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Psicologia Hospitalar
versão On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) v.6 n.1 São Paulo 2008
ARTIGOS ORIGINAIS
Depressão em grávidas hipertensas: preocupações maternas durante a gestação
Depression in high blood pressure, pregnant women: maternal concerns during pregnancy
Maria Alice de Oliveira David1; Gláucia Rosana Guerra BenuteI,2; Renério Fráguas JuniorII,3; Roseli Yamamoto NomuraIII,4; Mara Cristina Souza de LuciaI,5; Marcelo ZugaibIII,6
IDivisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIInstituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIIDivisão de Clínica Obstétrica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
A gravidez constitui verdadeira fase de desenvolvimento da personalidade da mulher, caracterizada por várias transformações. Este estudo se propõe a verificar a incidência de transtornos depressivos na gravidez associada à hipertensão e correlacioná-lo com as preocupações maternas relacionadas à gestação. Foram realizadas entrevistas com 20 gestantes hipertensas e aplicados o Prime-MD.. Conclui-se que na gestação associada à hipertensão a gestante se depara com o medo concreto em relação a si própria e ao bebê, gerando preocupações com o parto; com possíveis deficiências do bebê; e com os riscos da gravidez. Isso consequentemente faz com que aumente o nível de estresse e predispõe a gestante ao aparecimento de transtornos depressivos.
Palavras-chave: Depressão; Gravidez de alto risco; Preocupações maternas.
ABSTRACT
Pregnancy constitutes the true development phase of a woman’s personality, and is characterized by certain transformations. This study aims to verify the incidence of depressive disorders during pregnancy associated with high blood pressure, and to correlate such incidence with maternal concerns related to pregnancy. Interviews with 20 expectant, high blood pressure mothers were first carried out, and the Prime - MD was applied. The conclusion was that pregnancy associated with high blood pressure causes tangible fear in the expecting mother relating to herself as well as to her baby; it generates concerns relating to the childbirth itself, to possible birth defects in the baby, and to risks during pregnancy. This consequently imposes an increase in the level of stress, and predisposes the pregnant mother to the onset of depressive disorders.
Keywords: Depression; High risk pregnancy; Maternal concerns.
A gravidez constitui verdadeira fase de desenvolvimento da personalidade da mulher. Caracterizada por mudanças psicossociais e várias transformações, não só orgânicas mas no estado de equilíbrio que fica temporariamente comprometido devido às grandes perspectivas de mudanças no papel social. Assim surge a necessidade de novas adaptações, mudanças de identidade e reajustamentos interpessoais e intrapsíquicos (Maldonado, 1997; Bartilotti, 2000).
Tedesco, Quayle e Zugaib (1997) relatam que a grávida normal pode experimentar uma diversidade de emoções que incluem introversão, passividade, mudanças bruscas de humor, inquietação, irritabilidade, preocupação e depressão, sendo conseqüências da intensa ansiedade instalada. Deve também ajustar-se à mudança na imagem de si mesma, acatar a idéia da chegada de um bebê na família.
Além do risco físico, a gestação de alto risco carrega dificuldades de adaptação emocional maiores que na gestação normal, a começar pelo rótulo que se dá, "de alto risco", portanto "diferente" das demais "normais".
A possibilidade da gestação não evoluir de forma tranqüila afeta a auto-estima da mulher, que terá que se reestruturar diante do risco, tanto em relação à sua própria identidade como em relação ao filho que espera (Santos, 2005). A expectativa da gravidez ou o próprio período de gravidez, segundo Tedesco et al. (1997) não pressupõe complicações, mas, frente ao fator de risco, surge o medo real, em relação à gravidez e a si mesma. Como conseqüência altera-se o nível de satisfação e envolvimento com os cuidados médicos, aflorando atitudes negativas e aumento exagerado do nível de ansiedade, que é a grande favorecedora do aparecimento de problemas relacionados à evolução da gravidez, do parto e do relacionamento posterior com o recém-nascido. Na grávida de alto risco, emoções como censura, culpa e sentimentos de falha aparecem com freqüência e podem trazer complicações para a gravidez.
