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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.14 no.27 São Paulo 2009
DOSSIÊ
A ADOLESCÊNCIA ENTRE A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO
O adolescente: ilustre figura do contemporâneo
The adolescent: illustrious personage on the contemporaneity
El adolescente: distinta figura de la conteporaneidad
Paulo Cesar Endo
Psicanalista, Professor Doutor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Pesquisador do Laboratório Psicanálise, Arte e Política. pauloendo@uol.com.br
RESUMO
O artigo refletirá sobre a figura do adolescente como alvo privilegiado de mídias (esportes radicais, padrões estéticos, rebeliões, crimes e atrocidades), saberes (psicológicos, pedagógicos e psiquiátricos), sistemas de segurança (o adolescente infrator) e no interior das famílias (o filho problema, o "aborrecente"). Procuraremos compreender a figura do jovem inscrito numa trama discursiva que debilita suas qualidades de inserção como partícipe e protagonista social e político ao mesmo tempo em que ratifica seu papel de excessivo, estranho e ameaçador, de um lado, e inerte, alienado e consumidor de outro.
Descritores: juventude; psicanálise; cultura; violência.
ABSTRACT
This paper discusses the youthfulness and the young people like targets to the mass media (radical sports, models of beauty, rebellions, crimes, atrocities), for the specialists (psychologists, educators and psychiatrists), for the security systems (the law-breaker adolescent) and for the families (maladjusted members). We intend to understand the young people inside a discursive construction that weakens theirs possibilities of social and political protagonism and, at the same time, confirms the prejudices about their excessive, threatening and strange behavior on the one hand and, on the other hand, encourage their passivity, indifference and theirs consumerist ambitions.
Index terms: youthfulness; psychoanalysis; culture; violence.
RESUMEN
El articulo discutirá el joven y la juventud como objectos preferenciales de las mídias (deportes radicales, patrones estéticos, rebeliones, crímenes y atrocidades), de los especialistas (psicólogos, educadores y psiquiatras), sistemas de seguridad (el adolescente infractor) y en el interior de las familias (el hijo problemático). Intentaremos comprender la figura de los jóvenes en una trama discursiva que debilita sus calidades de inserción como partícipe y protagonista social y político y, al mismo tiempo, confirma su papel de sujeto excesivo, extraño y amenazador desde un punto de vista y por otro lado le aprisiona en el lugar de inerte, alejado y consumidor.
Palabras clave: juventud; psicoanálisis; cultura; violencia.
Reconhecido como inconsequente num mundo inconsequente, o adolescente causa. Protagonista negativo em tempos de pusilanimidade e impotência, o adolescente tornou-se uma figura-enigma, sem transparência, que tem encontrado a sua própria via de acesso às coisas, pessoas e objetos utilizando-se dos próprios meios. E, não raro, são esses meios que causam, provocam e indagam a ordem social vigente, já bastante combalida, e seus contornos.
Por um lado, eles parecem recusar a tutela dos adultos, mas, ao mesmo tempo, estão imantados às frágeis figuras parentais que não lhes assinalam nenhum projeto no qual valha a pena apostar. Os adolescentes parecem estar impressionantemente conservadores, consumistas, acríticos, extemporâneos. Como seus próprios pais.
Hoje não é incomum ouvir dos jovens algo como: eu só queria ter um emprego, uma casa e uma família. E mesmo isso lhe parece extraordinariamente difícil, ou mesmo impossível.
Ainda que suas ambições não sejam nada revolucionárias, quando vistos de longe parecem ser o pior dos problemas sociais: aborrecente, improdutivo, deprimido, agressivo, transgressor, infrator. O adolescente é barrado no mundo adulto civilizado por ser suspeito e desatinado. Quando é aceito e tolerado, isso se deve, em geral, a uma aceitação precoce na ortodoxia dos valores adultos. Adolescentes trabalhadores, estudiosos e religiosos; ou devoradores de livros, amantes da boa música e do esporte, tornam-se imediatamente exemplares.
Eles estão assimilados a um padrão extremamente limitado de condutas, comportamentos e valores, fora dos quais começam a parecer estranhos e assustadores.
