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Psicologia Hospitalar
versão On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) v.5 n.1 São Paulo 2007
ARTIGOS ORIGINAIS
A vivência da doença por pacientes não idosos atendidos em um serviço de assistência domiciliar e seus cuidadores
The experience of disease for not elderly patients attended by a home care service and their caregivers
Maria Flora V. de A. e Almeida1 ; Cláudia F. Laham2 ; Niraldo de O. Santos3 ; Kátia O. Pinto4 ; Toshio Chiba5 ; Mara Cristina S. de Lucia6
Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
Trata-se de um estudo que visa verificar como pacientes não idosos (menores de sessenta anos), atendidos por um serviço de assistência domiciliar e seus cuidadores vivenciam a situação de doença e tratamento, haja visto que há poucos estudos sobre a população não idosa. Foram investigados aspectos como mudanças trazidas pelo adoecimento, repercussões emocionais, significado de cuidar e ser cuidado, a existência de projetos de vida e a influência da assistência domiciliar em suas vidas. Foi realizada entrevista semidirigida com sete pacientes e treze cuidadores; as respostas foram avaliadas qualitativamente e quantitativamente em relação à freqüência de respostas. Concluiu-se que, apesar da vivência ser individual, o adoecimento impõe limitações à vida de pacientes e cuidadores, trazendo, entre outras conseqüências, a restrição social e a dificuldade do exercício profissional; as mudanças no estilo de vida entristecem pacientes e preocupam cuidadores, sendo a assistência domiciliar percebida como um recurso para o enfrentamento da doença.
Palavras-chave: Pacientes não idosos, Cuidadores, Assistência domiciliar, Doença crônica.
ABSTRACT
It’s about a research that aims check how not elderly patients (below sixty years), being served by a home care service and their caregivers experience the disease and the treatment, noticing that there is no much studies about not elderly population. It was investigated points like changes that happen because of the disease, emotive changes, the meaning of take care and being took care, the existence of life projects and the influence of home care in their lives. It was aplicated a half-directed interview with open questions to seven patients and to thirteen caregivers; the answers were evaluated in their frequency of the quantities and their qualities. The conclusion was that besides living is individual, the disease brings limitations to the patient and to the caregivers´ lives, bringing besides other consequences, the limitations to the social’s life and the difficulty at the professional life; the changes in the way of life bring more sadness to the patients and more worries to the caregivers, so the home care service is noticed like a tool to face the disease.
Keywords: Not elderly patients, Caregivers, Home care assistance, Chronic disease.
1. INTRODUÇÃO
A Assistência Domiciliar vem ganhando cada vez mais espaço nos meios científicos e nos serviços de saúde públicos e privados por configurar-se uma estratégia à tendência mundial da desospitalização. Medida que se faz necessária, frente às internações hospitalares prolongadas e aos crescentes custos, associados, entre outros fatores, a um aumento das doenças crônico-degenerativas, segundo Marques e Ferraz (2004).
O atendimento domiciliar visa à manutenção do paciente no núcleo familiar, sendo o mesmo entendido como um lugar seguro, capaz de aumentar a qualidade de vida do paciente e cuidador. Floriani e Schramm (2004) questionam o aumento da qualidade de vida, alegando sobrecarga a esta família, que assume uma responsabilidade que, a princípio, seria do hospital.
Entretanto, Sena, Leite, Costa, Santos e Gonzaga (1999) nos chamam a atenção para o fato do cuidado no domicílio não ser uma prática nova, e sim, herdada desde a era Cristã, quando as pessoas eram tratadas em casa, freqüentemente por uma mulher, pois o cuidado sempre existiu associado à figura feminina e à manutenção da espécie.
Os serviços de assistência domiciliar podem ter como objetivo a prevenção ou o tratamento de doenças e reabilitação de pacientes já por elas acometidos, sendo que há vários tipos de atendimento. Como descreve Jacob Fº (2000a), internação domiciliar, atendimento domiciliar e visita domiciliar.
É comum que esses programas atendam pacientes idosos portadores de várias doenças crônicas concomitantes, que trazem dificuldades para a realização de atividades da vida diária. Alguns estudos são já conhecidos sobre a população idosa (Pennix et al., 1996; Duarte & Diogo, 2000; Nogueira, Bastús, Guadaño & Romeva, 2004). Porém, há pacientes de outras faixas etárias que apresentam também dificuldades causadas por doenças, mas que têm implicações diferentes para a vida deles quando comparados aos idosos.
De modo geral, a população idosa já passou por várias experiências, com a oportunidade de construir família, trabalhar, realizar projetos que haviam sido confeccionados em épocas anteriores, tendo assim uma vida produtiva anterior à doença; o mesmo não ocorre com pacientes mais jovens. Estes percebem seus planos interrompidos, muitas vezes, pelo aparecimento de doenças crônicas ou por acidentes súbitos.
Quais as implicações que tais situações trazem para a vida dessas pessoas? Imagina-se que sejam de ordens diversas, como a influência na forma como se desenvolverá sua socialização, sexualidade, afetividade, reais possibilidades de concretizar projetos iniciados ou que nem tiveram tempo de começar. A falta de literatura existente sobre as vivências da doença na população não idosa denuncia a não investigação desses temas nessa população, que se pretende, aqui, serem averiguados.
