996) na cena analítica correspondem aos eixos de funcionamento da língua já indicados desde Saussure.

Resta saber se, atendendo ao compromisso ético levantado por Milner5, o lingüista ainda pode calar o não-todo da língua na figura do interdito, inscrevendo-o na "cifra da proibição" (Milner, 1987, p. 50). Estendendo esse compromisso à Aquisição de Linguagem, temos a singularidade da fala/escrita da criança, cujo efeito desconcertante e inesperado pode levar o pesquisador a percorrer caminhos diferentes. Optamos por aquele que interroga, no qual o "erro" não faz classe, não se encaixa em homogeneizações ou categorizações.

 

Do que a aquisição de linguagem pode fazer com Isso

Inicialmente vinculada à Psicologia do Desenvolvimento, cujos principais representantes são Piaget, Vygotsky e Wallon, Lemos (1998) buscou explicar as mudanças que ocorrem na passagem do infans a falante de uma língua, para além de uma abordagem que apenas permitisse supor que a criança poderia passar da posição de interpretada à de intérprete de sua própria fala, a partir do momento que seu conhecimento lingüístico permitisse. Melhor dizendo, a partir do momento em que ela se tornasse capaz de controlar sua atividade lingüística.

A essa interpretação, a fala da criança resistia e apresentava contra-evidências para se pensar o processo de aquisição como algo em construção. Dentre índices de resistência destacam-se: (1) A heterogeneidade de seus enunciados, o que impossibilita classificálos em estágios ou fases; (2) O retorno de fragmentos da fala do adulto nos enunciados da criança, o que não permite supor um conhecimento da língua por parte da criança; (3) Os erros resultantes dos cruzamentos da fala do outro nos enunciados da criança que colocam novamente em xeque um possível conhecimento lingüístico, pois atestam um não reconhecimento por parte da criança entre a sua fala e a do adulto.

Dessa forma, De Lemos (1998) procede a uma mudança da noção de sujeito, língua e, conseqüentemente, de estrutura. Nesse ponto, a autora reencontra o estruturalismo europeu, isto é, Saussure e Jakobson. Entretanto, como mostra Silveira (2006), o retorno à lingüística do lugar da aquisição de linguagem não é "a qualquer Lingüística. O retorno é a lingüística saussuriana, considerando os efeitos do reconhecimento operado por um psicanalista: Jacques Lacan." (p. 33).

A teoria psicanalítica permitiu, entre outras coisas, abordar tanto a relação da criança com a língua e com o outro que a significa como falante, quanto elaborar uma proposta através da qual se pudesse explicitar e compreender as mudanças na fala da criança como conseqüentes a sua captura pelo funcionamento da língua, pela sua ordem simbólica.

Lemos (2002), ao enunciar o compromisso ético do pesquisador com a fala da criança, nos fala da importância em "agilizar uma instrumentalização de análise, capaz de ordenar uma análise nãointuitiva dessa fala" (p. 147). Trata-se, pois, de um compromisso simbólico (nem real – embora todo dizer seja portador de um real – nem imaginário – embora dele se faça elo), campo esse que assume a interferência da alíngua, que consagra toda língua "ao equívoco" (Milner, 1987, p. 15). É nesse ponto que sua busca rompe com os estudos em Psicolingüística, cujo compromisso não é com o imaginário, mas trata-se de um compromisso que é imaginário, isto é, com uma imagem idealizada de um sujeito não faltoso.

Com relação ao pesquisador, a preponderância dada ao significado, sem fazer a devida distinção entre significado e significante, leva, inevitavelmente, a um "privilégio que se dá ao conhecimento prévio sob a forma de representações mentais que, por sua vez, foram adquiridas de acordo com a atribuição de significados e intenções do outro às ações da criança e, conseqüentemente, do entendimento que a criança tenha dos significados e intenções do adulto." (Silveira, 2006, p. 40).

Considerando, portanto, o funcionamento da língua operado pelos processos metafóricos e metonímicos e a primazia do significante, trazemos à discussão um "erro" ortográfico singular que nos estudos da área poderia ser despejado de sua importância e, conseqüentemente, ter apagado seu caráter imprevisível, mas potencialmente revelador da relação sujeito-língua.

