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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.10 no.3 Fortaleza set. 2010

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Haiti, país mal dito

 

 

Christina Sutter

Professora titular do Curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza, Mestre em Psicologia. End.: R. Francisco Leandro 225, casa 11. Lagoa Redonda. Fortaleza. E-mail: tinasut@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente ensaio pretende compartilhar uma reflexão crítica construída durante um período no Haiti, antes do advento do terremoto, em que a autora participou de uma missão médica humanitária. Em face do Haiti ao vivo, questiona-se a imagem superficial que a opinião pública possui sobre o país, ignorando-se tanto o estado de degradação humana em que se encontra a nação - parcialmente revelada ao mundo depois do terremoto - quanto as forças políticas e interesses econômicos internacionais que provocaram e sustentam esta realidade. Faz-se uma reflexão sobre os processos mistificadores, dos quais participam as agências internacionais de notícias, e sobre o mal político que historicamente tem mantido esta população em um estado de abandono e exploração, bem como em um estado perpétuo de sofrimento psíquico e humano extremo muito além da noção de mal-estar. A partir do contexto haitiano, apontam-se também os mecanismos que culpabilizam unicamente as nações pobres pelos seus males, ocultando os verdadeiros violadores dos direitos humanos e econômicos.

Palavras-chave: Haiti. Processos mistificadores. Sofrimento humano extremo. Mal político. Mal-estar.


ABSTRACT

This essay seeks to share critical reflection based on time spent in Haiti before the advent of the earthquake where the author participated on a humanitarian medical aid mission. After experiencing Haiti face to face, we came to question the superficial image that the public has about the country, disregarding both the state of human degradation present in the nation - partially revealed to the world after the earthquake - and the political forces and international economic interests that provoke and sustain this reality. The paper also reflects on the mystification processess in which international news agencies participate and the political evil that historically has kept this population in a state of neglect and exploitation as well as in a perpetual state of extreme psychic and human suffering far beyond the notion of discontentment. The mechanisms that solely blame the poor nations for their ills by hiding the real violators of human and economic rights are also pointed out from a Haitian point of view.

Keywords: Haiti. Mystification processess. Abject poverty. Extreme human suffering. Political evil. Discontentment.


 

 

Introdução

Em julho de 2008 iniciamos um programa em saúde mental em um hospital maternidade em Porto Príncipe. Por essa época o país já se encontrava "estabilizado" com relação aos acontecimentos que levaram à sua ocupação pelas forças de paz da ONU em 2004. Deparei-me, entretanto, com uma população oprimida devido à situação sociopolítica e econômica do país e à condição de pobreza degradante de metade da população de Porto Príncipe. Entre os mais favorecidos - como estudantes universitários e profissionais qualificados -, havia um sentimento generalizado de humilhação e desesperança quanto ao futuro da nação, sentimento este escondido na personalidade altiva do haitiano.

Embora a situação no Haiti seja incrivelmente complexa e o país tenha um histórico de atrocidades cometidas internamente, o que se percebe é uma nação inteira assistindo involuntariamente a manutenção de uma imagem nacional exclusivamente negativa aos olhos do mundo, aparentemente forjada ou intensificada com o propósito de justificar as intervenções internacionais em prol de interesses economicos e políticos particulares. A população miserável, espremida entre o mais absoluto desamparo e as forças de repressão, torna-se duplamente vítima dessa estrutura perversa.

O presente artigo é, em parte, a tentativa de organizar internamente aquilo que chamo de inominável - tão absurda se mostra a realidade e para a qual nenhuma teoria parece dar conta -, e fazer uma reflexão sobre os mecanismos mistificadores que manipulam a opinião pública em relação aos paises pouco civilizados do mundo, do qual o Haiti parece ser extremamente emblemático, com a finalidade de ocultar quais são os verdadeiros violadores dos direitos humanos e econômicos.

 

Imagens do Haiti

"Culture" does not explain suffering; it may at worst furnish an alibi. Paul Farmer

País ignorado por muitos, o Haiti provavelmente nunca esteve tão presente na mídia quanto no início deste ano, após o terremoto que arrasou Porto Príncipe. Imagens terríveis de destruição evidenciaram para o mundo a falta absoluta de estrutura do país e as condições precárias em que vive a população, tornando ainda mais devastadora as conseqüências do abalo sísmico. Não fosse o espetáculo do terremoto, que despertou a compaixão mundial, o país continuaria isolado em sua ilha e na aura da desinformação em que sempre viveu. Entretanto, apesar do choque e da comoção, para explicar o triste espetáculo do desamparo total da população, as revistas de grande circulação nacionais e as agências internacionais de notícias repetiram os clichês de sempre sobre a história conturbada do país desde quando se tornou a primeira república negra do mundo, depositando toda a responsabilidade em uma sucessão de governos incompetentes, corruptos ou ditatoriais. Mas essa não é toda a história.

