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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2014

 

DOSSIÊ
A CRIANÇA, SUA MÃE E OS OUTROS

 

Nascimento e internação do bebê prematuro na vivência da mãe1

 

Birth and hospitalization of the premature child in the mother experience

 

Nacimiento e internación del bebé prematuro en la vivencia de la madre

 

 

Daniel Nardini Queiroz PergherI; Carmen Lúcia CardosoII; Adriana Vilela JacobIII

IMestre em Psicologia. Supervisor de estágio na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP - USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIDocente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP - USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIIDoutora em Saúde Mental pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FFCLRP - USP) e membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto (IPA), Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetiva compreender as condições emocionais de uma mãe após o nascimento e internação de uma bebê prematura de muito baixo peso. O trabalho tem enfoque qualitativo e utiliza como método o estudo de caso instrumental. É analisada, sob a perspectiva de Winnicott, a vivência de uma mãe que já havia perdido dois bebês durante as gestações e um prematuro. A análise permite compreender a dinâmica emocional e a fragilidade egoica materna. É possível ampliar o olhar sobre a prematuridade e tecer considerações a respeito das possibilidades de ajuda oferecida às mães de bebês prematuros.

Descritores: mãe-bebê; bebê prematuro; psicanálise; estudo de caso; equipe de saúde.


ABSTRACT

This study aimed to comprehend the emotional conditions of a mother, after the birth and hospitalization of a very low weight preterm child. The work had a qualitative perspective and used as method the instrumental case study. It was analyzed, under Winnicott's approach, the experience of a mother who had already lost two babies during pregnancy and a preterm child. The analysis allowed understanding the emotional dynamic and the ego fragility of this mother. It was possible to broaden perspectives on preterm delivery and make some considerations regarding the possibilities of help offered to mothers of premature babies.

Index terms: mother-baby; premature baby; psychoanalysis; case study; health team.


RESUMEN

Este estudio trató de comprender el estado emocional de una madre después del nacimiento e internación de un bebé prematuro de muy bajo peso. El trabajo tuvo un enfoque cualitativo y utilizó como método el estudio de caso instrumental. la vivencia de la madre, que ya había perdido dos bebés durante las gestaciones y uno prematuro, se analizó con la perspectiva de Winnicott. El análisis permitió comprender la dinámica emocional y la fragilidad egoica de esta madre. fue posible ampliar la mirada sobre la prematuridad y elaborar consideraciones con respecto a las posibilidades de ayuda a las madres de bebés prematuros.

Palabras clave: madre-bebé; bebé prematuro; psicoanálisis; estudio de caso; equipo de salud.


 

 

Introdução

Nascimento: aspectos psicológicos

A importância das primeiras relações na vida de um bebê como o alicerce para o desenvolvimento de sua personalidade foi extensivamente pesquisada pela psicanálise. Winnicott (1952/2000c) afirma que a base para a saúde mental é instaurada pela mãe desde a concepção e ao longo dos cuidados maternos comuns por ela dispensados ao bebê. É na fase de "dependência absoluta" (Winnicott, 1963/1983c, p. 82) do bebê em relação ao ambiente que a mãe desenvolve o que o autor denomina "preocupação materna primária" (Winnicott, 1956/2000e, p. 401). O estado especial da mãe faz ela ser capaz de compreender o bebê por meio de sua surpreendente capacidade de identificação, auxiliando-o no processo de integração de sua personalidade.

Segundo Winnicott (1945/2000a), a experiência instintiva repetida e silenciosa de ser cuidado fisicamente pela mãe ajuda a construir no recém-nascido o que o autor denomina "personalização satisfatória" (p. 225). Se a mãe for emocionalmente madura, fisicamente capacitada e puder viver as experiências iniciais de seu bebê junto dele, tolerando e compreendendo seu recém-nascido, surgirá o primeiro vínculo estabelecido pelo bebê com um objeto externo.

