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Psicologia Hospitalar
versão On-line ISSN 2175-3547
Psicol. hosp. (São Paulo) vol.9 no.1 São Paulo jan. 2011
ARTIGOS ORIGINAIS
Aspectos da sobrecarga em cuidadores de pacientes terminais por câncer: revisão de literatura
Aspects of overburden on caregivers of terminally ill cancer
Michele Gutierres Ignacio1; Danielle de Campos Storti2; Gláucia Rosana Guerra Bennute3; Mara Cristina Souza de Lucia4
Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
RESUMO
Os cuidadores são pessoas envolvidas no atendimento das necessidades físicas, emocionais e sociais do paciente. O familiar designado como cuidador acaba por abdicar de sua vida em função do paciente enfrentando trabalho árduo, o que pode deixá-lo emocionalmente esgotado e fisicamente exausto, eclodindo na sobrecarga física, emocional e social. O presente trabalho teve como objetivo a realização de uma revisão bibliográfica, na qual foram levantados dados acerca dos aspectos da sobrecarga de cuidadores familiares de pacientes oncológicos terminais. Foram utilizadas as bases de dados LILACS, Dedalus/Sibi, Scielo, APA e MedLine, no período entre 1998 e 2009. Foram identificados os seguintes tipos de sobrecarga: Mental, decorrente de Depressão (75%), ansiedade (20%), Distress (30%), e irritabilidade (15%); Física, decorrente de atendimento às necessidades básicas do paciente (15%) e ruptura na rotina do cuidador (55%); e Social, decorrente de conflitos no trabalho e dificuldades financeiras (45%). Em relação ao perfil do cuidador, 80% referem-se à prevalência de cuidadores do sexo feminino, 10% a perda da confiança, por parte do cuidador, nos cuidados despendidos no final da vida e 10% a inexperiência e dificuldade nos cuidados autoreferidos. O cuidador, neste momento de vulnerabilidade do paciente, revelou sofrimento decorrente da sobrecarga emocional, física e social, com expressivo predomínio de depressão, ruptura na rotina e dificuldades financeiras.
Palavras-chave: Sobrecarga; Cuidadores; Paciente terminal; Câncer.
ABSTRACT
Caregivers are people involved in treating the physical, emotional and social health of the patient. The family member designated as a caregiver, eventually give up his life because of the patient, facing hard work, leading to emotional and physycal exhaustion due to overburden. This study aimed to carry out a literature review, collecting data about aspects of overburden on family caregivers of terminal cancer. We used the databases LILACS, Dedalus / Sibi, Scielo, APA and MedLine, the period between 1998 and 2009. We identified the following types of overhead: Mental due to depression (75%), anxiety (20%), Distress (30%) and irritability (15%), Physics from answering the basic needs of the patient (15%) and break in the routine of the caregiver (55%), and Social conflicts arising from the work and financial difficulties (45%). Regarding the profile of caregivers, 80% report prevalence of female caregivers, 10% loss of confidence on care at the end of life, on the part of caregivers and 10% inexperience and difficulty in self care such . The caregiver, in this moment of vulnerability of the patient, revealed suffering caused by emotional, physical and social overload, with a significant prevalence of depression, disruption in routine and financial difficulties.
Keywords: Overburden; Caregivers; Terminal patiente; Cancer.
INTRODUÇÃO
1. O câncer e seu diagnóstico
Atualmente, apesar dos progressos científicos e tecnológicos, o câncer comumente é associado à fantasia de morte.
De acordo com Silva (2003), "o câncer é uma patologia caracterizada pela proliferação descontrolada de células anormais que invadem as estruturas de células vizinhas espalhando-se continuamente, bem como, pela sua disseminação à distância (metástase), por intermédio da corrente sanguínea, vasos linfáticos ou cavidades do organismo" (p. 28).
A descoberta do câncer constitui um choque muito grande para o doente e também para a família. O medo de não haver cura, de ser mutilado e até mesmo de morrer circunda o pensamento do paciente, além de se deparar com uma doença que é altamente estigmatizante (Brandão, Aranha, Chiba, Quayle & De Lucia, 2004).
