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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717

Cad. psicol. soc. trab. vol.23 no.1 São Paulo jan./jun. 2020

 

Editorial

 

 

Rosemeire Aparecida ScopinhoI; Fábio de OliveiraII; Leny SatoII

IUniversidade Federal de São Carlos (São Carlos, SP, Brasil)
IIUniversidade de São Paulo (São Paulo, SP, Brasil)

 

 

Este número especial da revista Cadernos de Psicologia Social do Trabalho é, de fato, muito especial para os membros do GT Trabalho e Processos Organizativos na Contemporaneidade filiado à Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). Ele reúne os textos apresentados no I Encontro de Psicologia Social do Trabalho – Neoliberalismos, precarização da vida e resistências na América Latina: contribuições da Psicologia Social do Trabalho, realizado em 21 e 22 de maio de 2019 no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), com o apoio do Edital de Consolidação de Grupos de Trabalho da ANPEPP (Edital 1/2018). O Evento reuniu pesquisadores, profissionais ligados aos diferentes campos de atuação da Psicologia Social do Trabalho e estudantes de graduação e pós-graduação, atraídos por uma programação de atividades especialmente pensada e estruturada para promover e dinamizar a discussão sobre os impactos do avanço das políticas econômicas e sociais de orientação neoliberal na América Latina.

Nestes tempos difíceis, as diferentes realidades latino-americanas enfrentam, cada qual com as suas especificidades, as crises estruturais do capitalismo contemporâneo alavancadas pela IV Revolução Industrial, que aqui chega aos pedaços e (sempre) tardiamente em relação aos países de economia hegemônica, e por meio das ondas de reestruturação produtiva em resposta às referidas crises. Fortalecido, o regime político-econômico ultraliberal inspira-se no gerencialismo para apregoar a empresa em rede como modelo de organização societária e a valorização da concorrência em detrimento da solidariedade social. Está em curso uma reconfiguração do trabalho e do mercado evidenciada, principalmente, pela proliferação da economia das plataformas digitais que, por sua vez, reconfigura também o perfil do "trabalhador ideal", agora, um agente de si, que se produz e se reinventa constantemente para conviver com a instabilidade financeira e a ausência de proteção e de seguridade social.

Sob estes cenários – ora, contundentemente, também afetados pela pandemia Covid-19, a maior crise sanitária dos últimos tempos que evidenciou ainda mais, tanto as múltiplas facetas de uma (crônica) crise sistêmica, quanto a forma como o regime político-econômico ultraliberal prioriza a salvação da economia em detrimento da saúde e da vida humana – os trabalhadores padecem de novas formas de desgaste físico e, sobretudo, subjetivo. O emprego das novas tecnologias exigem crescente investimento psíquico e cognitivo, tanto dos que permanecem trabalhando, quanto dos que vivem a saga da busca de um lugar no mundo do trabalho. Além de reconfigurar o trabalho e acelerar o processo de perda de direitos trabalhistas e sociais historicamente conquistados por meio da luta dos trabalhadores organizados, o neoliberalismo afeta os movimentos de resistência porque procura destruir todas as formas de mobilização e organização coletiva voltadas para o enfrentamento da crise.

As mesas redondas de rodas e conversa realizadas durante o evento, além de discutir as relações entre configurações contemporâneas do trabalho e subjetividades dos trabalhadores, atualizaram o debate teórico-metodológico, ético e político da Psicologia Social do Trabalho na América Latina. Apontaram questões fundamentais para pensar a formação de psicólogas e psicólogos neste contexto e possibilitaram um rico espaço de trocas de saberes entre os participantes e os pesquisadores de outros GTs filiados à ANPEPP, também envolvidos com as temáticas do trabalho, que foram especialmente convidados para participarem do Evento.

Agradecemos aos colaboradores deste número especial, assim como às diretorias da ANPEPP envolvidas na publicação e concretização do Edital 1/2018. A experiência nos deixou convictos de que esta é uma excelente forma de empregar os recursos naquilo que realmente nos fortalece como pesquisadores, especialmente neste momento em que a ciência brasileira tem sido assolapada e desvalorizada de inúmeras formas.

Em seu artigo, Maria Elizabeth Barros e Cristiane Bremenkamp Cruz apresentam a construção de um fórum de trabalhadores em educação constituído como estratégia de enfrentamento do processo de adoecimento desses trabalhadores decorrente da racionalidade neoliberal em curso nas escolas. Entre os desdobramentos do fórum está a viabilização de comissões de saúde por local de trabalho.

