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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2014

 

DOSSIÊ
A CRIANÇA, SUA MÃE E OS OUTROS

 

Entre o estranho e o familar – desafios para a prevenção1

 

Between the strange and the familiar – challenges for prevention

 

Entre lo extraño y lo familiar – los desafíos para la prevención

 

 

Regina Orth de AragãoI; Isabel Kahn MarinII

IPsicanalista. Professora e supervisora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica com Crianças da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Membro da World Association for Infant Mental Health (WAIMH). Membro fundador e atual presidente da Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê (ABEBÊ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIPsicóloga e psicanalista. Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Vice-presidente da Associação de Estudos sobre o Bebê (ABEBÊ). Professora, pesquisadora e supervisora Clínica/Institucional do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo defende que a essência da prevenção na primeira infância relaciona-se à função subjetivante do adulto, envolvendo antecipação e interpretação constitutiva. Discute certa prática da prevenção que constrói grades e escalas, inventariando sinais de risco, entendendo-a como uma maneira de conter a angústia frente ao vazio que o imprevisível, imponderável, imperfeito suscitam. Propõe a prevenção precoce como escuta e acompanhamento dos sujeitos, não como detecção e predição, dentro da perspectiva da psicopatologia, que considera a subjetividade e a singularidade de cada história.

Descritores: prevenção; psicanálise; primeira infância; constituição subjetiva.


ABSTRACT

The article proposes that the essence of prevention in early childhood is related to the function of the adult that supports the child´s subjectivity, which involves anticipation and constitutive interpretation. It discusses a certain practice of preventing that builds grids and scales searching to identify and detect signs of risk, as a tentative to control the anxiety before the emptiness that the unpredictable, elusive, imperfect raise. Early prevention is proposed as listening and monitoring of individuals, not as detection and prediction, from the perspective of psychopathology, which considers the subjectivity and uniqueness of each story.

Index terms: prevention; psychoanalysis; early childhood; subjective constitution.


RESUMEN

El articulo sostene que la esencia de la prevención en la infancia está relacionada con el subjetivismo de la función del adulto, que consiste em la anticipación y la interpretación constitutiva. Discute una cierta práctica de la prevención que, mediante la identificación y detección de señales de riesgo, constuye redes y escalas como si asi tratasen de controlar la ansiedad ante el vacío que lo imprevisible, impoderabel, imperfecto sucitan. Al contrario, se propone la prevención precoz como escuta y seguimiento de los individuos, no como la detección y predicción, desde la perspectiva de la psicopatologia que considera la subjetividad y la singularidad de cada historia.

Palabras-clave: prevención, psicoanálisis, primera infancia, constitución subjetiva.


 

 

O grande problema não é o que você não sabe.
É o que você tem certeza que sabe,
mas que não é verdade.

(Mark Twain)

 

A atenção voltada para a prevenção dos sofrimentos e carências da infância representa um grande avanço desde meados do século passado em relação à saúde e ao bem-estar da criança. Esse artigo discute algumas questões atuais relativas à prevenção e a suas interfaces com os indicadores de riscos psíquicos e a predição de problemas do desenvolvimento.

Muito embora a noção de prevenção seja de certo modo estranha à psicanálise por estar relacionada à noção de prognóstico, de previsão, é nessa perspectiva que a discussão será desenvolvida. Prever, alerta Golse (2003), pode significar induzir o adoecimento do bebê em seu vir a ser. O autor propõe uma distinção entre predição, enquanto fixação de uma doença de forma antecipada, e prevenção, enquanto possibilidade de intervir antes de uma cristalização sintomática. Nesse contexto a prevenção se relacionaria a um tempo de antecipação, a uma possibilidade de escuta que enfatizaria a necessidade de se manter em suspensão quanto ao futuro, sem, no entanto, negligenciar os bebês em risco e sua família.

Atualmente verifica-se uma tendência de olhar para a criança não para saber como ela está, mas para saber se está "mal", ou se poderá vir a ficar mal no futuro. Buscam-se sinais precoces de riscos futuros. Essa é uma mudança importante comparada aos primeiros tempos nos quais a atenção para a prevenção foi despertada, quando foi constatado que crianças separadas de suas famílias, sem receber cuidados individualizados e contínuos, encontravam-se em situação de vulnerabilidade. As observações de pesquisadores e clínicos, como Spitz (1958/1979), Bowlby (1973/2004), Freud e Burlingham (1942), Robertson e Bowlby (1952), entre outros, enfatizaram, assim, os riscos relacionados às situações de carência afetiva. Buscaram-se então os meios para melhorar as condições de vida das crianças e prevenir os sofrimentos relacionados aos problemas familiares e/ ou traumatismos precoces.