1.1 O funcionamento do NADI
O Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar (NADI) do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC-FMUSP) foi criado em 1996 e presta atendimento a pacientes com dificuldade de locomoção, tendo como objetivo principal “a desospitalização [grifo dos autores] de pacientes cujo tratamento possa ser feito em domicílio, seja reduzindo seu período de internação e/ou a freqüência de novas admissões” (Jacob Fº, Chiba & Andrade, 2000, p. 541 ).
Atualmente, o NADI conta com profissionais de dez áreas da saúde atuando: médicos, enfermeiras, assistentes sociais, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogas, fonoaudiólogas, farmacêuticos, odontólogos e terapeutas ocupacionais. O número de pacientes aproxima-se dos 160 e apresentam doenças crônicas variadas, como doenças neurológicas degenerativas, depressão, demência, diabetes, hipertensão arterial sistêmica, doenças respiratórias, cardiopatias, entre muitas outras, além de implicações decorrentes de acidentes.
Como é comum nesse tipo de trabalho, a maior parte dos pacientes atendidos é formada por idosos (85%). Porém, há aqueles que têm idade inferior a 60 anos e que sofreram acidentes ou apresentam doenças neurológicas degenerativas, ou qualquer outra situação que dificulte sua locomoção e interfira no seu estado de independência (Jacob Fº, 2000a). Atualmente o NADI conta em seu quadro com 20 pacientes nessa faixa etária.
1.2 Os cuidadores
As pessoas que se dispõem a cuidar do paciente prestando os cuidados orientados pela equipe de saúde são chamados cuidadores, que podem ser primários ou secundários. Para Medeiros, Ferraz e Quaresma (1998), o cuidador primário seria “aquele indivíduo com a principal ou total responsabilidade no fornecimento da ajuda à pessoa necessitada”, enquanto os cuidadores secundários denominariam “outras pessoas que também forneceriam assistência ao paciente, mas sem a principal responsabilidade” (p. 190). Observam também que os cuidadores variam quanto à idade, raça, graus de parentesco e níveis socioeconômicos.
O cuidador pode também ser classificado “formal”, quando é alguém contratado com o fim de cuidar, ou “informal”, ou seja, alguém da família do paciente ou muito próximo, como um amigo ou vizinho, que se predispõe a oferecer os cuidados. Nogueira (2005) caracteriza os cuidadores, em sua maioria, como sendo do gênero feminino e tendo relacionamento de filha ou esposa com o paciente.
Marques e Ferraz (2004) relatam que doenças incuráveis conduzem os indivíduos a um sofrimento intenso e que tal angústia ocorre da mesma forma com aqueles que acompanham sua evolução, principalmente familiares.
Floriani e Schramm (2004) definem o perfil do cuidador informal, na maioria das vezes, como sendo do gênero feminino, filha ou esposa, muitas vezes idosa, que com freqüência divide os cuidados com os afazeres diários como, por exemplo, cuidar da casa. Sendo o cuidar definido por eles como uma árdua e desgastante tarefa, que se repete diariamente, muitas vezes durante anos, de forma solitária, podendo levar este cuidador ao isolamento afetivo e social, muitos cuidadores adoecem ou agravam problemas de saúde já existentes.
Em uma pesquisa sobre perdas e ganhos que os cuidadores podem ter com o papel que exercem, Laham (2003) cita ter encontrado relatos de aspectos positivos e negativos dos cuidados. Entre os positivos, figuram o ganho narcísico, o aprendizado e encontrar um sentido para a vida. Já entre os negativos, aparecem a perda de liberdade, a solidão e o cansaço. Observa também que, conforme o tempo passa, os cuidadores vão se adaptando aos cuidados e aceitando melhor a doença do paciente e o papel de cuidar que exercem e que a assistência domiciliar funciona como apoio emocional importantíssimo aos cuidadores, pois lhes transmite segurança, principalmente pelas orientações oferecidas sobre a melhor forma de cuidar dos pacientes.
1.3 Pacientes portadores de doenças crônicas e seus familiares
De acordo com Felício (2003), o adoecimento por si só nos torna mais frágeis emocionalmente, pois nos remete ao medo da morte e à perda da integridade corporal.
Em maior ou menor grau, o indivíduo acometido pela doença e conseqüentemente fragilizado emocionalmente, passa a demandar maior acolhimento do meio em que se encontra, tornando-se mais dependente deste para lidar com a ameaça orgânica. O quadro de dependência que se desenvolve é especialmente importante nas situações em que a evolução da condição é lenta e progressiva, como no caso das doenças crônicas.
Há estudos que apontam a doença crônica como vindo sempre acompanhada de perda de valores sociais, mesmo quando o curso da doença é benigno e acarreta pouco prejuízo funcional (Jacoby, Snape & Baker, 2005).
Diante desta situação, o doente se sente muitas vezes impotente por perceber que suas ações em pouco ou nada podem modificar a evolução dos acontecimentos. Pennix et al. (1996) sugerem que os pacientes com doenças crônicas tendem a apresentar mais sintomas como depressão, ansiedade, baixa auto-estima e menor capacidade de controlar aspectos de suas vidas, quando comparados com pessoas sem doença alguma.