 

O jogo combinatório e imprevisível dos significantes

Os "erros" ortográficos singulares que discutiremos fazem parte de um manuscrito escolar6 escrito em sala de aula e cedido por uma professora de 1ª série do Ensino Fundamental de uma escola particular da cidade de Maceió. No dia 18 de maio de 1998, a professora pediu que seus alunos, organizados em dupla, reescrevessem a história "O Barba Azul", lida e memorizada por eles nos dias que antecederam a proposta de produção de texto. O trecho que recortamos foi extraído do manuscrito que Lucas e Marília escreveram.

 

 

Figura 1: extrato do manuscrito escolar "O Barba Azul" de Lucas e Marília (18/05/1998), destaque para "qlara" e "que queria quasar":

Gostaríamos de chamar a atenção, inicialmente, não para os elementos circundados, mas para a estabilidade ortográfica que o manuscrito apresenta. Apesar de escrito por alunos de 1ª série, ainda no início do ano, e da pouca presença de sinais de pontuação, qualquer leitor pode facilmente ler:

"Era uma vez um homem que tinha
belas casas e muitos ouros e uma cidade bela.
Ele perguntou a visinha para casar com a filha
nem uma um queria porque ele tinha a barba azul.
Elas pasavão uma para a outra. Um dia a barba dele ficou
mais qulara. A menor disse que queria quasar com ele..." .

Não fosse o estranhamento das formas que emergem na escrita desta última linha, poderíamos continuar a ler essa história sem qualquer surpresa maior. O que surpreende aí é a ruptura indiciada pela rasura em "qulara" e a escrita de "quasar" na mesma linha; aquela rompendo com a notação fixa e estabilizada da forma "qu" na língua portuguesa, esta, alterando foneticamente a escrita de uma palavra que parecia estar bem estabilizada e dominada por esses alunos, já que "casar" está escrito ortograficamente três linhas acima e também ao longo do resto do texto.

Essas duas formas ortográficas, únicas e imprevisíveis, guardam o sentido do que reconhecemos "singular" em manuscritos escolares, e poderão nos ajudar a explicar sua natureza e a relação com a posição subjetiva daquele que escreve, considerando aí o modo de operação do significante e as leis régias do funcionamento da língua. Vejamos isso com algum cuidado.

 

A singularidade de "ql" em "qulara"

Para que possamos analisar a singularidade dessa emergência na escrita estabilizada desse manuscrito, é preciso efetivar algumas pontuações referentes à forma "qu".

Em gramática portuguesa, como está no dicionário online Michaelis (michaelis.uol.com.br) a letra "q" é um "Fonema oclusivo, velar, surdo. Só se emprega acompanhado de u, com o qual nunca forma sílaba sem o auxílio de outra vogal. Este u [quase7] sempre será pronunciado antes de a ou o [quase, quadra, quorum]; antes de e ou i, ora será insonoro, formando dígrafo com o q [que, quebrado, quilombo, quiabo], ora será pronunciado, formando ditongo crescente, casos em que receberá [ou não] o trema indicativo de sua pronúncia [freqüente, líqüido, liquidação]." (precisões e exemplos acrescentados por nós).

Desse modo, temos que a relação entre a letra "q" e a letra "u" é indissociável na ortografia do português, sendo sua existência enquanto sílaba possível, única e exclusivamente a partir do acréscimo subseqüente das letras "a", "e", "i" e "o".

Outra característica relacionada a essa junção entre "q" e "u", como "dígrafo insonoro" reside em seu caráter homofônico com outras formas gráficas, a saber, quando sua realização tem o som / k/ concorrem na mesma posição as letras "c" e "k":

 

 

Em "qulara" há uma primeira escrita da forma "qu", cuja letra "u" é posteriormente rasurada, cedendo lugar à letra "l". Curioso notar que "quara" se leria ['kwara], ou seja, o fonema /k/ aí é seguido de uma semivogal /w/, a qual produz um prolongamento bilabial inexistente em formas como ['klara].

