SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2A inserção do jogo de areia em contexto psicoterapêutico hospitalar em enfermaria cirúrgica: um estudo exploratório índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) v.2 n.2 São Paulo dez. 2004

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Traço e estado de ansiedade em mulheres obesas

 

Trace and state of anxiety in obese women

 

 

Cláudio Garcia Capitão1; Renata Raveli Tello2

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A obesidade, atualmente um dos maiores problemas de Saúde Pública, traz inúmeras complicações para a saúde física e mental das pessoas. Perder peso é uma tarefa difícil, que depende não só de dieta, mas também de aumento das atividades físicas e de acompanhamento psicológico. O objetivo desse estudo foi verificar se mulheres obesas apresentam traço e estado de ansiedade acima do esperado. Participaram da pesquisa 20 mulheres obesas com IMC entre 30 e 40, na faixa etária compreendida entre 25 e 45 anos, que pertenciam a um grupo de reeducação alimentar e controle de peso de uma instituição de saúde da cidade de São Paulo. Foi utilizado o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE); as aplicações foram realizadas individualmente. Os resultados mostraram que o instrumento utilizado não conseguiu detectar a existência de uma relação clara entre a obesidade e traço e estado de ansiedade, mas apresentaram altos índices de apatia.

Palavras-chave: Ansiedade, IDATE, Obesidade.


ABSTRACT

Obesity, at present one of the biggest issues of Public health, brings about a number of complications for both physical and mental health of people. Losing weight is a difficult task depending not only on dieting but on an increase of physical activities and psychological assistance as well. The present study focuses on establishing whether obese women presented anxiety trace and state higher than expected. Participants of the research were 20 obese women with Body Mass Index (BMI) between 30 and 40, age group from 25 to 45, members of an eating reeducation program of a health institution in São Paulo City. The Trace State Anxiety Inventory (IDATE) was used, and applications were individual. Results showed that such an instrument did not succeed in detecting the existence of a clear relationship between anxiety trace and state and obesity, but presented high levels of apathy.

Keywords: Anxiety, IDATE, Obesity.


 

 

1 - INTRODUÇÃO

Atualmente a obesidade constitui um dos maiores problemas de Saúde Pública, principalmente nos grandes centros urbanos. Embora não seja nova, ela está assumindo proporções epidêmicas, aumentando a cada dia. Esta é uma tendência alarmante, em virtude das várias doenças associadas à obesidade. O fato está ligado às mudanças de estilo de vida, originadas pelo chamado progresso ou modernização, que aumentou não apenas o sedentarismo, mas o êxodo rural, com a conseqüente urbanização das populações. Mudanças que se ampliaram ainda mais com o desenvolvimento de processos industriais, comerciais, acadêmicos e de lazer, entre outros, cada vez mais ligados à informática, e, mais, a crescente industrialização dos produtos alimentares, grande responsável pela alimentação inadequada, e que se refletiram também no aumento dos casos de estresse.

A obesidade é definida como um peso acima do considerado ideal e saudável, de acordo com o Índice de Massa Corpórea (IMC), valor padronizado para esta classificação. Este índice é calculado dividindo-se o peso da pessoa, em quilogramas (kg), pela medida da sua altura, em metros ao quadrado, através da equação IMC= kg/m². A classificação segue de acordo com o resultado do IMC. Se o valor for menor que 20, o indivíduo é considerado magro; se situado entre 20 e 25, seu peso é considerado normal ou ideal; de 25 a 30, ele está com sobrepeso; de 30 a 35, apresenta obesidade moderada; de 35 a 40, obesidade importante; de 40 a 50, obesidade mórbida, e quando acima de 50, o indivíduo é considerado superobeso (American Society of Bariatric Sugery – ABS, s.d.; Kaplan & Sadock, 1999).

