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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.17 no.1 São Paulo jun. 2012
ARTIGO
Formação continuada de professores: conhecimento e saber na análise clínica das práticas profissionais
Continuing teachers' education: knowledge and wisdom in the clinicalanalysis of professional practice
Formación continuada de maestros: conocimiento y saber en el análisis clínico de las prácticas profesionales
Sandra Francesca Conte de Almeida
Psicanalista. Professora dos Programas stricto sensu em Psicologia e em Educação da Universidade Católica de Brasília, sandraf@pos.ucb.br
RESUMO
Na direção da análise das práticas docentes, de orientação psicanalítica, a implicação subjetiva eprofissional do professor, no exercício de seu ofício, demanda a necessária articulação entre conhecimento e saber, isto é, entre o conhecimento possível e contingencial, produzido pela ciência, e o (des)conhecimento do enigma que anima o sujeito, um saber não-sabido, portador de verdade. Para que o conhecimento não se reduza à dimensão de objeto de troca e de gozo do Outro, o professor, marcado por seu estilo singular, dá testemunho do saber que o habita e o interroga, enquanto produção de desejo, cuja verdade torna-se o caminho a guiá-lo na aventura de educar entre Sila e Caríbdis. Tal é o desafio à formação de professores, na perspectiva da análise clínica das práticas profissionais, cuja origem histórica permite compreender e analisar seus desdobramentos, nos dias atuais.
Descritores: formação de professores; psicanálise; educação.
ABSTRACT
In thepsychoanalyticperspective of teachers' practices analysis, the subjective and professional implications of the teacher when exercising his or her job, demands a necessary articulation between knowledge and wisdom, that is, between possible and incidental, scienceproduced knowledge and the lack of knowledge of the enigma which animates the subject, a knowledge of the unknown, carrier of truth. For not reducing knowledge to the dimension of an object of exchange and enjoyment ("jouissance") of the Other, the teacher, marked by his or her singular style, give witness of the knowledge that inhabits him or herself and interrogates it while production of desire, whose truth becomes the way that guides him or her in the adventure of educating between Sila and Caribdis. This is the challenge placed at the education of teachers in the perspective of the clinical analysis of professional practice, whose historical origins allows understanding and analyzing its consequences nowadays.
Index terms: teacher education; psychoanalysis; education.
RESUMEN
Al direccionarse el analisis de lasprácticas docentes, de orientación psicoanalitica, la implicación subjetiva y profesional del maestro, en el ejercicio de su oficio, requiere la articulación necesária entre el conocimiento y el saber, eso quiere decir, entre elposible conocimiento, producto de la ciencia, y el (des)conocimiento del enigma que anima el sujeto, un saber no-sabido, que contiene la verdad. Para que el conocimiento no se reduzca a la dimension de objeto de cambio y de gozo del Outro, el maestro, marcado por su estilo singular, dá testimonio del saber que lo habita y le interroga, comoproducción del deseo, cuya verdad se vuelve el camino que lo conduce a la aventura de educar entre Silas y Caríbdis. Tal es el reto que se presenta a la formación de maestros, en la perspectiva del analísis clínico de las prácticas profesionales, cuya origen históricapermite comprender y analisar sus desdobramientos en los días actuales.
Palabras clave: formación de maestros; psicoanálisis; educación.
A origem histórica da análise clínica das práticas profissionais, de orientação psicanalítica, será resgatada, no presente trabalho, com o propósito de analisar alguns de seus desdobramentos teórico-metodológicos na formação de professores, nos dias atuais.
Há algum tempo dedicamo-nos a estudar e a pesquisar dispositivos clínicos, estratégias e procedimentos de formação continuada de psicólogos escolares e professores do ensino fundamental e médio, que contemplem a articulação entre desenvolvimento pessoal e profissional, as dimensões inter e intrasubjetivas presentes nas práticas profissionais e as relações transferenciais e contratransferenciais, no campo das ações educativas e das intervenções de natureza terapêutica, na perspectiva das conexões psicanálise e educação. Entendemos que todas essas dimensões são atravessadas pelas formações do inconsciente e têm efeitos e implicações no cotidiano das instituições e na práxis de psicólogos e professores que atuam no contexto da escolarização de crianças e adolescentes. Na última década, no entanto, temos nos voltado mais para a formação de professores e nos ocupado menos da formação de psicólogos escolares, não por uma questão de escolha pessoal, mas por circunstâncias institucionais ligadas às nossas atividades acadêmicas e profissionais (Almeida, 2003a, 2003b; Araujo & Almeida, 2003, 2005; Neves & Almeida, 2003; Aguiar & Almeida, 2008; Almeida & Paulo, 2009, 2010; Almeida et al., 2010; Marinho-Araujo & Almeida, 2010; Almeida, 2011).