As ofertas medíocres disponíveis nas sociedades contemporâneas deixam de fora desejos vitais do adolescente, entre os quais a necessidade de se opor, de se confrontar e de ultrapassar, por seus próprios meios, tais confrontos. Esse conflito, regado à impotência e solidão, diz respeito a todas as transformações pelas quais um adolescente deve passar (sociais, culturais, físicas e psíquicas) e que se colocam no momento mesmo em que se apresentam para ele escolhas fundamentais. Às vésperas do mundo adulto, se encontra seu sucesso ou sua ruína.
O adolescente nada é, mas tudo se espera dele. Está em suas mãos mudar o mundo, desde que seja seguindo uma cartilha já velha e ultrapassada. O adolescente é o príncipe herdeiro de um reino decadente, onde ele adentra já com muitas dívidas e sem direito a essas mesmas dúvidas, que lhe soam mais como dívidas.
Para onde ir? Como chegar até lá? Posso desistir? É possíveldivergir? É aceitável confrontar?
Se a família representa essa caixa de ressonância a partir da qual o sujeito se constitui, não há dúvida, será ela também o palco do atravessamento do adolescente rumo ao imperativo de sua própria diferenciação. Se as ofertas dentro e fora da família se limitam a modelos pouco plásticos e inibidores de conflitos (e confrontos), não sobra muito ao adolescente senão inscrever-se na dinâmica dentro/fora, que ele reproduz à perfeição. Ou ele está dentro ou fora. In ou out. Na panela ou fora dela.
As pequenas diferenças tornam-se assim vitais para a constelação de microgrupos que inventam sua própria ética em oposição a todas as demais, não importa quais. O fundamental é que seja uma ética da diferenciação e da oposição pela diferença e pela comparação competitiva: somos melhores que aqueles que jamais conheceremos. Nesses modelos, a violência aparece em surdina como uma forma de consagrar identidades opacas e cristalizadas, identidades não inscritas em projetos identificatórios. Isto é, identidades por adesão e similitude e não por diferenciação. Tais identidades são ofertadas e compradas prontas, em kits, e tornam-se disponíveis para a aquisição pelo dinheiro ou pela violência.
Torna-se imperativo então perguntar: se as identidades estão exibidas, expostas e à venda, por que se dar ao trabalho constitutivo e necessário, exigidos pelos processos identificatórios? Por que enfrentar a suspeita da dúvida sobre quem fomos, quem somos e o que queremos ser?
Por que se dar ao trabalho de negociar anseios e necessidades no campo tenso da alteridade, se é possível saciá-los rapidamente e sem mediações? Se um passeio no shopping ou um roubo veste o adolescente com os trajes do momento, inscrevendo-o imediatamente no imaginário ortodoxo dos pequenos grupos aos quais pertence ou gostaria de pertencer, por que aguardar, postergar, negociar?
Nesse sentido a captura predatória que o dinheiro e a violência permitem tornam aparentemente inócuas quaisquer relações com o trabalho. O trabalho é o exercício da mediação. Ele impõe uma travessia que produz permanência, o que torna o processo e o produto do trabalho indescartável. Porém, as mercadorias consumíveis e descartáveis zombam do trabalho. Ridicularizam seus processos e fazem crer que tudo que exige constância, regularidade e disciplina é martirizante e insuportável.
Então, o adolescente e o jovem, literalmente, abrem fogo contra as instituições, sobretudo contra as escolas, suas arquiinimigas, justamente porque são, ou deveriam ser, as porta-vozes da disciplina, da regularidade e do trabalho. Como se a própria instituição escolar estivesse envenenando sua juventude.
Ocorre que tais identidades descartáveis também impõem suas exigências, comportamentos e procedimentos que é preciso respeitar enquanto se faz uso da indumentária. Deslocados de um lugar previsível, não raro, os adolescentes também se tornam afoitos e assustados. Não reconhecem e nem discriminam muito bem amigos e inimigos, namoradas e casos, homens e mulheres e zombam dos contratos.