Tais sintomas podem ser causados pela drástica alteração no estilo de vida. Martins, França e Kimura (1996) apontam, em seu estudo sobre qualidade de vida de pessoas com doenças crônicas, que dentre as mudanças ocasionadas pela doença, a principal interferência se dá nas limitações à capacidade física como andar, por exemplo, seguida da interferência nas realizações produtivas, como trabalhar, estudar e cuidar do lar, tendo sido citada também de forma significativa a interferência sobre a auto-estima.
Nogueira (2005) percebe os pacientes atendidos em serviço de atendimento domiciliar como pessoas recolhidas em seus domicílios por causa das enfermidades que os limitam e os invalidam para a realização de uma série de tarefas. Dentre as atividades diárias e lúdicas que mais eles realizam estão ver televisão ou vídeo, escutar rádio e ler revistas.
Segundo Cruz (2000), a equipe de saúde deve atentar para a possibilidade de o paciente apresentar reações de abandono de responsabilidades ainda possíveis de executar por si mesmo ou, ao contrário, adotar uma postura de oposição e dificuldade de aceitação dos cuidados necessários. É importante que o doente crônico disponha de mecanismos para lidar de forma saudável com as perdas reais, evitando assumir um papel passivo diante de situações em que pode ser ativo, sendo importante, para tanto, que a realização do que está a seu alcance seja estimulada pelos familiares.
Trentini e Silva (1992) referem o processo de enfrentamento da doença como diretamente relacionado à visão de mundo herdada nas experiências de vida, ou seja, a percepção do fator estressor é individual e depende do significado que tem para o indivíduo e dos recursos de que dispõe para enfrentar.
Pensando a família como recurso externo de enfrentamento, Felício (2003) traz a idéia de que a resposta dos familiares à doença é fundamental para a formação da experiência do indivíduo frente a mesma. Assim, se a família não tiver como responder a essas novas necessidades, o indivíduo terá maior dificuldade de dispor da energia psíquica necessária ao enfrentamento das mudanças. Embora a família sofra imensamente com o adoecimento de um de seus membros, é esperado que ela tenha forças estruturais para apoiar o familiar doente.
Fried, Bradley, Leary e Byers (2005) também escrevem sobre as dificuldades de comunicação entre pacientes seriamente doentes e seus cuidadores, o que parece estar associado com um nível alto de stress destes últimos.
Para Felício (2003), a negação do estado de doença é saudável quando se dá por um período em que a pessoa ainda está confusa, não podendo assimilar a difícil realidade. Porém, quando persiste por muito tempo, acaba por enfraquecer os relacionamentos pessoais, isolando o indivíduo, o que o impede de utilizar recursos para assumir a doença.
Gallagher (2005) refere, em uma análise sobre tratamento de dor crônica, a importância do atendimento multiprofissional ao paciente e seus familiares, para que os mesmos possam ser compreendidos em sua totalidade. Além disso, ressalta o benefício de se dar suporte emocional aos familiares para que eles tenham a possibilidade de desenvolver um papel construtivo na reabilitação dos pacientes.
1.4 Pacientes jovens quando adoecem
De acordo com a evolução natural do ser humano, não é esperado que indivíduos jovens adoeçam e morram. Quando isso acontece, ocorre maior probabilidade de mobilização das pessoas que o cercam, pois as mesmas tendem a apresentar maior dificuldade de aceitação da situação da doença.
Se adoecer para jovens não é esperado, o envelhecimento é o percurso natural de toda forma de vida. Segundo Jacob Fº (2000b), não se pode pensar o envelhecimento como patológico, deve-se considerá-lo como processo que envolve mudanças típicas do funcionamento fisiológico, de início precoce, mas que por longo período se dá de forma pouco perceptível, até que alterações estruturais e funcionais se tornam grosseiras e evidentes.
Néri (2000) chama atenção para o fato de a população envelhecida estar mais susceptível a mudanças atípicas, anormais ou patológicas, quer sejam geradas por fatores ambientais, quer sejam determinadas por fatores intrínsecos ao organismo, pois existem doenças que são dependentes da idade, o tempo vivido significa aumento da probabilidade do adoecimento.
Jacob Fº et al. (2000) acreditam que quando não há possibilidade de eliminar ou controlar a doença, o mais adequado seria a adaptação do paciente e seus familiares à mesma. Mas ao tratarmos de pacientes jovens que tiveram suas vidas interrompidas por enfermidades, podemos pensar que a adaptação e a aceitação tornam-se mais difíceis.
A doença interrompe os planos de vida tanto de jovens como de idosos, mas o que se observa é que a diferença do momento da vida em que se dá o início da doença parece influir na forma como ela é avaliada pelo paciente.
2. Objetivos
Este estudo visa verificar como pacientes não idosos (menores de 60 anos), que recebem assistência domiciliar e os cuidadores desse tipo de população percebem a situação de doença e tratamento dos pacientes e as repercussões disso em suas vidas. Para tanto, investigaremos, entre outros aspectos que envolvem a doença, as mudanças trazidas, os recursos utilizados para lidar, as repercussões emocionais, o significado de cuidar e ser cuidado, projetos de vida e a influência da assistência domiciliar.
3. Método
Foram convidados para o estudo pacientes não idosos (menores de 60 e maiores de 18 anos) atendidos pelo NADI no período de junho a setembro de 2005, assim como os cuidadores desses pacientes.