O encontro com a análise das práticas representou um marco importante no nosso percurso acadêmico e profissional e permitiunos, como psicanalista e docente implicada no campo da educação, tomar a psicanálise em extensão, pela via da transmissão de um estilo existencial, como referência fundante daquilo que pode ser transmitido da psicanálise na formação de educadores, em termos de seus fundamentos epistemológicos, conceituais e éticos (Almeida, 2006; Almeida & Paulo, 2009; Almeida, 2011).
O objetivo principal que tem orientado a nossa atuação, como pesquisadora, é o de colocar em prática, por meio de projetos de extensão e de pesquisa-ação/intervenção, uma modalidade de formação continuada de professores que leve em conta a especificidade do métier, de natureza relacional e interativa, e a necessidade de construção de um saber-fazer na ação, a partir da experiência vivida, na prática, de forma que se torne possível, para o professor, uma articulação mais fecunda entre saberes teóricos e práticos.
Referimo-nos a um "modelo" de formação centrado na escuta clínica e na análise do que realmente faz o professor na sua sala de aula, de modo a que ele possa vir a desenvolver a capacidade de analisar e integrar as diferentes situações profissionais vividas, percebidas por representações de sucessos, fracassos e impasses, bem como analisar as condições pessoais, institucionais e sociais que facilitam ou dificultam o exercício de sua profissão. Acreditamos que a capacidade de o professor mudar, ressignificar, a sua prática está estreitamente vinculada à capacidade de analisar suas próprias ações e as de seus pares. Trata-se, assim, de reconstituir, por meio da análise reflexiva, os saberes, o saber-fazer, as concepções, as representações sociais e as atitudes (saber-ser) colocadas em prática nas ações/intervenções pedagógicas e educativas vividas no cotidiano do exercício docente.
Essa modalidade de formação permite uma confrontação do professor com o seu próprio dizer, no sentido atribuído por Lacan (1998, p. 598), no texto "A direção do tratamento e os princípios de seu poder", no qual ele estabelece a diferença entre a interpretação e a confrontação.
Nesse texto, Lacan aponta que a interpretação incide sobre a divisão subjetiva do sujeito e seu assujeitamento ao Outro, pois "obra de um animal presa da linguagem, o desejo do homem é o desejo do Outro" (1998, p. 634). Criticando "o lugar ínfimo que a interpretação ocupa na atualidade psicanalítica" (1998, p. 598), ele a opõe à confrontação. Esta é definida como "toda sorte de intervenções verbais que não são a interpretação: explicações, gratificações, respostas à demanda... etc", ou como um procedimento que impõe que até
uma formulação articulada para levar o sujeito a ter uma visão (insight) de uma de suas condutas, sobretudo em sua significação de resistência, possa receber um nome totalmente diferente, como confrontação, por exemplo, nem que seja a do sujeito com seu próprio dizer, sem merecer o de interpretação, simplesmente por ser um dizer esclarecedor. (Lacan, 1958/1998, p. 598)
Nesses termos, a confrontação, aplicada à análise clínica das práticas profissionais, no campo da educação, permite que o professor se implique naquilo que ele fez e faz (e não no que vai fazer ou deve fazer), ao mesmo tempo em que introduz uma atitude de questionamento e de distanciamento necessário em relação ao seu próprio dizer e às suas escolhas e ações. Pode-se afirmar que a confrontação estabelece uma conexão interrogante entre conhecimento e saber, isto é, entre o conhecimento possível e contingencial, produzido pela ciência, e o (des)conhecimento do enigma que anima o sujeito, um saber não-sabido, portador de verdade, articulado ao desejo. Este dispositivo convoca o professor a se posicionar face à complexidade do ato educativo como sujeito, sujeito divido pela linguagem, pelo gozo que o habita e pelo desejo (de saber), único meio de barrar o gozo e percorrer o caminho enigmático no qual escreverá a sua história pessoal e profissional. Lacan (2008) nos ensina que é pela "renúncia ao gozo que começamos a saber um pouquinho. A partir do saber, percebe-se, enfim, que o gozo se ordena" (p. 40).
