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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128versão On-line ISSN 1981-1624
Estilos clin. vol.25 no.1 São Paulo jan./abr. 2020
https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v25i1p105-122
10.11606/issn.1981-1624.v25i1p105-122
DOSSIÊ
O discurso medicalizante e a educação: o sujeito no impasse
Discurso médico y educación: el sujeto en el impase
Medicalizing discourse and education: the subject at an impasse
Caroline FanizziI; Leandro de LajonquièreII
IDoutoranda em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Bolsista de doutorado, processo nº 2019/14645-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). E-mail: caroline.fanizzi@usp.br
IIProfessor da Université Paris 8 Vincennes Saint Denis, Saint Denis, France. E-mail: lde-lajonquiere@univ-paris8.fr
RESUMO
O presente artigo visa apresentar uma reflexão, a partir do diálogo com aportes da psicanálise na educação, acerca das implicações da presença do discurso medicalizante no espaço escolar. O discurso medicalizante, muitas vezes proferido com fluência por aqueles que se ocupam da educação, traz consigo inúmeras consequências ao laço educativo, bem como aos sujeitos nele envolvidos. Para a análise aqui pretendida, valemo-nos de falas de professoras das redes pública e privada de ensino, acerca dos impactos da presença do discurso medicalizante à prática docente e ao cotidiano escolar. Patologização de comportamentos infantis, epidemia de diagnósticos, construção de padrões de normalidade e anormalidade, crescente uso de psicofármacos, bem como a desautorização e a desimplicação do professor do ato educativo, são alguns dos principais aspectos identificados em nosso estudo.
Palavras chave: ilusão (psico)pedagógica; discurso medicalizante; laudos; psicanálise na educação.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo presentar una reflexión, basada en el diálogo con los aportes del psicoanálisis en la educación, sobre las implicaciones de la presencia del discurso medicalizante en el espacio escolar. El discurso medicalizante, hablado con fluidez por aquellos interesados en la educación, trae consigo numerosas consecuencias para el vínculo educativo, así como para los sujetos involucrados en él. Para el análisis que se pretende aquí, utilizamos discursos de maestros de escuelas públicas y privadas, sobre los impactos de la presencia del discurso medicalizante en la práctica docente y la vida escolar diaria. La patologización de los comportamientos infantiles, las epidemias de diagnósticos, la construcción de patrones de normalidad y anormalidad, el aumento del uso de drogas psicotrópicas, así como la desautorización y la desimplicación de los maestros del acto educativo, son algunos de los principales aspectos identificados en nuestro estudio.
Palabras clave: ilusión (psico)pedagógica; discurso medicalizante; informes; psicoanálisis en educación.
ABSTRACT
This article aims to present a reflection, from a dialogue with psychoanalysis in education, about the implications of the presence of medicalizing discourse in the school space. The medicalizing discourse, often spoken fluently by those concerned with education, brings with it numerous consequences to the educational bond, as well as to the subjects involved in it. For the analysis intended here, we use speeches by teachers from public and private schools, about the impacts of the presence of medicalizing discourse on teaching practice and daily school life. Pathologization of childhood behaviors, epidemics of diagnoses, construction of normality and abnormality patterns, increasing use of psychotropic drugs, as well as the decrease in teaching authority and involvement with the educational act, are some of the main aspects identified in our study.
Keywords: (psycho)pedagogical illusion; medicalizing discourse; reports; psychoanalysis in education.
Discurso medicalizante: a moderna face das ilusões educativas
A despeito de a ação humana situar-se essencialmente no solo do indeterminado, do imprevisível e não replicável (Arendt, 1958/2015), nota-se hoje, nas mais distintas relações e instituições, a busca pela instalação do "tempo da ordem, da coerência, do significado preciso, do aprisionamento de tudo o que é vago, a certeza de toda palavra, o futuro certo e seguro de si mesmo" (Skliar, 2003, p. 39). Na educação, tal lógica faz-se presente, sobretudo, por meio da grande valorização e centralidade da dimensão metodológica do ensino, e dos inúmeros aparatos técnicos que a rodeiam: testes, avaliações, laudos, materiais padronizados, escalas, entre outros. É essa, essencialmente, a dimensão que permite ou ao menos pretende conferir governabilidade e normatização à educação, processos que se estendem do ato educativo ao sistema educacional como um todo.
Azanha (1987) observa, no final da década de 1980, que o conhecido sonho de Comênio de elaborar a arte universal de ensinar tudo a todos, permanecia, ainda, amplamente disseminado. Parece-nos que tal sonho, décadas mais tarde, continua a ser sonhado pelos educadores, mesmo que sob roupagens supostamente mais modestas e enunciados menos confessos. Interessa-nos, sobretudo, a proposição do autor de que a força e permanência desse sonho, "e também suas variantes históricas e atuais repousam numa ilusão. A de que a atividade de ensinar, no seu sentido amplo, possa ser exaustivamente regulada" [itálico nosso] (Azanha, 1987, p. 76). Trata- se da ilusão, propomos, de que a educação possa operar sob uma lógica objetiva e previsível de estímulos e respostas, na qual as ações estão ligadas entre si por rígidas relações de causalidade e leis universais capazes de obliterar o acaso e a indeterminação. Tal ilusão, chamaremos aqui, uma ilusão determinista.
A despeito do predomínio contingencial de um determinado conjunto de proposições educativas e prescrições metodológicas, a educação é constituída por uma heterogênea trama discursiva, tecida por vozes e enunciados advindos de diferentes domínios conceituais e campos do conhecimento. Com este trabalho buscamos apresentar uma reflexão sobre face específica de tal trama, face percebida hoje como hegemônica por diversos autores e sujeitos que se ocupam da educação: o discurso medicalizante1.
Autoras como Collares e Moysés (1994), apresentam-nos com profundidade o contexto no qual o discurso medicalizante insere-se em nossa sociedade. Observado em distintas relações e instituições, tal discurso decorre do que seria um processo de medicalização da vida. Segundo as autoras, trata-se de um "processo de transformar questões não-médicas, eminentemente de origem social e política, em questões médicas, isto é, tentar encontrar no campo médico as causas e soluções para problemas dessa natureza" (p. 25). O processo de medicalização insere- se em uma lógica organicista e biológica de percepção dos sujeitos, de forma que, a partir dela, importantes dimensões que os constituem passam a ser desconsideradas.
Apesar de não se restringir à educação, esse processo apresenta importantes especificidades ao adentrar o espaço escolar. Da articulação do processo de medicalização com a educação, vemos autorizar-se um discurso no qual "a medicina afirma que os graves e crônicos problemas do sistema educacional seriam decorrentes de doenças que ela, medicina, seria capaz de resolver; cria, assim, a demanda por seus serviços, ampliando a medicalização" (Moysés & Collares, 2013, p. 15).
