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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.19 no.1 São Paulo abr. 2014

 

EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL

 

Plantão institucional: uma modalidade de intervenção face ao mal-estar contemporâneo na educação

 

 

Ana Beatriz Coutinho LernerI; Paula Fontana FonsecaII; Yara SayãoIII; Adriana Marcondes MachadoIV

IPsicanalista. Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia (USP), São Paulo, SP, Brasil
IIPsicanalista. Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia (USP), São Paulo, SP, Brasil
IIIPsicóloga do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia (USP), São Paulo, SP, Brasil
IVProfessora do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia (USP). Membro do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia (USP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Plantão Institucional é um serviço oferecido pelo Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia (USP) para grupos de profissionais que trabalham na interface da Psicologia com os campos da Educação, Saúde Mental e Assistência Social. Nossa hipótese de trabalho é de que a oferta de um espaço de fala e de interlocução para esses profissionais promove a mobilização do desejo implicado na ação educativa, um reposicionamento do sujeito diante das questões suscitadas pelo trabalho e a ampliação do repertório de estratégias criadas para o enfrentamento das dificuldades que emergem no campo educativo.

Descritores: psicanálise; educação; mal-estar; instituição.


ABSTRACT

The Institutional Duty is a service provided by the Service of School Psychology of IPUSP for groups of professionals working at the interface of Psychology with the fields of Education, Mental Health and Social Welfare. Our working hypothesis is that providing a space for talks and dialogue for these professionals promotes the mobilization of the desire involved in the educational action, a repositioning of the subject towards the issues raised by work and the expansion of the repertoire of strategies created to cope with the difficulties that emerge in the educational field.

Index terms: psychoanalysis; education; discontent; institution.


RESUMEN

El atendimiento institucional es un servicio proporcionado por el Servicio de Psicología Escolar del IPUSP para grupos de profesionales que trabajan en la interfase de la psicología con las áreas de Educación, Salud Mental y el Bienestar Social. Nuestra hipótesis de trabajo es que proporcionar un espacio de habla y diálogo para estos profesionales favorece la movilización del deseo hacia las actividades educativas, un reposicionamiento del sujeto sobre las cuestiones planteadas por el trabajo y la ampliación del repertorio de estrategias diseñadas para hacer frente a las dificultades que surgen en el campo educativo.

Palabras clave: psicoanálisis; educación; mal-estar; institución.


 

 

O Plantão Institucional é uma modalidade de atendimento oferecido pelo Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP) para grupos de profissionais que trabalham na área de Educação e na interface da Psicologia com os campos da Educação, da Saúde Mental e Assistência Social. Criado em 1997, o Plantão Institucional já atendeu mais de sessenta instituições, entre as quais se encontram escolas públicas de ensino fundamental e educação infantil, equipamentos de complementação à escola, casas abrigo e equipes multidisciplinares ligadas às secretarias municipais de educação e saúde de diversos municípios.

Sua criação responde ao pedido de interlocução, e muitas vezes, de solução, realizado pelos profissionais que atuam em instituições educativas e que se sentem angustiados e impotentes diante dos impasses vividos cotidianamente nessas instituições. É fruto também da crescente demanda dirigida aos profissionais psis, convocados que são, a partir do lugar de especialista, a oferecer respostas aos desafios e fracassos que se apresentam no campo da Educação.

Para Machado (2007) e Sayão (2009), criadoras dessa modalidade de atendimento, o termo "plantão" tem função mais inspiradora do que realista, já que o trabalho não se refere às práticas médicas de atendimento das urgências, mas sim a uma disponibilidade da equipe em acolher essas demandas que, por vezes, são formuladas a partir de uma situação emergencial.

Nossa metodologia de trabalho consiste na realização de encontros mensais, de aproximadamente duas horas de duração, entre as psicólogas do Serviço de Psicologia Escolar e as equipes de profissionais das instituições educativas. As reuniões mensais são abertas à participação voluntária dos membros da equipe, e o número de profissionais oscila de acordo com o tamanho da instituição e de seu quadro de funcionários. Nosso contrato supõe o convite a todos os integrantes da equipe envolvidos com a atividade-fim da instituição que buscou o Plantão.