Nessa direção, a formação de professores, de inspiração psicanalítica, por meio da análise clínica das práticas profissionais, tem se apresentado como uma via particularmente interessante e fecunda pela qual os professores se autorizam a se aventurar na difícil experiência de "abrir mão" da instrumentalização técnica e das ferramentas teóricas derivadas de diferentes informações e conhecimentos "científicos" acerca da escolarização, educação e tratamento de crianças e adolescentes, para enveredar por caminhos menos conhecidos e encontros inesperados, balizados pelo desejo de saber que embala a verdade de sua falta-a-ser constitutiva.
A formação de professores, nessa perspectiva, representa um enorme desafio, porque é muito mais simples e cômodo (for) matar o outro pela via da identificação ao Eu magistral, pelo ensino e produção sistemática de conhecimentos, técnicas e métodos cientificamente legitimados pelo discurso psicopedagógico hegemônico do que propriamente instituir a alteridade, incentivar a não-fabricação dos "bons" hábitos e das "belas" formas e privilegiar o processo (a práxis) e não o produto (apoiética), conforme assinalam Imbert (2001, 2003) e Almeida (2003a). Assim, o projeto de formação em questão é ético e não moral e convida o professor a reconhecer que "a 'boa prática' é sempre uma prática apropriada por um professor particular, com alunos particulares, em uma situação particular", conforme assinala Altet (2000, p. 18). Para a autora, somente a análise dessa prática contextualizada permite ao professor apre(e)nder o seu ofício.
É preciso reconhecer, em um tributo necessário à tradição, que a referência histórica de análise clínica das práticas profissionais encontra-se no dispositivo de Grupo Balint, aplicado à formação e supervisão de trabalhadores sociais e de saúde, notadamente os médicos (Balint, 1973).
Imbert (2000), Pechberty (2003) e Blanchard-Laville (2006) recuperam a historicidade, a importância e as contribuições fundantes do Grupo Balint, pois este dispositivo teve grande influência no campo da formação clínica de professores, servindo de referência conceitual e metodológica na análise das práticas profissionais, notadamente na França. Iremos nos reportar a esses autores para resgatar aspectos importantes desse dispositivo grupal, que também serviu de inspiração e foi estendido e adaptado à análise clínica das práticas de professores, no Brasil, acolhendo diferentes interpretações, ajustes e manejos, no campo teórico-clínico psicanalítico.
Imbert (2000) relata que o dispositivo de grupo usado por Balint na formação de médicos, em Londres, em meados do século XX, não tinha a intenção de permitir uma "análise pessoal", pois seu objetivo principal era o de "formação". Essa formação se elaborava por meio da discussão, entre pares, sobre a relação médicopaciente. O material utilizado, o objeto de trabalho, era a contratransferência do médico, isto é, "a maneira pela qual ele fazia uso de sua personalidade, suas convicções científicas, seus patterns de reações automáticas, etc" (p. 149), na relação com os pacientes. O seminário conduzido por Balint era, essencialmente, um lugar de fala e, evocando a livre associação, regra fundamental da psicanálise, tinha uma única regra de estrutura: falar livremente sobre o que se passava na prática profissional. Para Balint, observa Imbert, a prática médica não se reduzia a uma "manipulação técnica", a uma relação entre um sujeito e um objeto, mas engajava tanto a personalidade do paciente quanto a do médico, em uma relação de "interação". A redução da prática médica a uma "atividade instrumental" era interpretada, por Balint, como uma resposta contratransferencial que visava proteger o médico "de toda relação subjetiva a dois, com seus doentes" (1973, p. 150). Imbert (2000) lembra, ainda, que apesar do dispositivo Balint não ter como objetivo principal a terapia, isto não exclui, evidentemente, que ele tenha efeitos "terapêuticos", como consequência do trabalho de fala ali posto em obra.