Segundo Santos (2005), diante do diagnóstico de risco na gravidez, a mulher se submete a pesquisas médicas sobre seu estado de saúde e sobre o desenvolvimento do feto. Algumas medicações possuem reações que podem alterar seu estado emocional e, atrelado a isso, ainda há a expectativa, a ansiedade e o temor a cada novo resultado de exame. Por isso, Santos (2005) acredita que a relação com a equipe de saúde é fundamental para o enfrentamento das situações de crise.
No presente estudo, fala-se sobre a hipertensão arterial que, associada à gestação, representa a principal causa de mortalidade materna em muitos países. Com incidências que variam entre 5% a 10% em todo o mundo, a hipertensão arterial pode causar diversas complicações tanto para a mãe quanto para o bebê. Para a mãe, podem ocorrer encefalopatia hipertensiva, falência cardíaca, severo comprometimento da função renal, hemorragia retiniana, coagulopatias e associação com pré-eclâmpsia. Para o bebê, há maior risco de restrição de crescimento intra-uterino, baixo peso e prematuridade (Tedesco, Parpinelli, Amaral, Surita & Cecatti, 2004). Cuidados físicos levam à melhoria do prognóstico clínico materno e fetal, mas podem alterar profundamente o equilíbrio psíquico e as inter-relações familiares.
Falcone, Mader, Nascimento, Santos e Nóbrega (2005) relatam que o período gravídico-puerperal é a fase de maior incidência de transtornos psíquicos na mulher, necessitando de atenção especial para manter ou recuperar o bem-estar e prevenir dificuldades futuras para o filho; e dizem que a intensidade das alterações psicológicas depende de fatores familiares, conjugais, sociais, culturais e da personalidade da gestante.
Da-Silva, Moraes-Santos, Carvalho, Martins e Teixeira (1998), em estudo feito no Brasil sobre a prevalência de depressão durante a gravidez e no puerpério, relatam a freqüência de episódios depressivos em até 38% das gestantes de baixa renda. Segundo os autores, a depressão na gravidez está fortemente associada com estresse social, particularmente em eventos da vida.
Os achados de Falcone et al. (2005) revelam prevalência de 46,5% de transtornos afetivos em gestantes adultas e 37,5% em gestantes adolescentes, demonstrando a grande ocorrência de distúrbios de humor durante a gravidez. Isso denota que a gravidez provoca na mulher alterações no humor, que desequilibram seu estado emocional, e possivelmente dificultam o estabelecimento do vínculo afetivo mãe-feto. Dessa maneira, impossibilita que a gestante perceba o desenvolvimento do feto e todas as suas reações frente aos estímulos sensoriais e afetivos.
Neste contexto, a esperada adequação emocional da grávida hipertensa sofre grande impacto, a vivência de eventos vitais estressantes pode influenciar na dinâmica psicológica da mulher, acarretando um aumento do estresse e um maior risco para o surgimento de transtornos depressivos. Em estudo feito por D’el Rey, Quayle, Lucia e Zugaib (2000), com 25 gestantes internadas, das quais 22 gestantes hipertensas, verificou-se a existência da associação entre expectativas negativas da gestante e o aparecimento de transtornos de humor e quanto às expectativas positivas, parecendo que estas protegem as gestantes de sintomas psicopatológicos (ansiedade e depressão).
Zucchi (1999), em sua revisão de literatura sobre depressão na gestação, encontrou, entre os fatores de risco mais frequentemente associados à depressão, as dificuldades econômicas e a falta de parceiro ou de suporte familiar e social, demonstrando prevalência maior em grupos de mulheres de baixa renda, negras, com baixos níveis de escolaridade.
Conforme os estudos de Luis e Oliveira (1998), os transtornos da gravidez acabam agrupando quadros com sintomatologias variadas. Os transtornos dependem da morbidade psiquiátrica anterior, da associação com problemas orgânicos e das condições da própria vivência da gravidez, causadora, por si só, de alterações do humor enquanto função mental.
Em um estudo longitudinal realizado por Rubertsson, Wickberg, Gustavsson e Rådestad (2005) na Suécia, verificou-se a prevalência e risco psicossocial de sintomas depressivos em grávidas e puérperas, tendo sido encontrado como resultado a ocorrência de sintomas depressivos em 13,7% das gestantes. Quanto aos fatores de risco estatisticamente significativos associados aos sintomas depressivos estavam duas ou mais experiências com eventos de vida estressantes durante o ano anterior à gravidez, outra língua que não a sueca e o desemprego. O autor conclui que quanto maior a quantidade de eventos estressantes vivenciados, maior a pontuação na escala de depressão utilizada. Isto demonstra que a experiência estressante na gravidez é indicadora de recorrência ou sustentação de sintomas depressivos.