O discurso medicalizante, hoje amplamente proferido pelos professores e demais profissionais que se dedicam à educação, trata-se de uma operação discursiva de reducionismo determinista, derivada de saberes biológicos e médicos acerca da experiência escolar de uma criança. Acrescentamos ainda que a lógica e pressupostos de tal discurso referem-se essencialmente a uma medicina tecnocientífica que se dedica, cada dia mais, a "medir, avaliar, normalizar, homogeneizar e randomizar suas análises e seus protocolos de tal forma que a noção do singular torna-se naturalmente excluída" (Gori & Del Volgo, 2005, p. 78, tradução nossa). Esse discurso decorre do que seria um prêt-à-porter do pensamento e da moral (Gori & Del Volgo, 2005), socialmente aceito e compartilhado, que se constitui obstáculo à palavra e ao sujeito. Sob a ótica do discurso medicalizante os comportamentos são normalizados de forma a expropriar os sujeitos de sua singularidade, isto é, de sua diferença, construindo assim "uma cultura onde o humano se tornaria supérfluo" (idem, p. 248, tradução nossa).
A pretensão de controle e previsão nos dá pistas de uma vinculação constitutiva do discurso medicalizante com aquele nomeado por Lajonquière (1999/2009) em seus trabalhos, já na década de 1990, discurso (psico)pedagógico uma certa maneira de pensar, entender e sonhar o laço entre adultos e crianças. Esse discurso professa saberes e crenças acerca da educação, profundamente "atravessados pelas ilusões próprias dos saberes psicológicos" (Lajonquière, 1999/2009, p. 29), e sustenta, em sua própria lógica de existência, a ilusão de adequação. Tal ilusão aposta ser possível, a partir do conhecimento biológico, social, psicomaturacional do aluno, equacionar de forma precisa a oferta e a demanda educativa, isto é, ajustar o ensino àquilo que a criança supostamente precisaria.
Uma vez que se trata de um modo de compreender o laço educativo, o discurso (psico)pedagógico realiza-se a despeito do lugar de onde advém aquilo que enuncia medicina, psicologia, sociologia, neurociência ou tantos outros que se lançam ao campo da educação. Dessa forma, o discurso medicalizante parece tratar-se da face moderna do discurso há algumas décadas conceituado por Lajonquière. O que se mantém, independentemente da origem dos enunciados que colocam em circulação o discurso (psico)pedagógico, é a crença na possibilidade de conhecer e apreender com precisão o outro que nos fala, animada pelo desejo de que nada venha a faltar.
O tempo passa, o ideário sofre remanejamentos, porém a ilusão psicopedagógica a crença na possibilidade de adequarmos a educação à realidade espiritual infantil reputada natural nunca abandona a cena educacional. Ela sempre domina, dando lugar às mais diversas criaturas ideológicas no campo da pedagogia. (Lajonquière, 2013, p. 20)
A partir dos pressupostos aqui expostos e dos relatos concedidos pelas professoras entrevistadas em nossa pesquisa2, discorreremos sobre algumas das recorrentes e importantes implicações e desdobramentos da presença desses discursos na educação.
Implicações ao educar e aos sujeitos
Do império dos discursos medicalizante e (psico)pedagógico, bem como das ilusões educativas sob as quais se realizam, desdobra-se uma série de implicações ao educador, ao sujeito aprendiz e àquilo que se passa no ato educativo. Assim, na consideração do contexto apresentado, traremos algumas breves reflexões orientadas pelas falas de quatro professoras das redes pública e privada de ensino, acerca da temática aqui tratada. Todas as entrevistadas atuam em escolas do Município de São Paulo, junto aos anos iniciais do Ensino Fundamental. As professoras, que tiveram seus nomes alterados, serão aqui tratadas como: Cláudia, Lívia, Ana e Lúcia; são, as duas primeiras, professoras da rede privada, e as duas últimas da rede pública.
A partir de questionamentos sobre o que compreendem por discurso medicalizante e como percebem suas implicações ao ato educativo e aos sujeitos, identificamos alguns aspectos recorrentes em suas falas e importantes elementos para a análise acerca dos desdobramentos da presença desse discurso no espaço escolar.
O primeiro aspecto trata-se de processo já observado em diferentes épocas e sociedades, porém visivelmente intensificado e ressignificado pela presença hegemônica do discurso medicalizante e (psico)pedagógico na educação. Esse processo parece servir de pano de fundo a outros tantos hoje observados no campo educativo: a construção de um parâmetro de normalidade.
O parâmetro de normalidade estabelece, desde o imaginário pedagógico até a realidade em sala de aula, o que seria o desenvolvimento normal de uma criança; define a partir de inúmeros padrões e escalas cuidadosamente calculados os contornos de uma criança ideal. Ocorre que tal criança ideal e o desenvolvimento tido como normal não recobrem a existência dos seres humanos tomados no campo da palavra e da linguagem.
Na construção de um parâmetro de normalidade vemos ser criado, simultaneamente, o solo da anormalidade, do desvio, do disfuncional, do patológico: "norma e desvio não podem ocultar seu parentesco ou, melhor, sua herança em comum" (Skliar, 2003, p. 180). Ao estabelecermos uma norma, elegemos, arbitrariamente, uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual "as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas. Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa. A identidade normal é natural, desejável, única" (Silva, 2000 citado por Skliar, 2003, p. 188).
Por sua vez, a escola, apresentando-se nesse contexto como instituição reguladora de um presumido desenvolvimento normal, ao deparar-se com o desviante precisa agir rapidamente. Faz-se necessário que o desviante receba nome e sobrenome, para que seu desvio seja também conhecido, mapeado e, se possível, remediado: espera-se que especialistas, detentores de saberes supostamente mais assertivos e rigorosos do que aqueles que as professoras detêm, deem as respostas que lhes faltam. Nota-se que a definição do normal parece ser tão mais convincente quanto maior sua fundamentação em preceitos supostamente naturais e científicos, pois estariam eles protegidos sob a face da neutralidade e da imparcialidade.
A educação, imersa em uma ilusão determinista a partir da qual sonha o ato educativo como uma relação de causas e efeitos, elege os saberes veiculados pelo discurso medicalizante como parâmetro único e assertivo para aferir a sempre suposta normalidade do comportamento de uma criança. A medicina, nos dizem Moysés e Collares (2013, p. 12), passa "mais e mais a legislar sobre a normalidade e a anormalidade, a definir o que é saúde e o que é doença, o que é saudável e o que não é, o que é bom e o que é ruim para a vida".
De maneira preocupante, observa-se que ao se supor a existência de uma criança ideal, mensurada com exatidão pela ilusão (psico)pedagógica, todas as crianças serão sempre inadequadas. Após a definição de inúmeros padrões, categorias, escalas e formas de exclusão, torna-se inevitável: "dentro dos muros das escolas sobram poucas crianças" (Kupfer, 2000, p. 92).
Hoje, no caso específico das escolas, não é mais possível a concreta exclusão dos alunos que apresentam um comportamento desviante aos olhos do discurso medicalizante e (psico)pedagógico. Isso não significa, no entanto, que a exclusão não ocorra na dimensão simbólica. Os alunos desviantes passam a ser sonhados pelo discurso educacional sob uma lógica distinta daqueles considerados normais: as crianças não são mais igualmente alunas destinatárias de uma atenção pedagógica.