A dinâmica dessas reuniões é bastante informal e todos têm direito à palavra. De maneira geral, partimos das inquietações e dos impasses relatados pelos profissionais acerca do cotidiano institucional e buscamos identificar, com base na escuta psicanalítica, os elementos que indicam as concepções dos profissionais sobre o trabalho e a posição de cada um na rede discursiva que é tecida a cada encontro.

Os profissionais que trabalham com o Plantão Institucional partem de diferentes concepções teóricas, entre elas a Psicanálise que embasa este artigo. As articulações, bem como as diferenças entre essas concepções, são objeto de diálogo entre os profissionais do serviço nas discussões sobre os atendimentos realizados conjuntamente e nas reuniões em que problematizamos as várias ações desenvolvidas. Este artigo é fruto desse diálogo e tem a intenção de construir reflexões sobre essa modalidade de atendimento com base em conceitos da Psicanálise que têm se constituído como importantes operadores do trabalho.

O mal-estar que prepondera no campo da educação se expressa muitas vezes em uma variedade de queixas que recolhemos nos primeiros atendimentos: professores se queixam de alunos, psicólogos se queixam de professores, diretores se queixam das escolas, escolas se queixam das famílias. A falta de reconhecimento por parte dos chefes ou ainda a insatisfação com as políticas públicas educacionais são lamentações que vêm acompanhadas de um sentimento de imobilidade e de impotência frente a uma tarefa sentida como hercúlea. Impotência que adoece o sujeito e que enfraquece as relações institucionais, como podemos ver nas altas incidências de afastamentos por motivos de saúde dos profissionais ligados à Educação (Aguiar e Almeida, 2006).

No Plantão Institucional entendemos essas queixas como versões do mal-estar que comportam em si uma demanda, um pedido de ajuda endereçado ao outro que encarnamos para esses sujeitos. Tomamos a queixa como um "querer dizer" – como uma produção discursiva que reflete a alienação do sujeito em relação às múltiplas determinações das condições do trabalho educativo – para reenviá-la ao sujeito no sentido de implicá-lo com aquilo que é da ordem de seu desejo e das (im) possibilidades de enfrentamento e transformação dessas condições.

Nosso objetivo, ao nos colocarmos como destinatários dessas queixas, não é oferecer respostas que obturem o sofrimento a partir de um suposto saber do especialista. Entendemos que os procedimentos que caminham exclusivamente na linha da orientação das ações fomentam a relação de exterioridade do sujeito com relação ao seu próprio fazer na medida em que colocam o saber (S2) como agente do discurso e o outro como objeto (a) desse saber instituído. Diante de um pedido de resposta, portanto, ofertamos um espaço de fala e de interlocução para esses profissionais com a intenção de resgatar a dimensão do desejo implicado na ação educativa e promover o reposicionamento do sujeito diante das questões suscitadas pelo trabalho. Ao oferecermos esse espaço de escuta, a queixa pode deslizar para a implicação do sujeito na produção de um saber que lhe seja mais próprio. A circulação da palavra, por sua vez, depende da formulação de perguntas que apostem em saberes capazes de ampliar a possibilidade de análise sobre a complexidade das questões trazidas.

Para analisarmos a maneira como esse dispositivo de trabalho se constitui e sua incidência nos sujeitos recebidos em atendimento, partimos da apresentação da concepção de mal-estar na contemporaneidade à qual estamos filiadas e sua relação com a produção de saber no campo educativo.