2. O paciente terminal
Apesar dos enormes avanços no tratamento oncológico como medicamentos mais eficientes contra os tumores, novos procedimentos cirúrgicos, radioterapia e quimioterapia, transplante de medula óssea, controladores de imunidade, existem aqueles pacientes cuja doença torna-se refratária ao tratamento (Borges et al., 2006).
Estes são designados pacientes terminais, e segundo Rezende (2000), há a grande necessidade de refletir que este paciente é alguém que está vivendo intensamente a sua vida e não é um cadáver. De acordo com a autora, embora todos nós possamos ser considerados terminais, pois iremos morrer um dia, os pacientes fora de perspectivas terapêuticas de cura podem ser considerados terminais, e mesmo que apresentem outras terapêuticas, apresentam fragilidade, imobilidade, perda de interesse na ingestão de alimentos e bebidas, tornando-se elevados os níveis de ansiedade, tensão e emoções.
Na situação de terminalidade em que o diagnóstico de câncer tem usualmente um efeito devastador, há o sentimento de dependência e vulnerabilidade. Sentir-se próximo à morte gera sofrimento e dor, tornando-se necessário que a unidade paciente-família seja reconhecida, já que esse período é caracterizado, muitas vezes, pela tentativa de resolução de conflitos negligenciados em outros momentos da vida (Borges et al, 2006).
3. O cuidador familiar
A família, neste momento de vulnerabilidade do paciente, é a peça fundamental no modo como o indivíduo irá lidar com sua doença. Portanto, ela deve ser uma aliada para enfrentar o tratamento e hospitalização e juntos viverem os momentos difíceis, compartilhando apoio e conforto nas horas mais críticas.
Porém, ao receber o diagnóstico de câncer de um ente querido, toda a estrutura familiar sofre alterações, principalmente o membro que se dedicará aos cuidados do paciente.
Será determinado um cuidador pelos familiares, muitas vezes "eleito" de maneira inconsciente, se deixando colocar neste lugar. Os cuidadores são as pessoas envolvidas no atendimento das necessidades físicas, emocionais e/ou sociais do paciente (Volpato & Santos, 2007).
O familiar designado como cuidador dedica-se por um longo período a estes cuidados, no qual acaba por abdicar de sua vida em função do paciente, atendendo suas necessidades em relação a transporte, cuidado físico, apoio emocional, mobilidade, entre outras.
Os cuidadores apontam aspectos positivos e/ou negativos que fazem parte dos cuidados, sendo os positivos o ganho narcísico, aprendizado e encontrar um sentido para a vida e os negativos, perda da liberdade, solidão e cansaço (Laham, 2003).
4. A sobrecarga
Na fase de cuidados terminais, os sintomas dos pacientes ficam mais intensos, o que aumenta a sobrecarga e estresse do cuidador (Floriani, 2004).
De acordo com o dicionário eletrônico Michaelis, sobrecarga significa carga excessiva ou o que se adiciona a carga.
Deeken, Taylor, Mangan, Yabroff e Ingham (2003) definiram três categorias de necessidades relacionadas ao cuidador informal: carga do cuidador, necessidades e qualidade de vida. A sobrecarga é definida como objetiva, que corresponde às demandas no papel de cuidar, e a subjetiva, que se relaciona à sensação provocada pelo ato de cuidar.
Com a finalidade de entender quais as demandas do cuidar e os sentimentos relacionados, o presente trabalho teve como objetivo a realização de uma revisão bibliográfica atualizada, na qual foram levantados dados acerca dos aspectos da sobrecarga em cuidadores familiares de pacientes oncológicos que se encontram fora de possibilidades terapêuticas de cura, considerando a sobrecarga física, mental e social.
MÉTODO
Foi realizada revisão de literatura nacional e internacional, por meio das bases de dados LILACS (Literatura Latino Americana de Ciências de Saúde), Dedalus/Sibi, Scielo (Scientific Eletronic Library Online), APA (American Psychiatry Association) e MedLine (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) no período entre 1998 e 2008, cruzando o unitermo burden com os seguintes unitermos: terminal patient; caregiver; burden; psychology; cancer. Foram selecionados artigos no idioma português e inglês.