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Na lógica do discurso medicalizante há um instrumento que vemos, com frequência, instaurar o limiar entre o normal e o patológico: o laudo. É bastante frequente entre os professores a pergunta sobre tal documento; questionam aos pares e aos superiores se determinada criança já possui um laudo, pois algo ali escaparia ao normal. Desse preciso ponto emerge o que nos parece um segundo desdobramento da presença dos discursos medicalizante e (psico)pedagógico nas escolas: a patologização de comportamentos na infância e uma decorrente epidemia de diagnósticos.
Patologizar, segundo Silveira (2016, p. 98), pode ser entendido como o processo de definir e tratar em termos de doenças ou transtornos, "comportamentos que costumam ser considerados como transgressivos ou desviantes em relação a determinadas normas e padrões culturalmente estabelecidos. Patologizar, portanto, seria atribuir uma terminologia médica (categoria nosológica) a esses fenômenos".
Indicativo concreto desse processo de patologização, vemos com frequência na fala dos professores, e daqueles que se dedicam à educação, marcas de um discurso organicista e medicalizante; discorrem com fluência acerca de patologias, distúrbios, classificações, diagnósticos, neurotransmissores e psicofármacos. Tais termos deixam revelar a perspectiva sob a qual os professores observam aquilo que se passa com seus alunos seus comportamentos, falas, desempenho escolar, relações com os pares e professores.
Nessa lógica, vemos uma grande plasticidade e até mesmo uma arbitrariedade nos limites entre o considerado normal e o patológico, que com facilidade parecem ser deslocados e redefinidos. Allan Frances (2013), psiquiatra norte-americano, em seu artigo intitulado Uma doença chamada "infância", publicado pelo New York Post, alerta-nos ao que seria uma definição casual de um comportamento normal, e propõe questionamentos como: "Estaria uma criança, que se mostra mais interessada em brincar do lado de fora do que ficar sentada na sala de aula, sofrendo de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) ou teria simplesmente sete anos?", ou ainda, "Estaria uma criança que bate a porta de seu quarto e se recusa a jantar sofrendo de depressão ou tendo um ataque de birra?" (sem página, tradução nossa).
Em semelhante sentido, Landman (2015) observa que, muitas vezes, diagnósticos incertos transformam algo que seria uma imaturidade mais ou menos esperada de determinada idade em um problema psiquiátrico a ser tratado com medicamentos. De acordo com o autor, o diagnóstico de um transtorno como o TDAH, por exemplo, fundamenta-se em sinais comportamentais não específicos, como a hiperatividade e a falta de atenção que, além de serem observados em diversas condições patológicas, não são comportamentos patológicos em si; para ele todas as crianças podem ser, em alguma medida, distraídas, desatentas ou agitadas.
Ainda segundo Landman (2015), a maioria dos casos de procura por psiquiatras ou neurologistas não ocorre de forma espontânea por parte dos pais, mas pela recomendação de "profissionais da infância, de pessoas ou associações que atuam como um filtro pré- diagnóstico" (p. 61, tradução nossa). A recomendação surge muitas vezes por parte de professores que já ouviram falar de determinados transtornos ou distúrbios e, diante de uma agitação psicomotora excessiva ou de dificuldades de concentração, sugerem encaminhamentos médicos.
Durante as entrevistas realizadas, ao serem perguntadas sobre os motivos que as levavam a encaminhar uma criança a um especialista, as professoras relataram uma série de comportamentos e situações vivenciadas em sala de aula que, para elas, eram indicativos de que algo não corria bem. As professoras parecem observar os comportamentos das crianças, de maneira geral, a partir de duas grandes perspectivas que nomearemos aqui: individual e comparativa. Na perspectiva individual, as professoras identificam comportamentos que, observados de forma isolada, chamam a atenção e são percebidos por elas como preocupantes. Já a partir de uma perspectiva comparativa, utilizam-se da comparação com as demais crianças ou com o que acreditam ser o esperado para a faixa etária como estratégia e parâmetro para aferir a normalidade de determinado comportamento, aproximando-se daquilo que, segundo Canguilhem (1943/2015, p. 86), em anatomia faz-se valer: "ser anormal consiste em se afastar, por sua própria organização, da grande maioria dos seres com os quais se deve ser comparado".
Dentre os comportamentos observados de forma individual em uma criança, as professoras estabelecem, de maneira geral, uma distinção entre dois grupos: aqueles relativos a uma dimensão social e/ou psicológica, e os que dizem respeito essencialmente à dimensão pedagógica. Com relação ao primeiro grupo, destacamos os seguintes trechos das falas das professoras: "em situação de contrariedade reagia muito mal, reagia violentamente, ficava extremamente nervoso; se eu deixasse, machucaria o colega", "é muito argumentativo e tem esse lado muito explosivo", "o contato social era muito defasado", "não aceitava ser o último, isso causava um desequilíbrio nele; se era o último da fila, por exemplo, ele chorava, saía batendo, era desesperador para ele", "introvertida, não conversa com ninguém, não socializa, se cobra muito", "tinha tique, ficava piscando o olho o tempo todo de tanto que ele se cobrava porque não podia errar", "problemas em relação ao social, em estabelecer vínculo afetivo, em ouvir o outro, esperar a sua vez, organizar o seu material", "aquela criança que em momento algum do dia cria vínculo afetivo com outra criança, se frustra, chora", "uma criança que tem traços muito difíceis de lidar, não demonstra culpa; mente muito", "uma criança que não tem o olhar parado, não faz contato visual, está sempre se mexendo, mente compulsivamente", "insegura", "extremamente infantilizado pela família", "uma criança com comportamentos muito autoritários".
Diante desses comportamentos relatados como preocupantes pelas professoras caberia aqui a reflexão, tal qual proposto por Landman (2015), se seriam eles, em si, comportamentos patológicos, indicativos de uma necessidade de atendimento especializado. Seria a preocupação que despertam nas professoras um sintoma do processo de medicalização? Em outros contextos, muitos desses comportamentos não poderiam ser considerados esperados e até mesmo passar despercebidos aos olhos da professora?
Comportamentos relativos ao que seria uma dimensão pedagógica foram muito menos citados pelas professoras como preocupantes ou indicativos da necessidade de um auxílio especializado. Dentre aquilo que preocupa as professoras na dimensão pedagógica, como sinais de que algo está errado com a criança, destacamos as falas: "algumas áreas da memória são bem preservadas e outras muito pouco", "tem a ver com as dificuldades de aprendizagem, aquelas que a gente fala: tentei isso, tentei aquilo e a criança não vai", "falta de concentração", "problemas de leitura e escrita", "trocas ortográficas frequentes".
A partir do que seria uma perspectiva comparativa, na qual buscam comparar o comportamento de uma criança com as demais como parâmetro de normalidade, apontamos aqui:"ele tem um vocabulário muito desenvolvido, além da idade", "com o passar do tempo eu fui percebendo que as outras crianças, mesmo as que tinham um desenvolvimento um pouco mais lento, evoluíam e ele não", "não é uma criança que tem um desenvolvimento muito além nem aquém, está na média", "comportamentos que são muito destoantes para a faixa etária", "crianças que fugiam da curva, que tinham algo a mais por trás".