Hélder Pordeus Muniz, Emerson Moraes Teixeira e Cláudia Osório da Silva trazem reflexões sobre as políticas neoliberais e de precarização da vida nos mundos do trabalho e seus efeitos subjetivos. A partir dessas reflexões, apresentam os referenciais epistemológicos, teóricos e metodológicos nos quais ancoram as modalidades de pesquisa-intervenção usadas para ampliar o poder de agir dos trabalhadores.

Por sua vez, Dathiê de Mello Franco-Benatti, Vera Lucia Navarro e Luci Praun apresentam uma investigação junto a trabalhadores(as) rurais da agroindústria canavieira no sudeste brasileiro que sofreram acidentes de trabalho. As autoras discutem as situações de trabalho na atividade agrícola em sua reorganização e inovação tecnológica e as circunstâncias para a ocorrência de acidentes e doenças com nexo laboral nesse contexto, especialmente nas últimas décadas. Ao longo do artigo, revelam o quanto a exploração e a precariedade encontram-se ampliadas na vida destes trabalhadores(as).

Cássio Adriano Braz de Aquino problematiza algumas repercussões do neoliberalismo e da precarização sobre os processos de trabalho na América Latina, mais especificamente, no Brasil, na região nordeste. O autor situa os conceitos centrais de seu ensaio relacionando-os à análise da questão social e compreendendo a dimensão política como articuladora destes pontos.

Já o artigo de Rafael Paulino Juliani e Rosemeire Aparecida Scopinho apresenta uma outra perspectiva dos efeitos do neoliberalismo sobre os trabalhadores. Ao analisarem as vivências de pessoas LGBTs no trabalho, os autores evidenciam como a lógica neoliberal mantém e reforça padrões heteronormativos e marginaliza os diferentes.

José Newton Garcia de Araújo apresenta um ensaio teórico bastante original, no qual analisa a precarização no contexto atual a partir da perspectiva da Psicossociologia do Trabalho. Depois de apresentar os fundamentos teóricos da disciplina, busca estabelecer uma articulação com os conceitos de precariado e de necropolítica para mostrar a racionalidade perversa da ideologia neoliberal.

Ainda, temos a honra de somar a esse conjunto de textos apresentados durante o I Encontro de Psicologia Social do Trabalho uma contribuição original com que, mais recentemente, nos presenteou Suzana Guerra Albornoz. Resolvemos convidar a autora a incluir seu ensaio neste número especial justamente porque, diante do quadro desolador que vivemos, ele trata da esperança e das utopias concretas, alicerçadas na luta pela dignidade no trabalho, não impossíveis de realizar.

Encerra este dossiê temático a resenha do livro Psicologia Social do Trabalho, elaborada por Hernán Camilo Pulido Martinez, um colega colombiano que compõe o GT Trabalho e Processos Organizativos na Contemporaneidade, que, com a defesa de uma perspectiva decolonial, tem colaborado com a necessária integração da Psicologia Social do Trabalho na América Latina.

Gostaríamos ainda de informar às leitoras e aos leitores dos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho que esta edição marca a consolidação de um novo ciclo da vida editorial da revista. Isso porque ela e as últimas edições que vieram ao mundo são fruto de um trabalho coletivo que se iniciou há poucos anos, com a formação de uma equipe de editoras adjuntas que foi capaz de eliminar os gargalos do processo editorial e tornou possível acelerar o processo de avaliação de manuscritos e regularizar a periodicidade da publicação.

Ao lado da editora e do editor dos velhos tempos, Leny Sato e Fábio de Oliveira, reuniram-se as professoras Marcia Hespanhol Bernardo (PUC-Campinas), Maria Chalfin Coutinho (UFSC), Maristela de Souza Pereira (UFU), Cris Fernández Andrada(PUC-SP) e Geruza Tavares D'Avila (FURG), que também colaboraram na elaboração deste editorial. Mais recentemente, estendemos o convite ao professor Antonio Stecher Guzmán, da Universidad Diego Portales (Chile), que em breve trabalhará conosco. A participação das/o colegas na editoria dos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho evidencia que a perspectiva da Psicologia Social do Trabalho tem sido construída em centros de formação e de pesquisa em diferentes regiões geográficas do Brasil e na América Latina.

E certamente não poderíamos deixar de citar o apoio que nos é oferecido pela Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica (AGUIA), pelo Instituto de Psicologia da USP, pela secretária do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da USP, Teresa Cristina de Oliveira Peres, e, claro, pelas autoras e autores que depositam sua confiança neste projeto de mais de duas décadas.

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