Com o avanço dos conhecimentos relativos ao sofrimento psíquico na primeira infância, a ênfase parece ter se deslocado para a busca de sinais ou indicadores de risco, no intuito de prevenir os danos futuros. Hoje em dia parece que dirigimos o olhar imediatamente para aquilo que não vai bem, ou, mais ainda, para aquilo que, no comportamento dos bebês e das crianças pequenas, seria preditivo de distúrbios futuros muitas vezes relacionados, numa causalidade linear, com falhas ou precariedades ambientais.

Podemos estabelecer uma relação entre essa atual ênfase na prevenção e a angústia diante do vazio. Para fazer face a essa angústia, em torno do vazio criam-se significações, busca-se dar-lhe um contorno.

Duas fontes de angústia para o psiquismo humano são o vazio e o desconhecido. Em torno do vazio desenham-se marcas, significações, busca-se preenchê-lo com conteúdos, fantasias, lembranças. Diante do desconhecido que é o bebê, os que o recebem apressam-se em encontrar para ele uma identidade, atributos, semelhanças, maneira também de inscrevê-lo em sua filiação, modo de transmissão entre as gerações. (Aragão, 2008, p.181)

Há a angústia diante do vazio, mas também há a angústia diante do desconhecido, do futuro que não se sabe. E o bebê encarna, como nenhum outro ser, as promessas e os riscos do futuro. Por sua condição que sintetiza ao mesmo tempo não apenas as fantasias e anseios do passado, das gerações passadas encarnadas em seus pais, mas também os temores do estranho, daquele que chega trazendo algo do desconhecido, ou do sabido não aceito, do inconsciente.

O desejo humano de conhecer o futuro é tão antigo como o homem. Trata-se de prever o futuro para tentar preveni-lo, talvez com a ilusão de que, ao sabê-lo, podemos prevenir os danos. Nessa perspectiva, pode-se acreditar que, quando se aborda a prevenção tentando evitar danos, buscando construir escalas de sinais de risco, estaríamos talvez tentando prender, de modo obsessivo, a angústia dentro de grades e escalas, em vez de propormos contornos que possam contê-la e elaborá-la num processo transformador e eventualmente criativo. Em vez disso, e resgatando a tradição psicanalítica, o desafio seria pensar um modo de prevenção subjetivadora relacionada ao cuidado, à atenção psíquica transmitida pela escuta e pelo acolhimento. Nessa perspectiva, a distinção entre prevenção e predição é fundamental. No humano, a necessidade de predizer o futuro aparece junto ao desejo de saber do passado, de conhecer sobre as origens. Os avanços importantíssimos nos conhecimentos a respeito dos fatores de risco na infância e das condições propícias para o desenvolvimento da saúde mental trazem também o perigo da tentação preditiva.

Essa posição preditiva coloca uma dificuldade ética fundamental, pois retira do outro a possibilidade de movimento em liberdade, sendo que a própria predição, ela mesma, pode operar como fator determinante de agravamento do risco psíquico. De certo modo, ela fixa o futuro de um indivíduo, reduzindo com violência sua liberdade.

 

Prevenção como aposta

Propõe-se a prevenção como uma aposta, não como uma garantia. Trata-se de considerar o bebê no seu tempo e no seu desenvolvimento, sem olhá-lo unicamente como um futuro adulto. E, mais do que tudo, aposta implica risco de não acertar, deixa aberta as vias para o inesperado, para o imprevisto, para os eventuais efeitos de encontros que podem se acontecer ao longo da vida. Aposta não é garantia.

A essência da prevenção na primeira infância relaciona-se, portanto, à função humanizadora do adulto, que envolve antecipação e interpretação subjetivadora. Talvez possamos dizer que uma função essencialmente preventiva do adulto em relação à criança é a da antecipação, pela qual o efeito preventivo confunde-se com o efeito constitutivo.