Com base nos achados anteriores, pode-se perceber a incidência de transtornos depressivos nesta população e se vê a necessidade de estudar a depressão na gestação de alto risco. Tendo como enfoque mais específico a depressão em gestantes hipertensas, o presente estudo pretendeu identificar as preocupações que a gestante hipertensa tem durante sua gestação e correlacioná-las com o diagnóstico de transtornos depressivos.
OBJETIVOS
Identificar transtornos depressivos em gestantes de alto risco; Verificar presença de transtornos depressivos em gestantes hipertensas; Identificar as preocupações das gestantes em relação à gestação e correlacioná-las com o diagnóstico de depressão.
CASUÍSTICA E MÉTODO
O presente estudo é parte integrante de um estudo prospectivo desenvolvido pela Divisão de Clínica Obstétrica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Foram entrevistadas 20 gestantes hipertensas atendidas no Ambulatório da Divisão da Clínica de Obstetrícia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Foram excluídas as pacientes que apresentaram diagnóstico de anomalia fetal; óbito fetal; e analfabetas.
Para este estudo foram utilizados os seguintes instrumentos:
Entrevista semi-dirigida com roteiro previamente elaborado: permite certa liberdade para que o sujeito exponha suas questões (Ocampo, 1984). O pesquisador pode interromper para fazer perguntas que esclareçam lacunas e que orientem o assunto para uma ou outra direção, composto pelos temas: preocupações ou medos da gestante relacionados à gravidez; preocupações da gestante com seu estado de saúde; preocupações com o estado de saúde do bebê; e, por fim, o que a gestante acredita que poderia lhe causar depressão.
Prime MD: proporciona reconhecimento rápido e acurado dos diagnósticos de transtornos mentais. É composto por cinco módulos (transtornos de humor, transtornos ansiosos, transtornos alimentares, transtornos somatoformes e abuso de álcool ou trantornos de dependência) podendo ser utilizados todos os módulos ou haver a escolha de um o módulo de particular interesse. Para este estudo interessa utilizar o Guia de Avaliação Clínica, módulo para avaliar transtornos de humor. O Prime-MD demonstrou boa acurácia (sensibilidade e especificidade) para os grupos diagnósticos maiores quando aplicado por médicos de serviços de atenção primária.
Procedimentos
Inicialmente foi lido o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Ao consentir a participação no estudo, foi realizada, individualmente, uma entrevista semi-dirigida. Em seguida foi realizado o módulo para transtorno do humor do Prime-MD. Neste instrumento, o pesquisador anotou em campo específico para tal fim as respostas da paciente, utilizando-se do critério etiológico e do critério inclusivo. Para mensurar o critério etiológico, foi considerada a resposta de presença ou ausência dos sintomas investigados, independentemente da origem ou da história atribuída pela gestante. Já para o critério inclusivo, foi considerada a avaliação clínica para diferenciar sintomas depressivos de sintomas próprios da gestação.
O atendimento de psicologia foi colocado à disposição de todas as pacientes, caso houvesse verificação de demanda de atendimento. Esses atendimentos foram realizados pelas psicólogas que atuam na Divisão de Clínica Obstétrica e não fizeram parte deste estudo.
Análise dos dados
Trata-se de uma pesquisa qualitativa e quantitativa. A entrevista semi-dirigida foi analisada com a técnica de Análise de Conteúdo. Trata-se de uma avaliação qualitativa que pressupõe a análise quantitativa dos resultados, possibilitando interpretar a comunicação de forma objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto nas entrevistas. É um instrumento que visa descrever, interpretar e compreender os dados, tendo como unidade de análise o discurso, o relato. Essa técnica permite acessar os significados atribuídos aos sentimentos mais intensos e profundos vivenciados em dada situação. Revela o modo do indivíduo ser e agir, possibilitando reflexão acerca dos eventos e de seus significados. A experiência é apresentada da forma como o indivíduo a percebeu. Essa técnica amplia a liberdade de expressão e cabe ao narrador escolher o que contar sobre sua vivência, atribuindo seus próprios significados.