Para fazer parte de um grupo, para pertencer a ele, não é preciso muito, basta que haja algum acordo sobre os lugares a frequentar, o linguajar a utilizar, a disposição a consumir, transigir, agredir ou violentar. Torrar a grana do pai, queimar mendigos, bater em homossexuais e trabalhadores aguardando a condução em pontos de ônibus, roubar sem hesitar, atirar para matar são práticas que legitimam os jovens num mundo repleto de situações radicais e que atestam um equação limítrofe: os jovens não querem ser mais nada e tripudiam sobre as identidades alheias.
Estão deserdando das ofertas medíocres e impossíveis exibidas como valores pelos adultos e adotando outras ofertas, igualmente medíocres e impossíveis, porém onde se exige alto protagonismo ou nenhum. Ora submetem ao risco a própria vida e a vida alheia, ora estão prostrados sadomasoquistamente1 diante das ofertas da televisão e do PC.
Na verdade os adolescentes estão sendo deixados à beira do caminho pelos interesses mercantis do mundo adulto para se alimentar do lixo cultural que, resignadamente, consomem sem parar (drogas, grifes, baladas, mundo eletrônicos e virtual, imagens pornográficas, imagens violentas). O velho sexo, drogas e rock'n roll ainda vende e atrai, mas agora sem a pulsação das ideologias. A indústria cultural já tem seus clientes preferenciais e atira neles com balas de verdade.
Muito mais hábil do que as famílias, ou superpondo-se a elas, a ética adolescente oscila entre o entretenimento, a insatisfação e a necessidade premente em poder confrontar, se opor, transigir sem que isso se revele como criminoso, abusivo ou admoestador. O adolescente necessita de aventura, não há dúvida. Ventura que impõe o ter de criar, inventar e superar obstáculos para reconhecer uma imagem de si e para si com alguma duração e permanência.
Espremidos entre a cultura infantil e o universo totalitário adultomorfo, os adolescentes das camadas médias e ricas recolhem dessa sucata um conjunto modesto de valores patrocinados pelos pais. Eles estão ligados na rede, nas marcas, no fast-food, bebidas e sexo. Isso tudo lhes é oferecido em pacotes e com preços variados. Entretenimento e diversão é a palavra de ordem. Com alguma autonomia, dinheiro no bolso e energia para esbanjar, os jovens compram para si a imagem de irresponsáveis, e se atiram no fosso vazio construído para seu prazer e para sua morte.
Ribeiro (2004) observa que "desde a metade do século XX os jovens são disputados por duas forças importantes e mais ou menos antagônicas: por um lado, a idéia de revolução, que se coloca à esquerda dos partidos comunistas, tidos como acomodados e conservadores, e por isso mesmo apela aos ícones mais radicais, ainda que do próprio comunismo, como Guevara, Mao Tsé-tung, Ho Chi Min; por outro, a publicidade, que constitui a juventude como destinatária por excelência dos anúncios e propagandas. Hoje, mesmo a matéria publicitária destinada a gente com mais dinheiro, mais estabilizada na vida, procura seduzir oseu público fazendo-o de jovem." (p. 24).
Talvez um dos pontos comuns nas ofertas desses dois modelos, menos antagônicos do que complementares, seja o corpo do jovem como objeto visado e ideal. O corpo enérgico, astuto, lépido e ágil das passeatas e dos confrontos com a polícia e o corpo belo, formoso, desejável e sedutor onde pousam a miríade de produtos que os veste, fantasia e alimenta.
É, sem dúvida, um tanto constrangedor aproximá-los assim, entretanto fica claro que numa época de hegemonia de valores, os tais ideais de juventude (mais ou menos herdados do adulto) se alimentam mais da força, do vigor e da potência exibida num corpo jovem do que em sua capacidade de argumentação, persuasão e pensamento.
É o corpo do jovem também que, quando não se coaduna com o corpo imaginário que lhe é proposto como indumentária ficcional publicitária, é imediatamente desvalorizado e degradado, não importando aí se se é jovem ou não. Em suma, juventude fraca, feia, triste e cansada ou preta, pobre, analfabeta (ou quase) e sem um puto no bolso não interessa a ninguém. Os ideais de juventude soçobram diante desses imensos monólitos que ninguém consegue atravessar. O problema é que esses jovens continuam sendo jovens, mas agora são os jovens sem juventude.