O autor relata a importância do contato íntimo entre a mãe e o bebê para um desenvolvimento favorável da criança. Para ele, o processo é enormemente facilitado se o bebê for cuidado por uma única pessoa:

É especialmente no início que as mães são vitalmente importantes, e de fato é tarefa da mãe proteger seu bebê de complicações que ele ainda não pode entender, dando-lhe continuamente aquele pedacinho simplificado do mundo que ele, por meio dela, passa a conhecer. (Winnicott, 1945/2000a, p. 228)

O bebê que não dispõe de uma "mãe suficientemente boa" (Winnicott, 1960/1983a, p. 133), que o ajude a filtrar a realidade externa neste período, deve reagir precocemente, pois não consegue se proteger das sensações de intrusão que o meio proporciona e que interrompem o seu "continuar a ser" (Winnicott, 1956/2000e, p. 403). O excesso dessas reações não provoca simplesmente frustração, mas uma "ameaça de aniquilamento" (Winnicott, 1956/2000e, p. 403).

Ainda segundo Winnicott (1956/2000e), a base para o estabelecimento do ego é um suficiente "continuar a ser" (p. 403) pouco interrompido por reações à intrusão. A "mãe suficientemente boa" (Winnicott, 1960/1983a, p. 133) pode sentir-se no lugar do bebê e, assim, corresponder às suas necessidades. A princípio, trata-se de necessidades corporais que gradualmente transformam-se em necessidades do ego.

A primeira organização do ego deriva da experiência de ameaças de aniquilamento que não chegam a se cumprir e das quais, repetidamente, o bebê se recupera [grifo do autor]. A partir dessas experiências, a confiança na recuperação começa a transformar-se em algo que leva ao ego e à capacidade do ego de suportar frustrações. (Winnicott, 1956/2000e, pp. 403-404)

A dupla mãe-bebê, segundo Rosa (2009), dispõe desde os primórdios da sustentação do pai. Além de sustentar essa dupla, o pai também cumpre, em momentos oportunos, o papel de mãe-substituta, exercendo seu lado materno. A qualidade do colo que a mãe oferece ao recém-nascido é influenciada pela sustentação que o pai dá ou não a ela: assim como a mãe constrói um espaço para o bebê habitar, o pai também cria um espaço para que a mãe possa se entregar ao estado de "preocupação materna primária" (Winnicott, 1956/2000e, p. 401).

No novo cenário, decorrente do nascimento de uma criança e na nova configuração de vínculos familiares, muitos conflitos podem ser despertados. Segundo Silva (2004), para obter as condições de ser pai e ser mãe é necessário tornarem-se pais, algo que passa pelo desenvolvimento da "parentalidade" (p. 9). Esta não inclui apenas o sentido biológico do termo: ser pai ou ser mãe constitui-se também numa oportunidade para refletir a respeito de sua ascendência, algo que passa por um nível psíquico-simbólico. Para se tornar pai ou mãe, é preciso ter feito um trabalho interior que começa pela aceitação de que se herdou dos pais.

No caso de um nascimento prematuro, em que a gravidez foi interrompida precocemente, o desafio de tornarem-se pais pode ser ainda maior, pois o recém-nascido não corresponde ao bebê idealizado na gravidez. Além desse luto pelo bebê imaginário, existe o luto pelo bebê real, que corre risco de morte ou está com a morte anunciada (Baldissarella e Dell'Aglio, 2009).

 

Bebê prematuro

A prematuridade é definida pela idade gestacional: bebês nascidos com menos de 37 semanas de gestação são classificados como pré-termo. Aqueles nascidos entre 37 e 41 semanas são classificados como a termo, e com 42 semanas ou mais, pós-termo. Quanto maior a idade gestacional do recém-nascido pré-termo, menor o risco de morte e de complicações em seu estado de saúde (Formiga e Linhares, 2009).

Outra variável importante na avaliação do desenvolvimento de um bebê é seu peso. Quanto menor o peso do bebê, maior é o risco de atraso e/ou comprometimento no desenvolvimento. Bebês com baixo peso são aqueles que pesam ao nascer inferior a 2.500 gramas e os de muito baixo peso são aqueles com menos que 1.500 gramas (Caçola e Bobbio, 2010).

A idade gestacional e o peso ao nascer, pelo papel relevante na maturidade de vários sistemas, ajudam na previsão de problemas que os recém-nascidos prematuros podem apresentar. Desse modo, são variáveis que estão inter-relacionadas, e os desvios, em qualquer uma delas, para fora da faixa de normalidade, podem ser preditivos de complicações no desenvolvimento e de aumentos na morbidade e na mortalidade infantil. O grupo de crianças pré-termos com peso abaixo de 1.500 gramas é vulnerável do ponto de vista biológico e constitui grupo de alto risco, ou seja, são crianças mais suscetíveis de apresentar padrões de desenvolvimento incompatíveis com sua faixa etária, em comparação aos indivíduos da população em geral (Formiga e Linhares, 2009).