Nessa lógica, sobre uma criança que apresentava dificuldades na fala e na leitura, Lívia comenta:
Começamos a progredir nisso, mas quando ela alcançava um desafio ela já teria que ter alcançado quatro para a faixa etária. Então não é que ela não teve progresso, ela teve, mas comparado à faixa etária ela estava sempre lutando para sobreviver, para alcançar o grupo. (informação verbal)
Na tentativa de aferir a normalidade de certos comportamentos, foi possível identificar nas falas das professoras algumas sugestões de diagnósticos, isto é, tentativas de explicar e classificar o comportamento de determinadas crianças a partir de categorias e classificações médicas. Pautadas em experiências por elas vivenciadas com outros alunos, leituras variadas, cursos e informações obtidas com outras professoras, as professoras arriscam dizer o que poderiam significar certos comportamentos, percebidos então como sintomas: "minha hipótese é que ele é uma criança com Asperger", "eu tenho um aluno que tem muito erro de ortografia, muita troca. Eu não sei se é alguma questão que ele teve na época da alfabetização, ou se realmente ele tem algum distúrbio", "as comorbidades poderiam ser uma esquizofrenia, até um leve grau de psicose, uma psicopatia. E era o grau de inteligência dele que nos deixava muito assustados", "para mim era um buraco mais embaixo. Para mim ia muito para uma psicopatia, ou uma psicose".
Percebendo como parte de suas funções como professora, Lívia acredita que "o professor pode levantar sim uma bandeira de que algo ali está fora do esperado" (informação verbal). Já Cláudia, em semelhante sentido, pontua ser o professor capaz de identificar determinadas situações, porém com cautela:
Eu acho que o professor é capaz de identificar diversos tipos de transtornos ou distúrbios em uma criança, só que o que tem acontecido é que agora tudo é motivo para ser um tipo de transtorno. Nada é comportamental, questão familiar, ou da própria criança. (informação verbal)
Agora tudo é remédio, tudo é terapia, tudo é acompanhamento pedagógico. A criança errou um P e "ah não, vamos mandar para a fono porque quando ela crescer ela não vai saber falar". Mas ao mesmo tempo eu acho que é importante para o professor ir atrás de informação. (informação verbal)
Como se vê, a variedade e imprecisão dos comportamentos tidos como indicativos de determinados transtornos tornaram natural o diagnóstico de crianças que apresentam uma agitação, desatenção ou comportamento que destoe das demais; vistas sob uma chave de leitura essencialmente medicalizante, muitas crianças são enviadas definitivamente ao solo da patologia. Dessa proliferação de categorias amplas e imprecisas (Kupfer, 2000), decorrem importantes implicações. Dentre elas, aquilo que diversos autores, como Landman (2015) e Moysés e Collares (2013), percebem como uma epidemia de diagnósticos de transtornos.
Dados acerca do grande aumento do número de crianças diagnosticadas com TDAH estão entre alguns dos importantes indicativos desta epidemia. Nos Estados Unidos, o número de crianças diagnosticadas com TDAH triplicou em apenas vinte anos; em 2015, 11% das crianças entre quatro e dezessete anos possuíam esse diagnóstico, sendo 6% delas tratadas com medicamentos (Frances, 2015 citado por Landman, 2015).
A grande variedade de diagnósticos hoje observada parece decorrer também do que Kupfer (2000, p. 90) percebe como um esforço classificatório iniciado já no século XIX. Desse esforço "resultou uma cacofonia de quadros, explicações, . . . de tal modo amplas e imprecisas que não se encontram, hoje, dois profissionais capazes de produzir um só diagnóstico a respeito de uma dada criança".
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O próximo aspecto observado nas falas das professoras parece carregar consequências que perduram pelos longos anos da escolarização. Uma vez recortados os padrões de normalidade e anormalidade, e definido o diagnóstico para certos comportamentos mesmo sem a presença de um especialista , a criança passa a portá-lo nos diversos tempos e espaços escolares. O diagnóstico é, então, incorporado à criança que passa a ser rotulada como costumam dizer as professoras.
Tais rótulos, mesmo com o passar dos anos e com as mudanças de turmas e professoras, são carregados pelas crianças e enraízam-se de forma cada vez mais profunda em sua própria identidade; os rótulos adquirem um caráter de herança escolar. Já no início do ano letivo, são aquelas crianças que nas listas de classe entregues às novas professoras têm seus nomes acompanhados de diversos asteriscos e observações, herdados das professoras, coordenadoras ou orientadoras das séries anteriores. Essas práticas são parte da rede de significações sociais que aprisiona a diferença com seu "rol de consequências; atitudes; preconceitos e estereótipos" (Amaral, 1994, citado por Machado, 2000, p. 146).
Em uma das entrevistas realizadas, a professora Cláudia comenta sobre o que se segue à definição de um diagnóstico. De acordo com a professora, muitas vezes, recebendo um diagnóstico:
Você rotula a criança. Então a pessoa fica "ah, ele é disléxico, tadinho, ele é disléxico, então não vai aprender", "ah, ele tem TDAH, então não vai prestar atenção em nada do que eu disser". Isso é muito complicado, porque você não pode rotular a criança. Até porque a gente sabe que esse tipo de transtorno não tem cura, é uma coisa que ela vai carregar a vida toda. (informação verbal)
Cláudia, apesar de demonstrar em sua fala uma preocupação com relação ao risco de uma criança ser rotulada e desinvestida por parte do adulto a partir de um diagnóstico recebido, parece, logo em seguida, selar o destino e a identidade dessas crianças ao afirmar serem esses transtornos algo que carregarão a vida toda, uma vez que "não teriam cura".
Já a respeito da herança que as crianças parecem levar de um ano para o outro em sua trajetória escolar, a professora acredita relacionar-se a um hábito corriqueiro entre as professoras. É comum que as professoras busquem informações sobre o comportamento de determinadas crianças com as professoras das turmas anteriores:"Aquela criança é rotulada, aí a gente conversa, todo professor conversa de um ano para o outro. A gente pergunta: 'Ah, você pode me falar de tal aluno? Pode me contar como ele era?'" (informação verbal).
Collares e Moysés (1997) alertam-nos em relação às graves implicações dessa rotulação: as crianças, ao colarem-se ao rótulo da doença, estariam se tornando doentes e tomando para si aquilo que delas e para elas disseram, afinal, cada sujeito fabrica um lugar para si a partir do que lhe é oferecido. "A criança passa a ser psicologicamente uma criança doente, com consequências previsíveis sobre sua autoestima, sobre seu autoconceito e, aí sim, sobre sua aprendizagem. Na prática, ela confirma o diagnóstico/rótulo estabelecidos" (Collares & Moysés, 1994, p. 29).