O que faz com que emerja a escrita inicial de "qu" em "clara"? O que incide sobre o movimento de rasura em "u", deixando "q" inalterado? Reconhecemos aí os efeitos da alíngua, expressos na equivocidade dessas formas. De um lado, entendemos que a instanciação inicial é decorrente do cruzamento das duas pontuações feitas acima. Ou seja, por uma pressão do alinhamento metafórico decorrente do jogo homofônico que as formas de representação gráfica "c" e "q" assumem, temos entreaberto um espaço de associação que provoca a permuta entre elas. Porém, em sua dimensão gráfica, a entrada de "q" traz, por contigüidade, em sua operação metonímica, a forma "u", dada a ocorrência em "bloco" no sistema ortográfico da língua portuguesa, ao qual o sujeito está submetido.

Ao retornar sobre a forma "u" e substituí-la por "l", temos aí o reconhecimento e a escuta de uma diferença na sua representação grafofônica, efeito da consistência imaginária que faz significação para o sujeito. Porém, aquilo que poderia indiciar a posição de autonomia do sujeito é justamente aquilo que é responsável por seu vacilo. Ao se imiscuir a forma "l" no espaço entre "q" e "a", fica latente a concorrência da forma "c" na relação com a forma "q". Não teríamos mais apenas o reconhecimento da dimensão grafofônica entre "u" e "l", mas também o apagamento da diferença entre "c" e "q". O vacilo está aí. O sujeito se expõe ao movimento significante, deixando transparecer tanto seu submetimento a ele, quanto o modo como os operadores aí fazem furo, instaurando-se em seu escrito uma sílaba inexistente, e imprevisível, no sistema ortográfico estabilizado da língua portuguesa: a sílaba "qla".

 

A singularidade de "qu" em "quasar"

Logo algumas palavras à frente, deparamo-nos com a escrita de "quasar", cuja forma ortográfica correta está presente tanto três linhas acima, quanto ao longo do manuscrito. Parece difícil pensar que os alunos leriam [kwa'zah] ou não conheceriam sua forma estabilizada. Também não nos parece ser suficiente explicar esse erro singular apenas pela análise isolada dessa palavra, quando se poderia apontar novamente para o alinhamento metafórico entre "c" e "qu" produzido pela homofonia que guardam. Há algo a mais aí. Se atentarmos para o que se passa na cadeia sintagmática, encontramos a seqüência "que queria quasar". Que estranho encontro isso que traz a conexão da forma "qu", produzindo quase uma aliteração. Não estaríamos diante de um bom exemplo do movimento de contigüidade que faz com que um significante da cadeia convoque por metonímia a manifestação de outro?

Na metonímia é preciso que existam certas condições de ligação entre os termos, satisfeitas, nesse caso, pela reverberação da forma "qu". Ao encadeamento "que queria" acaba por se espelhar a forma "quasar". É possível falar que algo da ordem do conhecimento lingüístico interfere aqui?

Mesmo tendo escrito corretamente a palavra "casar" ao longo do manuscrito, assim como a sílaba "ca" de forma sempre estabilizada, nem por isso os alunos estranham a forma "quasar". Fato que demonstra, com veemência, a supremacia do significante quando se trata de língua e de sujeito. Talvez fosse mais apropriado falar em saber d'alíngua: alíngua sabe.

 

Ecos do que sobra

Segundo entendemos não se trata de discutir se uma regra está em construção, já que algo aqui opera além disso. Como se observa no manuscrito, os alunos sabem que é preciso começar com letra maiúscula, começar uma história inventada com "Era uma vez", dar um título, etc. Vemos inclusive na 1ª linha que os alunos iniciaram o parágrafo com um "e" minúsculo, rasurando-o e fazendo um "E" maiúsculo. Ora, neste ponto, parece-nos que a via do conhecimento lingüístico é transposta pela via não prevista do significante que se articula metafórica e metonimicamente. As formas acima mostram que o sujeito aí é mais falado do que fala, que ele segue a rota do significante. Por quê? Porque nesse funcionamento, o conhecimento, o significado e a reflexão sobre a língua (movimento suposto na rasura sobre "qulara") só intervêm como produtos a posteriori.