De fato, pouco se sabe sobre o Haiti, seja para o bem, seja para o mal. O noticiário internacional tem apresentado fragmentos dilatados pelo sensacionalismo e, nas últimas décadas, tomamos conhecimento que balsas de refugiados de um país inviável foram detidas na costa americana; que no Haiti tem uma epidemia de AIDS comparável à da África; que as pessoas comem terra; que o horror reina nas mãos de gangues hiper violentas; e que - imagem antiga e assustadora - o vodu atinge suas vítimas à distância espetando alfinetes em bonequinhos. Com esses fragmentos fazem-se uma colagem simplista que revela o país da barbárie, da feitiçaria e da brutalidade, em meio às civilizadas Américas. O mesmo que inspirou os filmes de terror de Hollywood na década de 40 em torno do medo aos zumbis, mortos-vivos fabricados pelos feiticeiros vodus (Hurbon, 2008). O mesmo que levou à ocupação americana em 1915, justificada pela incapacidade dos negros, dominados pela superstição, de se autogovernarem e, quase cem anos depois, pós-terremoto, a mesma ocupação justificada com argumento semelhante.

Não se está querendo dizer que o Haiti seja, na verdade, um paraíso mal interpretado pelos abusos da propaganda internacional. Sim, tem AIDS, tem vodu, tem violência, tem êxodo em massa... Mas todos esses dados precisam ser reavaliados dentro de suas reais dimensões e, sobretudo, dentro de um panorama político. Por exemplo, embora a prevalência de HIV/AIDS seja elevada no país - 2,2% entre a população adulta e 3,1% entre as gestantes, segundo a OMS (2008) -, o índice não é mais alto do que os das zonas de risco de qualquer país do mundo e, ainda assim, bastante inferior ao de muitos países da África. O vodu é uma religião complexa de origem africana1 e suas práticas não são muito diferentes daquelas que encontramos em qualquer terreiro de candomblé no Brasil. As gangues dos bairros pobres de Porto Príncipe, formadas por jovens excluídos da sociedade civil, conhecidos como chimères2, não são muito diferentes das que povoam nossas favelas ou guetos de qualquer subúrbio americano3. Finalmente, a diáspora haitiana foi provocada por razões ora econômicas, ora políticas cuja origem remonta a uma longa história de abusos políticos internos e intervenções econômicas internacionais, de modo que hoje metade da população de haitianos vive fora do país, entre eles artistas, escritores e intelectuais, levando a um esvaziamento considerável de seu capital humano e profissional. A atual governadora-geral do Canadá, Michaëlle Jean, é, inclusive, de origem haitiana.

Mas, afinal, o que é o Haiti? O palco de um teatro cujo script necessita deste cenário? Ou "um circo", como perguntou um observador internacional durante as eleições de 2009? O fato é que ninguém sabe exatamente o que está acontecendo, pelo menos não a população civil. Quando tanques pintados com a cor branca da paz cruzam a cidade com soldados de óculos escuros e singelos capacetes azuis, mas armados com metralhadoras apontadas sabe-se lá para quem, queremos acreditar que o Haiti é um país potencialmente "em guerra" e que estamos sendo protegidos. Desordem controlada, que o mal não se espalhe pelo mundo!

O fato é que o Haiti está mais para uma espécie de "buraco negro" da civilização ocidental: um ponto de convergência da violência estrutural (Galtung, 1969) - da qual tem participado as estratégias políticas e militares internacionais - com a indústria da miséria e de um imaginário que remonta aos temores medievais das forças demoníacas. Todo mundo sai ganhando com isso - empresários e políticos haitianos, inclusive - menos o povo que tenta manter alguma dignidade apesar de conviverem com favelas aglomeradas e sujas, com montanhas de lixo acumulado nas ruas, com o mau cheiro, a fome - que os leva a só comer bolachas de argila e nada mais -, e com o mais absoluto desamparo social. Os sintomas que o país padece falam de uma nação agonizante e não de um traço de caráter de um povo sem recuperação, sobre o qual se lançam acusações e medidas de segurança ou a nossa compaixão temporária, como depois da tragédia do terremoto, enquanto a mídia conseguiu manter o país em evidência.