O desenvolvimento desfavorável de um bebê pré-termo de muito baixo peso é influenciado tanto pelas condições do nascimento e das complicações médicas, quanto pelo ambiente familiar e social. Dessa maneira, o contexto familiar adequado pode se tornar um mecanismo de proteção psicossocial aos bebês prematuros (Nobre, Carvalho, Martinez e Linhares, 2009).

Entende-se, assim, que o vínculo do bebê prematuro com a mãe, nos primeiros meses de vida, é essencial para o desenvolvimento dele. Os cuidados dispensados pela mãe são muito importantes para o desenvolvimento físico e emocional do bebê.

O vínculo entre a mãe e o bebê, relacionado à "preocupação materna primária" (Winnicott, 1956/2000e, p. 401), estabelece-se com dificuldade no contexto do rompimento gerado pela prematuridade. A hospitalização numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal (UCIN) interrompe a íntima relação existente entre a dupla mãe-bebê, pois o bebê prematuro, na maioria dos casos, não tem condições físicas de viver fora do útero sem ajuda da tecnologia médica. Nesse caso, a mãe deve se esforçar ainda mais para se vincular ao bebê. E tal situação pode representar uma vivência traumática para os dois (Wirth, 2000).

Baldissarella e Dell'Aglio (2009) afirmam ser necessário que o hospital ofereça à mãe um ambiente acolhedor para que ela possa receber e proteger seu bebê, amenizando os efeitos desaa interrupção. Acrescenta-se que o sistema hospitalar influi de maneira direta ou indireta na qualidade da relação que está se estabelecendo entre a mãe e seu bebê a ponto de favorecer ou não o desenvolvimento da capacidade de interação da dupla.

A formação do vínculo entre a mãe e seu bebê prematuro é muito importante, pois o recém-nascido que nasce antes do tempo esperado necessita, como qualquer outro bebê, de suporte materno para seu desenvolvimento emocional. A mãe nessas condições enfrenta situações emocionais adversas como o luto, as frustrações e a presença iminente da morte, e necessita superá-las para se vincular afetivamente ao seu filho. Nesse sentido, as peculiaridades da situação decorrente da prematuridade colocam o estabelecimento do vínculo mãe-bebê e o desenvolvimento da função materna em um contexto de fragilidade, demandando especial atenção.

 

Objetivo

Este estudo objetiva compreender as condições emocionais de uma mãe após o nascimento e internação de sua bebê prematura de muito baixo peso.

 

Metodologia

Participaram do estudo cinco mães de bebês pré-termo (< 37 semanas de idade gestacional) de muito baixo peso (< 1.500 gramas) que tinham, no momento das entrevistas, seus bebês internados em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de um Hospital Escola Público de uma cidade de médio porte do interior paulistano. Tais mães foram selecionadas arbitrariamente no referido hospital no momento de coleta de dados deste estudo.

Foram realizadas entrevistas com essas mães, utilizando um roteiro de entrevista semidirigida (Turato, 2003). Esse instrumento possibilita que o entrevistador possa investigar temáticas da vivência das mães como gravidez, nascimento do filho e internação. As entrevistas foram audiogravadas com o consentimento das participantes e, posteriormente, transcritas na íntegra pelo pesquisador.

As mães eram todas de camadas populares da sociedade, a maioria com o primeiro filho não planejado; todos os bebês nasceram prematuros de muito baixo peso e ficaram internados na mesma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal de um Hospital Escola Público, pelo período mínimo de 30 dias.

Cada mãe foi entrevistada duas vezes, totalizando dez entrevistas; a primeira entrevista foi feita logo após o nascimento, com até quinze dias de vida do bebê, e a segunda, após um mês da primeira entrevista. Tal procedimento objetivou captar dois momentos distintos: o impacto do nascimento do bebê prematuro para a mãe e, num segundo momento, as vivências de internação no hospital.