A obesidade tem sido atualmente considerada uma síndrome na qual múltiplos fatores etiológicos, inclusive genéticos, podem atuar isoladamente ou em conjunto. Recentemente está sendo pesquisada a leptina, hormônio produzido no tecido adiposo que regula tanto a saciedade como o gasto energético. O que já se sabe hoje é que os fatores endógenos são responsáveis por apenas 1% da obesidade. Ela está, em grande parte, diretamente ligada ao estilo de vida do indivíduo, como a sua inatividade física, à ingestão excessiva de dietas hipercalóricas e aos estressores psicossociais, responsáveis por comportamentos negativos e auto-destrutivos em relação à saúde, como a ansiedade (Bettarello, 1987; Kaufman, 1998; Lessa, 1998).

O ganho de peso é maior entre os 25 e 44 anos, em ambos os sexos. Durante este período o homem ganha aproximadamente 4 quilos e a mulher cerca de 7 quilos. Após 50 anos, o aumento de peso do homem se estabiliza e pode até diminuir entre os 60 e 74 anos. A mulher pode continuar a ganhar peso até 60 anos, quando seu peso se estabiliza ou começa a declinar. A obesidade é uma das doenças mais resistentes enfrentada pela medicina. Quando não tratados os obesos continuam a ganhar peso, e os que o perdem pelos métodos convencionais provavelmente o recuperarão dentro de cinco anos (Kaplan & Sadock, 1999).

A imagem corporal pode ser considerada como um retrato mental que um indivíduo faz de sua aparência física e da relação deste com o seu corpo. O obeso muitas vezes possui uma imagem corporal distorcida e essa distorção é mais presente e intensa quanto mais antiga for sua obesidade (Kaufman, 1998).

Roz (2001) afirma que os transtornos relacionados à esfera alimentar são também freqüentemente encontrados na clínica pediátrica, sendo grande a ocorrência de casos de obesidade infantil sem uma patologia orgânica associada. Os sintomas são geralmente de ordem psíquica, pertencendo às leis que regem o inconsciente. São maneiras substitutas do inconsciente se manifestar e reproduzem, de maneira disfarçada, conflitos inconscientes.

Para Pi-Sunyer (1994) existem diversas manifestações clínicas que acometem os obesos. O diabetes, por exemplo, é quase três vezes maior nas pessoas com sobrepeso. A obesidade, ao estimular a resistência à insulina, aumenta a demanda do pâncreas e tende a desencadear e a exacerbar uma propensão a diabetes. A freqüência de hipertensão arterial também é quase três vezes maior nas pessoas com sobrepeso. O mecanismo pelo qual a obesidade contribui para a hipertensão é desconhecido, mas qualquer que seja esse mecanismo, a perda de peso diminui a pressão arterial. Na obesidade, o aumento do volume sanguíneo, sistólico, do ventrículo esquerdo no final da diástole, e da pressão de enchimento, origina alto débito cardíaco, causando hipertrofia e dilatação, predominantemente no ventrículo esquerdo. A hipertensão arterial também contribui para esta alteração. Como conseqüência, os pacientes obesos hipertensos têm um risco maior de insuficiência cardíaca congestiva e de morte súbita. A obesidade grave pode originar hipoxia crônica, cianose e hipercapnia. A etapa final relacionada com a obesidade grave é a Síndrome de Pickwick, em que a hipoventilação é tão grave que a hipoxia origina largos períodos de sonolência. Estes pacientes apresentam hipertensão pulmonar, sendo que neles pode-se verificar também uma insuficiência cardíaca.

Chacra (2001) e Levine (1989) assinalam que o tratamento da obesidade varia de indivíduo para indivíduo. Deve-se levar em consideração a idade, o sexo, o tipo físico, a constituição familiar e racial, os fatores culturais, os psíquicos e a situação econômica de cada paciente. Mais uma tentativa frustrada na perda de peso ocorrerá quando esses fatores não forem considerados. O tratamento farmacológico, apesar de controverso no passado, pode ser bastante útil em algumas situações. Os agentes que inibem a ingestão alimentar dividem-se em dois grupos, os catecolaminérgicos e seratoninérgicos. O primeiro compreende os anorexígenos, que atuam diminuindo a sensação de fome. Os seratoninérgicos agem na serotonina, reduzindo a ingestão alimentar, adequando-a à saciedade.