Temos assim, de um lado, a previsão impossível e, de outro, a antecipação necessária, enquanto aposta do cuidador. Antecipação como suposição em relação às manifestações do bebê, tomadas como um apelo ao qual o cuidador atribui um sentido. E isso envolve a suposição de um sujeito no bebê, em sua dimensão psíquica.

Fundamental também é afirmar que prevenir não é antecipar o aparecimento de um sintoma. A concepção freudiana do "só-depois" permite evitar uma interpretação sumária que reduziria a história do sujeito a um determinismo linear, considerando unicamente a ação do passado sobre o presente. Essa interpretação causal faria crer que tudo estaria decidido nos primeiros anos ou meses de vida, talvez até no período da vida intrauterina. Orientados pela psicanálise, pode-se então pensar a prevenção relacionada à escuta, que supõe não saber de antemão o que vai se passar, mas que nos coloca numa posição de acolhimento para o que virá, o que permite abrir um espaço de elaboração e de movimento psíquico para o sujeito. A posição de escuta envolve uma implicação subjetiva e uma posição não intrusiva que nem todos os profissionais sabem adotar. Essa proposição indica a necessidade da formação dos profissionais da primeira infância, reservando um espaço para a escuta de suas questões, preparando-os e apoiando-os nas suas funções de acolhimento e escuta dos pacientes.

 

Esperar é urgente

Nessa perspectiva, prevenção é uma decorrência do cuidado e da atenção, não é o objetivo primeiro, central. Assim, as creches e instituições da infância são lugares de acolhimento, lugares de vida, e não de detecção e de prevenção. Certamente, os efeitos da prevenção e até mesmo terapêuticos poderão acontecer – e serão os melhores – quando os cuidados forem prodigados de maneira harmonizada aos bebês e a seus pais.

Nessa perspectiva, a criança é entendida como um ser em devir numa comunidade familiar e cultural. Nesse momento, o sintoma da criança é compreendido como um sinal de apelo, para que se dê atenção às suas dificuldades. O recebimento desse apelo pelos adultos em torno da criança não significa necessariamente passar à ação imediata. O tempo nessa clínica e nesse tipo de intervenção precoce não é o de eficácia imediata. Sabemos bem, e Myriam David o ressaltava sempre ao organizarmos as estratégias terapêuticas para as crianças, na Unité des soins spécialisés à domicile pour jeunes enfants2, de Paris, que a urgência, na clínica da primeira infância, precisa ser desfeita, não no sentido de aplacá-la, mas de transformá-la em uma demanda subjetivada, que inicie uma autêntica relação de cuidado e de tratamento. Guedeney, referindo-se às abordagens terapêuticas na primeira infância, adverte sobre a importância de se evitar as atuações precipitadas, e lembra que, nessas situações clínicas, esperar é urgente (Guedeney e Lebovici, 1999).

O tempo ganha nesse momento uma dimensão particular, porque não se pode pensar em uma relação de ajuda sem tempo de elaboração de uma demanda, e justamente podemos acreditar que uma dimensão da prevenção é a de favorecer e respeitar esse tempo singular de cada um. Acreditamos que, no processo de elaboração da demanda, já se colocam em movimento, nos pais, processos psíquicos cujos efeitos mobilizarão as relações que se encontravam até então cristalizadas, fixadas, entravando o desenvolvimento da criança.

É preciso lembrar ainda que um dado sistema de relações é aquele que a criança conhece, e que tal sistema pode se apresentar como um sintoma que serve a um equilíbrio atendendo às composições psíquicas conscientes e inconscientes dos pais. Se for isso o que a criança conhece, é importante considerar as perturbações que podem ser provocadas por intervenções abruptas visando modificar tal sistema. Sabemos que muitas vezes o profissional é colocado num dilema entre o sentimento de urgência provocado pelo sofrimento da criança e o respeito necessário às resistências dos pais ou à demanda de seus cuidadores, por exemplo, os educadores das creches ou dos abrigos. Como encontrar uma boa medida e um bom timing?