Os critérios de inclusão de pacientes que participaram da pesquisa foram ter entre 18 e 59 anos e apresentar condições físicas e cognitivas para responder a uma entrevista, além de estar incluído no programa há pelo menos seis meses. Como critérios de exclusão foram considerados pacientes com rebaixamento cognitivo e/ou distúrbio psiquiátrico, além de dificuldade de comunicação. Os cuidadores convidados a participar foram cuidadores primários, ou seja, que oferecem a maior parte dos cuidados. Foram incluídos também, na pesquisa, os cuidadores dos pacientes que não tinham condições de respondê-la.
A seleção dos pacientes, sujeitos da pesquisa, foi feita a partir dos prontuários que continham, entre outras coisas, as idades e os diagnósticos. A pesquisa foi aplicada a sete pacientes e a treze cuidadores, tendo ocorrido a não participação de um cuidador que não aceitou.
Os resultados da pesquisa foram obtidos através da aplicação de entrevista semidirigida e posteriormente analisados qualitativamente, quanto aos conteúdos relatados, e quantitativamente em relação à freqüência de respostas.
4. Resultados e Discussão
4.1 Pacientes
A idade média dos sete pacientes participantes da pesquisa foi de cinqüenta anos, sendo a menor idade quarenta e um anos e a maior, cinqüenta e oito. É uma idade média alta para pacientes não idosos, o que reafirma o atendimento domiciliar como um serviço prestado principalmente a idosos (Jacob Fº, 2000a); dos participantes, quatro eram do gênero masculino e três do gênero feminino.
É importante ressaltar que dez pacientes não idosos atendidos no programa apresentavam alto grau de comprometimento, tanto motor como cognitivo, o que os impossibilitava de participar da pesquisa, e outros três não preenchiam o critério de tempo no serviço.
Dos sete participantes, quatros eram casados, dois solteiros e um divorciado. Com relação à escolaridade dos pacientes participantes, um nunca havia estudado, um tinha curso primário, dois ginásio incompleto, dois ginásio completo e um com nível superior, não havendo assim homogeneidade na escolaridade da população da amostra, variando o nível de instrução e acesso à educação.
Com relação à renda familiar mensal, dois participantes da pesquisa não responderam a esta questão; dentre os que responderam, foi relatada uma média de cinco salários mínimos por mês, variando numa faixa de três e meio a seis salários mínimos por família.
Todos os pacientes participantes relataram ter pelo menos uma religião, entretanto apenas dois declararam ser praticantes, o que parece indicar que a religião, para a maioria deles, não era um recurso de enfrentamento e aceitação da situação.
Todos tinham pelo menos o entendimento parcial de seus diagnósticos. Conheciam também o tempo de doença, havendo apenas um paciente que não sabia informar esse dado.
Com relação ao grau de dependência, três pacientes se percebiam moderadamente dependentes, dois muito dependentes e um independente, prevalecendo a percepção da dependência em relação ao outro.
O adoecimento trouxe mudanças a todos os pacientes participantes da pesquisa. Tais mudanças foram vivenciadas de maneira negativa, tendo trazido prejuízo a eles, segundo sua percepção. Os prejuízos mais citados foram relacionados à situação de dependência a que estavam submetidos após o adoecimento e às limitações impostas pela doença.
As limitações eram vivenciadas como perdas, ou seja, como coisas que deixaram de fazer após o adoecimento, as mais citadas diziam respeito à dificuldade e até à impossibilidade de se manter os hábitos rotineiros anteriores ao adoecimento como, por exemplo, dirigir, cozinhar e cuidar da casa.
Tais mudanças eram, muitas vezes, atribuídas a limitações físicas, como dificuldade de locomoção, o que já havia sido apontado por Martins et al. (1996) em estudo sobre qualidade de vida em pessoas com doenças crônicas, em que as limitações impostas à capacidade física e à capacidade produtiva eram as principais responsáveis pela mudança no estilo e na qualidade de vida.
Existiram relatos também de que, após o adoecimento, os pacientes passaram a não mais sair de casa com a mesma freqüência com que faziam antes, dificultando vínculos de amizade, namoro e contato social.
Dentre as coisas que passaram a fazer após o adoecimento, foi citado assistir mais televisão, ler, escrever, comer mais, mexer com o computador, além de ficar mais em casa, depender dos outros e pensar mais. Tal resultado se assemelha ao estudo de Nogueira (2005), que percebia as pessoas atendidas em um serviço de atendimento domiciliar como recolhidas em seu domicílio, restritas a recreações como ver televisão e ler.
A doença parece impor certas restrições ao convívio social fora do meio familiar, ficando o paciente mais restrito aos recursos domésticos que não exigem habilidades motoras sofisticadas.
Relatos como: passar a ficar mais em casa, depender dos outros e pensar mais nos fazem avaliar as restrições impostas pela doença como limitantes e geradoras de ociosidade, tendo os pacientes ficado com mais tempo livre para pensar em suas vidas, sendo esta uma ocupação imposta pela mudança no estilo de vida após o adoecer.
Frente às mudanças que o adoecimento trouxe, foram relatados sentimentos de tristeza, depressão, decepção, nervosismo e impotência, sentimentos semelhantes aos encontrados por Pennix et al. (1996) em sua pesquisa.