Contra eles todos se insurgem, são os inúteis, pobres diabos à beira do cataclisma, representado pelo temido início de vida adulta, nada promissora e sem perspectiva. De ilustres celebridades e "futuro da nação", passam a rescaldo social sem lugar no tempo e no espaço. Nesses momentos, sobrevém a constatação tardia: Os jovens demandados não são os jovens que temos. O que então faremos com eles?
A propagação da juventude como valor é indecente e promíscua porque ofende, por comparação, todo aquele que fracassa em construir sua similitude aos modelos propostos como simulacro. Constituição de sujeitos por adesão e não por diferenciação. A melhor proposta é que ele se equilibre nesse fio tênue, em que todo jovem se arrisca ingenuamente. Seja cobiçando e adquirindo, ilegalmente, fragmentos dessas formas maquiadas, seja travestindo-se com o promissor bom mocismo, o jovem se encontra, não raro, preso numa pobreza imaginativa que o priva de construir novos modelos frente à caducidade daqueles ofertados, em geral, por quem não é mais jovem ou não gosta deles: os adultos promotores e produtores de modelitos para jovens de todas as idades.
No estudo de Antonio Sergio Spagnol (2008) sobre os jovens que praticaram homicídios, ele discute a fragilidade de modelos entre jovens e sua perpetuação pelo negativo. Segundo o autor: "Uma das alternativas é correr riscos, buscar ideais a todo custo. Se ele consegue algo que traga benefício, na esfera legal da jurisdição, sentir-se-á integrado, caso contrário, a resposta à negação será a violência. Os jovens investem nos riscos enquanto seguem, paralelamente, refletindo sobre sua existência. Em muitos casos o investimento nos riscos é contra os outros jovens que possuem uma imagem invertida deles mesmos. Quer dizer, o que ele busca é o que o outro é, o que o outro tem. Não é raro os jovens da periferia referirem-se aos jovens de outras regiões abastadas como: 'riquinho', 'boyzinho' , 'mauricinho', para desmerecê-lo com os termos no diminutivo. Ou então: 'cuzão', 'bundão', para agredi-los com os termos no aumentativo. Ou ainda numa mistura dos termos: 'boyzinho-bundão', 'mauricinho-cuzão'." (p. 149).
A incerteza terminológica para a ofensa (boyzinho-bundão, mauricinho-cuzão) evidencia a dificuldade em encontrar a melhor ofensa, o que melhor expressaria a agressão necessária para ratificar a dicotomia e a afirmação do grupo agressor. Porém, não é fácil ofender o que se admira, não é simples destruir os que representam fantasmaticamente, para o jovem pobre, os ideais consagrados pela família e escola e propagados como figuras publicitárias em todas as mídias.
Do mesmo modo, é possível reconhecer também a incorporação das designações e das gírias dos jovens de periferia no discurso e nas preferências dos jovens de classe média: "mano firmeza", "tá ligado", "se liga mané" são importados, tal como o hip-hop,o funk,o boné e a aspiração da malandragem. Ambos, no entanto, não extraem seus conceitos e preconceitos do convívio entre ricos e pobres, mas da apresentação do rico e do pobre maquiados nas telas, revistas e jornais.
Admiração e colapso identitário produzem porosidades que seriam promissoras não fosse o fosso que se abre no convívio entre diferenças inconciliáveis e convívios impossibilitados por geografias definidas por enclaves, distâncias imensas e separações definitivas entre centro e periferia nas cidades.
Os lugares inventados como parques de diversão para adolescentes (bailes, baladas, consumo e tráfico de drogas, etc.) revelam-se como bolhas e esconderijos onde não podemos enxergar nada além de corpos muito evidentes e homogêneos. Lugares onde o adolescente pode esconder-se de si e do mundo à sua volta e onde os adultos dificilmente os encontrarão.