Uma vez colocadas em um lugar de anormalidade ou patologia, ao laço que com elas se estabelece se interpõe, frequentemente, o filtro do distúrbio, da incapacidade, do transtorno, do laudo, a despeito daquilo que inesperadamente as crianças podem nos endereçar. Enredados os sujeitos no discurso médico e suas classificações, "tais informações, tal saber, constituem o elemento que mediatiza, a partir daí, o que se passará no encontro" (Clavreul, 1978/1983, p. 12).
O processo de medicalização articula o que professa e apreende a partir de uma lógica que lhe é própria e constitutiva; longe da capacidade de ler e incorporar a totalidade daquilo com o que se depara, convém que se "afaste tudo que não é enunciável nesse discurso" (Clavreul, 1978/1983, p. 82), qual seja, o próprio sujeito.
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Outra grave implicação decorrente do contexto aqui discutido é o crescente uso de psicofármacos na infância. Segundo Moysés e Collares (2013), o Brasil é o segundo consumidor mundial de metilfenidato3; as vendas foram de 71.000 caixas em 2000 para 739.000 em 2004, 1.147.000 em 2008, e mais de 2 milhões de caixas em 2010. Diante do questionamento sobre a existência de algum aluno que fizesse uso de medicação, todas foram as respostas afirmativas: as quatro professoras entrevistadas puderam relatar experiências por elas vividas em seus ambientes de trabalho. E essa situação não parece ser uma exceção, tampouco causar espanto naqueles que circulam pelo espaço escolar. A crescente identificação de problemas de aprendizagem teria como natural consequência a necessidade de adequado tratamento; uma vez que se tratariam de distúrbios ou disfunções biológicas, seu tratamento residiria também nessa dimensão. Cláudia relata, de forma específica, o caso de um de seus alunos:
Eu tive um aluno que tinha nove anos e tomava três remédios, Ritalina, um remédio para psicose e um outro que eu não me recordo agora. Mas eram três remédios. . . . Teve um dia que a mãe dele deu a medicação de forma incorreta e ele ficou duas noites sem dormir. (informação verbal)
O aumento do uso de psicofármacos parece relacionar-se, entre outros fatores, ao estreitamento contínuo daquilo que pode ser considerado um comportamento socialmente aceitável, adequado, normal. A cada dia os limites do que seria esperado para determinada faixa etária, contexto, condição social, emocional, psíquica, tornam-se mais rígidos e nítidos, a partir de incontáveis estudos que os definem e mensuram com exatidão. Uma vez enquadrados em categorias diagnósticas definidas por manuais de classificação de doenças , determinados comportamentos ou estados psíquicos são reduzidos a uma dimensão estritamente biológica, demandando também uma solução a ela restrita.
Ocorre que o uso indiscriminado de medicamentos promove entre os profissionais um desinteresse para as diversas modalidades de tratamento que levam em conta a subjetividade e os efeitos da linguagem e da palavra, bem como intervenções de caráter social (Landman, 2015). Tal qual observa Landman (2015), apesar de a prescrição de um psicotrópico às vezes se fazer necessária, a atual forma de promoção do TDAH, por exemplo, difunde a ideia de que todas as questões complexas que envolvem a hiperatividade podem ser resolvidas com uma pílula. Uma vez que se trata de uma doença de origem cerebral, o TDAH decorreria de um desequilíbrio químico que o medicamento visaria compensar (Landman, 2015). Além de representar para o autor o que seria uma grande ilusão e regressão do pensamento, essa perspectiva mascara também inúmeros problemas sociais, educativos, pedagógicos e psicológicos.
Em vez de revolucionar o ensino e sua estrutura, o Ocidente prefere, pelo contrário, remediar os efeitos das anomalias geradas por um ensino inadequado à nossa época. Remediar os efeitos significa, neste caso, encarregar a medicina de responder onde o ensino fracassou. (Mannoni, 1973/1977, p. 62)
Em tal lógica, para que se possa garantir e fazer vingar de forma ajustada e harmoniosa "aquilo que se supõe que a criança traz consigo (no seu organismo) para dentro da cena educativa . . . administram-se os remédios necessários, e esse gesto é tido como parte integrante da educação. A receita do remédio passa a fazer parte da iniciativa educativa em si mesma" (Lajonquière, 2019, p. 305).
Quimicamente remediada e colada ao que seria um ideal estático e mensurável, a criança estaria então em condições de receber as ajustadas estimulações e intervenções educacionais para seu adequado desenvolvimento. A medicação aqui aparece como "reguladora da subjetividade, como elemento químico que reordena a desordem de um corpo não-adaptado a uma lógica discursiva que define ideais de produção e satisfação" (Guarido & Voltolini, 2009, p. 256). A ilusão determinista e de adequação, sustentada pelo discurso (psico)pedagógico, percebe nessa intervenção química, a solução para tamponar o desejo, a falta que se revela irredutível no (des)encontro entre os sujeitos.
Apesar do efeito colateral, o positivo que trazia para a criança era bacana. (Lívia, informação verbal)
Quando eles estavam fazendo uso da medicação adequadamente, eles tinham uma socialização melhor, conseguiam ter um resultado em sala de aula. Quando esse medicamento, por algum motivo, era interrompido, eu notava muita diferença no comportamento deles, como agressividade, dispersão. (Lúcia, informação verbal)
É muito mais fácil para os pais, para o professor e para a escola deixar aquela criança dopada do que tentar interagir com ela de uma forma diferente dos outros alunos que ela tem dentro da sala de aula. (Cláudia, informação verbal)
A partir dos relatos obtidos com as entrevistas foi possível observar que, da mesma forma como as professoras atribuem ou ao menos relacionam o bom desempenho e comportamento do aluno em sala de aula ao uso adequado de determinado medicamento, o oposto também parece ocorrer. Situações percebidas como inadequadas ou problemáticas são, de maneira semelhante, associadas ao mau uso ou inadequação do medicamento escolhido.
Eu tive o caso de um aluno que tinha o laudo de dislexia e outros comprometimentos. Ele fazia tratamento com neurologista, com psicólogo, com psiquiatra, e a equipe médica decidiu que o aluno precisava tomar um antidepressivo. Só que esse antidepressivo estava agindo ao contrário, estava isolando o aluno, estava deixando-o alienado. Era um aluno que ficava muito isolado, ficava com a cabeça abaixada, não tinha vontade de fazer as coisas, dormia. Então nesse caso eu percebi que o remédio acalmava o aluno, mas ao extremo, e nem vontade de brincar ele tinha. Então, nesse caso, o remédio não estava sendo favorável à situação do aluno. (Lúcia, informação verbal)
E aí tentaram o Metilfenidato, e foi um horror, deu um efeito contrário nele. "Ah, vai aumentar o foco", não, aumentou a agressividade dele. Ficou agressivo, mal-humorado, infeliz, só piorou. (Lívia, informação verbal)
É possível observar também nas falas das professoras que além de validarem ou criticarem o uso de medicamentos, estas, em determinados casos, percebem e reconhecem algo que seria uma subversão de seu uso:
Aí você rotula o aluno e precisa dar Ritalina, "ah, vamos dar Ritalina porque ele não consegue ficar sentado". Porque é mais fácil para o professor lidar com uma criança que fica ali sentada, sem falar nada a aula toda, do que com quem fica fazendo bagunça. (Cláudia, informação verbal)
Para o pai é tão bom dar remédio para o filho, o filho fica tão calminho, né? (Lívia, informação verbal)
Dentre falas, aparentemente opostas, de reprovação ou aprovação do uso de medicamentos, há algo, por sua vez, que se mantém: em ambos os casos a essência da questão apontada situa- se em uma dimensão exclusivamente neuroquímica. Comportamentos percebidos nos alunos como positivos ou negativos, são, de forma assertiva e natural, associados aos psicofármacos consumidos ou ao seu respectivo esquecimento. As inúmeras contingências às quais o aluno possa estar submetido naquele momento, bem como as demais dimensões do sujeito, não são consideradas ou, ao menos, citadas nos relatos.