Mas o quanto de verdade existe nessas imagens? Sim, o Haiti não é um país seguro. Os sequestros são frequentes, deixando vítimas seriamente sequeladas. Contudo as teorias populares sobre os sequestros são no mínimo contraditórias: dizem que o partido Fanmi Lavalas, do ex-presidente Jean Bertrand Aristides, prometeu que faria com a população o que fizeram com o seu presidente, também "sequestrado" para um exílio forçado, ou mesmo que os sequestros são uma atividade rentável da qual fazem parte vários setores da sociedade organizada e limpa. Nem se duvida dos violentos embates entre os rebeldes, estudantes e a população pro Aristides que ocorreram a seis anos, justificando a intervenção da ONU. Entretanto, não se explica como a população civil armou-se tão bem nessa espécie de guerra civil fabricada. Se Aristides foi acusado de ter armado seus partidários - os chimères das favelas -, está claro que alguém armou os "rebeldes". Pelo menos 600 deles receberam treinamento na Republica Domenicana (Farmer, 2004). Também não se explica o famoso massacre de Cité Soleil, em julho de 2005, quando o país já se encontrava sob controle e que parece ter sido perpetrado por todos os atores armados que compunham o cenário, com muitas das vítimas executadas com tiro de fuzil na cabeça, feitos por quem, aparentemente, sabia atirar muito bem, conforme mostra o documentário Nou Pito Mouri Kampe do jornalista independente Kevin Pina.

Pode-se dizer também que a brutalidade da violência sexual é, sem dúvida, sintoma da barbárie presente no país. Sim, outra verdade: se hoje o estupro coletivo é sintoma do rompimento do laço social, ele é tão antigo quanto o Haiti. Tão antigo quanto a história da escravidão, pois até hoje a palavra em créole para estupro é kadejak, em lembrança a Jaques, o francês, que violava as escravas. E mais tarde voltou como arma de guerra: foram as milícias de Papa Doc, conhecidos como tontons macoute, que ensinaram a arte de estuprar na sua forma mais perversa, obrigando pais e avós a fornicarem com os filhos e netos, e a lição parece que foi muito bem aprendida, inclusive por militares (Duff, 2005; Dandicat, 1996). Mas não foram os haitianos, afinal, que elegeram o doutor Duvalier e permitiram a ditadura? Sem dúvida, muitos se beneficiaram com o terror de estado embora, certamente, não a população que acreditou no médico. Contudo, como em todas as ditaduras da América Latina, Tio Sam deu seu amplo respaldo, financeiro, militar e diplomático. Como assinala Chomsky (1998), em sua missão de questionar a política externa americana, a correlação entre tortura e ajuda norte-americana foi a estratégia utilizada para conter governos sociais-democráticos e garantir os interesses econômicos na América Latina e no Caribe. "Nenhum santo se sustenta só". Nem o inferno também4. A ajuda econômica americana fluiu livremente durante a ditadura - gerando a chamada dívida odiosa, porquanto foi mais utilizada para oprimir a população do que para promover o desenvolvimento do país - e durante a intervenção militar após o colapso da mesma.

Quanto à superstição esta parece socialmente disseminada, compondo um imaginário de crendices populares que se confundem com a percepção da realidade. Esta é outra verdade. As forças maléficas se escondem a cada esquina, transformadas em seres sobrenaturais e a "cultura da paranóia" contamina as relações entre vizinhos e familiares. Entretanto, se essas crenças falam, por um lado, de uma herança africana fortemente presente na cultura haitiana e da qual extraem o seu sentido, falam também de um agudo sentimento de desamparo. Como esperar que exista um "sentimento de confiança básica no mundo" quando não se teve "uma mãe suficientemente boa", para usar uma imagem winnicottiana: se a exploração, a humilhação e a tortura tem sido o colo acolhedor desde sempre? Como esperar uma relação racional com a vida se tudo o que é concreto e palpável não pode ser apropriado pela racionalidade?

E, finalmente, do ponto de vista da paranóia mundial com respeito ao HIV, o Haiti também poderia ser descrito como uma espécie de "bode-expiatório" do mundo ocidental, culpado de suas mazelas internas e as de além mar. Nos anos 1980 o Haiti ficou internacionalmente associado com o HIV/AIDS quando autoridades americanas conectaram o vírus com os quatro "H"-s da AIDS (Haemophilic, Heroin adict, Homossexual and Haitian), acusando haitianos que trabalharam no Congo, na década de 60, de terem se contaminado e levado posteriormente o vírus para Miami no final da década. Entretanto, o inverso não era mencionado: nos anos 1960 e 1970 o Haiti era um dos paraísos para turistas gays e brancos, com uma população masculina a baixo custo (Farmer, 1992). Essa arbitrária associação exclusiva com os haitianos seria uma das causas da queda vertiginosa do turismo no país, tão belo quanto qualquer outro do Caribe, com montanhas magníficas e águas turquesa. Hoje a má fama do Haiti leva a se advertir aos interessados, nos sites de turismo, que é melhor escolher outro lugar para visitar.