Para eles, é muito difícil passar ao largo desse conjunto de valores compactos que a indústria consagra para esse volátil mercado consumidor. Eles estão expostos ao que deles se quiser fazer. E, quando se revoltam, sua revolta é sempre particular, endógena, sem causa e, por vezes, violenta. E quando violentos, são alçados ao posto de grave problema social. Daí, são alvos preferenciais e imóveis, muito fáceis de atingir e condenar.
Para os adolescentes pobres, as oportunidades encolhem, mas os anseios são muito semelhantes. Sua dívida e ligação, sobretudo com a figura materna, impõe-lhe o caminho das pedras do trabalhador. Mas qual será o elemento proeminente? O trabalho ou o dinheiro? Um trabalho sem dinheiro tem algum valor? Esse impasse se coloca para o adolescente pobre diante do imperativo da necessidade. O crime surge como oferta plausível num mundo sem oportunidades. Onde o trabalho, não raro, representa sacrifício, pouca remuneração, subalternidade e, raramente, fonte de orgulho.
Já foi muitas vezes dito e repetido que as marcas exercem entre os pobres o mesmo fascínio que exerce entre os ricos. Elas são hegemônicas e imperativas para todos e em todos os lugares. O que diferencia é a facilidade ou a dificuldade em obtê-las. Para as camadas médias e ricas pode-se adquiri-las no comércio legal; para o adolescente pobre se insinua a possibilidade do delito e da superexposição como meio para chegar a esses bens caros e inacessíveis.
Por esse prisma podemos reconhecer que o mundo social adulto não se implica de fato com seus adolescentes. Nem social, nem política, nem pessoalmente. O adolescente é o extraterrestre que povoa de horror os terráqueos; é o intruso que aparece sem ser chamado; é o imprevisível que aparece na hora do chá.
Quantas atrocidades eles já cometeram e quantas atrocidades já foram cometidas contra eles? O que esperar desse estranho penetra que os adultos barram e o mercado consumidor recebe de braços abertos?
O adolescente como herdeiro e a violência como herança
A tentação em eleger bodes expiatórios para a violência que praticamos é imensa. Em 2006, como vimos, mais uma vez foram os adolescentes que ganharam a cena e o discurso da redução da maioridade penal e a criminalização do adolescente ganhou novamente os contornos de panaceia.
Evidentemente, nesse caso, o objeto é o adolescente pobre, o adolescente infrator, o adolescente das Febems (ou ex-Febems). Ninguém imagina o filho do advogado, do empresário, do jornalista indo para a cadeia. Isso está fora de todas as cogitações. Basta falarmos em adolescente infrator para se formar em nossa imaginação um rapaz, negro e pobre.2
De fato, o índice de homicídios contra jovens aponta para afaixa etária entre os 17 e 24 anos. É o jovem do sexo masculino, negro, pobre e de baixa escolaridade a principal vítima de homicídios do país. É o que indica levantamento realizado pela organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, Ciência e Cultura, publicado em 2006, que posiciona o Brasil como o terceiro país, num total de 84, que tem mais jovens no Brasil entre 15 e 24 anos vitimados por homicídios. A constatação é literal e sem fendas, no frigir dos ovos, no Brasil, é o jovem quem paga o pato.3
Na mesma cena, com outros personagens, vemos a criminalidade aumentar entre as camadas médias e ricas. Roubos, furtos, agressões tornam-se comuns a aceitáveis num país onde quase todos zombam dos acordos e da ética.
A adolescência não é um lugar estanque, uma espécie de hiância entre o não mais e o não ainda, ela se inscreve no mesmo fluxo de injunções políticas, sociais e psíquicas que acompanham a vida dosseres humanos em sociedade. É um erro especializar a adolescência acentuando suas características em nome da criação de sujeitoscaricatos, especiais e estranhos. É um erro apontar para o adolescente os acertos dos adultos, como se fosse um modelo degradado que ele têm de engolir.