 

Diagnóstico x prognóstico

Percebe-se que a concepção de prevenção descrita difere daquelas das listas de checagem, das escalas repertoriando sinais de risco. Mas o que indica o sinal de risco em nossa sociedade de sucesso e de adaptação às normas e exigências de produção? De que risco se trata? E como refletir sobre a questão cada vez mais dominante no pensamento atual, que envolve uma intolerância ao risco? Busca-se erradicar todas as formas de comportamento ou expressão do sofrimento psíquico que seriam perturbadores e para os quais não oferecemos tolerância e tempo para decodificar a origem e os sentidos dessas manifestações. Nessa perspectiva, prevenir parece ser reduzir e evitar o risco daquilo que escapa ao controle, do imprevisível, da imperfeição, do imponderável.

Essa posição emerge uma confusão possível entre diagnóstico e prognóstico. Assume-se, em psicanálise, que o diagnóstico não cor-responde a uma classificação, mas a uma consideração da dinâmica e da economia psíquicas envolvidas no sintoma. Tem como referência o modelo clínico indutivo, fundado sobre a capacidade empática do clínico e que busca enfatizar as partes vivas da criança. Essa concepção baseia-se numa visão multidimensional do desenvolvimento, levando a ações cooperativas e a fronteiras flexíveis e porosas entre as diversas disciplinas envolvidas.

Em contraste, o modelo médico é dedutivo. Com base em um conjunto de sinais, signos, ele deve deduzir um diagnóstico, que determina uma conduta e um tratamento. Baseia-se nos princípios do deficitário ou lesivo, fundado sobre outra visão do desenvolvimento, levando a implicações prescritivas concretas e a limites marcados entre as diferentes disciplinas.

A posição ética que defendemos, no entanto, não significa ignorar ou não considerar os sintomas precoces de uma criança. Aprendemos o bastante com as pesquisas sobre a primeira infância das últimas décadas quanto à importância e à significação dos sintomas precoces para não retrocedermos a uma posição de ignorância e adotarmos uma atitude de negação, que muitas vezes consiste em deixar ao tempo e ao desenvolvimento "natural" a solução dos problemas. Os sintomas precoces de um bebê, frequentemente apresentados como distúrbios funcionais com expressão somática, devem ser vistos e escutados como sinais de apelo que merecem uma atenção profunda, aberta e curiosa. O risco das modalidades de detecção precoces em escalas fechadas e pré-estabelecidas é que elas se substituam aos profissionais sensíveis e bem formados que possam reconhecer esses sinais de apelo e contextualizá-los em relação ao momento e à situação de vida da criança. Para os profissionais assim preparados, um sintoma ou grupo de sintomas leva a considerar o sofrimento da criança e sua eventual cristalização patológica, mas, ao mesmo tempo, considera o risco iatrogênico envolvido em diagnósticos apressados, que podem ser entendidos como definitivos, como sentenças proferidas em relação ao futuro da criança, produzindo efeitos negativos na relação entre os pais e o bebê.

 

Acolher a alteridade

Essa maneira de prevenção necessita de um trabalho em equipe, uma rede multiprofissional, com profissionais que tenham a formação em observação de bebês, no acolhimento aos pais, na dimensão sociocultural tão importante no mundo atual, no qual as migrações – tanto internas quando entre países – promovem o deslocamento e o desenraizamento de grupos e de famílias inteiras. Lembramos nesse momento que a noção de acolhimento implica colocar em ação nossa capacidade de nos tornarmos continentes. É interessante observar que, na Idade Média, acolher era reunir, associar, estar aberto à relação, portanto relacionado ao desconhecido. Segundo Lévinas apud Mellier (2004), acolher é sempre o encontro com um rosto estrangeiro, o "risco" de um encontro com o outro, a alteridade radical. Conforme observou Marin (2010), portanto, há necessidade de uma receptividade absoluta para receber essa alteridade, essa parte estrangeira de si mesmo, a radicalidade de nos depararmos com nossas fantasias arcaicas renegadas, nosso infantil recalcado, desamparo, abandono, medo, hostilidade, mobilizados no encontro com bebês e crianças em situação de vulnerabilidade.

É importante refletirmos sobre uma possível contradição quando a prevenção a qualquer preço prediz um destino, acarretando uma violência do ponto de vista subjetivo. Para a psicanálise, um dado acontecimento pode, posteriormente, ocasionar uma sintomatologia. Foi a psicanálise que nos ensinou a correlacionar o presente com o passado, a buscar na infância as raízes dos sofrimentos dos adultos. Mas não numa causalidade linear e direta. Sabemos que um mesmo acontecimento pode ser vivido de maneira totalmente diferente por um sujeito e por outro. Assim, de nada serve repertoriar acontecimentos ou situações potencialmente traumáticas, e concluir que todos os indivíduos submetidos a eles desenvolverão traumas e sintomas futuros. Não podemos saber antecipadamente – para a psicanálise não é possível predizer, a partir de uma causa – quais efeitos surgirão, pois estes dependem do funcionamento singular de cada psiquismo, tomado em múltiplas causalidades que só podemos recompor a posteriori. A efetividade do traumatismo é indissociável da experiência subjetiva que ele engendra.

 

Prevenir o imprevisível

Nessa dimensão, propomos um aparente paradoxo: projetos de prevenção deveriam ser base para o imprevisível. O bebê indiscutivelmente representa a radicalidade de um novo ser: inédito, criativo, surpreendente e, por que não afirmar, incontrolável. Abrir-se para essa alteridade, construir espaços de continência que permitam a exploração e a busca de representação para cada situação, suportando angústia e dúvida, parece ser o papel essencial dos cuidadores e, portanto, organizador de qualquer projeto de prevenção. Para garantir a abertura para a alteridade, para o acolhimento, é preciso lembrar que o outro se faz presente como diferença quando traz consigo a noção de indeterminação e estranheza. Cada nascimento apresenta um enigma: é a chegada de um novo humano na cultura, por assim dizer um estrangeiro, que pede acolhimento. Acontecimento ao mesmo tempo familiar e misterioso. Se o bebê for estrangeiro, precisa ser adotado por sua cultura: mãe, família, adulto cuidador, rede social. Trata-se de retomar a noção de parentalidade como trabalho de domesticação do estrangeirismo do bebê, ou seja, esperar que ele possa se encontrar em um ambiente que pensa, apoiado no pensamento de muitos outros que acreditam que ele pensa.

Propõe-se, portanto, uma prevenção precoce como escuta e acompanhamento dos sujeitos, e não como detecção e predição. Isso significa situar a prevenção dentro da perspectiva da psicanálise que considera a subjetividade e a singularidade de cada história. A prevenção pode ser compreendida como preocupar-se com, cuidar de, diferentemente de classificar e de predizer. Em vez de uma prevenção focada, devemos propor uma prevenção geral que consiste em melhorar globalmente as condições de cuidado e de atenção às crianças, o que poderá torná-las mais fortes e aumentar suas capacidades de resiliência diante das provações que eventualmente precisarão atravessar.

 

REFERÊNCIAS

Aragão, R. O. (2008). Quem é esse bebê, tão próximo, tão distante. In L. M. Atem (Org.), Os cuidados no início da vida. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Bowlby, J. (2004). Apego e perda: separação-angústia e raiva. (4ªed.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1973)        [ Links ]

Freud, A., & Burlingham, D. (1942). War and children. Nova York: International University Press.         [ Links ]

Golse, B. (2003). Sobre a psicoterapia pais-bebê: narratividade, filiação e transmissão. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Guedeney A., & Lebovici, S. (1999). Intervenções psicoterápicas pais-bebês. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Marin, I. K. (2010). Febem, família e identidade: o lugar do outro (3ª ed.). São Paulo: Escuta.         [ Links ]

Mellier, D. (2004). L'inconscient à la crèche (Dynamique des équipes et accueil des bébés). Ramoinville Saint- Agne, França: Érès.         [ Links ]

Robertson, J., & Bowlby, J. (1952). Responses of young children to separation from their mothers. Courrier du Centre International de l'Enfance, 2, 131-142.         [ Links ]

Spitz, R. (1979). O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1958)        [ Links ]

 

NOTAS

1.Trabalho originalmente apresentado na Mesa de Abertura do Congreso Latinoamericano de Primera Infancia, promovido pela Sociedad Argentina de Primera Infancia (SAPI), Buenos Aires, 23 e 24 de setembro de 2011.

2. Unidade de cuidados especializados a domícílio para crianças pequenas, Instituição do Setor de Saúde Mental Infantil em Paris, fundada em 1975 pela psicanalista, pediatra e psiquiatra francesa Myriam David (19172004), rebatizada como Centre Myriam David em 2005. A autora R. Aragão trabalhou como psicoterapeuta nessa Unidade de 1975 a 1981.

 

 

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Recebido em janeiro/2012.
Aceito em julho/2013.