 

O Haiti, ao vivo

To them, we are not human. Edwiges Dandicat

Se estas são imagens simplificadas ou distorcidas sobre o Haiti, quando se olha de perto o que se vê é desolação, sim. Nas ruas, nos corredores das favelas, entrando nas casas minimalistas, escuras e espremidas, o que se vê é "o povo haitiano que sofre", para plagiar uma frase dita por nosso presidente Lula em relação aos brasileiros. O povo que aos milhares todos os dias saem às ruas para tentar vender alguma coisa: roupas usadas, mangas e bananas passadas dispostas, às vezes, ao lado dos rios de esgoto, qualquer coisa que possa driblar o desemprego crônico e a fome. Conheci pessoas que nunca conseguiram um trabalho na vida a despeito de terem conseguido estudar e se profissionalizar. Sem emprego e sem poder satisfazer as mínimas necessidades básicas e até fisiológicas, como dormir. Nesses barracos, em que vive uma média de oito pessoas, dormir uma noite inteira e deitado é um luxo: dorme-se revezando, como nas cadeias, ou em pé mesmo.

Nada é acolhedor, muito menos a paisagem. Quando chove, avalanches de lixo escorrem pelas ruas como se a cidade se desmanchasse em detritos. Em alguns bairros populares, como Martissant, o lixo acumulado nos canais, há anos pelo visto, compõe um cenário de imundície com o qual a população tem que conviver diariamente. Tudo é desolação e abandono. Tudo é opressão. O resultado? Populações vivendo sim como zumbis, a alma morta, o corpo dolorosamente vivo. Corpo que, apesar de tomado pelo herpes zoster, ainda é o único território em que se tenta salvaguardar alguma estética nas roupas cuidadosamente vestidas, doadas de segunda mão desde os tempos de Kennedy.

Porto Príncipe, a capital, é como um grande mar de miséria - e agora de destruição -, sem energia e iluminação pública em sua quase totalidade, com pequenas ilhas de fantasia no alto das colinas para uma elite de haitianos e estrangeiros onde se pode comer, inclusive, muito bem em restaurantes sofisticados. Elite que parece não se importar com o colapso do país. Protegidos por shot guns eles mantém as consequências indesejáveis dessa realidade o mais longe possível e, sobretudo, controladas pelas forças de paz5.

Contudo esse cenário de chocante desigualdade social e sofrimento visível é o pus de um organismo infectado e dilacerado por forças muito maiores do que os problemas localmente produzidos e realimentados pela corrupção generalizada, sem evidentemente retirar a responsabilidade dos próprios haitianos que se beneficiam com a miséria alheia. Se hoje o Haiti é um "salve-se quem puder" a qualquer preço, onde a ética, a honestidade e o respeito aos direitos civis são raros como a água potável, não é só essa a causa do colapso social em que o país se encontra. Há, mesmo entre os haitianos, os que explicam a quase impossível capacidade da população de se organizar minimamente em prol do desenvolvimento do país justificando esta dificuldade pelas diferenças das origens tribais dos ancestrais africanos. Com este argumento sobre a origem do sangue de cada um, esquece-se, entretanto, que a escravidão criou estruturas perversas de delação, favoritismo e mútua desconfiança. Esquece-se que a violência está na base histórica desta nação, feita sim de seres roubados de suas raízes, de seus laços familiares e, principalmente, de seu status de ser humano.

Até hoje a escravidão é um trauma não elaborado o que coloca o povo haitiano em um anacronismo que não os ajuda a dialogar e a defender seus direitos com argumentos mais contemporâneos. O que faz com que a relação com os blancs seja ambivalente e passivo-agressiva. O haitiano raramente lhe diz não, mas só faz o que ele quer. Contudo, é capaz de formas de resistência muito mais radicais do que esta. Há neles uma força combativa que, mesmo sendo um país sitiado pelas tropas das Nações Unidas, faz com que a população saia nas ruas cantando ao som de cornetas para protestar pela alta de alimentos. O oposto do conformismo do brasileiro. A mesma combatividade que os tornou a primeira república negra do mundo, a primeira a declarar sua independência de um império colonialista. Para isso se utilizaram de estratégias de extermínio notáveis: a arte do envenenamento que não pode ser roubada da alma africana. Até hoje é com orgulho que falam desses feitos, congelados no tempo dos heróis da resistência, talvez o único tempo do qual ainda podem se orgulhar.

Todavia a escravidão velada permanece na exploração explícita das novas formas de colonização. Quando o haitiano finalmente consegue um emprego, principalmente se este é pouco qualificado, as empresas não respeitam nem os direitos econômicos nem os direitos civis. Como denunciou o relatório do National Labor Committee sobre "The U.S. in Haiti", a Walt Disney - mais uma empresa explorando mão de obra barata em país de terceiro mundo -, pagava por camisetas costuradas da Pocahontas e do Mickey Mouse (que seriam vendidas a $10,99 em Wall Mart) um total de 10,77 dólares por semana de trabalho árduo. Ninguém pode sobreviver com esse salário no Haiti onde o custo de vida é bastante caro, comparável ao Brasil. A escravidão permanece no assédio sexual às trabalhadoras e na proibição implícita de se requerer a licença maternidade se não quiserem perder o emprego. Como garantir a amamentação de um recém-nascido se não se tem geladeira para conservar o leite materno ou dinheiro para comprar leite em pó ou acesso à água potável?