Diante das dificuldades impostas pela doença, pareciam realmente prevalecer sentimentos de tristeza, lamentação e revolta, entretanto um dos pacientes relatou reagir ativamente, indo à busca, por exemplo, de seus direitos junto a órgãos públicos e realizar adaptações no espaço físico em que vivia, sendo esses sentimentos mobilizadores para as ações. Dos entrevistados, dois relataram pedir ajuda a outras pessoas e um paciente relatou que o convívio com os filhos era fundamental para o enfrentamento da doença.
A maioria dos pacientes (cinco) não percebia nada de positivo que a doença tinha trazido às suas vidas, entretanto, dois deles percebiam como positivo o aumento da tolerância e melhor aceitação das diferenças após o adoecimento, trazendo crescimento pessoal e aumento da auto-estima.
Esses dois pacientes tinham em comum o fato de terem exercido profissões específicas (bancário e corretor de imóveis) e experimentado realizações pessoais prévias ao adoecimento, o que lhes possibilitava fazer comparações e avaliações, inclusive positivas, da vivência da doença. Já outros pacientes, nasceram com a doença e tinham a vivência da mesma como única referência. Ambos sofreram comprometimentos motores de ordem neurológica, mas cognitivamente estavam preservados e se percebiam hoje com grau de dependência total.
Surpreenderam as percepções positivas do adoecimento, uma vez que a literatura (Felício, 2003; Pennix et al., 1996) explora mais os aspectos negativos. A elevação da auto-estima foi um aspecto apontado não esperado, já que o adoecimento, de modo geral, abalou a integridade corporal e muitas vezes estética. Isso nos faz pensar que o adoecimento pode ser uma experiência que aproxima mais o sujeito dele mesmo, não só pelo aumento da ociosidade, conforme relatado, mas principalmente pela mudança abrupta no estilo de vida e na maneira de percebê-la, assim como no olhar a si mesmo, o que pode ser uma vivência de crescimento pessoal.
Com relação à vida social dos pacientes, é possível perceber que havia interferência. Um paciente acometido há menos de um ano por uma doença que o incapacitou para andar relatava ainda não ter ânimo para voltar à rotina, havendo um movimento de ficar mais recolhido: “até tentei sair em lugares públicos por duas vezes, mas não me senti bem”.
Outros sujeitos acometidos pela doença há mais tempo relataram que perderam o contato com a maioria dos conhecidos e atribuíam isso à dificuldade de acesso, pois passaram a depender dos outros para sair de casa, e à dificuldade de utilização do transporte público. Já os indivíduos que nasceram com a doença ou a desenvolveram precocemente relataram não terem amigos por viverem restritos à casa onde moravam.
Com relação à sexualidade, apenas um paciente relatou que o adoecimento não interferiu, sendo este também o único que se percebia independente. Todos os demais (seis pacientes) percebiam interferências no exercício da sexualidade após o adoecimento e dois deles relataram nunca terem “namorado”, tendo, os mesmos, adoecido precocemente. Outros dois relatos diziam respeito ao preconceito, sendo este um fator percebido como limitante e até impeditivo para relacionamento. Por fim, outros dois pacientes citaram a impossibilidade orgânica, sendo que um deles dizia que a libido continuava a mesma e o outro dizia não sentir mais disposição, inclusive para pensar em aspectos sexuais.
A doença interferiu na produtividade de todos os pacientes da amostra, aqueles que antes do adoecimento trabalhavam fora (inspetor de qualidade e radiologia, trabalho em escritório, bancário e corretor de imóveis) tiveram que deixar seus empregos, e hoje se percebiam sem ocupação alguma. Um deles falou que “a produção intelectual está a toda, mas não dá para materializar pela falta de movimentos”. Percebeu-se que esses pacientes com experiências prévias ao adoecimento tinham, neste momento, uma visão mais crítica em relação a suas ocupações atuais, pois relataram não terem ocupação nenhuma ou não fazerem nada, pareciam se perceber incapacitados após o adoecimento.
Os pacientes que produziam em casa, cuidando da mesma ou fazendo serviço para fora e que nunca tiveram uma profissão específica, não se viam tão improdutivos como aqueles que trabalhavam fora. Eles relataram, sim, que tiveram que atribuir funções a outras pessoas, mas percebiam também realizações atuais, como a ajuda a outros, além da condição de aposentados como fazendo parte da sua identidade. Incluíam-se neste grupo aqueles pacientes que ficaram doentes precocemente e nunca chegaram a ter de fato uma profissão.
A idade em que o paciente foi acometido pela doença, assim como o tipo de doença e seu prognóstico, pareceram determinar o grau de interferência na vida dos sujeitos; quanto mais precocemente acometido, maior o grau de limitação e incapacidade, o que não significava necessariamente melhor aceitação da situação.
De toda a amostra, apenas uma pessoa referiu não ter tido mudança no seu estado emocional após o adoecer, as demais relataram suas emoções anteriores ao adoecimento como: ser mais alegre, rir mais, se sentir melhor, mais equilibrado e passional. Depois do adoecimento, passaram a sentir tristeza e solidão, ficando mais fechados emocionalmente, havendo relato de depressão, aumento do nervosismo e maior utilização da razão.