Realizadas, transcritas e lidas extensivamente as entrevistas com as cinco mães, é possível perceber diversos sofrimentos relacionados ao nascimento e à internação de seus bebês prematuros. A escolha de uma mãe para compor a análise deste artigo deu-se por causa do estado emocional no qual ela se encontrava durante o período de internação da bebê no hospital. Pode-se afirmar que o sofrimento por ela enfrentado era emblemático dentro do conjunto de participantes, pois trazia de forma aguçada as angústias também enfrentadas pelas outras mães entrevistadas. Isso permitiu aprofundar a análise das vivências e dos sentimentos envolvidos no processo de nascimento e internação do bebê prematuro na experiência da mãe.

Dessa maneira, o trabalho apresenta enfoque qualitativo de pesquisa e utiliza como método o estudo de caso instrumental (Stake, 2000). Para o aprofundamento teórico, é utilizada a teoria psicanalítica de Winnicott. Ressalta-se que, para preservar a identidade da mãe e de sua família, na apresentação do caso, foram criados nomes fictícios para substituir os nomes reais desses participantes.

 

Resultados e discussão

Paloma era uma mulher de 32 anos, com sobrepeso, de estatura baixa, olhos castanhos, voz fina e cabelo comprido. Casada havia oito anos, vivia com seu marido, na época do nascimento prematuro de Amanda, em um cômodo na casa de sua mãe (dona de casa, 53 anos) em um bairro da periferia de uma cidade de médio porte do interior paulista. Trabalhava como funcionária em um pensionato da família, na área de recepção dos hóspedes e na cozinha.

Depois do casamento com Alcides (cortador de cana, 34 anos), teve quatro gestações, e nas duas primeiras ocorreram abortos. Segundo ela, "os médicos classificaram como espontâneos e não souberam dizer o porquê da bolsa ter rompido tão cedo". Sua terceira gestação, do bebê Pablo, foi de risco. Segundo a mãe, Paloma fez tratamento em três instituições de saúde da cidade, que afirmaram não haver mais esperança de que o bebê nascesse vivo. O bebê nasceu vivo, prematuro, mas, após um mês de internação, faleceu por infecção hospitalar.

Após o falecimento desse filho, Paloma descreveu que passou por uma profunda depressão, que durou aproximadamente dois anos, na qual ficava, na maior parte do tempo, fechada em seu quarto, sem ter força para trabalhar ou se relacionar com as pessoas, mas não procurou tratamento. Depois desse período, começou a se recuperar e voltou a trabalhar. Seis meses após sua recuperação, engravidou pela quarta vez, dessa vez de Amanda. Paloma relata:

Aí, quando veio a gravidez, veio assim alegria, mas veio assim, veio o susto.... Eu não queria, não tava programando, aconteceu mesmo, porque particularmente eu tinha na cabeça assim de não engravidar mais. (Primeira entrevista)

Paloma contou que não queria ter um bebê naquele momento e também que uma nova gestação era desaconselhada por seus médicos devido aos riscos que oferecia. No entanto, também não utilizava método contraceptivo. Isso gerou nela numa ambivalência: ao mesmo tempo em que temia uma nova gravidez pelas consequências emocionais da perda do filho na gestação anterior e pelo próprio risco concreto de ser uma gravidez de risco, inconscientemente desejava a chegada de um novo filho como uma possibilidade de anestesiar esse mesmo sofrimento. O novo bebê, dessa maneira, foi se revestindo de uma idealização. Segundo Iaconelli (2007), em algumas situações de perda de um recém-nascido, muitas vezes coloca-se outro bebê no lugar do que foi perdido numa tentativa de preenchimento de um vazio angustiante.

Paloma falou pouco sobre a gravidez da bebê Amanda: apenas disse que foi uma gravidez normal e tranquila. Parecia não ter elaborado sua experiência traumática da perda do bebê Pablo; talvez, por isso, fazia confusões, no seu relato, entre a gestação de Amanda e a de Pablo.

Com 28 semanas de gravidez foi diagnosticada em Paloma hipertensão arterial, e ela precisou de cuidados especiais, que culminaram no nascimento prematuro da criança. Relata Paloma:

Eu fiquei internada vinte dias. A pressão subiu demais. Então internei dia oito, fiquei internada, esperando. O médico disse que ia levar até onde dava, porque deu pré-eclampsia. Aí chegou no dia vinte e seis, e ele disse que teria que estar fazendo a cesárea e chegou um ponto que o bebê não dava mais para ficar na barriga, né? (Primeira entrevista)

Esse trecho aponta uma possível fantasia de que havia pouco espaço na mente ("barriga") de Paloma para sonhar esse bebê durante a gestação. A bebê Amanda, então, nasceu com 28 semanas de gestação, pesando 970 gramas. Logo após o nascimento, seu peso foi para 880 gramas. A alimentação, segundo a mãe, "começou com dois ml de leite (materno)", e, no dia anterior à primeira entrevista, 11 dias após o nascimento, a filha já era alimentada com quatro mililitros, passando a pesar 920 gramas.

A mãe contou que, apesar de ter pouco leite após o nascimento, esforçava-se para retirá-lo tanto em casa quanto no hospital e assim levá-lo para o banco de leite. Esses dados apontam para a esperança dessa mãe com relação à recuperação de sua bebê. É interessante enfatizar também o esforço dela em cuidar da filha, naquilo que estava a seu alcance, ou seja, a retirada do leite. O leite, então, pode ser visto como um recurso que essa mãe tinha para oferecer à filha, em meio a tantas necessidades de cuidados médicos especializados.

Paloma descreveu o parto da seguinte maneira:

[Respira fundo] E aí não chorei, fiquei firme e forte, otimista como sempre, mas com medo. A cesárea foi supertranquila. Conversei o tempo todo com o médico anestesista. Na sala de recuperação, foi super bem. A bebê, quando nasceu, mostrou. Nasceu chorando bastante. Então foi assim. Foi até tranquilo, eu tentei me manter tranquila. Meu coração tava a mil. Mas a gente tenta se manter, pelo menos para, naquele momento, ser mais viável, como se diz, mas, fora isso, tudo bem, depois cê chora né [fica emocionada]. Chora porque deu tudo bem. Chora porque é muito pequenininha. É muito complicado falar porque é uma mistura de emoção que na hora você nem sabe o que está acontecendo. Vou te falar a verdade. É meio complicado. (Primeira entrevista)

Paloma fez um grande esforço para dar vida à bebê, enfrentou o medo, resistiu ao choro. Quando a bebê nasceu, pôde se acalmar diante do choro que anunciava concretamente que sua filha estava viva e aí pôde se conectar com suas emoções de medo e tristeza que também a acompanhavam. Afirma ela:

Mas aí depois da gravidez. Uns três dias. Eu dei uma baqueada. Eu não estou totalmente em pé. Assim, tô firme, né? Mas tá dando para levar. Tá dando para empurrar, como se diz. (Primeira entrevista)

Após o nascimento, Paloma enfrentou a dura jornada de uma mãe que não podia levar seu filho para casa. Mais que o colo materno, como afirmou Wirth (2000), um bebê prematuro, de muito baixo peso, necessita constantemente dos cuidados dos profissionais da saúde e da estrutura de uma UTIN. Assim, Paloma precisou se esforçar para tentar se vincular à bebê (Wirth, 2000) e afirmou:

Só não pode pegar no colo. Mas a gente põe a mão nela. Eu converso bastante. Nesses dois últimos dias que ela abriu o olhinho. (Primeira entrevista)

As dificuldades vivenciadas por Paloma no nascimento parecem ter se intensificado após o primeiro mês de internação da bebê, quando foi realizada a segunda entrevista:

Tinha dia que eu chegava lá [no hospital]. Tava ótima. Paloma cem por cento. Mas tinha dia que eu chegava, também, Paloma tava zero né? Aí, às vezes, era até difícil, assim, ficar com ela. Aquela vontade de chorar. Começava a misturar tudo, as coisas de novo. Aí, às vezes, eu saía. Ia lá para fora. Ficava no refeitório ou na área ali perto do elevador. Ia na janela, chorava, chorava, chorava. (Segunda entrevista)

Parecia ser difícil para Paloma estar com a bebê nas condições de internação relatadas e com ela mesma nessa situação. No refeitório, talvez buscasse algum tipo de alimento emocional que a confortasse ou ainda, no elevador, quisesse ser transportada para algum lugar melhor. Pode ser que "ia para fora" na tentativa de não contaminar sua bebê com suas ansiedades e perturbações, uma maneira de preservar a relação. Paloma se esforçava para estar presente no hospital junto à filha, tentando conter seu próprio desespero sem recuar para o quarto em que ficara antigamente trancada e deprimida.

Gomes (2004) descreve que a mãe, diante de um nascimento inesperado, após o parto, será denominada "mãe", mas precisará percorrer um longo caminho para se apropriar desse bebê e se constituir enquanto mãe. Segundo Gomes, inicialmente, a parturiente teria uma prevalência de sentimentos de perda devido à separação imposta logo depois do nascimento e por todas as dificuldades pertinentes à situação de prematuridade. É apresentado à ela um ser imaturo e precário que não consegue responder ao contato de que ela necessita. Além de lidar com a possibilidade de perda do bebê, mãe e bebê são submetidos a uma série de limitações devido à imaturidade do bebê, o que dificulta a formação do vínculo. Há uma interrupção abrupta que instaura muitos conflitos que a mãe precisará administrar, e inicialmente haverá uma paralisação da mãe diante dessa situação tão complicada e angustiante.

É possível notar tal situação no relato de Paloma, na segunda entrevista, quando analisa o contato com a filha após um mês de internação, quando estava se esforçando para se apropriar da condição de ser mãe:

Tá ficando com ela [Paloma com a bebê]. Já foi para o bercinho, não tá na incubadora mais né? Pegar no colo [fala meio irritada]. Dá banho. Troco de roupa. Então, a gente vai mudando o ritmo. Agora, assim. Agora eu falo: "Eu tenho um bebê, sabe?" Porque não tinha conseguido falar assim: "Eu tenho uma filha, sabe?" Mudou bastante. Esse período mudou bastante. (Segunda entrevista)

Nessa mesma direção, o relato abaixo explica como Paloma enfrentou a angústia frente à separação imposta pela situação de prematuridade e as dificuldades que enfrentava quando estava em casa e não tinha ainda a bebê sob seus cuidados:

Se ela tiver chorando, eu não consigo sair [do hospital]. Tem que estar dormindo para eu vir embora, né? Então aí eu chego em casa e fico pensando: "Será que tá bem?", "Será que ela chorou por causa disso ou daquilo?" Aí tem gente que acorda três horas da manhã para ligar no hospital, para saber se a Amanda tá bem [ironiza a si mesma]. (Segunda entrevista)

Talvez se possa afirmar nesse momento em algum esboço do que Winnicott (1956/2000e) denomina "preocupação materna primária" (p. 401). Paloma ficou sensibilizada frente ao sofrimento da filha: "Se ela tiver chorando, eu não consigo sair". A mãe tentou decifrar o choro da bebê, entender o que a fazia chorar e conhecer sua filha, reconhecendo sua importância para a mesma, ao sentir necessidade de acolhê-la e não ir embora.

Pode-se afirmar que, enquanto Paloma estava por perto, era capaz de conter sua angústia de perda, pois via a filha concretamente. Ao se perceber distante, contudo, seu sentimento de impotência aumentava, fazendo que reagisse na busca de ter notícias da bebê.

Também havia momentos nos quais Paloma se sentia muito impotente diante do desenvolvimento de sua função materna. Disse ela:

cheguei a ter umas crises feias, em relação à crise de choro, em relação a querer morrer. De vez em quando ainda a mente dá uma fugidinha assim. (Segunda entrevista)

A vivência da dor quase insuportável trouxe o desejo de "fugir" de sua vida. Porém, diante dessa situação difícil, ela ainda descreveu que tinha forças para cuidar de sua filha, momento em que ela disse que estava dando banho, trocando "roupinha" e se sentindo mais mãe de Amanda. Ainda assim, os momentos de tristeza e dificuldade da mãe permeavam todo o processo de internação da bebê; quando ela se sentia confusa, incapaz e indefesa, percebia-se só e não compreendida em seu sofrimento. Afirmou Paloma sobre o marido:

que o Alcides, mesmo quando eu choro, quando eu tô falando alguma coisa, acho que ele nem entende o que eu falo. (Segunda entrevista)

Nesses momentos de intensas angústias, Paloma buscou apoio em seus familiares:

Aí ligo pro meu irmão, para a minha cunhada. Não falo nada. Converso bobeira: "Ah, não, tô ligando. Tá tudo bem aí?" Sabe? Aquelas coisas assim? Aí ligo para outro, para a tia. Almoço, eu tô ligando. Aí ligo antes do almoço: "Pode falar agora?", "Não posso". Aí fico assim. Aí ligo à tarde, ligo de noite. Ligo onze horas, na hora que tá dormindo. Para saber se tá dormindo, para conversar. (Segunda entrevista)

Paloma buscava um contato familiar, não necessariamente para dizer coisas, mas para se sentir junto ao outro, acompanhada e contida em seu sofrimento. Como num estado de regressão, no qual a criança tem a necessidade de escutar a voz do cuidador para não sentir que está sozinha e assim se acalmar. Parecia experimentar sensações de desamparo e solidão, comparável a um bebê buscando uma "mãe suficientemente boa" (Winnicott, 1960/1983a, p. 133), uma presença que pudesse oferecer "holding" (Winnicott, 1960/1983b, p. 49).

Paloma buscava, também, nos profissionais da equipe de saúde do hospital acolhimento para as suas angústias:

É difícil explicar. As enfermeiras não podem falar nada, e, às vezes, cê chega na médica, pergunta e ela fala: "Ai, espera um pouquinho". Eu já cheguei a ficar esperando uma hora para poder falar com ela. Ela sentada na mesa e eu em pé, atrás. Então, assim, neste ponto, às vezes é mais complicado. Então, é aonde eu falo que seria mais viável igual, assim, os outros [médicos] que a gente já se deu melhor, que já chega na gente e já vem conversando. Teve mais contato com a gente. E isso não é relato só meu. Teve outras mães também que falaram a mesma coisa a respeito. (Primeira entrevista)

A relação com os profissionais, naquele momento, na visão de Paloma, não era afetiva ou calorosa, não trazia as informações de que precisava ou mesmo o acolhimento que buscava. Dessa maneira, o contato com eles gerava ainda mais insegurança na mãe: deixava-a sentindo-se inadequada e incompreendida, dificultando a formação de um vínculo melhor com a equipe, o que aumentava seu sentimento de solidão e desamparo.

Em seus comentários, nota-se que Paloma sentia falta da atenção dos profissionais. De seu ponto de vista, seria melhor, de alguma maneira, que eles viessem ao seu encontro e respondessem às suas necessidades. O relato abaixo apresenta um momento descrito por Paloma quando ela ligou para o hospital para ter notícias da filha:

Aí as enfermeiras perguntam: "Quem que tá com a Amanda?". "Eu" "Tá boa?" "Mas quem que é?" "É a mãe." "Fala para a mãe que ela não tá bem." Elas começam a zoar, a brincar com a gente. Então às vezes eu acordo de madrugada. Às vezes eu não consigo dormir, fico preocupada. Para saber se tá tudo bem. Ensaio, ensaio para não ligar. Mas acabo ligando no hospital. (Segunda entrevista)

Mais uma vez, Paloma demonstrou que não se sentiu compreendida e nem contida pela equipe de saúde, tentava acalmar-se sem contar com esse apoio. Em determinados momentos, a invasão de fantasias aterrorizantes de morte não podiam ser contidas nem pela equipe, nem por sua própria mente, já que precisava verificar concretamente a saúde da filha.

A profissional, quando atendeu ao telefonema de Paloma, de alguma maneira percebeu que a mãe não estava bem, já que esta ligava de madrugada, mas não conseguiu oferecer auxílio ao sofrimento vivido pela mãe. Paloma necessitava de um "ambiente favorável" (Winnicott, 1963/1983d, p. 215) que lhe oferecesse algum suporte para enfrentar suas angústias na difícil vivência de internação de sua filha.

Casarini (2013) afirma que os cuidados oferecidos pelos profissionais não estão definidos apenas pelos passos técnicos a serem seguidos em determinada condição. O auxílio é construído com base na relação estabelecida com a pessoa, e essa postura de cuidado coloca o profissional como alguém implicado na relação de cuidado. Se a equipe de saúde não estiver aberta às necessidades das mães de crianças prematuras, o que inclui traduzir e decodificar as necessidades de saúde atendendo-as da melhor maneira possível, visando a promoção de cuidado, as mães também estarão menos preparadas para se vincularem a seus filhos. Pois os cuidados oferecidos às mães ajudam a promover a segurança necessária para que elas se sintam confiantes e capacitadas para cuidarem de seus filhos. Paloma afirmou o desejo de tal cuidado quando contou que chegou a esperar uma hora, em pé, por informações da médica que acompanhava sua filha. Talvez uma postura mais acolhedora da profissional naquele momento pudesse ajudar a mãe a retornar ao lado de sua filha, para sua função materna. O mesmo se aplica à maneira como ela foi abordada quando ligou na madrugada para obter notícias sobre sua filha.