Uma vez que a medicação se torna a resposta ao porquê a criança "aprende ou não aprende, ou ainda, vem se tornar um instrumento imprescindível na aprendizagem da criança, o professor 'não tem mais nada a ver com isto', no duplo sentido que essa expressão indica: o de desresponsabilização e o de impotência" (Guarido & Voltolini, 2009, p. 257). Ao alienar o ato educativo a fatores neuroquímicos, o professor desautoriza-se de sua função e esvazia a dimensão da palavra: "a sujeição ao corpo orgânico reduz em muito a possibilidade de pensarmos nas dimensões simbólicas das relações educativas entre adultos e crianças" (Guarido & Voltolini, 2009, p. 255).
***
Chegamos, dessa forma, ao último aspecto da análise aqui pretendida, considerando-o como uma das importantes e graves decorrências da presença dos discursos medicalizante e (psico)pedagógico na educação: a desimplicação e a desautorização docente.
Além da limitação que os discursos aqui tratados impõem àquele que educa, restringindo-o à oferta daquilo que o aluno supostamente necessita a partir de parâmetros naturais e pretendidos como científicos , o professor nesse contexto tem sua enunciação suprimida por alguém que supostamente fala em nome do discurso da ciência: detentores de uma série de saberes médicos e "'psi' aplicados que possibilitariam calcular os efeitos psicodesenvolvimentistas das metódicas intervenções 'educativas' colocadas em ação" (Lajonquière, 1999/2009, p. 29).
Tal condição é observada de forma patente nas falas das professoras entrevistadas. Segundo Lívia, profissionais munidos de saberes e instrumentos considerados científicos, teriam prestígio e credibilidade muito maiores do que aqueles atribuídos às professoras, inclusive junto aos pais de seus alunos.
O laudo é riquíssimo para a gente, até para falar com o pai "olha, está aqui, você está fazendo a sua parte? Foi o neuropsicólogo que falou". E aí sai dessa questão, "ah, a professora mandou". Não, não foi a professora, teve um laudo, uma avaliação, é muito maior do que isso". (informação verbal)
Sobre o que seria uma hierarquia dos saberes, observamos o incômodo de algumas professoras ao perceberem sua possibilidade de atuação muitas vezes submetida e limitada à existência de um laudo médico. Uma intervenção específica só seria justificada mediante a validação médica, que atestaria tal necessidade. Cláudia relata já ter recebido na escola, diante de uma criança que apresentava algumas dificuldades, a orientação de que nada fizesse a respeito. "Você não vai fazer nada e, enquanto a mãe não trouxer o laudo, você não pode olhar a prova, você não pode ajudar, porque uma criança de Fundamental I tem que ser independente" (informação verbal). Nesta situação a professora percebe-se refém deste documento e critica tal procedimento: "a vida da criança e do professor não devem se basear nesses laudos fechados" (informação verbal).
Já Lúcia, professora da rede pública de ensino, observa que muitas vezes a inexistência de um laudo médico ou psicológico interfere diretamente na qualidade daquilo que ela pode oferecer ao seu aluno. Isso porque, segundo seu relato, determinados serviços oferecidos pelo município dependem exclusivamente desta validação e "autorização" médica. "O laudo ajuda na questão de irmos atrás dos benefícios que o aluno pode ter perante a lei, que muitas vezes não chegam" (informação verbal).
Nota-se que à atuação dos médicos, psicólogos e outros especialistas da área da saúde é atribuída, além de maior prestígio, maior assertividade diante de situações percebidas como extremas ou adversas na educação. Apesar de conferir em sua fala grande importância à função do professor, Lúcia acredita que há casos nos quais a interferência médica mostra-se fundamental:
Eu percebo que o professor às vezes precisa ter uma opinião médica para poder ajudá-lo com o desenvolvimento de um aluno. Na minha prática como professora de quinto ano, em alguns casos, eu não consigo ajudar o aluno sem ter um diagnóstico médico. (informação verbal)
Já com relação à devolutiva diagnóstico dada por este profissional, Lúcia parece relativizar sua eficiência e real contribuição; percebe-o como um instrumento parcial neste processo de auxílio do aluno:
Mas muitas vezes, mesmo tendo o diagnóstico, não adianta. É lógico que vai ajudar, mas o problema não vai ser resolvido. Então, com certeza todo professor vai fazer o melhor dentro de sala de aula, mas na parte pedagógica. Só que existem casos em que a gente vê que não é só o pedagógico, o professor precisa sim de uma outra opinião, de um médico, de um psicólogo para poder ajudar no desenvolvimento daquele aluno. (informação verbal)
Evidenciando a importância de um saber especializado, bem como da atuação dos profissionais da saúde junto aos educadores e educandos, Lívia comenta o caso de um aluno que apresentava comportamentos que a preocupavam bastante:
Sem o laudo dele que eu tive acesso, sem a reunião com essas pessoas que o conhecem em um outro ambiente [neuropsicóloga e fonoaudióloga], que têm uma avaliação e uma formação que eu não tenho, eu não teria tido sucesso e êxito com ele. (informação verbal)
Também foi possível notar nas falas recolhidas que, além da contribuição que a atuação direta destes profissionais teria junto às crianças e aos problemas relacionados à aprendizagem, a posse dos saberes médicos e psicológicos, por parte dos próprios professores, lhes garantiriam um status superior dentro de sua função. Em semelhante sentido, observarmos uma grande importância atribuída por estas professoras à uma formação inicial ou continuada que compreenda os saberes da psicologia e da medicina de forma mais aprofundada. Tais saberes garantiriam aos professores uma atuação mais assertiva e bem-sucedida com seus alunos.
Eu me aproximei do Felipe [aluno] graças a uma formação que eu tive na época para entender um pouco mais a questão cerebral, das medicações, eu fui atrás. Realmente me incomodava. Mas dependendo do professor que pegar essa criança, vai esquecê-lo ali, rodando no fundo da sala. Ou então vai tirar da sala: "Ah, está impossível hoje! Sai da sala!". (informação verbal)
Dentre as professoras entrevistadas, apenas uma disse haver uma psicóloga trabalhando em sua escola. Questionada sobre as situações nas quais costuma recorrer ao auxílio desta profissional, Ana relata casos em que surgem dúvidas com relação "àquilo que foge um pouco da área da pedagogia" (informação verbal). O que, afinal, diz respeito à área da pedagogia? Quais aspectos compreendem a chamada função pedagógica? Diante do propósito ao qual nos lançamos com este artigo, guardamo-nos a uma breve ponderação. A experiência escolar de uma criança não se limita, de forma alguma, aos conteúdos por ela aprendidos ou não, mas abrange uma complexa teia de relações que se estabelecem entre os diversos sujeitos e as várias práticas que integram uma instituição escolar (Cf. Carvalho, 2017). A experiência escolar, observa Carvalho (2017, p. 47), diz respeito, sobretudo, "às formas pelas quais os alunos se relacionam entre si e com a cultura da instituição (saberes, conhecimentos, linguagens, hierarquias e toda sorte de práticas não discursivas)". Assim, ao professor, como sujeito que na experiência escolar se lança ao educar, cabe a implicação e a responsabilização pelas complexas dimensões que a constituem.
Neste ponto, faz-se interessante a reflexão acerca do que as professoras mencionaram como "expectativas" em relação ao auxílio médico ou psicológico, isto é, o que elas esperam ao recorrerem a esses profissionais. Ana menciona a importância de poder "dividir a responsabilidade" por seus alunos com um profissional que detém conhecimentos distintos do dela: "Um pouco do que a gente espera talvez seja o compartilhamento da responsabilidade, de tirar o peso de 'e agora, estou com essa criança sozinha', e ter um psicólogo para te dizer, para te orientar" (informação verbal). E complementa: "Muitas vezes eu me sinto despreparada para dizer. A gente sempre fica em uma linha tênue que é: ah, eu vejo problema em tudo ou ah, eu não ligo para nada" (informação verbal). Já Lúcia considera importante "uma orientação para os professores, para os alunos. Porque o psicólogo, em alguns casos, estaria trabalhando com o professor de forma assertiva, não como a gente faz, tentando. Na tentativa de fazer os acertos" (informação verbal).
Observa-se que o contato que as professoras têm com tais saberes e profissionais ocorre, muitas vezes, por meio do laudo que chega até a escola. Lívia relata a relação e a percepção que tem desse instrumento:
Eu gosto dos laudos dos neuropsicólogos, acho os melhores. . . . O laudo do neuro vai desde o comportamento até a questão da fono. É muito completo, pedagógico e ainda finaliza com dicas, com formas de trabalho. Então o laudo para mim é norteador. . . . Se é um laudo para a contribuição e evolução daquela criança, é riquíssimo. Eu aprendi a entender o TDAH lendo laudo de neuropsicólogos. Qual parte do cérebro não está funcionando muito de acordo, quais comportamentos em casa e na escola são necessários. (informação verbal)
Destacamos nessa fala a percepção do laudo como um instrumento que pode ser "riquíssimo" e "norteador" do trabalho da professora. Lívia valoriza em um laudo seu detalhamento, além das dicas e formas de trabalho nele indicados. Neste sentido observam Guarido e Voltolini (2009, p. 240) que os profissionais das escolas parecem "esperar que um diagnóstico proferido por um especialista permita encontrar a metodologia de ensino correta para, enfim, fazer sair da ignorância e da inadequação as crianças e jovens que têm diante de si".
Ana e Lúcia, de maneira direta e objetiva, respondem ao questionamento sobre o que um professor espera de um laudo:
A gente espera que alguém resolva o seu problema. Você está lá na sala com um monte de crianças e pensa: alguém vai vir e vai dizer o que esse aluno tem, qual é a mágica que eu devo fazer para resolver tudo. (Ana, informação verbal)
O professor quer uma resposta. O professor não tem essa resposta, o professor não tem formação para aquilo. Então ele quer uma resposta, o porquê daquele aluno, o que acontece com ele. O professor quer uma resposta que a gente achava que seria uma solução, que se tivesse o laudo tudo seria resolvido. E com o passar do tempo a gente viu que não é assim, que mesmo o aluno tendo o laudo os problemas vão continuar existindo e o professor vai ter que dar conta daquele aluno, tendo laudo ou não. (Lúcia, informação verbal)
Parece ser que o professor busca no saber médico ou psicológico algo que explique a desproporção vivida por ele com seu aluno; uma resposta sobre o que fazer com aquilo que resta do (des)encontro com esse sujeito. Apesar das grandes expectativas construídas sobre este instrumento, o que se revela no contexto escolar é que um laudo ou diagnóstico por si só se mostram insuficientes para manter ou recolocar essas crianças em circulação na lógica educacional. As respostas, tão esperadas pelo professor, revelam-se estéreis e as perspectivas que se abrem ao educador não se mostram muito mais produtivas e favoráveis do que aquelas existentes antes do laudo. Ana observa que:
Se por um lado a gente espera saber o que essa criança tem, por outro lado o diagnóstico não ajuda na sua prática do dia a dia. Não ajuda no sentido de que saber ou não que ele tem ou não tem alguma coisa, ele está lá, ele precisa ser incluído, ele precisa aprender dentro das possibilidades dele. (informação verbal)
Neste mesmo sentido, Lúcia comenta:
O laudo não vai mudar a situação do aluno. Ele vai servir para a gente saber, por um profissional, qual o problema do aluno. Então o laudo serve para mostrar o problema, diagnosticar que existe aquele problema, mas é o professor que vai ter que dar conta do aluno. Então, na realidade, para o professor não muda. (informação verbal)
Em ambas as falas as professoras demonstram ter clareza acerca da importância da implicação do professor no ato educativo, independentemente do que lhes diga o laudo. E é, este, ponto crucial observado por diversos autores na relação do professor com aquilo que apresentam os laudos: a busca pela causa do problema tem, muitas vezes, ação contrária àquela que parece ser a desejada e acaba por revelar-se imobilizante, ou ainda, leva o professor a demitir-se do ato educativo. "Eu acho que existem professores que acabam se acomodando com a questão do laudo. Então acabam deixando, 'ah, o aluno tem o laudo, não tem o que fazer'" (informação verbal), observa Lúcia.
É importante ressaltar que quando encaminhamentos aos especialistas se reduzem a tentativas de "encontrar 'diagnósticos' que expliquem, justifiquem o não-aprender" (Collares & Moysés, 1994, p. 29), a função do professor é desautorizada, e o ensino tem seu sentido esvaziado; "uma vez feito o 'diagnóstico', cessam as preocupações e angústias" (ibidem). Nesta lógica, "os professores tiram da sua alçada a responsabilidade pelo processo de escolarização das crianças e conclamam o saber médico a intervir nas questões educacionais" (Asbahr, 2006, p. 62).