Os pacientes relataram desconforto em ter que receber cuidados de outra pessoa, uma situação que acabavam aceitando por não terem outra opção, mas que lhes causava constrangimento, principalmente no que dizia respeito à higiene íntima. Um paciente relatou que ter que receber cuidados de outra pessoa era “péssimo, humilhante, ter que esperar a hora do outro, quando o outro quer e não quando você precisa”. Apenas um paciente percebia a situação de ter que receber cuidados como “normal”.
Somente dois pacientes da amostra relataram ter projetos de vida, um deles desejava fazer um transplante e o outro gostaria de voltar a trabalhar, mas agora via Internet, devido às limitações impostas pela doença. Esses dois pacientes foram os mesmos que percebiam aspectos positivos do adoecimento, o que nos permite pensar que demonstravam uma disposição maior para o enfrentamento da doença em detrimento de outros que apresentavam discurso mais depressivo. Tal disposição podia estar relacionada a experiências prévias ao adoecimento que hoje serviam de subsídios e referências para a existência da esperança.
Os demais não tinham projetos de vida e dois até citaram a morte como única perspectiva futura, um deles relatou: “o meu futuro é só a morte, só penso na morte”, e outro relatou: “só espero que Deus me dê uma morte calma, já sofri demais”. Um paciente não respondeu a esta questão.
A grande maioria dos entrevistados na pesquisa acreditava que o fato de receber assistência domiciliar mudou alguma coisa nas suas vidas, tendo apenas um paciente citado a falta de mudanças com o serviço prestado. Parece que a assistência domiciliar era um recurso a mais para o enfrentamento da situação de doença.
4.2 Cuidadores
Os treze cuidadores que participaram da pesquisa tinham vínculo de parentesco com os pacientes, sete eram mães de pacientes, duas filhas, uma irmã, uma esposa, uma tia e uma cunhada, todas do gênero feminino, o que confirma os estudos de Minchillo (2000) e Nogueira (2005) que caracterizam os cuidadores, em sua maioria, como informais e do gênero feminino.
Dentre as cuidadoras, nove recebiam auxílio para os cuidados, algumas de outros parentes, outras de funcionários ou conhecidos, quatro delas não tinham com quem dividir os cuidados, caracterizando a inexistência, nesta amostra, do cuidador formal.
Eram casadas nove delas, duas eram solteiras, uma separada e uma viúva; apresentavam idade média de 55 anos, sendo a menor idade 19 e a maior 74 anos, sete delas idosas.
Todas elas relataram ter sofrido mudanças em suas vidas após o adoecimento do paciente, algumas disseram que suas vidas mudaram totalmente. Dentre as mudanças, seis cuidadoras relataram ter parado de trabalhar depois que passaram a cuidar. As profissões abdicadas foram: secretária, comerciante, corretora de imóveis, estudante e babá. Uma delas, que antes do adoecimento era “do lar”, hoje trabalhava fora e cuidava do marido impossibilitado pela doença.
Referiam também mudanças na vida social quatro delas, atualmente só saíam de casa quando realmente necessário; outras quatro diziam que nunca foram de sair muito, mas que agora saíam menos ainda.
As mudanças relatadas revelam um perfil de cuidadores caracterizado por uma personalidade doadora, pois se tratava de mulheres que abdicaram das próprias vidas e dos próprios interesses para cuidar e investir no outro. Pode-se perceber também que parte delas, previamente à função de cuidadoras, já viviam certa restrição social, ou seja, já não faziam muitos investimentos na consolidação de uma vida própria e independente, o que nos faz pensar que talvez já apresentassem o perfil de cuidadoras, tendo sido naturalmente eleitas para a função dentre os demais membros da família.
Das cuidadoras entrevistadas, quatro queixaram-se do aumento da preocupação relacionado, principalmente, a momentos em que precisavam sair de casa e deixar seus pacientes, a pensar na própria morte antes da do paciente e à realização adequada dos cuidados diários. Chama a atenção o fato de serem preocupações relacionadas sempre ao paciente e não a elas mesmas, o que reafirma a dificuldade de se desligar dos cuidados e a existência de um sentimento de responsabilidade com os outros, características de uma personalidade doadora.
Dentre as mudanças trazidas, o aumento das tarefas também foi citado por três cuidadoras, uma outra relatou aumento da tristeza e ansiedade após o adoecimento do paciente, parecendo mais fácil avaliar mudanças objetivas e concretas do que afetivas e subjetivas.
Apenas três cuidadoras relataram mudanças amenas em suas vidas e atribuíram isso ao fato de terem com quem dividir os cuidados com o paciente, uma delas disse: “manter a vida social só foi possível por ter uma pessoa para ajudar”.
Quando investigado o significado de cuidar, apenas uma cuidadora relatou fazê-lo por obrigação, “se a gente não cuidar, quem vai cuidar?”. Outras três se referiam apenas à rotina diária de cuidados, como dar banho, alimentação e fazer a higiene, mas a maioria, oito cuidadoras, acrescentaram, em seus discursos, aspectos afetivos e humanos dos cuidados, como dar atenção, o máximo de conforto, dar amor e carinho, conversar e fazer coisas que o paciente gostava.
