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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2014
ARTIGO
Segredos de família: a contratransferência como recurso terapêutico
Family secrets: a therapeutic resource as countertransference
Secretos de familia: la contratransferencia como recurso terapéutico
Cidiane Vaz MeloI; Andrea Seixas MagalhãesII; Terezinha Féres-CarneiroIII
IPsicóloga clínica e psicoterapeuta de família e casal. Doutoranda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIPsicoterapeuta de família e casal. Professora Assistente do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIIPsicoterapeuta de família e casal. Professora Titular do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
Neste trabalho são apresentados desenvolvimentos teóricos que fundamentam a premissa de que a contratransferência pode ser utilizada pelo analista como um recurso privilegiado para a compreensão da dinâmica psíquica compartilhada pelos membros de uma família que se veem às voltas com segredos. A discussão é exemplificada por meio de uma vinheta clínica. Conclui-se que aquilo que não pode ser expresso verbalmente pela família é comunicado ao analista, que por sua vez pode entrar em contato com esses aspectos secretos por meio das vivências contratransferenciais.
Descritores: segredos de família; contratransferência familiar; psicoterapia de família..
ABSTRACT
In the present work, theoretical developments underlie the conceivable use of countertransference by psychoanalysts as a privileged resource to understand the psychic dynamics shared by family members that deal with secrets. The discussion is illustrated with a fragment of a case report. It is concluded that those things families can't express verbally are communicated to the psychoanalyst. The professional will be able to contact these secret aspects through experiences involving countertransference.
Index terms: family secrets; family countertransference; family psychotherapy.
RESUMEN
En el presente trabajo se presentan desarrollos teóricos que fundamentan la premisa de que la contratransferencia puede ser utilizada por el analista como un recurso privilegiado para la comprensión de la dinámica psíquica compartida por los miembros de una familia que se encuentra lidiando con secretos. La discusión se ilustra con una viñeta clínica. Se concluye que aquello que no puede ser expresado verbalmente por la familia es comunicado a el analista, que a su vez podrá entrar en contacto con esos aspectos secretos por medio de las vivencias contratransferenciales.
Palabras clave: secretos de familia; contratransferencia famíliar; psicoterapia de familia.
As famílias têm seus segredos, e eles apresentam uma dimensão importante em termos da preservação da privacidade e da autonomia tanto individual, quanto do grupo familiar. Entretanto, no atendimento psicoterápico de algumas famílias, observa-se que determinados segredos assumem uma função central, enredando seus membros em alianças inconscientes.
Nota-se nesse contexto que, durante o processo terapêutico, as angústias, os segredos e os temores sentidos pela família produzem ressonâncias no analista que, por sua vez, pode se encontrar frente aos mais diversos pensamentos, fantasias e sensações. Pode sentir-se desvitalizado, como se perdesse sua capacidade mental, impossibilitado de fazer ligações, constrangido ou, no sentido inverso, perder-se em uma curiosidade detetivesca e com elucubrações. Caso não esteja atento às reações contratransferenciais produzidas no setting terapêutico, pode ser levado com a família a alianças inconscientes, pactos denegativos e atuações, excluindo do tratamento aquilo que lhe é essencial.
Este trabalho apoia-se sobre a premissa de que a contratransferência pode ser utilizada pelo analista como um recurso privilegiado para a compreensão da dinâmica psíquica envolvida e compartilhada pelos membros de uma família que se veem às voltas com segredos. Aquilo que não pode ser expresso verbalmente pela família é comunicado via identificação projetiva ao analista, que por sua vez pode entrar em contato com esses aspectos secretos por meio das vivências contratransferenciais (Eiguer, 1995; Losso, Hovat, Leive, Packciarz, Popiloff, Sahade, Shapiro, Silvani & Vallone, 2001; Losso, 2001).
Entrar em contato com áreas secretas da mente do paciente, bem como identificar-se com modos de defesa mais primitivos como a cisão/clivagem do eu, com os brancos de representação e com as próprias identificações alienantes, pactos denegativos e alianças inconscientes atuantes no grupo familiar é um processo bastante mobilizante (Kaës, 2003; Tisseron, 2001). Isso porque a questão central envolvida no estudo da contratransferência está no fato de que o analista é tocado pelo relato e pela dinâmica psíquica dos pacientes atendidos. Às vezes, isso ocorre de modo mais intenso, quando aspectos do paciente ou da família se aproximam de aspectos do analista, como nos casos de traumas, perdas, dores e sofrimentos. Em outros momentos, isso ocorre de maneira menos intensa, sendo as identificações mais brandas e próximas à empatia (Kernberg, 1994). Em determinadas ocasiões, pode-se observar a colusão de mitos, envolvendo os da família atendida e os do analista, conforme assinala Losso (2001).