Os trabalhos selecionados foram organizados segundo os aspectos envolvidos na sobrecarga física, mental e social. Os artigos foram analisados por meio da frequência das temáticas envolvidas na sobrecarga em cuidadores de pacientes terminais por câncer, utilizando o programa Excel.
RESULTADOS
Foram selecionados para o presente trabalho um total de 25 artigos, entre eles 5 trabalhos de revisão de literatura.
Glajchen (2004) explanou em seu trabalho o papel diferenciado dos cuidadores no cuidado do câncer. Descreveu o impacto deste papel e a qualidade de vida do cuidador, dando a compreensão da sobrecarga e as necessidades não satisfeitas, destacando as exigências adaptacionais dos cuidadores ao longo da trajetória da doença.
De acordo com o levantamento bibliográfico realizado pelo autor, o estágio da doença e as metas de atendimento afetam profundamente o papel e a sobrecarga de quem está exercendo o cuidado. Cuidadores têm de abdicar de atividades sociais e trabalho, além de correr o risco de desenvolver uma variedade de problemas físicos e psicológicos, incluindo a ansiedade, depressão, fadiga e problemas sérios de saúde.
Em relação às necessidades não atendidas dos cuidadores, destacou-se a assistência à adaptação à doença, apoio psicossocial, transporte, assistência financeira, atendimento domiciliar e informação médica. Devido à sobrecarga física e psicológica referente aos cuidados de pacientes oncológicos, são necessários tipos de intervenções que abordem estas necessidades, tais como programas educacionais destinados a informar sobre a trajetória da doença, compreender o processo de dor e outros sintomas; aconselhamento ou psicoterapia, destinado a reduzir a ansiedade e depressão e melhorar o enfrentamento frente ao cuidado; home hospice e cuidados paliativos envolvem uma equipe orientada para fornecer apoio emocional e espiritual para paciente e família; e intervenções que seriam destinadas a ajudar os cuidadores a dominar as competências a serem empregadas.
Em 2006, Floriani e Schramm caracterizaram os problemas no decorrer do trabalho, desempenhado pelo cuidador familiar do idoso com câncer avançado. Através do levantamento de dados feito pelos autores, em relação à sobrecarga dos cuidadores, destacou-se a falta de apoio das equipes de saúde, aumento na demanda de cuidados, encargo financeiro; ruptura com a rotina familiar e grande encargo, sofrimento, desgaste, sensação de impotência, sensação de abandono, desejo de morte, distúrbios familiares, isolamento e vulnerabilidade dos cuidadores.
Pode-se, portanto, constatar a desgastante tarefa do cuidador, em uma repetitividade diária incessante e muitas vezes, durante anos. Este trabalho é solitário, podendo erodir sua vida psíquica, com repercussões físicas, levando o cuidador a um isolamento afetivo e social, pois a maior parte dos cuidadores emerge do núcleo familiar, a atividade cotidiana dos cuidadores implica um significativo encargo a sua vida, há necessidade de que medidas de suporte a este cuidador considerem sua proteção como uma meta a ser perseguida (Floriani, 2004)
Algumas necessidades do cuidador foram destacadas, como a psicológica, informativa, relativas aos cuidados do paciente, pessoal, espiritual e relativa ao manejo do domicílio para provisão de cuidados. Na fase terminal de cuidados, os sintomas ficam mais intensos, o que aumenta a sobrecarga e o estresse do cuidador. A despeito da sobrecarga do cuidador, há trabalhos enfatizando que boas práticas de cuidados paliativos trazem satisfação ao cuidador.
O autor conclui que, em nosso contexto, é necessário que descubramos o que seja uma boa prática de cuidados paliativos. São necessários maiores estudos com respeito ao cuidador do paciente com câncer avançado em nosso meio, levando em consideração a realidade sociocultural em que este cuidador vive.
Já o estudo de Rezende, Derchain, Botega e Vial (2005) teve como objetivo identificar um instrumento padronizado denominado GCQ (Questionário de avaliação do bem-estar global – cuidador) que possa ser aplicado aos cuidadores informais de pacientes com câncer de mama ou genital na fase terminal da doença e apresentá-lo e traduzi-lo de acordo com os padrões internacionais.