Somente uma cuidadora dizia não perceber nada de positivo que a doença tenha trazido à sua vida, o que nos faz pensar que isso talvez se desse pela particularidade de sua história, uma vez que o adoecimento de seu familiar era o mais recente da nossa amostra, menos de um ano, estando ainda em período de adaptação, conforme nos diz Laham (2003), que com o passar do tempo os cuidadores vão se adaptando aos cuidados e aceitando melhor a doença do paciente.
Todos os demais reconheciam aspectos positivos advindos do adoecimento de seus entes. Duas mães, entretanto, tiveram certa dificuldade, em um primeiro momento, de admitir algo de positivo no adoecimento de seus filhos, mas posteriormente ambas reconheceram a aproximação familiar, tanto da mãe com o filho como do restante da família, como algo positivo advindo do adoecimento. Uma delas relatou: “meu marido parou de beber, ficou mais responsável, passou a ajudar e se aproximou mais”. A união familiar, o aumento dos vínculos, do convívio e a aproximação entre os membros foram citados ao todo por cinco cuidadoras.
Outros três relatos diziam respeito a mudanças de valores, sendo o cuidar percebido como gerador de crescimento interior, o que já havia sido apontado por Marques e Ferraz (2004). Existia a percepção também de ser uma experiência de vida que trazia aprendizado e fazia se sentir útil, conforme Laham (2003) relatou em sua pesquisa, sendo também um exercício para a humildade e para paciência, conforme relato de uma cuidadora.
Com relação à percepção de aspectos negativos decorrentes do adoecimento, cinco cuidadoras relataram não haver, demonstrando boa aceitação da situação, ou certa dificuldade de entrar em contato com a situação real, que englobava tanto aspectos positivos como negativos. Em alguns discursos notava-se aspectos religiosos interferindo na percepção, e em outros, a alegação dos benefícios secundários como justificativa para um cuidar isento de aspectos negativos.
Dentre os que relataram aspectos negativos, duas cuidadoras queixaram-se do sentimento de impotência a que eram submetidas, pois por mais que fizessem não conseguiam a melhora do paciente; outras duas se referiam ao cansaço, ao desgaste físico e às dores que sentiam; duas outras, mães cuidadoras, se referiam à preocupação com o futuro dos filhos, principalmente no que dizia respeito à possibilidade da ausência das mesmas, tendo sido citados também a sobrecarga financeira e o aumento do sentimento de tristeza.
É interessante pensar que na percepção dos aspectos positivos do adoecimento eram relatadas apenas modificações internas e vivências subjetivas, as quais não podiam ser mensuradas nem diretamente identificadas, enquanto que, em relação a aspectos negativos, havia relatos de ordem prática e objetiva.
As cuidadoras que alegavam não enfrentar dificuldades para cuidar de seus pacientes somavam seis, entretanto, quatro destas reconheceram, num segundo momento, dificuldades, sim: duas delas disseram se entristecer frente às limitações do paciente; outra disse ter dificuldade de fazer exercícios com o paciente e uma quarta disse ter enfrentado dificuldades só no período de adaptação, pela falta de prática. Essa contrariedade no discurso parece relacionada à resistência em admitir e entrar em contato com a realidade, tamanho o grau de dificuldade que muitas vezes permeava os cuidados.
Dentre as cuidadoras que alegaram dificuldade para cuidar, três delas queixaram-se de não ter com quem dividir as tarefas. Outro aspecto mencionado foram problemas de saúde que acometem cuidadores, como dor no joelho e coluna, o que dificultava a realização dos cuidados.
Tanto Felício (2003) como Floriani e Schramm (2004) já haviam apontado para a possibilidade do adoecimento do cuidador. Em nossa amostra, dez cuidadoras apresentavam problemas de saúde, das quais sete eram idosas, o que nos faz pensar que o adoecimento se dá não só pelos desgastes com os cuidados, mas também como conseqüência natural da condição de maior fragilidade do idoso.
Frente às dificuldades mencionadas, os recursos práticos e objetivos a que recorriam quatro cuidadoras foram buscar ajuda com outras pessoas e uma cuidadora disse enfrentar sozinha a situação por falta de alternativa, uma outra cuidadora utilizava recursos espirituais se apegando à religião. Emocionalmente era utilizado também, por uma cuidadora, o mecanismo da negação numa tentativa de evitar entrar em contato com a realidade dos cuidados. Ela relatou fingir que estava tudo bem numa tentativa de animar a ela mesma e ao paciente. Felício (2003) aponta para o fato da negação ser um recurso utilizado, mas que quando prolongado pode levar o paciente ao isolamento, pois o priva de participar do direito à verdade e da possibilidade de crescimento, frente à vivência da mesma.
Com relação às mudanças no estado emocional antes e depois do adoecimento do paciente, era possível perceber certa dificuldade em avaliar e comparar os estados emocionais, pois cinco cuidadoras tinham discurso contraditório, iniciaram negando alteração no estado emocional e posteriormente admitiram algum tipo de modificação. Isto parece indicar certa resistência para entrar em contato com aspectos emocionais vinculados aos cuidados, talvez pelo fato da função de cuidador, muitas vezes, não ser uma escolha pessoal (Floriani & Schramm, 2004), o que favorece a necessidade de aceitação e não questionamento.