Resultados
Os dados apresentados a seguir são resultados relativos à caracterização da amostra estudada.
Com relação à idade das gestantes, observou-se que a média foi de 31,7 anos de idade, e a mediana de 31,5 anos. Para semanas gestacionais, a média foi de 18,4 semanas e a mediana de 18 semanas.
Em relação ao estado civil, 45% das entrevistadas declararam serem casadas ou amasiadas.
Em relação à escolaridade, 40% das gestantes da amostra tinham o ensino médio completo, 30% fundamental incompleto, 15% completaram o ensino fundamental, 10% tinham superior incompleto e 5% ensino médio incompleto..
Quanto a renda, 60% das gestantes da amostra, possuía renda familiar de até 3 salários mínimos, e 5% das gestantes possuía renda de 7 a 10 salários mínimos.
No que diz respeito à atividade econômica, 50% das gestantes trabalhavam fora de casa, enquanto as outras 50% responderam não trabalhar. Observou-se que 45% era dona de casa; e 5% cuidava de crianças ou não tinha ocupação (tabela 1).
Os dados apresentados a seguir são resultados da categorização das perguntas relativas à: preocupação da gestante relacionada à gestação; preocupações da gestante com sua saúde; preocupações da gestante com a saúde do bebê; e crença do que poderia lhe causar depressão.
Quanto à preocupação relacionada à gravidez, foram criadas quatro categorias:
1. Risco do Bebê: Esta categoria foi criada para as respostas relacionadas a preocupações ou medo da perda do bebê ou de prematuridade. Tais como:
“Sim, porque já perdi 2 filhos tenho medo de perder mais um” (sic)
“Medo de a criança nascer prematura” (sic)
2. Medo do Parto: foi denominada esta categoria para as respostas relacionadas à preocupação e medo do parto, associadas ou não à doença hipertensiva. Tais como:
“Preocupação porque já tenho deficiente na família e com hipertensão o parto é arriscado” (sic)
Medo de ter parto complicado
“Idade avançada pode trazer complicações no parto” (sic)
“Pressão e diabete subir no parto, medo do parto.”(sic)
3. Medo da Hipertensão: Esta categoria foi criada para as respostas relacionadas a preocupações com a doença. Tais como:
“Medo de ter pré eclâmpsia” (sic)
Pressão e a medicação que usou anteriormente para o rim
Pressão pode dar eclâmpsia, está apreensiva.
4. Preocupação com Familiares: Esta categoria foi criada para as respostas relacionadas a preocupações com familiares da gestante. Tais como:
“O pai dela ainda não sabe da gravidez, está esperando sua reação” (sic).
Os resultados da categorização das preocupações relacionados à gestação demonstraram que 45% das gestantes responderam que tinham medo do parto; 30% tinham preocupações quanto ao risco do bebê; 20% tinham medo da hipertensão; e 5% tinham preocupações com os familiares.
Quanto à preocupação com seu estado de saúde, foram criadas quatro categorias:
1. Doença: Esta categoria foi criada para as respostas que falaram sobre preocupações relacionadas à doença materna. Tais como:
“Medo do rim não funcionar, perder o rim e da pressão subir” (sic)
“Preocupação por ver pessoas tendo AVC e infarto por causa da pressão alta” (sic)
“Pressão alterar e pela obesidade” (sic)
2. Medo do Parto: foi denominada esta categoria para as respostas relacionadas ao medo do momento do parto. Tais como:
“Pressão, diabete, parto, de não dar certo” (sic)
Medo de complicações no parto
“Medo de morrer no parto” (sic)
3. Perda do Bebê: Esta categoria foi criada para as respostas que falaram sobre preocupações relacionadas à perda do bebê. Tais como, de não dar certo a gravidez:
“Faz muitos exames no HC, fica com medo de notícias ruins, deixa a paciente para baixo, com medo do que pode acontecer com o bebê” (sic)
4. Ausência de Preocupações: Esta categoria foi criada para as respostas em que houve ausência de preocupação da gestante com seu estado de saúde. Tais como:
“Vai seguindo controle” (sic)
Está tudo bem, controlado, não sente nada
A categorização das preocupações da gestante com seu estado de saúde demonstraram que 50% das gestantes se preocupavam com sua doença, enquanto que 25% apresentaram ausência de preocupações; 15% tinham medo do parto; e 10% se preocupavam com a perda do bebê.