Qual é a origem do mal? Quem são os verdadeiros atores deste teatro do mal? No índice internacional de sofrimento humano6, 27 entre 141 países foram caracterizados, em 1987, por "extremo sofrimento humano", entre eles o Haiti, o único do hemisfério ocidental. Pode-se imaginar o grau de deterioração que o país vem sofrendo nestes últimos vinte anos colocando-o num índice de sofrimento ainda pior, sobretudo agora depois do terremoto? Como assinala Paul Farmer (2005), professor de antropologia médica da Havard Medical School e fundador da organização Partners in Health, atuando há anos no Haiti central: "O país tem longamente constituído uma espécie de laboratório vivo para o estudo da aflição, não importa como esta é definida" (Farmer, 2005, p.30).

O que um extremo sofrimento humano em escala nacional pode gerar? O que é viver sem um mínimo de saneamento e água potável? Sem direito à saúde e à educação?7 Ou com 80% por cento da população desempregada? Viver de casa em casa, quando e se dão abrigo, trocando uma felação por meio dólar e, se for mulher, talvez a próxima vítima de estupro coletivo? Todos os dias a mesma cena, as mesmas histórias, a mesma absurda realidade. Quase nenhuma solidariedade familiar, nas favelas miseráveis, como cães brigando por um pedaço de osso. No Haiti "cada um por si e Deus por todos" é levado às últimas conseqüências. Ou as relações são estabelecidas em alguma forma de proveito em nome da sobrevivência. Não muito diferente das situações de "guerra de todos contra todos", como constata Wacquant nos guetos de Chicago, em que "a solidariedade mais comprovada é sempre suspeita de ser por interesse" (1998, p.184).

Muitos dirão que temos os mesmos problemas no Brasil. Não, não temos. O desamparo aqui não é total como lá e não na mesma escala. Numa coletânea de artigos editada sobre o país, o Haiti é definido como o lugar da "espetacular privação" (Arthur e Dash, 1999, p.115). Sim, é um espetáculo das piores formas de degradação humana, talvez só comparável a um campo de extermínio. E nesse ponto temo discordar com Wacquant8 em relação aos haitianos: a espetacular privação de que sofrem não os permitem linhas de fuga capazes de obliterar a percepção das coisas como elas são. Talvez por ser o Haiti um país tão exposto ao mundo, com feridas tão abertas, eles são perfeitamente conscientes da humilhação a que são submetidos, sem falar da total falta de perspectiva para onde quer que se olhe. No filme documentário Ghosts of Cité Soleil, em que o diretor Asger Leth registra o cotidiano de dois irmãos chefes de gangs que se valem de um poder paralelo como única forma de sobreviver, este, claramente, não é suficiente para neutralizar o "hell on earth" em que vivem. Um deles, um rapper, sublima sua impotência nas letras das músicas que compõe, sonhando por outro destino.

Qual é o limite do humano? Até onde se pode suportar o que é chamado de pobreza degradante sem perder a humanidade? Como se pode suportar uma existência quando todos os direitos humanos imagináveis são sistematicamente violados sem nenhuma esperança de que um dia isto possa terminar? Como insiste Corten (2006), as favelas são campos de concentração em que o sofrimento existe em estado permanente. Nasce-se e morre-se prisioneiro desse destino, sobretudo em um país em que não há nenhuma perspectiva de emprego e nem educação pública totalmente gratuita.

Quando os milhares de refugiados políticos ao golpe de estado de 1991, que sobreviveram à travessia do mar do Caribe, foram detidos pela guarda costeira americana, tiveram que se deparar com uma política de asilo internacional espantosa: a maioria foi enviada para a base naval americana de Guantánamo, crianças inclusive. Tiveram o sangue coletado e os soropositivos, 268 refugiados, foram separados do grupo e enviados para o "HIV detention camp", onde recebiam braceletes identificando-os como tal. Muitos chegaram a ficar por mais de dois anos detidos, oficialmente "em quarentena". Entretanto o tratamento de quarentena era, de fato, um tratamento para prisioneiros vivendo em condições subumanas, cercados por arames farpados, punidos fisicamente caso reclamassem das instalações e, o que é mais importante, sem tratamento médico adequado (Farmer, 2005). Não apenas violou-se o direito internacional de asilo político como se violou o direito de não ser testado e de não ser arbitrariamente detido sem um processo criminal.