Em vários momentos de seu ensino, Lacan apontou para a supremacia do significante no sujeito. É o que se pode depreender desses breves escritos: "...o deslocamento do significante determina os sujeitos em seus atos, seu destino, suas recusas, suas cegueiras, seu sucesso e sua sorte, não obstante seus dons inatos e sua posição social, sem levar em conta o caráter ou o sexo, e que por bem ou por mal seguirá o rumo do significante" (1998c, pp. 33-34). Ou ainda, nos mesmos Escritos, "o homem, desde antes de seu nascimento e para-além da morte, está preso na cadeia simbólica ... ele é efetivamente apanhado como um todo, mas à maneira de um peão, no jogo do significante, e isso, desde antes que as regras desse jogo lhe sejam transmitidas, contanto que ele acabe por surpreendê-las" (1998d, p. 471). E, para concluir, "o significante, por sua natureza, sempre se antecipa ao sentido, desdobrando como que adiante dele sua dimensão" (1998 b, p. 505).

Os significantes articulam-se metaforonimicamente até que a linguagem possa, através deles, fazer equívoco. Temos observado em nossos trabalhos que o que acompanha permanentemente a escrita é a possibilidade de o sujeito subjetivar um ponto, de tal modo que ele escape à representação requerida pela ciência para que a teoria se torne consistente. Isso implicaria descartar "tanto o que da realidade não é necessário à repetição em seu objeto, quanto àquilo que, por si mesmo, não é repetível – digamos o acidental –, e enfim aquilo que poderia, naquilo que se repete, mascarar o que aí se repete, ou seja, as variações individuais" (Milner, 1987, p. 39).

Ora, o que podemos pensar a partir do dito de Milner é que a singularidade e sua repetição não permitem supor nem um estágio de desenvolvimento, nem um indivíduo ou alguma forma de "variação individual" que constrói o conhecimento, em nosso caso, sobre o sistema ortográfico, como insistentemente consideram os estudos da área. O real da língua, como aquilo que insiste sem cessar, retorna sempre ao mesmo lugar, a saber, na cadeia significante, e sua emergência mantém relações com o modo de inscrição subjetiva. O autor ainda afirma (1987, p. 41) que a escolha de um modelo de ciência pode variar, mas não a exigência de que haja um Todo. Fato observado nos estudos em ortografia quando, ao classificarem as alterações ortográficas pautados em critérios de regularidade, freqüência e quantificação e depararem-se com "modos particulares e pouco freqüentes" de escrever acabam por propor outra classificação visando "domar" esse real: "Uma décima primeira categoria foi utilizada para dar conta de certas idiossincrasias, ou seja, de certos modos particulares e pouco freqüentes de escrever palavras que eram encontrados em uma ou outra criança, e que não podiam ser considerados como dificuldades comuns à maioria dos sujeitos" (Zorzi, 1998, p. 34. itálico nosso).

Malgrado a relação do pesquisador com o "dado", ou seja, se sua interpretação do singular culmina em uma tentativa de recompor uma ordem ou se há uma transformação implícita ou explícita do real que este dado comporta, a questão é que ele sempre está aí.

Qualquer artifício, ou "chicana", como diz Milner (1987, p. 45), na tentativa de se desviar do não-um, materializado na linguagem pela via do significante, não apaga, jamais, o vigor e a velocidade com que o significante promove, em uma cadeia, junções ou deslocamentos imprevisíveis. Chamamos novamente aqui Lacan. Ao discutir sobre o que comumente se chama de "intenção de significação" do sujeito falante, o autor propõe: "Suponhamos que se desenvolvam simultaneamente os dois tensores ou vetores em jogo, o da intenção e o da cadeia significante. Vocês vêem que aquilo que se produz aqui como incoação dessa sucessão, por exemplo, a dos diferentes elementos fonemáticos do significante, se desenvolve muito antes de encontrar a linha na qual toma seu lugar aquilo que é chamado a sê-lo, a intenção de significação, podemos mesmo dizer a necessidade, se quiserem, que ali se oculta" (Lacan, 1992, p. 238).