Quanto à preocupação com o estado de saúde do bebê, foram criadas três categorias:
1. Doença afetar o bebê: Esta categoria foi criada para as respostas que falaram sobre a preocupação da doença afetar o bebê. Tais como:
“Por causa da pressão pode prejudicar o bebê” (sic)
“Preocupação com desenvolvimento do bebê, hipertensão deixa correr risco de vida” (sic)
A pressão pode alterar o desenvolvimento da criança
2. Morte do bebê: foi denominada esta categoria para as respostas que falaram sobre preocupações relacionadas à morte do bebê. Tais como:
Medo de o bebê morrer
“Quero ver o bebê para saber se está bem, vivo, se o coração bate” (sic)
“Medo de acontecer alguma complicação com o bebê e ele morrer na barriga” (sic)
3. Deficiências do bebê: Esta categoria foi criada para as respostas que falaram sobre preocupações do bebê ter deficiências. Tais como:
“Sou prima do meu marido, então tenho medo de deficiência” (sic)
“Preocupação de nascer deficiente” (sic)
Não fez ultra-som e tomou remédios de pneumonia antes de saber da gravidez
“Medo porque a médica disse que o bebê pode ter risco cardíaco” (sic)
Em relação ao estado de saúde do bebê, o resultado da categorização foi demonstrado no gráfico 6, onde se observou que, 40% das gestantes se preocupavam com a doença afetar o bebê; 30% se preocupavam com morte do bebê; e 30% se preocupavam em o bebê ter deficiências.
Quanto à crença do que poderia lhe causar depressão, foram criadas cinco categorias:
1. Luto: Esta categoria foi criada para as respostas que falavam do luto (do bebê ou de pessoa querida) poder causar depressão. Tais como:
“Uma tristeza muito grande, perda de alguém querido.” (sic)
“Se não der certo a gravidez.” (sic)
Se tiver perdas muito fortes.
“Se perdesse o bebê de novo iria ser difícil.” (sic)
Falecimento de uma pessoa muito próxima querida
2. Riscos da Gravidez: foi denominada esta categoria para as respostas que falavam sobre a depressão ser causada por complicações, riscos na gestação que levariam a problemas ou deficiências para o bebê . Tais como:
Complicação no parto, se correr risco de vida.
Medo de a criança ter problemas, deficiência ou ela ter problemas.
“O alto risco que o médico tá falando” (sic)
3. Solidão: Esta categoria foi criada para as respostas que falavam sobre a solidão ser causa para depressão. Tais como:
“Se ficar internada agora, não quero ficar sozinha.” (sic)
Solidão
4. Nada: Esta categoria foi criada para as respostas em que nada poderia lhe causar depressão. Tais como:
“Nada poderia me causar depressão, a gente vai vivendo a vida, ganha experiência e fica mais forte vai sabendo lidar com os problemas.” (sic)
Nada lhe causaria, se fosse mais nova talvez a gravidez.
5. Não sabe: Esta categoria foi criada para as respostas em que o sujeito não soube responder o que lhe causaria depressão. Tais como:
“Não sei” (sic)
“Vários fatores” (sic)
Pode-se identificar que 35% das gestantes entrevistadas acreditavam que o luto poderia lhe causar depressão; 30% acreditavam que os riscos da gravidez poderiam ser causadores de depressão; 15% não sabiam dizer; 10% acreditavam que a solidão poderia lhe causar depressão; e 10% responderam que nada lhe causaria depressão.
Diagnóstico de Depressão
Os dados apresentados a seguir são resultados do diagnóstico de depressão verificados através do Prime MD, levando-se em consideração os critérios etiológico e inclusivo.
Os resultados encontrados considerando o critério etiológico foram de 65% de ausência de depressão na amostra estudada, e de 35% de presença de depressão. Considerando o critério inclusivo, encontrou-se 90% de ausência de depressão, e 10% de presença de depressão.