Isto é tão aterrorizante em pleno final de século XX que se chega a pensar que é um script de algum filme orwelliano. Mas aconteceu mesmo, e talvez só tenha acontecido porque as vítimas eram negros do país mais pobre de nosso hemisfério e que poderiam estar talvez numa situação muito pior, mortos por tortura em seu próprio país - para aqueles que eram imediatamente repatriados - ou devorados por tubarões. Ora, a menos de duas décadas da eleição de um presidente negro, o estado americano ainda tratava negros não norte-americanos como menos que seres humanos, cuja perda da identidade jurídica, estratégia de um estado de exceção (Gambin, 2004), era justificada por constituírem potencialmente uma ameaça à nação americana.

Como de hábito, a democracia e os interesses econômicos das grandes potências se sustentam sobre a violação dos direitos democráticos e econômicos de outros países. Como num jogo inocente de dar e tomar, os EUA orquestraram um embargo econômico que bloqueou a promessa de envio de 500 milhões de dólares durante o governo do presidente democraticamente eleito por 67% dos eleitores em 1990. E esse embargo foi feito a um país que já era miserável, cuja miséria construiu-se lentamente desde quando assinaram um acordo com a França, em 1825, indenizando-a pelo "crime de independência" do país. O montante, 150 milhões de francos, foram pagos até depois de Segunda Guerra Mundial. E o presidente eleito Aristide teve a audácia de sugerir que a França deveria devolver este dinheiro aos haitianos recalculado para os dias atuais em 21 bilhões de dólares, quantia suficiente para reerguer o país. Foi deposto, lógico.

Como se não bastasse a luta contra a França na base da afirmação do Haiti como nação, as intervenções internacionais continuaram e adentraram o século XX através de diferentes estratégias. Depois da construção do Canal do Panamá, para garantir os interesses econômicos na região, Woodrow Wilson iniciaria a ocupação do país que durariam 19 anos, resultando em milhares de mortos executados por tropas racistas e nenhuma melhora estrutural significativa para a nação. Décadas mais tarde, em um ato aparentemente solidário, Bill Clinton devolveu Aristides ao país, que havia sido deposto por um golpe militar, obrigando-o - em troca da restauração da democracia - a ceder à pressão do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional para beneficiar investimento estrangeiro e eliminar programas sociais. Ironicamente esta operação foi chamada de "operation restore hope".

Paupérrimo Haiti. Há muito que a dívida, o embargo e as medidas econômicas vêm sendo pagos com a vida dos haitianos. Para não falar de outras intervenções internacionais arbitrárias como ordenar o extermínio da produção de porcos haitiana em 1982. Após o surgimento da febre suína na República Dominicana, os EUA realizaram uma investigação na suinocultura do país vizinho. No Haiti, os porcos no vale de Artibonite estavam infectados, mas somente alguns morreram mostrando que o porco creole era mais resistente. Entretanto, com receio da ameaça de uma epidemia à indústria de porcos americana, 1,3 milhões de porcos foram abatidos (Farmer, 1992). Isto destruiu a economia rural do Haiti porquanto a criação de porcos era a principal atividade do camponês que utilizava a sua produção como uma conta bancária disponível nos momentos de necessidade. Nos anos subseqüentes, em parceria com a USAID e a OEA, iniciou-se um programa de substituição dos porcos creoles por porcos comprados de os fazendeiros americanos. O critério de admissão no programa era que os participantes construíssem pocilgas dentro de certas especificações e provassem ter capital suficiente para alimentar os porcos que, além de tudo, eram mais frágeis do que seus predecessores e necessitavam de vitaminas caras. Isso deixou a maioria dos camponeses fora do programa além de ter criado um desequilíbrio social intransponível.

Neste aspecto a população do campo não se encontra em situação melhor daquela que se acumula nas favelas. Há uma crise rural que começou há algumas décadas agravada por vários fatores entre os quais o acima mencionado. Milhares de pinheiros, do que já fora a "Suíça do Caribe", foram transformados em carvão na falta de outro combustível para cozinhar ou exportados para fabricar móveis nos EUA. O desflorestamento levou à secas periódicas, alternadas com enchentes provocadas pelas tempestades tropicais, com plantações sistematicamente perdidas. Para sanar a fome crônica, agências internacionais, durante a época do governo Duvalier, ofereceram ajuda em forma de alimentos. Só que a ajuda tinha um preço. Para receber o manje sinistre, como os haitianos chamavam o alimento doado, eles tinham que trabalhar nas estradas durante três semanas, apesar da fraqueza causada pela fome (Arthur e Dash, 1999). Os que puderam, emigraram para encontrar outro inferno nas plantações de cana de açúcar dominicanas. O sociólogo André Corten (2006) seria um dos primeiros a testemunhar as assustadoras condições de trabalho dos braceros haitianos, em 1963, e só reveladas ao mundo na década de 80 sob o nome de "escravagismo moderno".