Ansiedade é um acompanhamento normal do crescimento e do desenvolvimento humano frente a mudanças e a algumas situações inéditas e ameaçadoras. É o que geralmente leva a uma ação que objetiva reduzir ou extinguir uma ameaça. Ela pode ser construtiva, pois ajuda a evitar danos, alertando a pessoa para que execute certos atos que eliminem o perigo. Esses atos podem ser conscientes, como estudar para uma prova, atravessar a rua correndo para não ser atropelado, ou inconscientes, utilizando-se de mecanismos de defesa, tal como afastando da consciência um impulso ou idéia ameaçadora (Barlow, 2000; Dalgalarrondo, 2000; Fenichel, 1981; Kaplan & Sadock, 1999).

Segundo Moore e Fine (1992), a ansiedade é um estado emocional desprazeroso, caracterizado por uma sensação de perigo iminente. Sua intensidade e duração podem variar, podendo, ainda, manifestar-se psicológica e fisiologicamente. Os sintomas fisiológicos são os mesmos que descrevemos acima, e os psicológicos são experimentados com auto-absorção apreensiva, como um sentimento de se sentir impotente ante um perigo repentino, vago ou desconhecido. Tais sentimentos podem acompanhar sintomas fisiológicos, ou surgirem sozinhos.

Para May (1977), a ansiedade é um estado de tensão de uma pessoa diante de uma situação considerada de perigo, causando a sensação dela estar agarrada, oprimida, com uma compressão do tórax, e uma confusão generalizada. Essa situação ocorre pela dificuldade em decidir sobre o papel que se deve assumir e qual atitude se deve tomar. Configura-se como uma confusão básica a respeito de nossos próprios objetivos.

Freud (1932/1976) define ansiedade como um estado afetivo, com combinações de alguns sentimentos de prazer-desprazer. A primeira ansiedade do indivíduo se dá no momento do nascimento, e é considerada como ansiedade tóxica. Ela ocorre em conseqüência de estimulação instintiva excessiva, que o organismo não tem capacidade de controlar. Freud faz a distinção entre dois tipos de ansiedade: a realística e a neurótica. A ansiedade realística é considerada uma reação normal e compreensível frente a um perigo externo, que provoca no indivíduo um estado de tensão motora aumentado. Tal tensão pode gerar duas reações diferentes: ou o indivíduo adapta-se à situação de perigo, fugindo ou se defendendo, ou o estado de tensão aumentado predomina, causando mais ansiedade, e paralisando as ações da pessoa.

Seguindo a linha de pensamento de Freud, Nunberg (1989) assinala que nos casos das fobias, a ansiedade interna é projetada em um objeto externo como forma de defesa, formando o sintoma fóbico. Quando surge o sintoma a ansiedade diminui em sua intensidade ou desaparece totalmente, e, quando o sintoma é impedido de se manifestar, surgem estados de ansiedade.

Embora todos as pessoas tenham um certo grau de ansiedade, em algumas, em virtude de fatores individuais, ou ligados à complexidade da sociedade em que vivem, a ansiedade normal torna-se patológica, determinando assim alguns quadros clínicos. No organismo humano existe um complexo circuito regulador entre o sistema imunológico e o endócrino que está envolvido nos processos de adaptação ao meio. Este circuito, durante períodos de estresse, lança na corrente sangüínea encefalinas e catecolaminas, através da glândula supra-renal, e endorfinas e ACTH através da hipófise, responsáveis pela resposta do organismo, considerada como uma defesa deste para o estado de estresse. Quando existe um excesso dessas defesas, provocado pela freqüência e intensidade de agente psicossocial estressante, surgem, como conseqüência, as doenças de adaptação. Eventos traumáticos como perdas, doenças terminais, divórcios e, mesmo exames acadêmicos, podem acarretar conseqüências mórbidas do ponto de vista psiconeuroimunológico (Moreira, 2003).

