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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148versão On-line ISSN 2175-3644

Rev. Mal-Estar Subj. v.1 n.1 Fortaleza set. 2001

 

EDITORIAL

 

Mal-estar, subjetividade e o olhar sobre o tempo

 

 

Que fins e propósitos de vida expressam os homens em sua própria conduta; que esperam da vida; que pretendem alcançar nela? É difícil equivocar-se na reposta: aspiram à felicidade, pretendem chegar a ser felizes; não querem deixar de sê-lo1 (Freud, 1930, p. 3024).

Com essa citação de Freud percebemos a atualidade de suas palavras, com respeito às conquistas promulgadas pelos diversos campos do conhecimento humano. Em conseqüência nos debruçamos, a partir de agora, na publicação desse periódico, em busca de uma reflexão sobre as várias formas que nossa época ensaia na tentativa de detectar o objeto alvo daquilo que se subjetiva como uma promessa da felicidade.

O fator, que podemos resgatar como diagnóstico mais prescrito pelos diversos campos do saber na contemporaneidade, indica-nos exatamente uma preocupação que Freud também apresentava no mesmo texto. Hoje vivemos numa era onde o sujeito exibe, em cada ato, em cada construção, uma marca denunciada como traço narcisista. Freud nos diz:

... o 'eu' se desliga do mundo exterior, ainda que seria mais correto dizer: originalmente, o 'eu' inclui tudo; logo, desprende de si um mundo exterior. Nosso atual sentido de 'eu' não é, por conseguinte, mais que um resto atrofiado de um sentimento mais amplo, ainda de envergadura universal, que correspondia a uma comunhão mais íntima entre o 'eu' e o mundo circundante2 (ibid., p. 3019).

O 'eu' e a felicidade promulgam a apologia do sintoma mais nítido do pensamento comtemporâneo que está presente na elaboração dos textos mais importantes que tratam da problemática do homem e seus sintomas individuais e sociais. Entretanto, um outro dado do cotidiano nos chama atenção. Alcançamos um avanço nunca visto nas novas dimensões do olhar, propiciado principalmente pela tecnologia virtual. O olhar se desloca numa velocidade recorde. Amplia-se pelos rincões do mundo, vasculhando o objeto perdido. E, nesse fenômeno, incontáveis objetos ocupam pretensiosamente o lugar da promessa de felicidade.

Nesse lugar formador dos anseios de globalização, aparece nada menos que um furo. Um furo no olhar que se deixa atravessar pelas formas de objetos que se convocam mediante as demandas que cada sujeito estabelece. E também a Psicanálise nos aponta: toda demanda é uma demanda de amor. E nos adianta: todo amor é narcisista. Olhar, furo, objetos como promessa de felicidade: a virtualidade de um tempo que “o olho do tempo” de Dali3 nos permite contemplar. Um tempo que exige reflexões sobre o além da função escópica dos fenômenos apresentados. Um tempo que exige uma desconstrução e uma leitura do sintoma promulgado pelo 'eu' e pela felicidade virtual que nosso saber construiu, e que agora clama formas de leituras do mal-estar na passagem cronológica de um tempo pautado muito mais na lógica de cada sujeito.

A Revista “Mal-estar e Subjetividade” nasce sob o signo desse sintoma, propondo-se revistar, através de suas várias manifestações individuais e sociais - promulgadas pelo desejo de construção do saber - o constante labor que o homem desprende na empresa de ser feliz.

É nesse sentido que o Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza estabelece um contato entre o cotidiano e o científico, ao mesmo tempo que conclama a comunidade produtora desse saber, para uma permanente reflexão sobre a incessante maneira de manifestação desse sintoma. Esse convite fica efetivado, desde já, a todos os que se angustiam com essa problemática e que estabelecem, como conseqüência dela, uma meta investigadora que resulte numa espécie de esquadrinhamento das formas de construções subjetivas, a que estamos sujeitos na nossa contemporaneidade.

Nossa revista se coaduna com um Congresso anual, promovido pelo Mestrado em Psicologia, onde as produções mais representativas ganham o caráter de re-vista. Uma publicação que põe em evidência as manifestações das novas formas de subjetivação que emergem como saídas frente ao desafio da existência humana. E, para isso, os trabalhos aqui apresentados perpassam os sintomas deflagrados no âmbito das instituições e do social, através do indivíduo que os constrói e que se angustia com essa mesma construção.

... e não será esse o destino que se reserva ao homem?

Que nos angustiemos, então, para que novas reflexões possibilitem denunciar as marcas subjetivas do nosso momento.

 

Henrique Figueiredo Carneiro

 

Notas

1. Tradução livre a partir do original: FREUD, S. (1930). Malestar en la cultura. In: Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. v. 3.

2. Tradução livre a partir do original.

3. Trata-se aqui de uma referência a obra “El ojo del tiempo” de Salvador Dali, Broche de pedrería, 1941.

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