Se a sucessão dos "elementos fonemáticos" do significante desenvolve-se muito antes da intenção de significação que se oculta no momento de falar ou escrever, então o significante ultrapassa e em muito qualquer intenção (necessidade) de significação, o que não impede efetivamente a intenção de existir. Como anunciamos na epígrafe deste texto, a homofonia, enquanto aquilo que reverbera materialmente na língua sob a forma do equívoco, atua livremente na cadeia de significantes, a despeito de todo cálculo do sujeito falante. Ao fazer nela furo, tem-se, imediatamente, "Um a menos" e "Um a mais" (Milner, 2006, p. 32).

De certa forma, ao insistir na ordem própria da língua, na autonomia do sistema e na decorrente impossibilidade de o falante aí intervir, Saussure (1916/1995) acaba por conferir à língua uma equivocidade que lhe é própria. Diz o autor: "O signo escapa sempre, em certa medida, à vontade individual ou social, estando nisso, seu caráter essencial" (p. 25). e " a reflexão não intervém na prática de um idioma; ... os indivíduos em larga medida, não tem consciência das leis da língua; e se não as percebem, como poderiam modificálas?" (p. 87).

Procuramos mostrar como o jogo combinatório dos significantes determina o aluno em seus caminhos ao escrever, relativizando a relação sujeito-língua, dando espaço para aquilo que escapa às construções de regras e hipóteses, às habilidades e estratégias cognitivas, intencionalidades e reflexões que predominam nos estudos em ortografia e sobre a aquisição da escrita.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: eduardocalil@hotmail.com
E-mail: crisfelipeto@hotmail.com

Recebido em junho/2008
Aceito em agosto/2008

 

 

NOTAS

1 Discussões sobre os limites e as especificidades do "manuscrito escolar" alimentam alguns de nossos trabalhos (Calil, 2008; Felipeto, 2007). Indicamos ainda alguns estudos que já deram início a uma reflexão sobre a singularidade no erro ortográfico (Lopes, 2005; Calil, 2007).
2 Estudos sobre a singularidade em textos infantis também estão presentes em Abaurre, Fiad & Mayrink-Sabinson (1997) e Abaurre (1999). Contudo, assumindo um paradigma metodológico indiciário apoiado em Ginzburg (1968) e uma fundamentação teórica sustentada em Franchi (1977, 1987) e Possenti (1988, 1993), as autoras tratam essa questão de modo bastante divergente daquele que pretendemos expor aqui.
3 Indicamos aqui a importância da leitura de Milner quando diz tratar da "lingüística enquanto afetada pela possibilidade da psicanálise" (1987, p. 17).
4 Lacan encontra na figura do Nó Borromeano a possibilidade de formalizar a doutrina psicanalítica, visando a sua transmissibilidade. A figura central aqui é o matema, derivado das letras matemáticas. Diz Lacan: "A formalização matemática é nosso objetivo, nosso ideal. Por quê? – porque só ela é matema, isto é, capaz de transmitir integralmente (Lacan, 1985, p. 108). Entretanto, o nó é, como diz Milner (1996), antinômico. Propor uma literalização integral do nó é apagar o que desde Freud se tem confirmado na clínica analítica: há um Real, há algo do qual não se pode dizer, há uma incompletude radical. Sua propriedade fundamental – o Real do nó – seria perdida. Entretanto, o nó mostra-se eficaz apesar da matematização.
5 Segundo Milner, há duas vias: "ou bem tomamos o partido da ética da ciência, e a partir do ponto onde o caminho se perde, nada mais queremos saber: é o partido da gramática ou, então, tomamos o partido da ética da verdade: é preciso, enquanto lingüista, e na própria escrita a que nos submetemos, articular o ponto, não como indistinguível, mas como localizável pela via da falha que ele impõe a todas as referências." (1987, p. 30).
6 Esse manuscrito escolar compõe o acervo Práticas de textualização na escola, organizado por Eduardo Calil, disponibilizado no sítio www.cedu.ufal.br/grupopesquisa/manuscritosescolares, e está vinculado ao Grupo de Pesquisa ET&C - Escritura, Texto e Criação.
7 Apesar de estar caindo em desuso, ainda é presente a escrita de palavras como "quotidiano", "quota", "quociente", quando não há qualquer vestígio da pronúncia da forma "u".

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