A ansiedade pode ser diferenciada entre Estado e Traço. O estado de ansiedade, conhecido como Ansiedade-E, é um estado emocional transitório, condição do organismo caracterizada por sentimentos de tensão e apreensão conscientemente percebidos, que variam em intensidade no decorrer do tempo. O Traço de ansiedade, conhecido como Ansiedade-T refere-se às diferenças individuais estáveis de propensão à ansiedade; é a forma como a pessoa tende a reagir em situações percebidas como ameaçadoras. Pessoas com elevados níveis de Ansiedade-T tendem a apresentar também elevados níveis de Ansiedade-E, por reagirem com maior freqüência às situações como se elas fossem ameaçadoras ou perigosas (Anastasi & Urbina, 2000; Spielberger, Gorsuch, & Lushene, 1979).

A ansiedade também provoca várias reações físicas. Muitas pessoas dizem que quando estão ansiosas buscam se alimentar em demasia, conseguindo desta forma, diminuir os sintomas ansiosos, o que acaba resultando em alguns quilos a mais. O ganho de peso não costuma ser linear, o que se observa é um ganho ou uma perda de peso em forma de escada, que a maioria de obesos não consegue seguir.

Algumas situações vitais são favoráveis às crises existenciais e aos conseqüentes desequilíbrios psicológicos, o que determina nas pessoas predispostas a modificação do hábito alimentar e do peso. Essas situações novas exigem uma reestruturação do papel social, o que pode ser considerado como ameaçador, acarretando aumento da ansiedade. Quando o funcionamento psicológico está comprometido, ocorrerá maior dificuldade para a adaptação às novas situações. Muitas pessoas encontram no comer a maneira para aliviar a ansiedade frente às mudanças cotidianas (Abreu, 1998).

Lessa (1998) postula a existência de fatores comportamentais que podem levar à obesidade, tais como a subestimação do real valor calórico dos alimentos, os episódios de comer compulsivamente e a presença de sintomas de depressão. A depressão pode estar relacionada ao peso corporal e ao comer desviante. O comer compulsivo nas mulheres associa-se a experiências negativas, tais como a raiva, tristeza, solidão e exaustão, favorecendo o quadro de depressão e o aumento de peso. Notou-se que a depressão e a obesidade nas mulheres variam de acordo com a sua auto-imagem, ou seja, o quanto se sentem distantes dos modelos de beleza da sociedade.A compulsão por comida seria uma forma de compensar uma falta, geralmente a de afeto, assim como ao desejo inconsciente de ser gorda.

Comer por compulsão pode ser extremamente sofrido. Pessoas que sofrem de obesidade freqüentemente tendem a se autodepreciar, levando o assunto para o terreno da ironia, das piadas. Como em um ciclo, acabam centrando a vida no comer, expressando um desespero interior, pois o que lhes falta é consideração e prazer pela vida.

Costa e Biaggio (1998) investigaram as relações entre obesidade e as variáveis psicológicas de ansiedade e raiva, numa amostra de 60 sujeitos não-obesos e 60 sujeitos obesos, provenientes de uma clínica de emagrecimento, em fase inicial de tratamento. Utilizaram-se de três instrumentos: o Inventário de Expressão de Ansiedade Estado-Traço (IDATE), o Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço (STAXI) e um questionário complementar. Os resultados demonstram relações significativas entre obesidade e as variáveis Ansiedade-Traço, Ansiedade-Estado e raiva voltada para dentro.

O presente trabalho teve como objetivo investigar se mulheres obesas apresentam Traço e Estado de ansiedade através do Inventário de Ansiedade Traço-Estado – IDATE.