A concepção de mal-estar na educação remonta ao texto freudiano sobre o mal-estar na civilização. Para Freud (1930/1996), grande parte do sofrimento da humanidade gira em torno da difícil tarefa de encontrar uma acomodação conveniente, que traga felicidade, entre as reivindicações do indivíduo e as reivindicações do grupo. A interrogação freudiana segue na direção de analisar se essa feliz acomodação poderia ser alcançada por mudanças contingenciais nas condições que organizam cada sociedade em cada época ou se esse conflito seria de natureza irreconciliável. Sua resposta, já bastante difundida no campo social, dá relevo ao traço estrutural do mal-estar, ou seja, à inevitabilidade do conflito entre sujeito e sociedade, já que esta organiza-se em função sempre de alguma renúncia à satisfação pulsional. Nas palavras de Freud (1930/1996, p. 137), "Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é tão difícil ser feliz nessa civilização".

Considerando o conceito de discurso e laço social apresentado por Lacan (1992) no Seminário, livro 17, os autores pós-freudianos reatualizam essas noções considerando as formas contemporâneas de subjetivação.

Birman (2003) propõe uma leitura do mal-estar na atualidade tendo a problemática da subjetividade como ponto central. Para ele, "não se pode falar de mal-estar sem que se aluda ao sujeito, já que o mal-estar se inscreve sempre no campo da subjetividade" (Birman, 2003, p.15). Sua leitura do social faz operar uma indagação dos caminhos do desejo nos novos cenários de sofrimento subjetivo, o que vai ao encontro da ideia de que há algo de estrutural no mal-estar, mas há contingências em que o sofrimento fica potencializado. Koltai (2000) aponta também para a dimensão do padecimento vivido pelo sujeito ao afirmar que "O mal-estar diz respeito àquilo que o sujeito vive como sofrimento ou impossibilidade de relacionamento com o mundo e com o outro, ressentido como uma dificuldade de ser" (Koltai, 2000, p.50).

A produção de um sofrimento individual tem relação com uma forma de conceber e viver os acontecimentos escolares que, como disse Birman (2003), pode potencializar esse sofrimento. Disso os profissionais que atendemos no plantão nos falam recorrentemente: a dificuldade inerente ao ato de educar e a todas as relações envolvidas nesse fazer é vivida como sofrimento individual, sentida no próprio corpo do sujeito. Resgata-se aí certa dimensão do inevitável contida na definição freudiana. O estar na cultura é, em parte, um mal-estar.

Lacan (1992) formula o termo discurso como a estrutura de linguagem que articula o sujeito ao outro e que define posições discursivas e modalidades de relações. Para Jorge (1997, p. 158), "o discurso é definido por Lacan como o que funda e define cada realidade", constituindo modos particulares de estabelecimento dos laços sociais. Portanto, "o mal-estar na civilização é o mal-estar dos laços sociais" (Quinet, 2006, p.17). Essa articulação nos permite enunciar a potência da abordagem do mal-estar pela via da circulação da palavra, já que a teoria dos discursos sustenta que não há subjetividade que se organize fora do laço social. Sua formulação do discurso está assentada sobre importantes pressupostos psicanalíticos: a tese do inconsciente e a ideia de um assujeitamento pela linguagem, ou seja, da existência de uma rede simbólica que produz um sujeito determinado por sua história e também pelo lugar que ocupa na instituição, isto é, por sua pertinência institucional.

Tal inscrição simbólica, em seu entrelaçamento com a dimensão imaginária, marca presença e atualiza-se nos tipos de vínculos que o sujeito estabelece no interior das relações institucionais e das ações no âmbito do trabalho. Nesse sentido, o Plantão Institucional tem como objetivo acionar essa rede discursiva, os múltiplos atravessamentos institucionais e, assim, incidir sobre o engendramento de sentidos produzidos socialmente pelos profissionais que atuam nesse campo. Para isso, consideramos elementos da história da educação, ou seja, do contexto de produção dos discursos que estão presentes no campo educativo e os lugares institucionais produzidos por esses discursos. Essa "economia discursiva", como apontam Kupfer e Voltolini (2005), tem efeito de sobredeterminação a toda significação que possa ser atribuída aos acontecimentos escolares.

Para ilustrar alguns efeitos produzidos pelo nosso atendimento, escolhemos recortes do trabalho com duas equipes de especialistas que atuam junto às secretarias de educação de dois municípios da Grande São Paulo. Esses profissionais – psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais – tradicionalmente ficavam alocados na área da Saúde e, nas últimas décadas foram chamados a atuar também no campo da Educação para, entre outros fatores, para dar conta do que a educação estava vivendo como fratura e que ganhou relevo a partir da implementação de políticas públicas voltadas à inclusão.

Uma das questões recorrentes nos grupos multiprofissionais que comparecem ao Plantão Institucional é a linguagem utilizada para designar a secretaria da qual fazem parte: "eles". Esse modo de se referir aos demais profissionais, em geral pedagogos, supervisores ou chefias, revela uma relação de exterioridade, como se a equipe de especialistas não fizesse parte da mesma Secretaria de Educação.

Em um dos grupos atendidos, desde o primeiro encontro, anunciavam-se, com bastante ênfase, as críticas da equipe a mecanismos perversos ainda presentes em muitos setores do serviço público: clientelismo, apadrinhamento político e descaso com questões escolares urgentes que demandavam intervenção do poder público. Esses mecanismos cumpriam a função de atrair toda a atenção da equipe para as ações praticadas pela secretaria. Daí a necessidade de diferenciação e cisão expressa por meio do uso do pronome "eles".

O modo como essas queixas se apresentavam nos permitiu perceber também uma grande dificuldade da equipe em delimitar qual o espaço de atuação possível em realidades como essas, muito frequentes na esfera pública. Como atuar sem compactuar e nem se submeter a esses funcionamentos? A sensação de paralisia e impotência vivida por essa equipe se traduzia em falas como: "Eles não nos querem lá", "As escolas não entendem o papel da nossa equipe", "A chefia não nos diz claramente o que devemos fazer". Tal como o discurso da histérica, essas falas apontam a falha no outro, situando a secretaria e as escolas como responsáveis pelas dificuldades vividas no trabalho, em última instância por aquilo que fracassa.

Quando os profissionais passaram a falar sobre suas propostas para o que consideravam serem as necessidades das escolas, sobre o possível equacionamento entre as demandas de alunos e profissionais e sobre as pressões exercidas pelas instâncias superiores, foi possível à equipe circunscrever o âmbito de sua atuação dentro daquela secretaria municipal de educação. Esse movimento incluiu o posicionamento pessoal de cada elemento da equipe, uma vez que convocou os sujeitos no tocante às suas escolhas e ao desejo de atuar nesse campo.

Uma das profissionais, quando indagada sobre sua proposição em determinada situação relatada, pôde enunciar seu desejo de atuar no campo da Saúde, ou seja, não era apenas "a secretaria" que não reconhecia o trabalho daquela equipe, mas também ela própria não mais desejava permanecer na área de Educação. A repercussão de uma fala como essa desencadeou novo posicionamento de cada membro da equipe. Com isso, operou-se uma mudança em relação ao "outro–Secretaria" que deslocou o eixo das queixas sobre "eles" para a implicação na elaboração de propostas de enfrentamento daquela realidade. Segundo Bourdieu (1997), o enfraquecimento das ações guarda estreita relação com o posicionamento do sujeito frente ao seu desejo e também frente aos aspectos da ordem social e aos objetos oferecidos para investimento.

Em outra equipe atendida no Plantão Institucional, as queixas giravam em torno dos conflitos com os supervisores hierarquicamente superiores. O termo "orientação" aparecia diversas vezes, ora relacionado ao trabalho da equipe junto aos professores e gestores das escolas, ora relacionado às solicitações dos supervisores à equipe.

A partir de um discurso de mestria, esses supervisores, imbuídos da missão de fazer a inclusão funcionar para atestar a eficiência dessa gestão, demandavam relatórios das visitas realizadas às escolas com objetivos claros e "orientações práticas e destacadas". Tudo se passava como se as orientações tomassem o lugar de todo o trabalho a ser realizado, ou seja, como se fossem aquilo que justificaria a existência da equipe.

Contam, então, uma situação na qual uma escola infantil havia solicitado que a equipe orientasse os professores sobre como proceder com uma aluna "de inclusão" com dificuldade em usar talheres e que comia com as mãos. Esse pedido chegou à equipe por meio dos supervisores que solicitaram um atendimento em caráter de urgência. Submetidos a esse ordenamento, os especialistas recorreram ao seu campo de saber (S2) para produzirem uma prescrição: deixar comer com mãos e apresentar talheres gradualmente. A verdade recalcada desse discurso aparece na fala de uma das profissionais quando afirma que: "A gente não sabe tudo" e "Nós não somos máquinas de orientar".

Se organizarmos os elementos desse discurso no matema, teremos a seguinte configuração:

 

 

Outro efeito desse pedido na equipe foi a insatisfação com a escola à qual ofereciam seu apoio especializado: "É mesmo necessário que digamos se é normal comer com as mãos e como fazer para que a aluna coma com talheres?" "Os professores não sabem disso?". Não obstante esse incômodo, a equipe foi à escola e orientou a professora, sustentando então uma posição alicerçada no discurso universitário.

Ao procederem assim, os especialistas fomentaram uma posição de alienação do professor com relação ao seu próprio fazer, na medida em que o saber instituído se sobrepôs à experiência singular do professor com essa aluna. Além disso, a complexidade presente nessa questão – a política de inclusão, as tensões geradas em situações nas quais convivem crianças com funcionamentos muito diferentes, as concepções sobre a função da escola nessas histórias, as angústias, a necessidade de criação de sentido para as ações – fica anulada quando reduzida a uma pergunta a ser respondida. Essa sobreposição foi evidenciada quando um dos especialistas disse que, em alguns casos, após receberem uma orientação, os professores não só seguem a conduta como "até a replicam". A aplicação da técnica e sua reprodução são entendidas como índices de sucesso da intervenção.

 

 

A principal característica do discurso universitário é tomar o outro como objeto e destituí-lo de seu saber. O outro precisa estar objetalizado (a no lugar do Outro) para que a prescrição possa ser aplicada. Por isso, no lugar da produção encontramos um sujeito barrado, sujeito do sintoma: um professor que sabe cada vez menos de si e de sua prática.

Ao escutarmos um relato dessa situação, foi ressaltada a colagem significante entre trabalho, orientação e prescrição. As orientações práticas pareciam legitimar que um trabalho fora feito por parte dos especialistas: "Se a gente não orienta, parece que não teve trabalho". A confrontação com esse dizer possibilitou que o termo "orientação" se desdobrasse, ganhasse outras acepções, permitindo a criação de novas possibilidades de trabalho.

Esse giro discursivo faz com que a equipe possa se reposicionar diante das práticas de orientação que estavam dissociadas da suposição de um saber no outro. O profissional não–todo situado no lugar de especialista pode, então, valer-se do seu saber específico sem que isto se sobreponha à singularidade dos cenários educacionais. É o que parece indicar o "dizer esclarecedor" de uma das profissionais atendidas no Plantão, ao perceber os efeitos indesejados de sua ação: "Nós fazíamos com os professores aquilo que não gostamos que façam conosco".

A experiência ao longo desses anos de trabalho nos mostra que a mudança de posição do profissional da Educação está intimamente "vinculada à capacidade de analisar suas próprias ações e as de seus pares", reconstituindo, assim, "os saberes, o saber-fazer, as concepções e as representações sociais ... colocadas em prática nas ações/intervenções pedagógicas e educativas vividas no cotidiano do exercício docente" (Almeida, 2012).

Por meio desses recortes apresentamos o dispositivo do Plantão Institucional como uma modalidade de intervenção no mal-estar na educação que permite ao sujeito confrontar-se com seu próprio dizer, habitar outros discursos e, então, produzir novos saberes.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
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Recebido em março/2013.
Aceito em agosto/2013.