Para o critério etiológico foi considerada a resposta de presença ou ausência dos sintomas investigados, independentemente da origem ou da história atribuída pela gestante. A tabela 2 apresenta os sintomas investigados e a sua incidência na amostra.
Já para o critério inclusivo foi considerada a avaliação clínica diferenciando sintomas gestacionais dos sintomas depressivos. A tabela 3 apresenta os sintomas investigados e a sua incidência na amostra estudada.
Correlação entre as preocupações maternas e o diagnóstico de depressão
Os dados apresentados a seguir são resultados da correlação que se fez entre as categorias da entrevista e o diagnóstico de depressão.
Optou-se por analisar os resultados do diagnóstico pelo critério inclusivo, por este ser feito através da avaliação clínica, priorizando diferenciar os sintomas originários da gestação dos sintomas depressivos, com a pretensão de controlar a sobreposição de fatores que possam confundir o diagnóstico de depressão nesta população.
A tabela 4 apresenta os resultados da correlação entre depressão e tipos de preocupações durante a gestação, tipos de preocupações relacionadas à saúde, tipos de preocupações relacionadas à saúde do bebê e crenças do que poderia causar depressão.
DISCUSSÃO
A depressão na gestação de alto risco é uma área ainda muito negligenciada, poucos estudos são feitos sobre o tema, bem menos do que sobre a depressão pós parto, como relatam Da-Silva et al. (1998) em sua revisão de literatura.
Pode-se dizer que os fatores de risco para depressão na gravidez e seu diagnóstico ainda são pouco estudados e de difícil detecção.
A primeira dificuldade encontrada por este estudo foi o diagnóstico da depressão, pois os sinais e sintomas da depressão são muito parecidos com aqueles característicos do período gravídico normal, sendo facilmente confundidos no momento de se fazer o diagnóstico. “Assim, sintomas como hipersonia, aumento de apetite, fadigabilidade fácil, diminuição do desejo sexual e queixas de dor e desconfortos em diferentes sistemas são de pouca utilidade para o diagnóstico de depressão nessa fase”(Camacho et al., 2006, p.95).
O meio utilizado neste estudo para se tentar amenizar este problema foi a avaliação pelo critério inclusivo, possibilitando a diferenciação dos sintomas normais da gravidez, dos indicativos de depressão. Quando comparados os resultados etiológicos com os inclusivos, pode-se verificar que a ocorrência dos sintomas diminui significativamente no critério inclusivo, como se observa nos sintomas: sono, energia e agitação ou lentidão psicomotora. Estes sintomas são sentidos durante o período normal de gestação e também pelas pessoas depressivas, possibilitando confusão no diagnóstico.
A presença e a ausência de depressão diagnosticada neste estudo pelos dois critérios, inclusivo e etiológico, obtiver porcentagens bem diferentes evidenciando a necessidade de se fazer uma avaliação cuidadosa no momento do diagnóstico e de se produzir mais estudos nesta área.
Quanto às preocupações sentidas pelas gestantes durante este período, pode-se identificar: a presença de medo em relação ao parto; preocupações com os riscos que o bebê pode ter; medo do bebê nascer com deficiências; medo da doença afetar o bebê; medo do bebê morrer; e preocupações com a doença hipertensiva, sua evolução e complicações na gestação. As preocupações com os riscos da gravidez, o luto e a solidão foram trazidas por estas como crenças do que poderia lhes causar depressão.
Quando se correlaciona presença de depressão com as preocupações na gestação, pode-se identificar que as gestantes que apresentaram diagnóstico de depressão pelo Prime MD possuem homogeneidade quanto às preocupações.
O medo do parto foi trazido pelas gestantes em dois momentos da pesquisa por todas as gestantes com presença de depressão, quando se questionou sobre medos relacionados à gestação e sobre preocupações com sua saúde.
Como já dito anteriormente por Tedesco et al. (1997), o nascimento de um filho inaugura definitiva e concretamente a maternidade, e esse fato vem acompanhado de toda a pressão social do papel de mãe. Por isso, o parto, pode acarretar grandes níveis de ansiedade, medo, excitação e expectativas.