 

2 - MÉTODO

Participantes

Participaram desta pesquisa 20 mulheres obesas, com IMC entre 30 e 40, na faixa etária entre 25 e 45 anos, que estavam sendo atendidas por nutricionista em grupos de reeducação alimentar e controle do peso de uma instituição particular de saúde, na cidade de São Paulo, e que não conseguiam perder peso. As participantes alegavam que não conseguiam emagrecer por serem muito ansiosas e que a única forma que tinham para aliviar a ansiedade era comendo.

Instrumento

Foi utilizado o Inventário de Ansiedade Traço-Estado - IDATE, composto por duas escalas diferentes de auto-relatório, elaboradas para medir dois conceitos distintos de ansiedade, traço de ansiedade e estado de ansiedade. A escala traço de ansiedade consiste de 20 afirmações que requerem que os sujeitos descrevam como geralmente se sentem; a escala de estado de ansiedade consiste também de 20 afirmações, mas as instruções requerem que os indivíduos indiquem como se sentem num determinado momento. O IDATE foi projetado para ser auto-aplicável, podendo ser aplicado individualmente ou em grupos, com tempo médio de 20 minutos para completar ambas as escalas. Os indivíduos respondem a cada item do IDATE fazendo uma auto-avaliação numa escala de quatro pontos, medida de acordo com o crivo.

Procedimento

Os dados foram coletados individualmente por um dos pesquisadores, que forneceu as instruções sobre como responder o instrumento. Antes de iniciar a aplicação as participantes eram informadas sobre a pesquisa, e esclarecidas de que as informações obtidas eram confidenciais. Em seguida eram solicitadas a assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Cada aplicação durou em média 20 minutos.

 

3 - RESULTADO E DISCUSSÃO

O IMC das participantes esteve na faixa de 30 a 40. Entre as colaboradoras 65% apresentaram IMC entre 30 e 34, estando dentro da classificação de obesidade moderada, 35% com IMC de 35 a 40, sendo então classificadas como obesidade importante. A média do IMC das participantes foi de 34.

Através da aplicação do Inventário de Ansiedade Traço-Estado, IDATE, foi possível verificar que na escala Estado, 55% das colaboradoras apresentaram estado de apatia no momento da aplicação do teste, 25% estavam dentro do que é considerado normal e 20% apresentaram estado de ansiedade durante a realização do teste.

A escala Traço nos mostrou que 50% das mulheres que participaram da pesquisa apresentaram-se dentro do normal, 40% apresentaram traços de apatia e apenas 10% demonstraram ansiedade.

Foi possível perceber que nenhuma das colaboradoras apresentou traço e estado de ansiedade; 5% apresentaram traço de ansiedade e estado de apatia; 15% apresentaram traço normal e estado de ansiedade; 5% traço de ansiedade e estado de apatia; 35% traço e estado de apatia; 15% traço normal e estado de apatia; 5% traço de apatia e estado normal e 20% apresentaram traço e estado normal. Os resultados aferidos pelo IDATE podem ser visualizados na tabela 1.

Tabela 1 - Resultados aferidos pelo IDATE de traços e estado de ansiedade

Pode-se verificar através do instrumento utilizado que, ao contrário da literatura, 55% das mulheres apresentaram nível de estado de ansiedade abaixo do crivo. Este nível de ansiedade abaixo do normal é considerado como apatia. Segundo Moore e Fine (1992), a apatia é a ausência de sentimento emocional. A pessoa apática não sente prazer nem desprazer. A apatia pode ser conseqüência de uma grave e prolongada privação afetiva ou de uma tensão esmagadora. Ela é o produto de uma luta contra sentimentos intoleráveis de abandono.

Dalgalarrondo (2000) define a apatia como a diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva. A pessoa com apatia, embora reconheça a importância de algumas experiências afetivas, não consegue sentir nada, torna-se hiporreativo. A apatia é um estado afetivo próprio da depressão, embora possa estar presente também em outros transtornos mentais. Isso nos leva a pensar que talvez a depressão possa estar presente com maior freqüência nas mulheres obesas.