Disseram ter passado por períodos de instabilidade emocional logo após o adoecimento do paciente duas cuidadoras, momento caracterizado por episódios de depressão e nervosismo, mas que foram superados logo após o período de adaptação.
Dentre as que citaram alteração no estado emocional (sete cuidadoras), foi possível perceber que as modificações foram avaliadas como negativas, havendo apenas uma cuidadora que relatou ter sofrido mudanças que podiam ser avaliadas como positivas. Ela relatou que antes, pela ociosidade, era ansiosa e agitada, hoje cuidando se sentia mais tranqüila e em paz. As demais cuidadoras relataram aspectos como aumento da preocupação, tristeza, ansiedade, depressão, revolta, aborrecimento, choro e aumento da timidez decorrente da falta de vida social.
Foi possível perceber que cinco cuidadoras atribuíam diretamente seus estados emocionais atuais ao estado de saúde de seus pacientes, uma delas relatou: “fico triste, sinto pena de vê-lo assim”. Parecia haver certa dificuldade de se desvencilharem emocionalmente da pessoa de que cuidavam, talvez pelo fato de existir um vínculo familiar e afetivo.
As cuidadoras que diziam não ter projetos de vida somavam sete, o que reafirma a idéia de que muitos cuidadores não investem em realizações próprias e alguns nem se imaginam independentes do papel de cuidador que exercem.
Outras duas mães cuidadoras referiram o desejo da reabilitação e da recuperação da saúde de seus filhos, sendo mais uma vez relatado um projeto para a vida do outro, não havendo espaço para manifestação do próprio desejo, e sim o retrato da anulação da própria existência justificada pela necessidade de cuidar.
Entretanto, quatro cuidadoras pareciam exercer em suas vidas outros papéis, sendo capazes de manifestações próprias, seus desejos diziam respeito a voltar a estudar, trabalhar e ser voluntária.
Todos os cuidadores reconheceram benefícios em receber o serviço de assistência domiciliar, inclusive seus discursos eram mais enfáticos em elogios do que os dos próprios pacientes. Talvez isso se desse pelo fato de se tratar de doentes crônicos, para os quais o serviço traz ajuda para enfrentar a situação, mas não elimina o problema, não alcança a cura de sua doença. Já para os cuidadores, o serviço parecia trazer algum alívio por poderem dividir a responsabilidade frente os cuidados, além das facilidades todas que o serviço oferece, como exames, medicação, dietas, entre outras. Relataram se sentirem mais seguros com as orientações da equipe.
5. Conclusão
Pareceram ser inúmeras as possibilidades de se perceber e vivenciar a doença, tanto para pacientes como para cuidadores. Dependia da história de vida de cada um, se nasceu com a doença ou se a desenvolveu e em que momento da vida isso se deu, as limitações que trouxe e o prognóstico da mesma, sendo esta uma vivência individual. Entretanto, as doenças crônicas impuseram restrições e mudanças comuns à vida de pacientes e cuidadores, frente às quais pareceu existir um padrão mais habitual de enfrentamento destas situações.
Dentre as mudanças, se destacaram a impossibilidade de se manter hábitos rotineiros e as limitações físicas causadas pela doença, geradoras, entre outras coisas, da dificuldade de locomoção, da dependência e da restrição social. O isolamento social era comum também dentre cuidadores, que pareciam priorizar o exercício deste papel em suas vidas em detrimento de outros.
As mudanças eram, muitas vezes, vivenciadas pelos pacientes como perdas, como coisas que deixaram de fazer, tendo repercussões emocionais, como sentimento de tristeza, em alguns casos chegando até a depressão; a impotência frente à impossibilidade de modificar a situação pareceu acometer tanto pacientes como cuidadores.
Frente às limitações prevaleceu, para a maioria dos pacientes, uma postura passiva sem uma busca efetiva de recursos para a modificação da vivência. Já os cuidadores tinham tendência a se adaptar melhor às mudanças que sofriam, e muitos deles tinham projetos de vida.
O significado de ser cuidado para os pacientes tinha uma conotação muito negativa, alguns se sentiam humilhados e constrangidos, sem perspectiva futura diante de doenças crônicas, prevalecendo um sentimento de revolta. Já os cuidadores, em sua maioria, exerciam os cuidados não apenas de forma prática e rotineira, mas também atribuíam à função aspectos afetivos, como dar carinho e atenção, podendo encontrar um sentido para suas vidas exercendo esta função.
O serviço de assistência domiciliar era percebido como um importante recurso para o enfrentamento da doença. Era valorizado principalmente por cuidadores que encontravam, no mesmo, ferramentas para a realização adequada dos cuidados, o que fazia com que se sentissem mais capacitados, assertivos e podendo dividir as responsabilidades.
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1 Psicóloga Aprimoranda em Psicologia Hospitalar & Hospital Geral da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (2005).
2 Psicóloga da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP e orientadora da monografia.
3 Psicólogo da Divisão de Psicologia ICHC/FMUSP, supervisor adjunto do Programa de Aprimoramento em Psicologia Hospitalar.
4 Diretora do Serviço Central de Pesquisas Clínicas e Epidemiológicas da Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP.
5 Médico assistente, coordenador do Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar (NADI) do ICHC/FMUSP.
6 Diretora da Divisão de Psicologia do Instituto Central do HC/FMUSP. Presidente do CEPSIC.