Assim, é possível que participantes de grupos de formação clínica possam vir a se engajar em uma terapia ou em uma análise, para dar continuidade, em um outro plano, ao trabalho de separação, de desengajamento das identificações maciças, de reconhecimento das dimensões transferencial, contratransferencial, fantasmática e simbólica que estão em jogo, no exercício das práticas profissionais. A questão da demanda de análise, por professores, como efeito da transmissão da psicanálise, no contexto da formação em exercício (Almeida, 2006), continua, ainda hoje, a fazer ressonância e a nos interrogar acerca dos efeitos subjetivantes dos grupos clínicos de fala e de escuta da práxis educativa.
Para Pechberty (2003), o grupo Balint é, sem dúvida, o exemplo mais puro da "clareagem"1 clínica, de orientação psicanalítica, das práticas pedagógicas. O autor aponta as características principais do dispositivo e sua aplicação à análise clínica das práticas profissionais, no contexto da formação de professores. Relata que o dispositivo deve reunir "práticos", isto é, profissionais em exercício, todos com um estatuto profissional idêntico, coordenados por um animador, "analisado ou analista" (p. 267). Reiteramos a posição de Pechberty, quanto às condições pessoais e profissionais daquele que anima o grupo de análise clínica das práticas profissionais (Almeida, 2011).
O procedimento metodológico adotado é relativamente simples: o animador propõe que cada participante descreva uma situação que lhe fez (ou faz) questão, pessoalmente, no exercício de sua prática, em sala de aula, com um aluno, com colegas, no contexto da instituição escolar.2
A experiência do autor tem demonstrado, conforme ele assevera, que o relato profissional e a fala pessoal se tornam significantes de outra realidade psíquica que se repete e que atua em sala de aula e nas atitudes e decisões tomadas no cotidiano (Pechberty, 2003). Trata-se, aqui, nos parece, de apontar a emergência da fala implicada, subjetivamente, com a verdade do sujeito, que abre a possibilidade, ao menos, de um semi-dizer enunciado pela cena inconsciente que comanda o desejo do professor em relação ao seu ofício.
Assim, a aposta que anima o grupo de análise clínica das práticas profissionais consiste em conceder crédito à fala, ao relato do professor, validando-os e reconhecendo o seu poder, seu efeito e suas ressonâncias inconscientes nos modos de relação do sujeito com o saber e o conhecimento, nas suas atitudes e ações e nas decisões tomadas.
Por meio dos dispositivos de fala e de escuta clínica, o professor se vê confrontado ao seu dizer e isto lhe per-mite articular e integrar aspectos da identidade pessoal e profissional, que compõem a realidade psíquica do ser professor. Para Balint (citado por Pechberty, 2003, p. 267), este trabalho permite "uma mudança limitada, mas considerável, da personalidade".
Os "grupos de acompanhamento clínico", de orientação psicanalítica, animados por Blanchard-Laville (2006), na análise das práticas profissionais voltadas para a formação de professores e de formadores, também se inspiram no Grupo Balint e visam a "instaurar um trabalho de elaboração psíquica, com objetivo profissionalizante, em torno de situações profissionais reportadas pelos participantes, sob a forma de relatos" (s.p.). Não se transmitem, portanto, nesses grupos, saberes teóricos e/ou conhecimentos estabelecidos, pois o trabalho é totalmente focado na análise das situações e questões de natureza pro-fissional trazidas pelos participantes.
Ao descrever o dispositivo, Blanchard-Laville (2006) enfatiza al-guns aspectos práticos do enquadre, tais como: formação de um pequeno grupo, regularidade e duração das sessões, assiduidade e participação efetiva, duração do grupo ao longo do tempo, condições necessárias para que se permitam "avanços, recuos, maturações e evoluções" (s.p) no processo de análise das práticas profissionais. Neste sentido, o espaço estruturante do enquadre facilita o estabelecimento de uma relação de confiança entre os participantes e a criação de condições favoráveis ao trabalho de apreensão e análise dos fenômenos e determinantes psíquicos, conscientes e inconscientes, que se atualizam nas narrativas dos sujeitos. Sabemos, todos, que esses determinantes psíquicos se impõem para além da vontade do sujeito, e afetam seu comportamento, seu discurso, suas escolhas e decisões.