Apenas 20% das mulheres apresentaram estado de ansiedade, o que é uma porcentagem reduzida. O escore médio da escala A-estado das colaboradoras foi de 41, estando um pouco abaixo da média esperada, que é de 43,64.

A escala A-traço verifica as diferenças individuais estáveis com propensão à ansiedade, a forma como a pessoa tende a reagir em situações percebidas como ameaçadoras não apenas no momento da aplicação do teste, mas de uma forma geral. Através desta escala foi possível perceber que 50% das colaboradoras apresentaram um nível de ansiedade normal, 40% apresentaram estado de apatia e um número muito pequeno, apenas 10%, apresentaram ansiedade. Este resultado é pouco significativo e não permite afirmar que existe qualquer associação entre a ansiedade e a obesidade. A média obtida na escala A-traço foi de 44,7, estando também abaixo do normal, segundo o crivo, onde a média estipulada é de 45,34 a 55,22.

A literatura pesquisada aponta para a existência de uma certa correspondência entre a obesidade e a ansiedade (Bettarello, 1987; Costa & Biaggio, 1998; Kaufman, 1998; Lessa, 1998). Abreu (1998), por exemplo, afirma que os obesos têm grande dificuldade em perder peso, e que além de qualquer consideração metabólica, deve-se levar em conta períodos com eventos significativos de suas vidas, pois algumas situações são favoráveis às crises existenciais, acarretando desequilíbrios psicológicos, o que leva as pessoas predispostas à obesidade a modificarem seus hábitos alimentares. As situações novas causam aumento da ansiedade, e se estiver presente algum comprometimento psicológico mais severo, maior será a dificuldade de assimilação e adaptação a elas.

Os resultados obtidos pelo estudo não encontram respaldo na literatura, não possibilitando afirmar que as mulheres obesas apresentam traço e estado de ansiedade. Por outro lado, a hipótese, por sua vez, não pode ser descartada. Nunberg (1989) assinala que, quando surge um sintoma, a ansiedade diminui ou mesmo desaparece. No obeso a formação do sintoma pode ser incompleta ou falha. Neste caso a ansiedade pode ser compensada ou amenizada pelo comer compulsivo. No entanto, se a obesidade for considerada como um sintoma completo, os níveis de ansiedade poderão ficar baixos ou mesmo imperceptíveis.

Outro aspecto observado é que 80% das colaboradoras estavam na faixa etária entre 25 e 35 anos. Uma pessoa deve estar motivada para seguir uma dieta e a motivação pode ocorrer por motivos médicos ou estéticos. Porém, a motivação é um processo interno e não depende apenas de estímulos externos (Bettarello, 1987; Chacra, 2001; Kaufman, 1998).

Cabe destacar que a freqüência de traço de apatia foi maior nas mulheres mais velhas, chegando mesmo a 50% das colaboradoras na faixa etária entre 35 e 45 anos, sendo que se situou em 38% nas idades de 25 a 34 anos. Essa constatação pode estar relacionada ao fato de que mulheres mais jovens buscam, com mais freqüência, o tratamento, e nelas a estética parece ser a motivação principal.

 

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da pesquisa não foram concordantes com a literatura consultada no que se refere à relação entre ansiedade e obesidade, uma vez que ansiedade e obesidade são muitas vezes diretamente vinculadas.

Estudos apontam que quando as pessoas estão diante de situações novas, ou ameaçadoras, sentem ansiedade e acabam comendo, pois o comer tornaria mais suportável o sentimento de ansiedade.

De acordo com os resultados obtidos pela pesquisa, não existe traço e estado de ansiedade nas mulheres obesas pesquisadas, não sendo possível afirmar a existência de uma relação direta entre a obesidade e a ansiedade. Por outro lado, não se pode afirmar que esta relação não exista, pois sua existência pode não ter sido perceptível pelo instrumento utilizado, fazendo-se necessária a utilização de outros instrumentos.

Foi possível averiguar que existe um número considerável de mulheres na amostra pesquisada que apresentou traço e estado de apatia, sintoma este presente nos quadros de depressão. Seria interessante aplicar um outro instrumento que avalie a depressão para verificar se tal relação de fato se mantém.