Dessa maneira, é importante sensibilizar os profissionais para um olhar mais atento às nuances emocionais das relações mães-bebês, para que não se faça do atendimento uma escuta estereotipada com base em conhecimentos pré-estabelecidos que não permitam a fertilidade do contato com o novo e o desconhecido que surgem a cada dia em uma UTIN.

 

Considerações finais

Esse estudo apresentou as condições emocionais de Paloma, uma mãe que tentava se vincular à sua bebê prematura, mas que se deparava com muitas barreiras por não encontrar, em diversos momentos, apoio suficiente para lidar com as adversidades. Por meio das teorias de Winnicott foi possível acessar estados emocionais de muito sofrimento nessa mãe, nos quais ela regredia e sentia-se sobre-carregada, tornando, assim, difícil desempenhar suas funções maternas.

Entrar em contato com sofrimentos como os descritos neste trabalho mobiliza as mais diferentes ansiedades e angústias naqueles que se dispõem a oferecer cuidado. Talvez por isso foi tão difícil para aqueles profissionais amparar Paloma nos momentos em que ela buscava informações sobre a saúde de sua filha, no hospital ou nas ligações no meio da madrugada.

Em outros momentos, como no parto, foi possível observar a importância da presença e do apoio dos profissionais da saúde que ajudaram essa mãe a começar a desenvolver suas funções maternas, ao conversar com ela e também mostrar-lhe a bebê que recém-nascera e estava viva.

Para que a equipe seja capaz de oferecer esse tipo de ajuda aos usuários do serviço, é necessário que ela mesma também receba cuidados. Um profissional não consegue, muitas vezes, acolher as necessidades de um familiar por não vivenciar o cuidado dentro de si mesmo.

Se os profissionais puderem acolher as angústias dessas mães, o hospital pode funcionar como um "ambiente suficientemente bom" (Winnicott, 1949/2000b, p. 335), que pode conter os sofrimentos dessas pacientes/mães, expressos na vivência de internação em pedidos de socorro e ajuda. Caso o hospital sustente as experiências de ansiedade e dor, pode alcançar as ansiedades primitivas que essas mães vivem, além de produzir crescimento emocional, tanto para a família, como para a equipe de saúde, estabelecendo uma parceria que proporciona amadurecimento. Esse "círculo benigno" (Winnicott, 1954-1955/2000d, p. 365) de ajuda pode fazer mães se tornarem capazes de tolerarem seus próprios conflitos emocionais.

Segundo Wilson (1984), a tarefa primordial do hospital é possibilitar aos pacientes, suas famílias e à equipe profissional aprenderem a partir da experiência da doença e da morte. Ou seja, um hospital tem muitas possibilidades de tal aprendizado se os diferentes atores que compõem esse contexto puderem aproveitar tais situações para o próprio amadurecimento.

Neste contexto, Casarini (2013) afirma que:

A abertura ao reconhecimento e à inclusão da subjetividade no processo de cuidado à saúde afirma-se como recurso que funda a relação de ajuda e define a possibilidade de um encontro autêntico. O contato com o outro, em uma relação empática, pode auxiliar a pessoa adoecida a examinar os sentidos ligados aos acontecimentos e encontrar meios para atravessar a incerteza. (p.158)

Apesar de limitado a um estudo de caso, é possível, por meio do conhecimento aprofundado das questões emocionais de uma mãe diante do nascimento e internação de seu bebê prematuro, abrir campo para novas reflexões sobre a prematuridade levando em consideração as questões emocionais que podem estar imbricadas nas limitações orgânicas da mãe.

Acredita-se que este estudo também sirva de base e estímulo para o desenvolvimento de novas pesquisas na área das relações pais-bebês prematuros como, por exemplo, estudos que abordem o cuidado do bebê prematuro na casa da família após a alta; a condição emocional dos profissionais de saúde que atendem os pais de bebês prematuros ou as reações emocionais do pai do bebê diante do nascimento e internação do bebê prematuro.

 

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NOTA

1. Este trabalho é parte da dissertação "Nascimento e internação do bebê prematuro na vivência dos pais" (Pergher, 2010) realizada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP). Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa – Processo nº 6225/2007.

 

 

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Recebido em fevereiro/2013.
Aceito em dezembro/2013.