A progressiva deterioração da economia rural não tem sido paga apenas com trabalho forçado dos adultos, mas com os das crianças também. Milhares delas, por causa da fome, foram e continuam sendo enviados para servir nos lares citadinos, um pouco mais abastados, para sobreviver. Muita criança restavèk tem apenas quatro anos. Crianças que têm que trabalhar de oito a dez horas por dia, subalimentadas, muitas vezes abusadas sexualmente e certamente espancadas. Na maternidade recebíamos algumas, já adolescentes, grávidas, subnutridas e assustadas. Mais uma consequencia da mentalidade escravagista do passado que autoriza a exploração oportunista dos mais vulneráveis.

Essa é a história do verdadeiro Haiti. O país do inominável. O país em que os efeitos perversos do mal político e da miséria se desdobram infinitamente até terminarem na morte, no crime, na exploração ou na loucura. Crianças e adolescentes vivendo nas ruas - fugitivos e sobras do regime restavèk - e doentes mentais perambulam pelas ruas de Porto Príncipe, quase a cada esquina, sem contrastar com o caos urbano. No Haiti a morte é uma real possibilidade cotidiana e a vida pouco vale, nem entre aqueles que são responsáveis por salvaguardá-la. Raras são as mulheres que, na maternidade, acolhem felizes seu bebê. Eles nascem e as mães ficam absolutamente indiferentes, como num estado de torpor. Para muitas, foi por que Deus quis que o bebê nascesse; se Deus quiser ele morrerá.

No livro de contos Krik? Krak! da escritora haitiana Edwiges Dandicat (1996), as histórias inacreditáveis de horror infelizmente não são ficção. Realidade e ficção se misturam nas únicas histórias que se pode contar sobre um trauma coletivo, de modo que na história real de personagens fictícios pode-se falar do inominável ao mundo. Li esse livro antes de ir para o Haiti e, apesar de acostumada com as barbáries de um mundo insensato, não podia acreditar no que lia. Quando lá cheguei, apesar de acostumada com a pobreza e a violência em meu país, não acreditei no que vi.

Hoje a "nobre comunidade internacional", como diz Hallward (2010), que se mobiliza para ajudar o país destruído pelo terremoto é a mesma que contribuiu para o sofrimento que tenta reduzir. Meses depois, pouca coisa mudou porque o tamanho do problema é grande demais e porque, afinal de contas, salvar a vítima não é necessário: basta mantê-la viva. Sobretudo se por baixo da privação e do tormento existe ouro negro9. Não foi só a miséria humana que apareceu sob os escombros de Porto Príncipe. Notícias de grandes reservas de hidrocarbonetos no subsolo do país tornam ainda mais incompreensíveis (ou perfeitamente compreensível?) o desamparo da população.

 

O Haiti não é aqui?

O Haiti dá medo. O mundo tem medo daqueles que transpuseram o limite do humano. Tem medo das pessoas que resistem incompreensivelmente ao insuportável, sobretudo se historicamente o preconceito racista fez crer que eram naturalmente inferiores à raça colonizadora (Galeano, 2010). Tem medo dos dejetos não recicláveis do luxo desnecessário e que podem perturbar a consciência tranqüila dos cidadãos bons e honestos. É melhor manter o mito que isola o país e que incentiva a ajuda internacional bem calculada para manter a nação sob controle.

É melhor acusar os países que estão entre os mais miseráveis do mundo de subdesenvolvimento, ignorância, falta de boa vontade dos próprios governos, corrupção interna, fanatismo religioso - acusações atualmente mais "aceitáveis" na era do desenvolvimento e dos direitos humanos do que as outrora embasadas em preconceitos racistas. Infantilizar uma nação inteira do que minimamente considerar em quê, na nossa inocente vida, contribui-se para isso ainda que involuntariamente. Enquanto isso, populações inteiras não tem o privilégio de experimentar, ao menos, o mal-estar dos que levam vidas minimamente civilizadas e protegidas: aquele mal-estar nosso de cada dia perfeitamente administrável com alguma diversão banal. Fazem parte daqueles que, vivendo abaixo da linha do humano, não podem ter seu sofrimento calculado ou descrito por nenhuma teoria.

Finalmente, uma ultima reflexão que diz respeito a todos. Como aponta Singer (2002), em um mundo globalizado é preciso uma ética da globalização, porquanto vivemos, segundo esse autor, em uma comunidade integrada não porque estamos unidos pela internet, mas porque o aquecimento global e o terrorismo agora atingem a todos. Na opinião de Singer (2002), dentro desta lógica de um mundo sem fronteiras, os países e cidadãos mais ricos deveriam socorrer os mais necessitados a fim de erradicar em médio prazo a pobreza no mundo. Mas, por hora, ainda é possível, em parte pelas razões apontadas acima, colocar uma fronteira entre países abastados e civilizados e os que não o são, entre os privilegiados e poupados dos abusos e os que não o são.