Dessa forma, revela-se fundamental a reflexão acerca dos discursos que compõem a voz que hoje ecoa nas escolas, bem como sobre a importância e o lugar reservado a cada um dos sujeitos escolares. Vê-se atualmente que:
O espaço eminentemente pedagógico da instituição escolar tem-se esvaziado, tem-se tornado vago. Uma instituição social em que seus atores os profissionais da Educação , rebaixados na escala social, com salários aviltantes, sentindo-se incapazes, expropriados de seu saber, estão prontos a delegar seu espaço, prontos a submeterem-se a uma nova ordem. . . . O espaço escolar, voltado para a aprendizagem, para a normalidade, para o saudável, transforma-se em espaço clínico, voltado para os erros e distúrbios. (Collares & Moysés, 1994, p. 31)
O (des)encontro educativo: breves considerações
O contexto educacional aqui apresentado profundamente marcado por uma lógica tecnicista, metodológica e determinista , apesar de pretender-se total, deixa passar algo que nos parece essencial a todo e qualquer laço estabelecido entre sujeitos. Mannoni (1973/1977) observa que em um anseio de uniformização, "a administração educacional apenas retém de um discurso a sua relação de adequação . . . , deixando escapar o que, por outro lado, procura fazer-se reconhecer numa relação com a verdade do desejo" (p. 181). Na excessiva procedimentalização das ações, em meio a prescrições e regras absolutas, vê-se apagar aquilo que habita na ordem do desejo e, consequentemente, o próprio sujeito. O sistema, dessa forma, deixa de ser sensível ao que cada (des)encontro e situação particular produz, ignorando as nuances inerentes a cada uma delas.
A despeito da forma como o discurso (psico)pedagógico e medicalizante concebem a educação, como processo metódico orientado ao desenvolvimento e estímulo das capacidades de um momento psicomaturacional específico, educar implica o estabelecimento de um laço psíquico entre um adulto e uma criança. Educar, nos diz Lajonquière (2010), é transmitir marcas simbólicas de pertencimento, é transmitir aos recém-chegados nossa própria humanidade.
A educação, como laço discursivo, está submetida à lógica que rege o campo da palavra e da linguagem. Marcada por constante movimento, a palavra não tem significado estático, tampouco previsível; a palavra se autogoverna e escapa ao falante. Ao falar, observa Kupfer (1989/2002, p. 59), "um político ou um educador estará também fadado a se perder, a revelar- se, a ir na direção contrária àquela que seu eu havia determinado". A impossibilidade de controle refere-se também, e principalmente, aos "efeitos de nossas palavras sobre nosso ouvinte (ou sobre nosso leitor...). Não sabemos o que ele fará com aquelas ideias, a que outras associará, que movimentos de desejo o farão gostar mais disso e menos daquilo" (Kupfer, 1989/2002, p. 96).
Reconhecendo essa impossibilidade estrutural, Catherine Millot (1987, pp. 149-150) observa que, a despeito das pretensões dos discursos pretendidos como hegemônicos e absolutos,
teoria pedagógica alguma permite calcular os efeitos dos métodos com que se opera, pois o que se interpõe entre a medida pedagógica e os resultados obtidos é o Inconsciente do pedagogo e do educando . . . . Quando o pedagogo imagina estar se dirigindo ao Eu da criança, o que está atingindo, sem sabê-lo, é seu Inconsciente.
Neste mesmo sentido, Kupfer (1989/2002, p. 75) considera não ser possível a construção de um método pedagógico a partir de um saber psicanalítico acerca do inconsciente, uma vez que esse saber poderia ser formulado a partir da afirmação: "não há método de controle do inconsciente". O saber acerca da impossibilidade de controle do inconsciente coloca o educador diante dos verdadeiros limites de sua atuação (Kupfer, 1989/2002) e o reposiciona na trama educativa: para que a educação se faça possível é necessário que o educador mantenha sempre aberta "a possibilidade de que surja esse imprevisto por excelência chamado desejo" (Lajonquière, 1999/2009, p. 126).
A pretensão totalizante dos discursos (psico)pedagógico e medicalizante fundada em uma lógica determinista, de causas e efeitos depara-se de forma constante e inevitável com o imprevisível, com algo que faz ruir pressupostos pretendidos como absolutos. À educação é inerente o (des)encontro com o outro, o enfrentamento de assimetrias, desproporções e faltas; diante de nós haverá sempre um outro que nos é "irreconhecível, indefinível, inominável, ingovernável" (Skliar, 2003, p. 38).
Em face do processo sobre o qual discorremos aqui, de controle e normatização da vida e da educação, mostra-se fundamental o esforço de resgatar e sustentar aquilo que essencialmente se desenha no devir da realidade, aquilo que habita o campo da palavra e dos sujeitos. De encarar, como nos diz Carvalho (2016, p. 58), "o desafio de mover-se no escuro, de tatear caminhos cujos contornos nunca são dados de antemão", de reconhecer a singularidade do (des)encontro com os sujeitos e por ele se responsabilizar para, assim, abrirmo-nos a "uma experiência que é da ordem do incontrolável" (ibidem).
A escola, ao mover-se sobre os trilhos das ilusões naturalistas, segue em sentido precisamente oposto àquele que confere a dignidade da experiência escolar. A partir de discursos como o medicalizante ou o (psico)pedagógico, a educação sela lugares e destinos àqueles que insistem em rejeitar ou resistir a uma escola concebida como natural, adaptada a todas as crianças lançadas à escolarização. Nessa lógica, todas aquelas consideradas desatentas, desobedientes ou desconcentradas recebem uma justificativa científica à sua inadaptação, de forma que a movimentação dessas crianças torna-se restrita aos rígidos limites do diagnóstico firmado, ou seja, esvaziada de toda e qualquer renovação, deslocamento de sentidos ou efeitos subjetivantes.
Ocorre, por sua vez, que a dignidade da experiência escolar situa-se, precisamente, na possibilidade de a criança vir a adentrar o circuito do desejo por portas distintas daquela que o mundo lhe apresentara na ocasião de sua chegada, a partir de uma aposta ética a todo instante reiterada e sustentada por aquele que ensina. A instituição escolar, dizem-nos Masschelein e Simons (2018, p. 31), "dá às pessoas a chance (temporariamente, por um curto espaço de tempo) de deixar o seu passado e os antecedentes para trás e se tornarem um aluno como qualquer outro". Assim, diante da potente possibilidade de inscrever uma descontinuidade no tempo e no espaço, a experiência escolar revela-se capaz de interromper o que seria uma causalidade natural na vida dos sujeitos e promover uma reorganização dos lugares reservados a cada um deles.
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Recebido em novembro de 2019 Aceito em março de 2020.
1 As reflexões apresentadas neste artigo são parte do estudo desenvolvido pelos autores durante a pesquisa de mestrado intitulada "A educação e a busca por um laudo que diga quem és", realizada junto ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, sob a orientação do professor Leandro de Lajonquière.
2 As entrevistas aqui analisadas compõem o material empírico coletado para a já referida pesquisa de mestrado.
3 Substância psicoativa comercializada com os nomes de Ritalina®Â e Concerta®.
Revisão gramatical: Catherine Fanizzi
E-mail: catherinefanizzi@usp.br