Santos (2005) relata que os temores relacionados ao parto se acentuam juntamente com a chegada do bebê. Ao mesmo tempo em que as gestantes referem vontade de conhecer o filho há também o desejo de adiar o parto, como um mecanismo de proteção e temor pela nova função. As fantasias relacionadas ao parto constituem um tema comum entre as grávidas.
Outras preocupações referidas por todas gestantes com diagnóstico de depressão foram o medo de o bebê apresentar deficiência, morrer, ou de sua doença afetar o bebê, em seu desenvolvimento.
Piccinini, Gomes, Moreira, e Lopes (2004), relatam que as expectativas em relação ao bebê se originam do próprio mundo interno da mãe, de suas relações passadas, e de suas necessidades conscientes e inconscientes relacionadas àquele bebê. As expectativas em relação ao bebê podem ter aspectos positivos e negativos segundo os autores, os positivos envolvem a necessidade de que o bebê seja investido de desejos e fantasias pela mãe para poder existir enquanto ser humano. Os aspectos negativos ocorrem quando a mãe não consegue aceitar a singularidade de seu filho e não consegue abandonar sua carga maciça de projeções. Em seu estudo, o autor identifica preocupações parecidas com as das gestantes do presente estudo, como malformação fetal, prematuridade, medo de algum comportamento durante a gestação poder causar mal ao bebê.
Segundo Santos (2005), este temor do filho malformado ou morto é algo comum a todas as mulheres em algum momento da gravidez. Dentre os maiores medos que acometem as gestantes, em graus diferentes, estão o de ter um filho portador de necessidades especiais, que venha a apresentar algum tipo de deficiência ou deformidade. (...) em níveis simbólicos mais profundos, isso pode expressar o medo de que os próprios sentimentos de hostilidade e rejeição, que fazem parte da ambivalência e são vivenciados como maus e destruidores, possam ter prejudicado irremediavelmente o feto gerado dentro de si (Maldonado, 1997, p.40).
Maldonado (1997) refere em seu livro que as preocupações maternas com a saúde do bebê só findam no momento do parto, quando habitualmente a gestante questiona se está tudo bem com o bebê e se ele é normal.
Quando esta preocupação prevalece ao longo da gestação em detrimento de outras fantasias, segundo Santos (2005), é necessário um aprofundamento para identificar suas prováveis raízes.
Pode-se perceber que quando questionadas sobre o que acreditavam poder lhes causar depressão, as gestantes diagnosticadas com depressão responderam que seriam os riscos da gravidez, ou não souberam responder.
Portanto, percebe-se que as mudanças que ocorrem durante a gestação, as preocupações das gestantes durante esta fase como o medo do parto, e preocupações com o bebê ter deficiências são riscos da gestação associados pelas gestantes como possíveis causadores de depressão.
Pôde-se identificar, no presente estudo, que as preocupações relacionadas à gestação apresentadas pelas gestantes são comuns do processo gravídico, porém, quando passam a ser supervalorizadas, fazendo com que a gestante deixe de lado outras manifestações próprias deste período, percebe-se a necessidade de maior atenção por parte dos profissionais de saúde.
CONCLUSÃO
Conclui-se que frente à gestação de alto risco, como a gravidez associada à hipertensão, a gestante se depara com o medo real em relação a si própria e ao bebê, gerando: preocupações com o parto; com possíveis deficiências do bebê; e com os riscos da gravidez. Isso consequentemente faz com que aumente o nível de estresse e predispõe a gestante ao aparecimento de transtornos depressivos.
Portanto, a atenção às preocupações trazidas pelas gestantes relacionadas à gestação pode indicar aos profissionais de saúde, que atendem esta população, os aspectos importantes a serem investigados para se tentar prevenir o aparecimento de transtornos depressivos.
REFERÊNCIAS
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1 Psicóloga, especiaista em psicologia hospitalar pela Divisão de Psicologia do IC-HCFMUSP
2 Diretora de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da Divisão de Psicologia do Instituto Central (IC-HCFMUSP), Psicóloga doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
3 Psiquiatra, Coordenador do Serviço de Interconsultas do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP
4 Obstetra, Livre Docente da Divisão de Clínica Obstétrica do IC-HCFMUSP
5 Psicanalista, Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Diretora Técnica da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP
6 Professor Titular da Divisão de Clínica Obstétrica do IC-HCFMUSP