Nas situações que envolvem segredos de família, frequentemente, as identificações do analista são vivenciadas de modo bastante penoso. As identificações envolvem desde aspectos somáticos, conforme assinala Azevedo (2009), até a esfera mental, com o fomento de sensações de enlouquecimento e de perda da identidade (Eiguer, 1995; Losso et al., 2001), incluindo a incapacidade de "pensar pensamentos" (Bion, 1967/1994), a insegurança em relação à própria escuta e interpretação (Puget & Wender, 1980), bem como o incremento da curiosidade e da excitação frente ao vislumbre de algum segredo familiar. Muitas vezes, os segredos funcionam como fetiche que organiza a família e o analista. Com base nesse efeito de fascinação, o analista pode sentir-se curioso e impulsionado a realizar uma espécie de investigação policial. Isso pode levar a um desvelamento precoce dos segredos, com efeitos disruptivos. É muito importante respeitar a família até que ela tenha recursos para entrar em contato com seus segredos, diminuindo assim o risco de desintegração psíquica ou de abandono do tratamento (Eiguer, 1995; Losso, 2001; Puget & Wender, 1980).
Este estudo focaliza a contra-transferência familiar com base em duas abordagens: os usos que a família pode fazer da mente do analista (Eiguer, 1995) e as colusões de mitos (Losso, 2001). Os segredos compartilhados em família são abordados, ressalvando as diferenças entre aqueles concernentes à intimidade e à privacidade e aqueles vividos em família como vergonhosos e como fonte de sofrimentos. Para exemplificar essa discussão, apresenta-se uma vinheta clínica e são tecidas considerações sobre a abordagem terapêutica que pode ser desenvolvida nessas situações.
Sobre a contratransferência
A contratransferência constitui-se como o conjunto de reações inconscientes do analista à transferência do paciente (Mijolla, 2005; Zambelli, Tafuri, Viana & Lazzarini, 2013). Nos primórdios da psicanálise, a contra-transferência foi considerada uma espécie de resistência do analista provocada por conflitos inconscientes, relacionados ao conteúdo do relato do paciente. As considerações freudianas sobre a contratransferência partem de um ponto de vista fundamentalmente intrapsíquico, no qual as interferências mútuas vividas pelo analista e pelo paciente são consideradas como um obstáculo a ser superado pelo analista por meio do autoexame (Freud, 1910/2003a).
Posteriormente, com os trabalhos de Racker (1948/1973) e Heimann (1960), a contratransferência passou a ser entendida como uma importante ferramenta para a compreensão do paciente e para as intervenções do analista. Trata-se de um fenômeno que é relacionado não apenas ao analista ou ao (s) paciente (s) atendido (s), mas ao novo grupo formado por todos os presentes durante as sessões. Tais considerações são fundamentais, pois delas é com base nelas que a contratransferência pôde ser pensada como um fenômeno fundamentalmente intersubjetivo (Arango & Moreno, 2009).
Apesar de a contratransferência ter sido abordada pela primeira vez por Freud, em 1910 (1910/2003a), ela só voltou às discussões como tema de grande relevância em termos de formação e de técnica analíticas quase quarenta anos depois, com os trabalhos de Racker (1948/1973) e Heimann (1960).
As revisões do conceito feitas por esses dois autores tornaram-se possíveis, principalmente, a partir das formulações de Klein (1946) sobre a identificação projetiva no sentido de como um paciente pode agir sobre o psiquismo do analista, projetando nele parte de seu próprio psiquismo. Assim, as partes projetadas pelo paciente são sentidas como pertencentes a um objeto externo (Mijolla, 2005).
Heimann (1960) expandiu o conceito de contratransferência, ampliando-o a todos os sentimentos que o analista experimenta em relação ao paciente. Segundo o autor, o analista deve suportar esses sentimentos despertados em si, a fim de subordiná-los à tarefa analítica. A proposta da autora é que o inconsciente do analista entende o inconsciente do paciente. O analista, então, deve usar suas respostas emocionais ao paciente como a chave para seu entendimento, para além do que é falado ou associado por ele (Heimann, 1960; Mijolla, 2005).
Com base nessas formulações, Heimann (1960) trata a contra-transferência como um fenômeno comum na clínica analítica e a analisa de modo mais positivo, enfatizando os aspectos relativos à comunicação. Tal entendimento trouxe mudanças não somente em relação aos posicionamentos teóricos, mas também quanto à técnica, uma vez que as comunicações recebidas pelo analista podem ser utilizadas para a compreensão da psicodinâmica envolvida e nas intervenções clínicas.
Outro autor cujas contribuições foram muito importantes para um novo entendimento sobre a contratransferência foi Racker (1948/1973), que define a contratransferência como a posição básica do analista frente ao analisando. Para ele, transferência e contratransferência representam dois componentes de uma unidade que se dão vida mutuamente, criando a relação interpessoal da situação analítica. As considerações sobre a identificação são de suma importância na obra do autor, pois ele entende que a contratransferência sempre envolve um tipo de identificação por parte do analista com aspectos transferidos pelo paciente (Mijolla, 2005).
Bion (1967/1994) também trouxe contribuições muito importantes para esse campo. A partir do trabalho que desenvolvia com grupos na década de 1940, fez a importante observação de que a identificação projetiva não se resumia apenas à descarga massiva de sentimentos intoleráveis, conforme havia descrito primeiramente Klein (1946). A identificação projetiva tinha também a função de uma forma de comunicação primitiva, não verbal, pelos efeitos contratransferenciais.
Autores como Racker (1948/1973) e Losso (2001), entre outros, apontam para o fato de que a contratransferência encontra muitas resistências no mundo psicanalítico por parte dos próprios analistas. Segundo eles, falar sobre a contra-transferência sempre parece suscitar sentimentos de vergonha e exposição. Isso possivelmente ocorre por abalar a imagem idealizada dos analistas como sujeitos preservados em relação à loucura, bem como por atingir o próprio narcisismo do analista, conforme mencionado por Ferenczi (1928/1992).
Na clínica com famílias, a contratransferência é um importante recurso de auxílio ao analista que poderá, por seus efeitos, ter acesso a certas comunicações, especialmente as mais primitivas e não verbais, compreendê-las e intervir durante as sessões (Henao, Montoya & Castellanos, 2012). Nos atendimentos de famílias que se veem às voltas com segredos, dadas as dificuldades de pensar e colocar em palavras certas experiências vividas e consideradas traumáticas e vergonhosas, a contratransfererência é uma preciosa aliada não apenas para a compreensão do que se passa durante as sessões, como também para as intervenções que possam vir a ser feitas.
Nas situações que envolvem segredos de família, a frequência com que são mobilizadas angústias bastante intensas, e muitas vezes difíceis de serem pensadas e manejadas durante o processo terapêutico, é bastante referida na literatura sobre o tema (Czertok, Guzzo & Losso, 1993; Eiguer, 1995; Losso, 2001; Ruiz-Corrêa, 2000; Tisseron, 2001). As situações de segredo caracterizam-se, entre outros aspectos, por envolver interdições ao pensamento, ao conhecimento e à possibilidade de pôr em palavras determinadas experiências de cunho traumático ou que provocam ou provocaram sentimentos de vergonha e humilhação. Envolvem a transmissão do negativo (Kaës, 2003), as representações cifradas e a vivência de angústias muito arcaicas, próximas às angústias sem nome, das quais falava Bion (1967/1994). Com base no pressuposto adotado por Racker (1948/1973) de que as identificações operam na contratransferência, considera-se, no tratamento de famílias que estão às voltas com essa modalidade de segredo, que o analista se identificará com essas interdições, com o negativo e com as angústias irrepresentáveis, e, portanto, catastróficas e sem nome, envolvidas no processo terapêutico (Bion, 1967/1994).
A especificidade da contratransferência na clínica com famílias
Na literatura psicanalítica encontram-se dois enfoques principais sobre a contratransferência na clínica com famílias (Eiguer, 1995; Losso, 2001). Apesar de os autores referirem-se ao mesmo fenômeno clínico, a ênfase recairá, por um lado, sobre os usos que a família poderá fazer do analista a fim de comunicar-lhe suas experiências (Eiguer, 1995), e, por outro, sobre os mitos familiares e a colusão de mitos, ou seja, sobre as ressonâncias entre os mitos da família em tratamento sobre os mitos familiares do analista (Losso et al., 2001). Meyer (1983/2002) aborda os mitos familiares sem, contudo, relacioná-los à contratransferência e aos segredos de família. As duas abordagens assinaladas partem de formulações sobre o trabalho psíquico da intersubjetividade, considerado como a ação de outro, ou de outros, na psique do sujeito, sendo este definido como sujeito do grupo (Kaës, 1993; Fernandes, 2003).
A família constitui-se como um grupo com características peculiares: seus membros estão ligados por vínculos indissolúveis originados nas relações de parentesco entrelaçados sincrônica e diacronicamente ao longo das gerações. A história familiar se mostra um elemento de primeira ordem na estruturação dos fenômenos clínicos. Cada família constrói uma versão consciente e outra inconsciente de sua história, que mostra e encobre ao mesmo tempo suas vicissitudes por meio do mito familiar, fonte das transferências familiares (Czertok, Guzzo & Losso, 1993).
Quais seriam, então, a importância e a especificidade da contratransferência familiar? Eiguer (1995) acredita que na contratransferência familiar os analistas estão mais especificamente implicados, uma vez que a família é um grupo vivo, que utiliza mecanismos projetivos e os "bombardeia" com uma força expulsora que ultrapassa sua própria capacidade de contenção. Essa força projetiva consegue, assim, desencadear no analista ou na equipe terapêutica alguns mecanismos, ora de consonância e ressonância, em um processo de analogia, ora de dissonância e dissimetria, em um processo de alternância em relação à família atendida (Meyer, 1983/2002). Nesse contexto, é a contratransferência de base que condiciona a disposição do analista para compreender o que possa acontecer no encontro com a família. A atenção flutuante mobiliza a contratransferência, enquanto as intervenções operam como freios (Eiguer, 1995).
De acordo com Eiguer (1995), o conceito de contratransferência envolve a noção de uso de objeto (Winnicott, 1968/2005), ou seja, com base na ideia de que a família pode usar a psique do analista para elaborar, amadurecer e mudar. Eiguer (1995) acredita que se abrem muitas perspectivas quando o analista utiliza a própria contratransferência para aprofundar a compreensão da família. Além disso, permite também a compreensão dos próprios mecanismos psíquicos do analista, de sua técnica e da necessidade de modificá-la conforme os movimentos que vierem a se desenvolver no processo terapêutico.
Torna-se importante assinalar que a contratransferência familiar depende de uma conjuntura que envolve as vivências da família que são depositadas no analista, a fim de serem fantasiadas e representadas, e as vivências do próprio analista. Os afetos que são mobilizados no analista dependem dos conteúdos que estão sendo depositados pela família, e de sua organização psíquica posta ou não em movimento durante a sessão. Trata-se de um processo complexo no qual intervém movimentos inconscientes da família e do analista. Esse processo tem relação direta com o "sentir" e remete às vivências infantis do analista favorecidas pelo movimento regressivo na terapia (Eiguer, 1995; Arango & Moreno, 2009).
A contratransferência pode envolver a inibição ou o fomento de sensações, sentimentos e pensamentos, dependendo das disposições da família e do analista que são postas em movimento. As famílias com pacientes psicóticos ou famílias com funcionamento mais narcísico provocariam sensações ligadas ao enlouquecimento. Já as famílias com funcionamento neurótico provocariam eventos relacionados aos atos sintomáticos tais como lapsos, atos falhos, esquecimentos (Eiguer, 1995).
Contratransferência e mito familiar
Os autores que relacionam mais diretamente a contratransferência familiar aos mitos familiares, entre eles Losso et al. (2001), entendem que a contratransferência familiar envolve sempre questões relativas aos mitos familiares do analista e da família, e consideram que as possíveis perturbações no processo terapêutico advêm de uma fusão ou de uma sobreposição entre eles. Dois conceitos fundamentais para a compreensão das especificidades da contratransferência familiar nessa perspectiva são, respectivamente, a colusão de mitos e a contraidentificação projetiva.
O mito familiar é estruturante do funcionamento da família e do destino de seus integrantes. É um fenômeno que, semelhante aos sonhos, possui aspectos manifestos e aspectos latentes. O mito é um sistema de crenças compartilhadas pelos membros de uma família que, frequentemente, não é questionado por nenhum de seus membros e que trata de explicar também encobrindo aspectos conflitivos da história do grupo que constituem a identidade familiar. Os mitos fornecem as condições de pertencimento à família e instauram um sistema de valores que regulam a apreensão e a leitura da realidade interna e externa (Meyer, 1983/2002; Almeida-Prado, 1999; Ferrari & Piccinini, 2010).
O mito é elaborado ao longo de várias gerações, e suas versões mudam ao longo do tempo e das gerações. Existem também versões individuais do mito em cada membro da família, que serão mais diferenciadas quanto maior for a capacidade de individuação que seus membros tenham adquirido. Das construções míticas surgem as regras e mandatos transgeracionais e intergeracionais que marcam os papéis, as missões e os legados de cada membro da família.
Com base nesse ponto de vista, a transferência em psicanálise de família e casal se estabelece dentro de uma estrutura mítica particular. O contexto mítico em que se organiza a transferência tende a se repetir no "aqui e agora" da sessão. Na clínica com famílias, as transferências familiares e conjugais tratam de englobar o analista dentro do mito familiar e fundador e, consequentemente, do funcionamento familiar ou conjugal estruturado pelo mesmo. Losso et al. (2001) chamam esse processo de "transferência mítica". Czertok, Guzzo & Losso (1993) denominam de "valências colusivantes" a disposição particular relacionada aos mitos familiares do analista, que, em casos extremos, poderia deixá-lo em situação bastante vulnerável frente a determinadas famílias.
Seguindo esse pensamento, levanta-se a questão de que a mobilização das estruturas míticas, da família e do analista cria um clima emocional que ativa os níveis mais primitivos ou mais indiscriminados dos vínculos introjetados. Esses níveis são ativados a partir da presença real dos membros da família, o que promove a criação de um campo psicológico dominado por uma emoção primitiva, uma maior participação corporal e uma tendência à ação e ao pensamento concreto.
Nesse contexto, a contratransferência passa a ser um conjunto de sentimentos e sensações experimentadas pelo analista com base no entrelaçamento de dois mitos familiares: o da família e o do próprio analista. Esse encontro mítico, constitutivo do campo terapêutico, cria um mito próprio, à maneira de um mito de iniciação, que inclui os anteriores e os transcende, objetivando satisfazer as expectativas mútuas. Nesse sentido, fala-se de certo nível de conluio necessário no marco desse entrecruzamento de mitos. Entretanto, observa-se não apenas este, mas também outros fenômenos vinculares transferenciais e contratransferenciais novos, produtos do campo, capazes de gerar experiências emoções inéditas, que podem produzir um efeito estruturante para os participantes dessa família, no sentido de prover recursos egoicos que faltavam até aquele momento.
Há circunstâncias dentro do contexto terapêutico em que a contratransferência se transforma em contraidentificação projetiva. Como consequência, o analista pode ser levado a ocupar passivamente determinados lugares, principalmente de modo inconsciente. A contraidentificação projetiva é um fenômeno de campo, relacionado às projeções massivas do paciente, mas também aos fenômenos colusivos. Grosso modo, os fenômenos colusivos podem ser entendidos como os aspectos familiares que se fundem e se sobrepõem à historia familiar do analista em seus aspectos patológicos. O predomínio da contraidentificação projetiva sobre a contratransferência depende da magnitude das valências colusivantes em jogo, que ligam de maneira muito intensa aspectos do mito familiar do analista aos da família, de modo que o conluio se transforma numa espécie de delírio (co-ilusion co-delusion) cor-relato dos níveis de indiscriminação vincular dos participantes do campo (Czertok, Guzzo & Losso, 1993).
Segredos de família, vergonha e transmissão
Os segredos podem ser constituídos com base em fatos reais ocultados por vergonha, culpa ou por fantasias que, por não poderem ter expressão, tornam-se segredos. Podem ser consciente ou inconscientemente partilhados entre os membros da família e transmitidos para outras gerações, confundindo-se às vezes com o mito familiar (Furlotti, 2010; Ferreira, 2011; Oliveira, 2011).
Na família, encontra-se um terreno fértil para o surgimento e para a manutenção de segredos, tanto aqueles mantidos por um de seus membros, quanto aqueles compartilhados pelo grupo familiar. Observa-se que, em algumas famílias, o segredo não se relaciona apenas à manutenção da intimidade e da individualidade, mas também opera como recurso familiar para a manutenção dos vínculos entre seus membros. Nessas famílias, os segredos tornam-se tão significativos e, ao mesmo tempo, tão estruturantes que o temor relacionado a sua descoberta mobiliza angústias muito arcaicas, como as de aniquilamento e de fragmentação, sentidas pela família e pelo próprio analista durante as sessões.
Nessas situações, qualquer movimento de algum de seus membros que implique na ruptura da fidelidade ao grupo familiar poderá ser interpretado e vivido como traição. As tramas de lealdade veiculadas mediante os segredos determinam, assim, alianças, cisões e formações de subgrupos que ligam fortemente seus membros. Situações de crise familiar manifestas podem evidenciar esses pactos e essas alianças (Losso et al., 2001). Os segredos mostram-se também como um aspecto negativo, no qual há certa delimitação no sentido, escondido ou proibido, e tem por característica central ser uma construção grupal defensiva e estruturante, seja de modo saudável ou como sofrimento psíquico (Kaës, 1993).
Na clínica com famílias, pode-se considerar a existência de dois tipos de segredos: aqueles que reforçam o prazer de pensar, vinculados a um espaço de intimidade e liberdade, e os que são compartilhados ou não em família e que interferem na capacidade de integração e de organização do pensamento (Imber-Black, 1994; Ruiz-Corrêa, 2000). Observa-se que determinadas situações tornam-se secretas porque provêm de traumatismos, de feridas narcísicas e de lutos não elaborados. Muitas vezes, os segredos têm menos a ver com o que está escondido, do que com a vergonha ou angústia que causam (Losso, 2001; Losso et al., 2001).
Em algumas famílias, certos segredos figuram como motivo de vergonha por representarem uma espécie de mancha na imagem familiar (Ferreira, 2011). Alguns autores apontam a vergonha e o surgimento de angústias muito intensas como os diferenciadores entre segredos genuínos, cuja finalidade é preservar a intimidade, e os segredos destrutivos (Imber-Black, 1994 Ruiz-Corrêa, 2000). Certas situações são vivenciadas como intoleráveis, pois ferem a imagem que o sujeito tem de si mesmo. Elas acarretam vivências que misturam sentimentos de vergonha, frustração e humilhação que se aliam à experiência de um estrago sofrido e considerado como irreparável e para o qual a única saída seria, então, o segredo (Ferreira, 2011).
De acordo com Ruiz-Corrêa (2000), a transmissão dos segredos ligados a traumatismos e à vergonha é sempre não verbal, podendo ser veiculada pelos rituais familiares. Esses rituais se apresentam sob a forma de comportamentos, palavras, manifestações corporais ou por uma montagem de cenas da vida familiar, sempre repetitivas, em que cada membro deve ocupar um lugar e desempenhar uma função, evitando que o grupo se desorganize ou se desfaça.
Nesse sentido, verifica-se que muitas vezes o conteúdo do segredo é conhecido por apenas um indivíduo ou mesmo pela família toda. Entretanto, não é possível que se faça a ligação devida entre o segredo, seus vestígios e suas consequências. Nesses casos, o processo defensivo, seja por meio do recalque, negação ou rejeição, parece incidir não sobre o conteúdo, mas sobre as próprias ligações (Bion, 1967/1994).
Em família, mesmo que não se saiba o conteúdo de um segredo, ainda assim, podem ser percebidos silêncios sobre certos assuntos, sensações de estranheza, comportamentos que não podem ser explicados, além de constrangimentos diante de certos temas e situações. Nesses casos, pode-se chegar à conclusão de que existe alguma coisa secreta, mesmo que não se saiba do que se trata.
Guardar ou desvelar? Abordagem terapêutica da contratransferência
Os segredos e seus desvelamentos constituem, na prática psicanalítica, um importante desafio. Sem dúvida, adquirem no trabalho com famílias, uma significação especial, ocultando e expondo, simultaneamente, complexas tramas de interação grupal de difícil abordagem. Trata-se de desvelá-los? Quais são os limites da inclusão do analista em um segredo compartilhado? Estas são algumas das muitas indagações suscitadas na prática clínica com famílias em situações envolvendo segredos (Eiguer, 1995; Losso, 2001).
Nas circunstâncias que envolvem os segredos de família, observa-se que não há apenas a presença de não ditos, mas de uma censura que recai sobre o próprio conhecimento, sobre a curiosidade e sobre o desejo de saber. Na contramão desse processo, pode-se entender o processo terapêutico como um método de tratamento que busca justamente chegar a um desrecalcamento, e mais tarde, com as construções em análise, erigir uma narrativa sobre o segredo, ou seja, permitir ao paciente a possibilidade de atribuir sentido a certas situações (Freud, 1937/2003b; Tisseron, 2001; Tisseron, Rand, Torok & Rouchy, 2012). Para esses pacientes, a técnica clássica tende a tornar consciente o reprimido e seu conflito, ou a resolver as dissociações e devolver ao paciente as partes dissociadas de sua personalidade com base em uma nova semântica (Puget & Wender, 1980). Entretanto, de acordo com Tisseron (2001), os analistas precisam repensar, em termos da técnica, o atendimento de pacientes cujas questões centrais relacionam-se com segredos de família. Segundo ele, nessas situações, o mecanismo defensivo envolvido é o de cisão do eu ou de clivagem.
Pode-se considerar que, tecnicamente, ao pretender incluir-se em um segredo, o analista não esvazia sua estrutura. Numa sessão, pode-se facilmente passar de excluído a incluído e vice-versa, sem que, com isso, o conflito se modifique. Mais ainda, às vezes, ao ser capturado pela estrutura do segredo, o analista fica sepultado e invisível para si mesmo (Puget & Wender, 1980).
Portanto, analisar um segredo é também compreender que nem sempre ele será revelado ao analista, mesmo quando se pode interpretar seu conteúdo e sua relação com o aqui e agora. Nessas circunstâncias, ainda que o paciente tenha abandonado um segredo, terá mantido intacta a estrutura que o sustentava (Pujet & Wender, 1980). Então, uma questão relevante é não apenas abordar os conteúdos, mas também a estrutura subjacente ao segredo, o modo de funcionamento psíquico que leva à produção e à manutenção de segredos, muitas vezes, o único recurso com o qual a família pode contar ao vivenciar certas situações traumáticas (Tisseron, 2001; Tisseron et al., 2012).
A elaboração de conteúdos referentes ao passado histórico do sujeito é indispensável no processo analítico, bem como a construção de uma mitologia familiar e pessoal. Segundo Aulagnier (1986), a constituição psíquica da criança é muitas vezes atravessada por palavras e situações envolvendo a circulação de segredos e não ditos que representam uma falha importante na sua relação com os pais. Na situação analítica, tais falhas são reatualizadas, e o analista, em sua função de prótese, deve conter as representações arcaicas, transformando-as em enunciados. Nessa função, o analista conduz seu paciente a dois tempos da análise: o da revisão histórica e o da transformação, do insight e da criação de novas perspectivas. Porém, o preço dessa transformação é capturar no próprio corpo, muitas vezes, aquilo que não pode ser representado pelo paciente (Azevedo, 2009).
Entre a revelação do segredo e seu encapsulamento, observa-se a existência de um amplo espectro de soluções parciais. Entre elas verifica-se, por exemplo, a necessidade de excretá-lo indiscriminada e massivamente mediante sua divulgação inoportuna (Werba, 2002). Outro destino é sua incorporação à mitologia familiar e pessoal como fruto da elaboração em análise, ou, caso não seja possível, de forma distorcida e mistificada. Podem transformar-se e ressurgir sob a forma de rumores, que, como tais, veiculam somente parte de uma verdade deformada ou desvirtuada (Werba, 2002). Há, ainda, conforme assinala Tisseron (2001), o fomento da criatividade como tentativa de favorecer a comunicação e a elaboração de um segredo.
Vinheta clínica1
Esta vinheta é referente a um caso clínico de terapia familiar psicanalítica, atendido por Cidiane Vaz Melo no Serviço de Psicologia Aplicada de uma universidade pública. Trata-se de uma família composta por casal parental, Fernando (39 anos) e Janaína (37 anos), e sua filha, Ana (14 anos). O marido apresentava postura hipersexualizada, agressividade, desprazer e insatisfação nas relações que estabelecia com outras pessoas, especialmente com mulheres. Seus relatos eram constantemente marcados por sentimentos de menos-valia, os quais tentava amenizar, atribuindo-se frequentemente qualidades e capacidades que não possuía. Nos momentos em que se percebia vulnerável, tratava os outros com ataques e desqualificação.
Fernando e Janaína estavam casados havia aproximadamente 15 anos. Ela tinha diagnóstico de depressão e se negava a manter com ele vida sexual ou o fazia de maneira "automática, como se não estivesse ali". Mesmo antes de se casarem, Fernando já havia presenciado algumas de suas "crises" depressivas e, nessas ocasiões, ela ficava prostrada em casa, praticamente sem interagir com ninguém. O marido relata que, mesmo assim, optou por casar-se com ela. Acreditava que, assim, "seria mais fácil controlá-la". Esperava que "com uma mulher depressiva e sem muito desejo sexual, estaria mais seguro contra uma possível traição por parte dela". Ao adotar tal estratégia desconsiderou, no entanto, o fato de que Janaína não teria interesse sexual pelo próprio marido.
Quanto ao relacionamento com a filha, foi relatado que a adolescente andava nua pela casa e partilhava das intimidades do casal que eram comentadas com ela, como as dificuldades do pai em satisfazer-se sexualmente com a sua mulher. O pai mantinha relação inadequada e, em muitos momentos, bastante erotizada com a filha. Comentou que tinha ereções quando a filha se sentava em seu colo, considerando isso "normal". Tal situação familiar parecia ser agravada pela história familiar de Janaína, marcada por incesto. Janaína contou que seu pai manteve relacionamento incestuoso com uma de suas irmãs, mas isso não era abordado pela família dela.
Sentindo-se insatisfeito no casamento, Fernando frequentava prostíbulos e mantinha casos extraconjugais com mulheres casadas, atributo considerado fundamental para suas escolhas. Tratava as mulheres com profunda desconsideração. Fernando é o filho mais novo de três irmãos, e relatou que sua mãe lhe dissera que ele era fruto de um "descuido". Contou que, na sua família de origem, a intimidade sexual do casal parental era compartilhada pelos filhos, e houvera vários momentos em que sua mãe solicitava aos filhos que "brigassem com o pai" quando se sentia indisposta a ter relações sexuais com o marido.
Pouco se soube da história familiar de Janaína. Sua mãe era uma mulher frágil, pouco calorosa com as filhas e prezava por manter o casamento. O pai era um homem muito severo e temido pelos filhos e pela esposa. Após casar-se, Janaína manteve pouco contato com a família de origem, ficando seu convívio bastante restrito ao núcleo marido e filha. Foi descrita pelo esposo como uma pessoa apática, desvitalizada e sem interesses.
A transferência apresentava configuração agressiva e erótica, com a presença de muitas fantasias sádicas em relação às mulheres, ataques profundos à identidade sexual e à condição feminina. Nesse contexto, o atendimento à família era sentido como particularmente desagradável pela terapeuta. Tudo o que se relacionava à sexualidade era vivido e transmitido nas sessões de modo agressivo, destrutivo e muito humilhante. As peripécias sexuais de Fernando com suas amantes eram descritas com riqueza de detalhes, ficando praticamente impossível não "visualizar" as cenas apresentadas. Tais descrições pareciam ser utilizadas por ele como uma forma de excitar a terapeuta e fazer ela participar delas, à revelia. Janaína mantinha-se indiferente frente a esses relatos.
As vivências contratransferenciais eram profundamente opressivas, pelo ataque ao psiquismo e à condição feminina, além dos sentimentos de vergonha e humilhação que despertavam. Os sentimentos de impotência e sobrecarga psíquica eram prevalentes nas sessões, e a terapeuta tinha dificuldades para elaborar o material que se apresentava e intervir de modo a favorecer o processo terapêutico. A terapeuta, por sua vez, sentia-se também humilhada e portadora de um segredo vergonhoso.
Ressalta-se que somente quando a terapeuta pôde conscientizarse e elaborar os conteúdos vivenciados contratransferencialmente nas sessões, foi possível se ressituar em relação à família e à dinâmica que se estabelecia durante os atendimentos. A partir de então, a terapeuta tomou maior distanciamento de fenômenos mobilizantes, e houve maior disponibilidade mental para acolher os conteúdos trazidos pela família, sem que fossem experimentados como um ataque à vida psíquica, à sexualidade e à condição feminina da terapeuta.
O ódio em relação às mulheres e a vivência de situações abusivas passaram a ser interpretados de modo mais eficaz, tornando-se possível fazer ligações entre o material atualizado nas sessões, os eventos da infância e a história familiar. As vivências contratransferenciais passaram a ser compreendidas como comunicações da família sobre seu modo particular de relacionar-se, e devolvidas pela via interpretativa.
Passado esse período inicial de fortes tensões transferenciais e contratransferenciais, uma nova dinâmica se instaurou nas sessões. Fernando começou a trazer lembranças da infância e associações relacionadas à história familiar que disse ter se esquecido por longo tempo. Relatou que quando tinha aproximadamente seis anos, sua mãe levava constantemente um "amigo" que frequentava a casa na ausência do pai. Disse ter ficado "incomodado e curioso" com a situação, entretanto tal estranhamento não era compartilhado nem pelos irmãos, nem pelo pai.
Fernando contou que, certo dia, após receber dinheiro para sair de casa, retornou e surpreendeu sua mãe e o amante mantendo relações anais no quarto do casal. Após serem surpreendidos, ameaçaram-no dizendo que "uma desgraça iria acontecer" se contasse o segredo. Relatou ainda que a mãe chamou uma vizinha que ajudou, fazendo uma "lavagem cerebral" nele. Ela lhe disse que "ele não tinha visto nada", "que tinha imaginado coisas". Além disso, "se falasse, seu pai mataria sua mãe e o amante mataria o pai e ele próprio". Fernando, mobilizado com a cena presenciada, e aterrorizado com as possibilidades de "desgraças" e mortes na família, manteve segredo sobre a situação presenciada.
As situações envolvendo a imposição de segredos, por parte das famílias de origem de Fernando e de Janaína, tiveram grande influência na vida deles. Marcaram de forma significativa a escolha conjugal de ambos, a maneira como se relacionavam entre si e com a filha. Para essa família, a possibilidade de pensar, falar e elaborar tais situações mostrou-se fundamental.
Durante o período da terapia familiar, foram observados ganhos importantes. Entre eles, pôde-se assinalar o desenvolvimento de empatia, por Fernando, à interdição paterna em relação à filha, e o questionamento pelo casal sobre a manutenção do casamento. Com base na elaboração das situações traumáticas vivenciadas na infância, nas famílias de origem, o casal passou a estabelecer ligações com as repercussões na vida afetiva e sexual e com seu sofrimento emocional. Abriu-se espaço, então, para pensar as repetições de situações abusivas e inconvenientes com relação à filha, as reponsabilidades do casal parental e o impacto que tais situações podem provocar ao longo da vida familiar. Para a filha, foi construído um quarto e não mais se permitiu que ela andasse nua em casa, além de ela ser preservada em relação à intimidade do casal.
Considerações finais
Aulagnier (1986) afirma que investir na capacidade de pensar, ser capaz de experimentar prazer ao favorecer esse investimento no outro e enfrentar o risco de descobrir outra verdade, apesar do preço, são qualidades psíquicas e requisitos aos quais o analista jamais deverá renunciar. Isso, porém, só acontece se o analista estiver em sintonia, contratransferencialmente, com seu paciente e for capaz de suportar os sentimentos que surgirem da relação terapêutica, sejam eles de impotência, exclusão, vergonha ou curiosidade.
Experimentar as vicissitudes da contratransferência nos atendimentos a famílias constitui-se uma das tarefas mais difíceis e importantes do analista. Tal circunstância leva o analista a ocupar simultaneamente os lugares de testemunha do sofrimento familiar e ator, experimentando em seu corpo e psiquismo experiências dolorosas e aflitivas, especialmente quando envolvem segredos (Arango & Moreno, 2009).
No tratamento das famílias, os segredos se mostram frequentes e exigem, por parte do analista, condições técnicas para manejar de modo delicado e adequado tais circunstâncias. Trata-se comumente de situações complexas, envolvendo comunicações mais primitivas, não verbais, que provocam muitas vezes sentimentos de perplexidade, inaptidão mental, vergonha, desorganização, dentre outros sentimentos igualmente angustiantes. Requerem não apenas habilidade técnica, escuta atenta às questões de família, mas também capacidade interna para suportar e dar continência.
A abrangência e a complexidade da discussão acerca dos segredos familiares na clínica apontam para a importância do desenvolvimento de estudos nesse campo. Ademais, esses estudos podem contribuir para o cuidado com a saúde emocional do analista, que muitas vezes sofre severas dissociações psíquicas quando confrontado com segredos familiares (Eizirik, Schestatsky, Kruel & Ceitlin, 2011; Júnior, Polanczyk, Hauck, Eizrik & Ceitlin, 2011).
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NOTA
1. Caso clínico de terapia familiar psicanalítica, atendido pela primeira autora deste trabalho no Serviço de Psicologia Aplicada de uma universidade pública.
Endereço para correspondência
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teferca@puc-rio.br
Recebido em setembro/2013.
Aceito em fevereiro/2014.