Ao se referir a Balint, Blondeau (2000) assinala que, aos seus olhos, a animação dos grupos não pode ser sustentada por jovens psicanalistas, pois ela supõe que o animador do grupo tenha, ao mesmo tempo, uma experiência com o trabalho analítico, uma experiência de controle (supervisão) e uma prática na conduta de grupos. De nossa parte, acreditamos ser absolutamente necessário que o animador seja um profissional atravessado, afetado, de um modo particular pela psicanálise, e que tenha experiências suficientes no campo da educação para que consiga manejar, a partir de uma posição clínica, as diversas e diferentes situações subjetivas e profissionais que surgirão na esteira do dispositivo de formação (Almeida, 2011).
No que diz respeito à nossa atuação nesse campo de intervenção e de pesquisa, as bases teóricas da análise clínica das práticas profissionais se apóiam na teoria lacaniana dos quatro discursos (Lacan, 1996), que define o discurso como uma estrutura de linguagem que determina as modalidades de laços sociais entre os sujeitos, dependendo do lugar que o sujeito ocupa na formação discursiva e da posição na qual coloca o outro. Também Bastos (2003) e Bastos e Kupfer (2010) extraem dos quatro discursos lacanianos as bases teóricas que alicerçam a análise das práticas profissionais, no campo da escuta de professores no trabalho de inclusão escolar com crianças psicóticas e autistas.
Costumamos levar em conta, ainda, que nos contextos da Academia e da formação continuada de professores, no Brasil, o dispositivo de análise clínica das práticas se vê confrontado a uma série de dificuldades e limites, aos quais é preciso estar atento. Um problema, sem dúvida, se refere à formação do animador e, outro, não menos importante, concerne o lugar que a psicanálise ocupa no imaginário de professores e de instituições escolares. Estes dois aspectos exigem cuidados e atenção especiais no manejo dos grupos e nos dispositivos de transmissão da psicanálise, no campo das práticas educativas.
Com relação à transmissão da psicanálise a professores, esta se situa no campo da ética do desejo do analista e não se encontra a serviço de um ensino qualquer, que responda às demandas por um conhecimento outro, que venha a mascarar a angústia e o desamparo de um sujeito no exercício de uma profissão "impossível". Essa transmissão se presta, sobretudo, a que o analista dê provas de sua relação particular com a psicanálise, no campo da cultura, por meio do que Natanson (2002), em substituição à terminologia psicanálise aplicada, nomeia de psicanálise implicada (p. 56), isto é, quando a psicanálise sai do lugar habitual no qual nasceu, a prática analítica, para realizar um trabalho sobre a relação, procurando atingir um outro nível, uma "clareagem" (éclairage) das nossas próprias atitudes, uma análise da transferência e da contratransferência. Nas palavras da autora, "não se trata de um dom que tamponaria uma falta nem de um saber que apagaria as incertezas, mas de uma "clareagem" pela qual a psicanálise sustenta a fala de cada um" (p. 56), por meio da escuta implicante do analista/animador do grupo.
Para finalizar esta breve nota sobre a análise das práticas na formação de professores, reafirmamos a convicção de que no campo do ensino e das aprendizagens, terreno fértil da práxis docente, para que o conhecimento não se reduza à dimensão de objeto de troca e de gozo do Outro, deve-se ousar propor que seu ensino, marcado pela transmissão do estilo singular do professor, dê testemunho do saber que o habita e o interroga, enquanto produção de enigma sobre o desejo, cuja verdade torna-se o único caminho possível a guiá-lo na aventura de educar entre "o Sila da não-interferência e o Caríbdis da frustração" (Freud, 1933/1976, p. 182). Tal é o desafio à formação continuada de professores, na perspectiva da análise clínicas das práticas profissionais, de orientação psicanalítica.
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NOTAS
1 Termo cunhado por Maria Cristina Kupfer, do IP/USP, na tradução de éclairage, do francês.
2 Lembramos, a partir da nossa própria experiência, que podem ser relatadas, também, situações vividas ou percebidas que se relacionam à família e às condições de existência dos alunos, na medida em que estas afetam a prática pedagógica e a relação professor-aluno, questão particularmente sensível na realidade social de nosso país.
Recebido em junho/2011
Aceito em agosto/2011