O adolescente quer e precisa reconhecer-se nas coisas que tem e que é. Mas ele também deve ser encarado sem cinismo ou complacência e suas dúvidas e inquietações precisam ser levadas a sério. Na França, por exemplo, o problema do suicídio entre adolescentes (Pommereau, 2002) tornou-se um problema de saúde pública.4 São eles, os próprios adolescentes, que resolveram levar ao extremo a seriedade de suas angústias e dores.
A libertação e o aprisionamento prometido para o os 18 anos é, portanto, uma injunção repleta de equívocos que traduz mal as potencialidades dos jovens antes disso. A maioridade não resguarda nenhuma promessa. Ela é o princípio onde tudo começa e nada termina. Ser maior de idade não é outra coisa senão a continuidade de um processo em que o jovem-adulto poderá reconhecer-se em perpétuo crescimento. A maioridade é a ruína dos ideais e das fantasias de identidade que não se concretizam aos dezoito, mas impõem novas e maiores exigências.
Tornar-se legalmente adulto não representa a travessia bem sucedida da adolescência, assim como a adolescência não representa a travessia bem sucedida da infância. Chegar aos dezoito traz apenas a possibilidade social teórica das experiências do cuidar-se, do autonomizar-se e encontrar-se com as dificuldades que isso supõe.
Ao jovem adulto será imputada uma nova tarefa: deve abdicar de sua adolescência e tornar-se o adulto que dele se espera: empregado, consumidor e de boa aparência. Espera-se que o adolescente seja o capital humano, autoinvestível e gerador de lucros e dividendos.
Ninguém espera mais que o jovem defenda uma ideologia, princípio ou valores. O jovem hoje esta aí para ser a ruína de todos os valores e o fracasso de um mundo que não quer e não aceita sua indignação. Jogá-lo nos galpões do sexo fácil, do consumo "cultural" e das "viagens" regadas a pílulas e pó tornou-se uma forma de controlá-los e inibi-los.
Eles estão nas baladas, nos bailes funk, nos shows de massa e nos mega festivais eletrônicos ou de hip-hop. Mas onde mais os encontraremos felizes e esperançosos? Onde poderemos encontrá-los de modo a aprendermos e nos divertirmos com eles?
Onde ainda podem se encontrar pais, filhos, professores, alunos, ídolos e celebridades, fora da redoma polarizada que não admite contato? Redoma que, paradoxalmente, expõe todos ao risco da banalização da adolescência, inventando um novo sujeito que constela as crises identitárias de todos e, ao mesmo tempo, recusa a todos sua docilidade e sua solidariedade porque eles, de algum modo, sabem que, lá onde nos perdemos, os jovens, a seu modo, estão se virando. E nós com isso?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Endo, P. C. (2005). O corpo na cidade: degradação e espetáculo. In P. C. Endo, A violência no coração da cidade: Um estudo psicanalítico (pp. 221-262). São Paulo: Escuta/FAPESP. [ Links ]
Pommereau, X. (2002, Avril). Rapport sur la santé des jeunes. França. Texto recuperado em 03 mai. 2009: www.sante.gouv.fr/htm/actu/jeunes/sommaire.htm [ Links ]
Ribeiro, R. J. (2004). Política e juventude: o que fica da energia. In P. Vanuchi & R. Novaes, Juventude e sociedade (pp. 19-33). São Paulo: Editora da Fundação Perseu Abramo. [ Links ]
Spagnol, A. S. (2008). Jovens perdidos. São Paulo: Annablume/FAPESP. [ Links ]
NOTAS
1 Mais sobre esse ponto em Endo (2005).
2 Levantamento realizado pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (2003) indica que menos de 4% do total de crimes é cometido por adolescentes e apenas cerca de 1% do total de homicídios é de sua autoria. Acessar: http://www.campanhaeducacao.org.br/patsab_maioridade.pdf
3 Dados disponíveis em http://www.campanhaeducacao.org.br/patsab_maioridade.pdf. Texto recuperado em 10 jul. 2009.
4 http://www.injep.fr/Sante-des-jeunes-attention-danger.html. Texto recuperado em 10 jul. 2009.
Recebido em agosto/2009.
Aceito em outubro/2009.