Contudo, se esta espécie de muro da Cisjordânia parece conseguir esconder o que há do outro lado de uma vida dedicada a aumentar os lucros financeiros de corporações ou a financiar frivolidades privadas, está cada vez mais difícil traçar a linha imaginária da exclusão e da denegação bem aqui onde vivemos. A favelização progressiva dos grandes centros urbanos é uma realidade que o século XXI terá que enfrentar (para não falar nos guetos das grandes metrópoles do primeiro mundo). Bem como enfrentar os subprodutos mais constrangedores deste fato. Em um caso ou em outro, não há muros, nem shot guns, nem tropas internacionais que nos protejam dessa realidade, ou que tragam algum tipo de solução para todos os interessados. O mal-estar que o Haiti causa é que todos sabem disso no teatro da guerra pela paz. O mal-estar que nos causa é que ao bater à nossa porta o Haiti nos deixa na dúvida sobre se já estamos vivendo nele ou não.

 

Notas

1. Contra o rotulo de superstição dado desde a época colonial, os sociólogos e etnólogos contemporâneos propõem que o Vodu seja reabilitado recebendo um status mais digno: o de religião, cultura ou princípio espiritual (Hurbon, 2008, p.144). O Vodu é, de fato, uma religião monoteísta cujo acesso ao mundo espiritual é intermediado pelos lwas, espíritos que correspondem aos nossos orixás. O culto do Vodu foi inclusive fator de unidade entre os escravos, estando na base da resiliência e na resistência aos colonizadores.

2. Da expressão em creole en chimè, esse termo indica a pessoa que é suscetível de se tornar agressiva ou violenta devido a uma decepção. Seu uso foi disseminado como derrogativo dado para todos os que apoiavam o ex-presidente Jean Bertrand Aristides, conhecido como o "padre dos pobres", e associado aos membros de gangs que supostamente constituiriam seu exército paralelo.

3. Inclusive, na época da campanha do desarmamento realizada pelo Minustah, em 2006, os "líderes chimères" aceitaram entregar as armas em troca de comida e emprego, conforme entrevistas dadas à BBC (Cabral, 2006), motivação que parece muito distante de um verdadeiro espírito criminoso.

4. Correlação que pouco é mencionada, geralmente se atribuindo os abusos de um Estado anti-democrático à personalidade de seus ditatores. Se Graham Greene, em seu romance Les Comedians denunciou o regime violento de Papa Doc, lamentando a deterioração do país que conhecera, pouco se deteve, em seu livro, no medo que o castrismo se espalhasse pela América Latina como motivação para a perpetuação da ditadura, de fato sustentada por conivência, nos bastidores internacionais, apesar da personalidade querelante de Papa Doc.

5. Como parece ter sido o teor da reunião da Câmara do Comércio e Industria do Haiti com o comandante do Minustah, o general brasileiro Urano Bacellar, nas vésperas de seu suicídio em janeiro de 2006, segundo a imprensa independente.

6. Índice criado pelo Population Crisis Committee. Os indicadores das condições de vida incluíam expectativa de vida, suprimento diário de calorias, água potável, imunização infantil, matriculas em segundo grau, produto nacional bruto per capita, índice de inflação, tecnologia de comunicação, liberdade política e direitos civis. Moçambique apresentava o pior índice, seguido por Somália, Afeganistão, Haiti e Sudão.

7. O não acesso à saúde aponta para a correlação tão bem conhecida entre pobreza, doença e morte. Enquanto a poliomielite parecia ter sido erradicada do hemisfério, ressurgiu no Haiti. O índice de malária no Haiti central é espantosamente mais elevado do que em Cuba ou Jamaica (Scott, 2003). O índice de mortalidade materna é pelo menos trezentas vezes superior aos índices esperados em países desenvolvidos. Quanto à educação, metade da população haitiana é analfabeta.

8. Conforme Wacquant (1998, p. 183), [...] é necessário contornar a dupla cilada da leitura miserabilista, que se comove e se compadece com o espetáculo da miséria, e seu contrário, a leitura populista que exalta as virtudes e a invencibilidade do dominado e apresenta, como estratégia heróica de resistência, o que em geral não é senão uma tática econômica de auto-preservação face a uma ordem de dominação tão brutal e total que afinal não é percebida como tal, nem posta em causa.

9. Se dias após o terremoto o fato da existência de reservas de petróleo aflorou através das rachaduras provocadas no solo (Tremor pode ter revelado, 2010), já se sabia a muito tempo deste fato, conforme artigo publicado em um site haitiano, em que dois cientistas ao serem entrevistados explicam a não exploração dos depósitos de hidrocarbonetos por estes serem considerados reserva estratégica dos EUA (Haïti régorge du pétrole, 2008).

 

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Recebido em 16 de julho de 2010
Aceito em 17 de agosto de 2010
Revisado em 29 de agosto de 2010

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