Um outro aspecto que pode ser considerado é o fato de que a obesidade possa ser um sintoma que estaria substituindo a ansiedade, confirmando a formulações encontradas na literatura psicanalítica.

 

5 - REFERÊNCIAS

Abreu, A. R. (1998). Influência dos aspectos psicológicos no desenvolvimento da obesidade mórbida. Monografia do Curso de Aprimoramento em Psicologia Hospitalar da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo.        [ Links ]

American Society of Bariatric Surgery (s.d.). The story of obesity surgery. Recuperado em 15 fevereiro 2004: www.asbs.org/html/sotory/chapter        [ Links ]

Anastasi, A., & Urbina, S. (2000). Testagem psicológica. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.        [ Links ]

Barlow, D. H. (2000). Unraveling the mysteries of anxiety and its disorders from the perspective of emotion theory. American Psychological Inquiry, 2, 58-71.        [ Links ]

Bettarello, S. V. (1987). Aspectos psicológicos da obesidade. In G. Medeiros Neto (Org.), Obesidade: Nova fronteira metabólica (p. 21). São Paulo: Ache.        [ Links ]

Chacra, A. R.(2001). Atualização terapêutica. Manual prático de diagnóstico e tratamento. São Paulo: Artes Médicas.        [ Links ]

Costa, J. M. A., & Biaggio, A. M. B. (1998). Aspectos emocionais da obesidade: Ansiedade e raiva. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 50(3), 30–50.         [ Links ]

Dalgalarrondo, P. (2000). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.        [ Links ]

Freud, S. (1976). Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos. In S. Freud, Obras completas (Vol. 23). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1932).        [ Links ]

Fenichel, O. (1981). Teoria psicanalítica das neuroses. Rio de Janeiro: Atheneu.        [ Links ]

Kaplan, H., & Sadock, B. J. (1999). Tratado de psiquiatria. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.        [ Links ]

Kaufman, A. (1998). Fatores psicodinâmicos e psicossociais da obesidade. In S. V. Bettarello (Org.), Perspectivas psicodinâmicas em psiquiatria (p. 62). São Paulo: Lemos.        [ Links ]

Levine, L. R. (1989). Use of fluoxitine, a selective serotonin – uptake inhibitor, in the treatmente of obesity: A dose-response study. Int. J. Obes., 13,635-645.        [ Links ]

Lessa, I. (1998). O adulto brasileiro e as doenças da modernidade. Rio de Janeiro: Hucitec- Abrasco.        [ Links ]

May, R. (1977). O homem a procura de si mesmo. Rio de Janeiro: Vozes.        [ Links ]

Moore, B. E., & Fine, B. D. (1992). Dicionário de termos e conceitos psicanalíticos. Porto Alegre, RS: Artes Médicas.        [ Links ]

Moreira, M.S.(2003). Psiconeuroimunologia. Rio de Janeiro: Medsi.        [ Links ]

Nunberg, H. (1989). Princípios da psicanálise. Rio de Janeiro: Atheneu.        [ Links ]

Pi-Sunyer, F. X. (1994). Tratado de medicina interna (Jorge Orizaga Samperio, trad., 19 ed.). México: Interamericana.        [ Links ]

Roz, D. P. (2001). Obesidade infantil: Tentativa de interlocução entre a psicanálise e a Medicina. Anais do I Congresso Interamericano de Psicologia da Saúde. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo.        [ Links ]

Spielberger, C. D., Gorsuch, R. L., & Lushene, R. E. (1979). Inventário de ansiedade traço-estado. Rio de Janeiro: CEPA.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Cajaíba, 123 - conj. 33
CEP 05025-000 - Perdizes
São Paulo-SP

 

 

1 Psicanalista, Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco, Psicólogo do I.I.Emílio Ribas, Membro do CETEC.
2 Psicóloga pela Universidade São Francisco.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons