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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624
Estilos clin. vol.22 no.2 São Paulo ago. 2017
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v22i2p212-229
ARTIGO
A arte da fuga: sobre a personalidade reativa e o tratamento psicanalítico de um adolescente em crise
The art of escape: on reactive personality and psychoanalytic treatment of an adolescent in crisis
El arte de la fuga: sobre la personalidad reactiva y el tratamiento psicoanalítico de un adolescente en crisis
Tiago Sanches Nogueira
Doutorando em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP) e membro do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (Psopol) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO
Este trabalho apresenta uma discussão acerca de um caso clínico que interroga a ação do psicanalista perante o processo de crise de um adolescente em condição de abrigamento. O desdobramento do caso pôde, somente a posteriori, levar-nos ao estudo do funcionamento daquilo que Jacques Lacan, em seu seminário A Angústia (1962-1963), chamou de "personalidade reativa". Trata-se, segundo Lacan, não de uma espécie de sujeito, mas sim de uma zona de relação definida por ele como a do acting-out. William recorria exatamente a essa zona como único recurso diante do "não se pode dizer".
Descritores: adolescente; angústia; acting-out; personalidade reativa; Jacques Lacan.
ABSTRACT
This paper presents a discussion about a clinical case that questions the psychoanalyst's action in the crisis process of an adolescent in shelter condition. Only later the case's development was able to lead us to the study of the functioning of what Jacques Lacan called "reactive personality" in his seminar Anxiety (1962-1963). According to Lacan, it is not a kind of subject, but a zone of relation defined by him as acting-out. That zone was the only resource that William had before the "cannot be said".
Index terms: adolescent; angst; acting-out; reactive personality; Jacques Lacan.
RESUMEN
Este trabajo presenta una discusión acerca de un caso clínico que cuestiona la acción del psicoanalista ante el proceso de crisis de un adolescente en condición de refugio. El despliegue del caso pudo llevarnos, sólo a posteriori, al estudio del funcionamiento de lo que Jacques Lacan, en su seminario La angustia (1962-1963), llamó "personalidad reactiva". Según Lacan, no se trata de una especie de sujeto, sino de una zona de relación definida por él como acting-out. Esa zona era exactamente el único recurso que William poseía ante el "no se puede decir."
Palabras clave: adolescente; angustia; acting-out; personalidad reactiva; Jacques Lacan.
História
William, quatorze anos, foge de casa desde os oito. Passa dias perambulando pelas ruas, dormindo debaixo de marquises, em praças ou em casas de desconhecidos. Apesar de uma aparente dificuldade de enunciação, que posteriormente se revelará como insígnia de sua claudicante constituição psíquica, o adolescente se filia a grupos de jovens que promovem arrastões pelo centro de São Paulo.
Acolhido em uma casa de passagem, o adolescente é transferido para um abrigo da cidade na qual mora sua mãe adotiva. William resiste em morar com essa mãe, apresentando grande hostilidade diante da possibilidade. Seu inevitável abrigamento se dá perante os riscos que o jovem se coloca quando vai para a rua. Entretanto, sua rejeição em relação a essa cidade em que mora desde pequeno é motivo para cada vez mais empreender fugas para aquele que se tornou um lugar de acolhimento e referência para ele: São Paulo.
O adolescente foge, às vezes faz uso de drogas nas ruas, comete alguns roubos e furtos e, quando encontrado por alguma autoridade local, é levado para a assistência social ou conselho tutelar, que automaticamente reencaminham William de volta para o abrigo de origem. Esse círculo se repete muitas vezes, de modo que, a cada retorno, o adolescente se torna mais refratário ao programa de atendimento social que lhe é proposto como forma de intervenção.
Nesse momento, sou solicitado para avaliar o caso de William e verificar a possibilidade de iniciarmos um atendimento psicológico. Realizo algumas entrevistas preliminares com o jovem e, logo de início, percebo nele uma certa dificuldade em relação à narrativa de seu sofrimento.
Sua fala, bastante empobrecida e marcada por uma tonalidade monocórdia, é expressa sob um certo esforço, de forma que suas frases sejam econômicas e condensadas. As interrogações acerca de seus atos tinham como respostas frases esvaziadas de sentido. "Está tudo bem", respondia ele após um fim de semana de fugas e conflitos com os funcionários do abrigo. Só depois de dizer que estava tudo bem William podia encadear uma narrativa de difícil acesso, marcada por respostas holofrásicas e por uma pressa em terminar logo o possível diálogo a ser constituído ali.
Há no adolescente a presença de uma forte inibição em relação ao olhar, como se este, que é um dos objetos pulsionais primeiros (junto com a voz), tivesse sofrido uma espécie de corrosão. Temos, portanto, um olhar baixo, distante, desconfiado, como o de um sujeito prestes a sofrer uma agressão. Um olhar que revela um constante estado de vigília, no qual a aproximação do outro parece ser sempre uma ameaça.
Nesse sentido, é necessário destacar alguns pontos importantes de sua vida:
a) Com três meses de idade foi entregue para sua mãe adotiva sob a insígnia "ele atrapalha minha vida". Entretanto, William não foi adotado nesse exato momento, mas sim após cinco meses, já que sua mãe biológica se arrependeu de entregar o menino logo depois que ele foi registrado pelo pai adotivo. Ela (a mãe biológica), após intenso uso de drogas, abandonava o menino em sua própria casa, que era visitada por outras pessoas que também faziam uso de drogas. Essas pessoas agrediam o bebê William de maneira atroz, por exemplo, queimando-o com cigarro. Essa forma de assimetria total entre o sujeito e o outro, manifestada na violência contra nosso paciente, bem como o abandono em um momento tão inicial de sua vida, parece ter inviabilizado ou, no mínimo, colocado em risco alguns aspectos de sua constituição psíquica.
b) William se torna uma criança difícil, inicialmente chorosa, depois agressiva. Nas palavras da mãe, o paciente parecia "sensível", respondendo aos conflitos escolares rotineiros com muito sofrimento, choro e, posteriormente, agressividade. Por volta dos oito anos inicia suas fugas. Esse comportamento, que perdurará até o presente momento, foi se configurando como uma de suas maiores expressões. Ainda não é muito claro o motivo dessas fugas, pois a princípio elas pareciam ser provocadas, segundo a mãe, por interdições e discussões em casa. Entretanto, na maior parte das vezes elas eram empreendidas sem motivo aparente.
c) Durante uma dessas fugas, William fica desaparecido quase um mês. Cartazes são espalhados pela cidade, e a mãe adotiva chega a imaginar que ele pudesse estar morto. Nesse momento, ele inicia suas passagens por diversas casas de acolhida, o que culminará em seu acolhimento definitivo no abrigo da cidade natal de sua mãe, no qual presto serviço.
d) Um dos episódios sombrios de sua trajetória é o assassinato de seu pai adotivo enquanto William estava acolhido em um abrigo de São Paulo. A história oficial da mãe é que o pai havia sofrido um assalto e, praticamente na sua frente, foi morto ao resistir. Digo "história oficial", pois William relata que o pai era uma espécie de "justiceiro" em sua comunidade. Segundo o paciente, seu pai matava os bandidos que cometiam crimes no bairro e, possivelmente, tinha sido alvo de algum grupo criminoso sedento por vingança. Tal versão, nunca confirmada pela mãe, ecoava pelos corredores do abrigo, já que algumas funcionárias, que moravam próximo ao bairro, diziam que de fato o que o menino contava tinha veracidade. Vale ressaltar que William, por estar abrigado em São Paulo e por dificuldades não muito bem esclarecidas, não pôde ir ao enterro do pai.
Uma medida para quais medidas?
Paulo Endo (2005) retoma a ideia do ego como "essência corpo" e nos lembra que, ao vivenciar uma experiência excessiva, esse ego assumiria outra função, perdendo seu caráter de projeção de uma superfície e passando a confundir-se com o próprio corpo. Aqui, Endo fala de um princípio de sobrevivência que, opondo-se ao princípio de realidade, coloca o sujeito para funcionar em um automatismo, como se a única e principal providência a ser tomada fosse "afastar o corpo imediatamente da chama que o queima" (Endo, 2005, p. 113). O comportamento de fuga de William parecia um exemplo claro desse automatismo descrito pelo autor, aparentemente engendrado pela regressão de seu aparelho psíquico ao processo primário.
Segundo Freud (1900/1987), o processo primário é caracterizado pelo envolvimento de um predomínio paulatino da ação em detrimento do pensamento. Nesse sentido, tínhamos no horizonte a hipótese de que os excessos pulsionais vividos por William em sua primeira infância tinham, de algum modo, comprometido seus sistemas de representações pré-consciente e inconsciente, prejudicando-os em suas capacidades de ligação.
Dentro de um quadro extremamente sério, no qual seus comportamentos de risco eram agravados por um importante embotamento afetivo que o afastava das pessoas, foi se configurando uma grave crise comportamental, a qual apresentava como principal manifestação o conflito com a lei.
Inscrevendo-se em modos de vida que prescindem do pensamento como mediador da ação, os quais lhe impõem o nível da sobrevivência como principal agente regulador da vida, William se lança em direção ao discurso da criminalidade, que o captura e lhe oferece um modelo identificatório.
O jovem faz contínua referência à sua "filiação" a grupos do crime organizado, no qual frequentemente se liga a figuras de liderança, pelas quais se sente "adotado". Durante uma sessão, revela que um dos "donos do morro" é como um pai para ele e que logo se juntará a esse "pai" para herdar seu império. Claramente, há aqui uma narrativa que diz respeito às suas heranças e à sua tentativa de inscrição em alguma linhagem ou trama simbólica.
Diante do drama de William, bem como do agravamento de seus comportamentos delinquenciais (seus roubos e ataques a pessoas nas ruas ficavam cada vez mais violentos), decidimos construir uma intervenção na qual William pudesse ser confrontado com a alteridade encarnada pelo outro no campo social.
Sendo assim, solicitamos à vara da infância a composição de um encontro entre William e a promotoria, a fim de que pudéssemos discutir as premissas básicas da convivência e do pacto social. Nele, pretendia-se construir uma intervenção com o fórum, levando em consideração não o efeito de punição sobre o jovem, mas sim os benefícios de possíveis medidas que pudessem lhe oferecer uma função instituinte, de uma lei.
Confrontar o adolescente com seus atos perante a promotoria e, por conseguinte, responsabilizá-lo por suas ações geradas no campo social fazia parte do desenho de um projeto de intervenção clínico-política, o qual visava a construção da lei, a partir de um pacto em que o lugar do excesso não seria ocupado.
Tal medida foi pensada nos moldes das modalidades de intervenção que, segundo Rosa (2015), apostam na circulação da palavra como condição de inscrição de uma distância capaz de aproximar e produzir laço com o outro. Apesar de não se configurar como uma medida socioeducativa propriamente dita, nossa intervenção carregava o potencial de uma cena restaurativa, tal qual carregava a cena do cemitério em Hamlet (cena na qual o personagem descobre seu amor por Ofélia só depois de perdê-la). A aposta era que o adolescente pudesse, na miragem do outro e através do outro, se reencontrar diante de seu desejo e de seu drama pessoal.
No mesmo dia em que William se encontraria com a promotora de Justiça, nós tivemos uma sessão muito especial. Diante da grande resistência de William para entrar na sala, decido recebê-lo com seu colega de abrigo, alguém com quem ele teria feito uma parceria e que inclusive seria o mesmo jovem que cometia pequenos furtos nos mercados da região com ele.
Nessa fatídica sessão, surge o tema "pai". Os dois falam de seus pais e William pede para que eu conte a seu colega a verdade sobre a morte do seu. Eu conto tal como William tinha me contado, bem como apresento as hipóteses sobre as circunstâncias de seu assassinato, porém dou ênfase ao sofrimento de sua mãe perante o trauma de assistir essa morte1.
Imediatamente, William é tomado por grande emoção e, como lhe é típico, levanta e ensaia fugir. Eu o seguro pelo braço e lhe pergunto para onde iria. Extremamente perturbado e chorando, o adolescente me responde que queria ver o seu pai. O movimento dentro da sessão fica perigoso, e por um instante penso que se ele saísse dali e fosse para a rua, poderia colocar a sua integridade em risco. Lembro-me de que o cemitério no qual seu pai estaria enterrado é perto do abrigo e decido convidá-lo para irmos juntos até lá.
Assim foi. Caminhamos uns quinze minutos e lá chegamos. Carregando apenas a referência do nome de seu pai, saímos à procura do local onde ele estava enterrado. Conseguimos um número com a ajuda de um funcionário do cemitério e partimos em busca do túmulo, que descobriríamos, posteriormente, ser uma campa muito simples, sem nenhum símbolo ou referência a quem pudesse ali estar enterrado. Nenhum objeto que pudesse ter função de memorial ou homenagem ao pai morto. Apenas terra e uma placa com um número.
Diante dessa cena, conversamos um pouco, ficamos em silêncio, compramos umas flores (que ele escolhera) e as colocamos sobre a terra. William pergunta a posição em que seu pai estaria enterrado para que ele coloque a flor exatamente em cima de seu corpo. Encontra uma posição e ali presta sua homenagem, a única que aquele morto tinha recebido em um ano.
Voltamos e a tensão se estabilizou. À tarde, o adolescente partiu para o fórum, para a fatídica intervenção com a promotora. Lá, ele é confrontado com seus atos, sendo repreendido pela autoridade de uma forma que talvez não esperássemos. Encarnando a lei, a fala da promotora teve um tom mais repressivo, o que causou um efeito de riso em William muito peculiar. Quando indagado pela promotora sobre qual o motivo de ele estar rindo, o adolescente respondeu despretensiosamente: "É que me lembrei de uma coisa engraçada".
Aparentemente, esse riso indicou um momento lógico importante na construção do caso. O efeito siderante2 de um significante superegoico que ali, naquele instante, William experimentou parece ter tido efeito de injunção. Didier-Weill (1996)aponta para a importância desse instante, em que a presença no discurso de um significante alheio ao saber inconsciente, desorienta o sujeito tanto na ordem espaçotemporal quanto na ordem ética, em que o sujeito não sabe mais onde está o bem e o mal (é a questão do real), não sabe mais onde está seu corpo, na medida em que se tornou transparente perante o olhar do Outro (é a questão do imaginário), e não sabe mais responder ao Outro (é a questão do simbólico).
Se anteriormente William apresentava uma personalidade reativa, a qual se organizava ao modo atuativo em estrutura de acting-out, a partir desse momento o adolescente irrompe em uma crise melancólica, culminando em uma tentativa de suicídio por enforcamento. Levado ao psiquiatra e medicado, William ainda assim foge mais uma vez, agora para uma cidade vizinha. Confuso, o adolescente vaga por entre os carros e, segundo relato de testemunhas, se joga na frente deles. Recolhido pelas unidades de emergência da cidade, William é levado para uma internação psiquiátrica e de lá é transferido para um hospital referência da região.
Atuando...
Reduzido ao próprio corpo, William sofre perante as formações crônicas de equivalentes de angústia3, convertendo todo e qualquer afeto em pura ação. Sendo assim, suas fugas e seus furtos revelam-se como manifestações importantes a serem lidas e tomadas como produções possíveis dentro de seu quadro clínico.
A partir dessa constatação, o trabalho com William recupera a discussão acerca da clínica do ato, aquela que se inicia na psicanálise a partir da reflexão sobre a polaridade inibição/acting-out e que depois se desdobra no estudo da análise além dos sintomas, tentando compreender os diversos elementos que estariam circunscritos dentro dessa clínica com pacientes tomados por um certo tipo de agir.
Em psicanálise, quando nos referimos à ação, logo nos surge a palavra agieren, utilizada por Freud para designar alguns tipos de atos que durante a análise se apresentam em contraposição ao recordar. Desse modo, o agieren, traduzido por Strachey como "acting-out", possui o aspecto de repetição do passado recalcado do sujeito e que se manifesta na transferência com o analista. É a tradução em ato daquilo que o paciente esqueceu e que, portanto, seria para Freud um movimento inerente ao processo analítico, sendo conceituado como efeito da instalação da neurose de transferência.
Roudinesco e Plon (1998) apontam algumas transformações na compreensão desse termo ao longo dos anos. Ao designá-lo como o mecanismo pelo qual o sujeito põe em prática pulsões, fantasias e desejos, os autores recuperam algumas diferenças importantes entre a leitura da escola inglesa e da escola francesa, sobretudo aquela orientada por Jacques Lacan.
A escola inglesa, por exemplo, distinguiu o acting-in do acting-out, apontando que no primeiro trata-se da substituição da verbalização por um agir no interior da sessão analítica (por exemplo, uma mudança da posição do corpo ou surgimento de emoções) e que no segundo seria o mesmo fenômeno fora da sessão (Roudinesco & Plon, 1998, p. 6). Já a vertente da escola francesa, representado aqui por Michel de M'Uzan, distingue o acting-out direto associado a um ato simples, sem relação com a transferência do acting-out indireto, este já ligado a uma organização simbólica relacionada com uma neurose de transferência4.
Entretanto, é com Lacan que a discussão acerca do acting-out ganha amplitude, colocando a psicanálise em franca articulação com a psiquiatria, sobretudo a partir da reflexão acerca da expressão passagem ao ato. Tal expressão, muito comum no vocabulário psiquiátrico francês, designava a violência de determinada conduta mediante a qual o sujeito se precipita em uma ação que o ultrapassa (Roudinesco & Plon, 1998, p. 6).
Jacques Lacan, em seu seminário sobre a Angústia (2005), apresentou uma importante distinção entre ato, acting-out e passagem ao ato. Para o psicanalista francês, o ato seria sempre um ato significante, sempre circunscrito pelo tempo do après-coup e por consequência, apreendido no só-depois. O acting-out, ao contrário, não seria um ato e sim uma demanda de simbolização que se dirige a um outro, tendo como função a evitação da angústia. Já em relação a passagem ao ato, Lacan fala de um agir inconsciente, de um ato não simbolizável, pelo qual, identificado ao objeto a (objeto excluído ou rejeitado de qualquer quadro simbólico), "o sujeito descamba para uma situação de ruptura integral, de alienação radical" (Roudinesco & Plon, 1998, p. 6).
Sabendo que a constituição do sujeito é correlativa de sua inscrição no campo do Outro como lugar do significante, nessa operação, por ser concebida como uma divisão, constata-se que dela resulta-se um resto. Lacan (2005) melhor elabora essa teoria da divisão subjetiva a partir de uma reflexão sobre os processos de alienação e separação. Segundo o autor, em um primeiro momento o sujeito se aliena ao campo do Outro em busca de insígnias que possam representá-lo como sujeito. Já em um segundo momento, o enigma que retorna do Outro, apresentando-se diante do desejo do sujeito, provoca sua separação do campo desse Outro. Há, portanto, duas faltas implicadas no processo de constituição do sujeito: uma responsável pela busca de significantes no campo do Outro por parte do sujeito e outra que recobre a primeira, visto que o Outro é, também, portador de uma falta de outra ordem.
A articulação entre essas duas faltas é o que lançará o sujeito em busca de complemento, de uma resposta sobre "o que é que o Outro quer" ou ainda, qual seria seu lugar no desejo do Outro. Tais enigmas se apresentam como efeito de toda operação de linguagem até aqui realizada, tendo como resultado um resto impossível de ser simbolizado. Resto que leva o sujeito a se endereçar aos outros e a se separar do campo do Outro. Desse modo, é no interior dessas reflexões que surge a formulação de que a angústia possui relação essencial com o desejo do Outro e que, situada entre a dialética do desejo e da identificação narcísica, ela seria a pura apreensão desse desejo.
Clínica da ação
Diante do exposto, nota-se que a tendência a agir em algumas personalidades5 possui relação direta com a certeza da presença do desejo do Outro, de modo que esse agir torna-se um meio de transferir angústia, arrancando dela a própria certeza. Nesse sentido, o acting-out é, essencialmente, alguma coisa que se mostra na conduta do sujeito, e sua ênfase demonstrativa, sua orientação para o Outro deve ser destacada (Lacan, 2005, p. 137).
Vemos que o agir no acting-out se engendra diante daquilo que resta de uma certeza para o sujeito, mostrando que há nele um desejo de ser, de mostrar-se e de firmar-se como verdade. Tal ação conserva uma certa relação com a rede de representações:
O acting-out parece ser uma ficção que permite ler a verdade do ser que permanece fora do alcance do verbo e que é ao mesmo tempo derrisão e apelo ao saber. É acting-out do ser em busca do Outro que tem a resposta (Lacan, 2005, p. 53).
Na tentativa de obter resposta do Outro sobre a verdade de seu ser, o sujeito lhe inclui na cena, repetindo sem saber o que faz. A violência muitas vezes de tais atuações confunde-se com a passagem ao ato, porém, nesta, o sujeito está absolutamente identificado com o objeto a e, por essa razão, ele rompe com a cena e, em última análise, com o Outro.
Observa-se que a violência brotada de algumas personalidades organizadas ao modo atuativo revela a evitação de angústia como única saída possível. Aqui, o acting-out funcionaria tal como na encenação fantasmática, a qual constitui-se como a resposta que o sujeito inventa diante da falta no Outro. Em outras palavras, o acting-out estaria constituído como uma espécie de atualização da fantasia.
Frequentemente, o acting-out que surge como um tipo de evitação da angústia é relatado como conduta ou comportamento. Ao contrário das atuações ocorridas como momentos disruptivos no andamento de uma análise, o modelo de acting-out que temos aqui é o que caracteriza a personalidade de pacientes que se manifestam por meio de um conjunto de fenômenos marcados pela impulsão.
É comum na literatura psicanalítica pós-freudiana a relação entre o acting-out e o comportamento delinquente, as adicções, as neuroses de caráter severas, as perversões sexuais ou a tendência geral de seres humanos a eventualmente se comportar de forma irracional (Boesky, 1982, p. 39). Porém, Lacan nos lembra ao comentar um texto de Margaret Little, em uma das aulas de seu seminário, que a situação das personalidades atuativas recupera uma velha discussão acerca do chamado "caráter neurótico":
Os sujeitos que ela [Margaret Little] define como uma terceira classe, a neuroses de caráter ou personalidade reativa, como queiram, isto que Alexander definiu como neurotic character, em suma, tudo aquilo em torno de que se elaboram tão problemáticas imitações e classificações, quando, na realidade, não se trata de uma espécie de sujeito, mas de uma zona de relação, a que eu define como acting-out (Lacan, 2005, p. 152).
Jacques Lacan, nessa passagem, está se referindo a um célebre texto de Franz Alexander, publicado em 1930 e intitulado "The neurotic character". Nele, o psicanalista descreve um tipo clínico que apresenta escassa produção de sintomas, tendo os impulsos inconscientes expressados e vividos no mundo exterior, via acting-out. Utilizando mecanismos específicos, esses indivíduos são associados a formas de vida que tendem para a criminalidade e autodestruição.
Segundo Alexander (1930), os indivíduos inscritos dentro do caráter neurótico atuam seus conflitos internos no mundo externo6. Sua composição é insuficiente para a caracterização de uma estrutura clínica, já que ela aponta para um estado preliminar ao sintoma. Do ponto de vista de sua manifestação, o caráter neurótico apresenta laço estreito entre tendências inconscientes e atividade motora, frequentemente associado a comportamento criminoso ou delinquente.
Tratar-se-ia de pacientes cuja característica transferencial mais aguda Reich já tinha indicado: impassibilidade, apatia ou indiferença às interpretações, sensação de que o paciente simplesmente não é tocado pela presença ou pelas intervenções do analista e de que a defesa não é, de qualquer modo, abalada.
Segundo Franz Alexander, a forte presença de tendências antissociais nesses casos se dá devido à necessidade de autopunição, pois há gratificações pulsionais importantes no sofrimento produzido pela punição eventualmente gerada pelo crime cometido. Aqui, Alexander está recuperando uma importante ideia contida em um texto de Freud (1916/1974) intitulado "Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico". Nele, o pai da psicanálise faz referência a um tipo de caráter que diz respeito aos que delinquem por sentimento de culpa. Trata-se de sujeitos cuja realização de certos atos transgressivos respondem ao alívio da consciência de culpa, de modo que o ato de delinquir seria uma forma de ir além da lei como limite.
Com base nestas considerações, Franz Alexander refere que devemos distinguir quatro grandes grupos psicopatológicos: a neurose, o caráter neurótico, as psicoses e a criminalidade. Apesar de a culpa assumir em cada um desses grupos psicopatológicos o lugar de um importante elemento diagnóstico, a experiência nos mostra que o diagnóstico diferencial mais apropriado a ser feito nesses casos é entre o caráter neurótico e a perversão.
Se o modo de formação do caráter neurótico produz a necessidade de punição, um componente masoquista pode ser observado e, erroneamente, considerado como manifestação de uma estrutura perversa. Nesse sentido, Franz Alexander lembra que há uma diferença fundamental entre ambos: no caráter neurótico existe uma necessidade de confinamento do sujeito que na perversão não existe, uma vez que nesta a punição faz parte da vida erótica do sujeito, de modo que seria a dor e não o confinamento o seu elemento especificador.
Considerações finais
Mais do que esmiuçar este quadro específico, interessa-nos aqui observar a construção de uma proposição clínica, cuja marca seja o predomínio da ação impulsiva e irrefreável, algo tão presente em nosso paciente William.
As dificuldades apresentadas por William durante os atendimentos colocam em xeque a ação do psicanalista perante o processo de crise do paciente. Se por um lado suas atuações pareciam estar endereçadas ao Outro, de modo que parecesse um pedido de inscrição dentro de alguma rede simbólica, por outro seu comportamento errante nos fazia questionar sobre a possibilidade dessa inscrição.
Calligaris (1989) refere que há um tipo de errância em que o sujeito erra porque não existe um lugar a partir do qual ele pode medir a significação do que está fazendo. Tratar-se-ia de um horizonte de significações que não é organizado ao redor de uma significação central que organizaria todas as outras. Era justamente essa a dúvida em relação a William. Haveria em seus atos, suas fugas e suas transgressões uma expressão de uma tentativa de significação final?
Sabemos que, caso sua dificuldade estivesse atrelada a essa não organização em torno de um ponto central, suas questões poderiam estar circunscritas dentro do campo da psicose, e, nessa medida, o "percorrer todos os caminhos" tornar-se-ia uma tentativa válida de mapeamento viável da trama simbólica.
Apesar de considerarmos tal possibilidade, constatamos que nesse momento prescindíamos de um diagnóstico estrutural, já que suas dificuldades no plano da ação exigiam estratégias de intervenção que visassem à estabilização do quadro, de modo que em primeiro lugar pudéssemos localizar a necessidade de reconhecimento que seu sofrimento engendrava, para depois tomá-lo como expressão de uma estrutura maior.
O que sabemos é que tanto a discussão teórica do caso quanto sua observação na prática, fazem precipitar a ideia de que a possível superação dessa situação de William reside na resposta autêntica e inesperada a esse estado de encapsulamento do paciente. É isso que Christian Dunker (2002) aponta como a leitura dada por Lacan ao que Margaret Little chama de resposta total do analista às necessidades do paciente. Nela, para além da atitude de "amável benevolência" sugerida por Freud, adviria o desejo de analista, no qual este último:
enchendo-se de coragem, em nome da ideologia, da vida, do real, do que queiram, faz de qualquer modo a intervenção mais singular, e que deve ser situada como decisiva em relação a esta perspectiva que eu (Lacan) chamarei de sentimental (Lacan, 1963, citado por Dunker, 2002, p. 170).
Podemos supor que a iniciativa de levar William ao cemitério, permitindo-lhe homenagear seu pai, ao mesmo tempo que estabelecer um lugar de memorial para o morto, possuiu esse objetivo clínico. Na verdade, o efeito da introdução da falta do analista na cena é o que parece minimamente resultar em algum efeito. A autenticidade afetiva de uma intervenção como essa, sobretudo os afetos provocados por essa experiência no analista, promovem, segundo Dunker (2002), o encontro entre o "a mais" do analista com o "a menos" do paciente. Segundo o autor, esse cálculo de gozo, cuja soma é zero, assinalaria que o fracasso dessa equivalência seria condição necessária para a instabilização do caráter, o que propiciaria a entrada do paciente em análise. É nessa situação que o sujeito poderia passar do caráter ao sintoma, já que o efeito clínico dessa instabilização é a angústia gerada pela experiência crítica de que o Outro pode faltar.
Outra aposta foi a de construir algo no plano da alteridade, de modo que William pudesse se defrontar com seus excessos. A intervenção com o judiciário objetivava a problematização da invasão no campo do outro, tanto o outro no sentido do semelhante quanto do outro como ele mesmo. Aliás, era a sua dificuldade de se localizar como o outro de alguém que aparentemente determinava seus pedidos de reconhecimento via ato.
Sob essa visão, sustentávamos que responsabilizar William por seus atos não significaria assentimento passivo à ordenação social nem a culpabilização automática por transgredir as regras sociais. Significaria colocá-lo nesse lugar do outro, como medida da ação, podendo ser exercida também por outrem sobre si, aproximando-o da possível construção de um laço intersubjetivo.
Entretanto, algo parece ter dado errado. Aparentemente, a ênfase dada pela promotoria sobre cumprir o contrato social recaiu sobre nosso paciente como demanda de obediência à lei7. Uma espécie de ordem superegoica parece ter acionado sua culpa individual e desencadeado fenômenos que, como mostramos, são estruturados a partir dela.
Observamos a partir daí que o confronto do desejo com a lei promoveu a identificação definitiva de William com o objeto a, este resto simbólico rejeitado, afastado, fora da cena. Isso teria resultado em duas passagens ao ato: na primeira, William tenta se enforcar, e na segunda, ele tenta, aparentemente, ser atropelado. Aqui valeria a pena escutarmos os significantes em jogo: o "enforcar-se" ou o "ser atropelado" revelam o enquadre fantasmático que estrutura tais passagem ao ato.
De um lado o sufocamento, a prisão, a falta de ar; de outro, o atropelamento, o passar por cima, o atrapalhar o trânsito, o atrapalhar a passagem. Aliás, este último põe em cena o significante do desejo materno que, lá atrás na sua história, enunciou que aquele menino, por "atrapalhar", deveria ser colocado para fora. Ao mesmo tempo que sua passagem ao ato coloca em evidência tais significantes cruciais para o entendimento do caso, ela também permite a William obedecer à sua necessidade inconsciente de autopunição.
O resultado disso tudo foi uma internação psiquiátrica, na qual o paciente finalmente pôde se ver confinado, preso. Suas reações dentro do hospital variam de uma atitude apática, sem expressão, para rompantes de agressividade em que tenta fugir. No entanto, lá, pela primeira vez, William não consegue escapar.
Descobre-se, assim, que suas fugas impulsivas tinham a função de lançá-lo para fora da cena, proporcionando-lhe a chance de voltar para daí se fazer valioso. Nesse sentido, não sabemos dos efeitos que essa internação terá sobre William, pois no momento em que este texto está sendo escrito ele ainda se encontra internado.
O reconhecimento de sua existência passa por uma necessidade de se fazer ausente. Portanto, se no hospital isso não é possível, será então que William lá existiu? E em relação ao abrigo, sua distância, sua ausência e seu posterior retorno após a internação terão possibilitado a inscrição de seu valor? Terá ele sentido falta da falta que ele eventualmente pudesse ter causado nas pessoas do abrigo? Essas serão respostas que terão que ser respondidas a partir de agora, quando William retornar para casa.
Posfácio nada fácil
Como descrito em nosso texto, William foi internado provocando a interrupção de seu processo de análise. Devido à distância e à própria burocracia institucional, ficamos impedidos de dar continuidade ao caso. Paramos de ter notícias do jovem. O abrigo que o acolhia aos poucos também foi se desligando dele, já que não mais era possível mandar funcionários para ir visitá-lo. Enfim, um aparente abandono foi se repetindo e mais uma vez o rapaz se viu na mesma situação de sempre. Aquilo que o colocou lá parecia estar se repetindo.
O esforço em tentar algo, perante o gigante que é a máquina burocrática dos serviços que atendem William, é engolido pela escolha de "aprisioná-lo". A opção pela privação da liberdade já era esboçada dentro do próprio abrigo, quando trancavam as portas e janelas para, em nome da segurança, impedir o jovem de circular. Nesse sentido, independentemente de essa privação estar relacionada a uma internação psiquiátrica, ela apresenta os mesmos efeitos de outras privações. Aliás, a palavra internação também é utilizada atualmente pelas instituições de acolhimento ao jovem infrator.
O que nos resta desta experiência é a constatação de que o cuidado do jovem em situações de vulnerabilidade está bastante associado à sua retirada de circulação. Se a luta antimanicomial deu passos importantes na discussão acerca do encarceramento e exclusão como solução para os problemas sociais na saúde mental, em relação ao jovem vulnerável tais políticas públicas parecem fracassar.
Temos como exemplo a atual política de internação para dependência química que, cada vez mais, se apresenta como única saída oferecida por alguns. Apesar da existência de programas inovadores que não levam em consideração somente a abstinência de tais pacientes, vemos que a opção ainda é a internação.
Quanto mais nos afastamos dos grandes centros, quanto mais nos dirigimos para os bairros periféricos e as cidades interioranas, mais observamos tal deterioração da política de cuidados desses jovens. É óbvio que seria injusto dizer que não há boas experiências acontecendo por aí, mas infelizmente estas ainda são exceções.
O aprisionamento como método de tratamento ou cura já não nos é uma novidade. Os estudos de Michel Foucault sobre as prisões nos mostram que as chamadas "instituições de sequestro" (1977) pretendem não só excluir propriamente o indivíduo recluso, mas, sobretudo, "incluí-lo" em um sistema normalizador.
No caso do paciente William, a regulação desse sistema normalizador era realizada pelo judiciário, que, em nome da preservação de uma segurança ideológica, manteve o rapaz internado sob ordem judicial. Aqui vale assinalar que os médicos do hospital deram alta para o paciente em vista de seu bom estado geral, porém teriam que mantê-lo internado sob ordem da vara da infância. Lá se iam quase oito meses de internação.
Se para Foucault (1975/2002) o psiquiatra se torna um juiz que instrui efetivamente um processo, não no nível da responsabilidade jurídica dos indivíduos, mas no de sua culpa real, o juiz aqui se transforma em um diagnosticador. O uso de tal instrumento médico para impor o poder de sua decisão se realiza por via de um conhecimento que não é mais um conhecimento jurídico, mas sim um conhecimento do que ele considera como "anormal".
A presença desses jogos de forças precisa ser pensada dentro de um tratamento que leve em consideração os aspectos sociopolíticos do sofrimento. Entretanto, nem sempre conseguimos operar. O tom pessimista de tais reflexões que encerra nosso trabalho revela as frustrações e dificuldades daqueles que optam por não recuar diante dessa clínica.
Até o momento em que estas palavras são escritas, William continuava internado.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
Travessa Marajó, 67/2
09015-590 Santo André SP Brasil.
tiagosanchesnogueira@gmail.com
Recebido em março/2017.
Aceito em junho/2017.
NOTAS
1. Aqui vale ressaltar que a mãe adotiva foi recebida por mim em uma entrevista recente e, de forma muito impressionante, contou a cena traumática do assassinato do pai de William. Extremamente afetada por essa morte, a mãe parecia estar imersa em um luto extremamente doloroso. As imagens ainda lhe eram recentes, e o choro compulsivo ao falar denotava que ela ainda estava muito sensível ao que viveu.
2. Em seu livro sobre os chistes, Freud situa a sideração (Verblüffung) no momento em que, no próprio jogo da linguagem, passa-se do sentido ao não sentido. O pai da psicanálise diz que o riso produzido se dá no momento seguinte, no qual o reconhecimento do outro, que apareceria no próprio riso, traria sentido ao não sentido. Sua observação de que certos ditos são engraçados apenas a certas paróquias mostra que é preciso que se partilhe um certo código para poder mergulhar em seus sentidos e não sentidos, sem que o sujeito fique totalmente perdido (Freud, 1905/1977).
3. Formação nas quais não há relação entre a angústia e um perigo ameaçador. Essa pode aparecer acompanhando sintomas histéricos ou na forma de acesso de angústia isolado.
4. Nesse momento, as mutações sofridas ao longo do tempo fizeram com que o agieren em Freud nos colocasse uma importante questão acerca do que chamamos de acting-out em psicanálise. Seria ele uma ação empreendida somente no interior de uma análise, ou seja, entendida como efeitos da transferência, ou também poderia ser pensado fora do contexto de um tratamento? A resposta, que deixo suspensa nesse texto para não perturbar o seu encadeamento, não é muito simples, pois tal pergunta revela a necessidade de uma teoria sobre a transferência, a qual nos permita não somente a compreensão dos fenômenos que ocorrem em seu interior, mas também da verificação de sua presença em outros tipos de relação.
5. Dunker (2014) afirma que Lacan, já no início de sua obra, condiciona a teoria da personalidade à análise dos sintomas. Assumindo que a noção de personalidade se apresenta como função de essência para a qual a estrutura funciona como manifestação, o autor entende a personalidade como uma organização permanente e profunda do indivíduo. Os sintomas seriam perturbações dessa forma estável, havendo, portanto, uma clara separação entre o normal (a personalidade como estrutura equilibrada) e o patológico, o sintoma como expressão do desequilíbrio da estrutura (Dunker, p. 83, 2014).
6. Claro que a leitura de Alexander nos propõe a divisão entre um dentro e um fora que precisaria ser problematizada à luz da teoria lacaniana das superfícies, sobretudo no que diz respeito ao estudo da topologia moebiana. Deixo isso suspenso para retomar em outros estudos.
7. Segundo Rosa (2015), a noção de responsabilidade está diretamente ligada não somente à ação que obedece ou questiona a lei, mas à própria construção da lei, a partir de um pacto em que o lugar do excesso não será ocupado, de tal forma que o gozo seja igualmente distribuído. Para a autora, somente se observados esses princípios é que a lei pode ser vista como uma referência à alteridade. Caso contrário, a observância à lei seria puramente o interesse de coibir para conservar uma normativa social e universalizada, para coibir qualquer crítica, contradição ou transformação social.