Através de 67 artigos identificados, foram selecionados 34, dentre eles, 2 artigos de revisão. A autora demonstrou em seu trabalho que nenhum instrumento é completo em relação a todas as dimensões dos cuidados paliativos (sintomas físicos, psicológicos, suporte social, necessidades econômicas, expectativas e esperanças, crenças existenciais e espirituais). Concluiu-se também que existem poucos trabalhos sobre consequências do cuidar de pacientes com câncer na fase terminal.
O trabalho realizado por Deeken, et al. (2003) consistiu em identificar instrumentos que avaliem os encargos, as necessidades e a qualidade de vida dos cuidadores informais e avaliá-los criticamente.
Foram inicialmente identificados 1870 artigos. Após a análise dos resumos, foram selecionados 334 artigos. De acordo com o critério de exclusão, selecionaram 17 artigos relacionados à sobrecarga, 8 artigos relacionados às necessidades e 3 relacionados a qualidade de vida.
Os resultados desenvolvidos permitiram evidenciar que os instrumentos devem ser sensíveis às mudanças ao estado do cuidador e do paciente ao longo do tempo. Esta não foi tratada adequadamente em muitos dos instrumentos abrangidos na revisão.
Pode-se concluir, com o estudo, que é fundamental o refinamento de instrumentos de avaliação clínica e estudos sobre intervenções no cuidador. Isto possibilitaria aos profissionais da saúde saber quando e como intervir para ajudar os cuidadores sobrecarregados e seus pacientes.
A seguir serão apresentados os tipos de sobrecarga mais encontrados baseado no trabalho de Souza e Turrini (2008) citado anteriormente. Os vinte trabalhos selecionados foram organizados segundo os aspectos envolvidos na sobrecarga física, mental e social, após análise da frequência dos termos envolvidos nestas sobrecargas por meio do programa Excel.
SOBRECARGA FÍSICA, MENTAL E SOCIAL
Souza e Turrini (2008), através de um trabalho realizado com sete cuidadores familiares de pacientes oncológicos terminais, identificaram três categorias de sobrecarga e as dividiram em subcategorias: mental, física e social. Na categoria sobrecarga física, foram estabelecidas as subcategorias: atendimento das necessidades fisiológicas básicas, esgotamento físico e dificuldade para cuidar em casa.
Na categoria sobrecarga mental, destacam-se as subcategorias: necessidade de reconhecimento, irritabilidade, depressão, impotência diante da dor, sentimento de piedade, sentimento de impotência diante da morte, desespero, desânimo e tristeza, solidão, contenção das emoções e inexperiência do cuidar do adulto.
Na categoria sobrecarga social identificou-se o papel feminino, o cuidar por obrigação, alteração da dinâmica familiar, conflito com o trabalho, dificuldade financeira e dificuldade de acesso ao serviço de saúde.
Baseado no trabalho de Souza e Turrini (2008), os vinte trabalhos selecionados foram organizados, segundo os aspectos envolvidos na sobrecarga física, mental e social.
De acordo com os trabalhos apresentados, destacou-se na sobrecarga mental a depressão, ansiedade, distress e irritabilidade, apresentados na Tabela 1.
O atendimento às necessidades básicas do paciente foi a subcategoria referente à sobrecarga física e apareceu em 15% dos trabalhos.
Na sobrecarga social, destacam-se em 55% dos trabalhos a ruptura na rotina do cuidador e em 45% o conflito nos trabalhos e dificuldades financeiras.
Em relação ao perfil dos cuidadores, em 80% dos trabalhos constatou-se a prevalência de cuidadores do gênero feminino, em 55% a prevalência de cônjuges como cuidadores, em 10% inexperiência/dificuldade no cuidar e perda da confiança nos cuidados no fim da vida, como mostra a tabela 4.
Em 80% dos resultados, houve a prevalência de cuidadores do gênero feminino. Segundo Wanderbroocke (2002), o parentesco mais esperado entre os cuidadores principais é o da filha, independentemente do gênero do paciente, seguido da esposa. Porém, em 55% dos estudos, os cuidadores eram cônjuges, seguido de outros graus de parentesco.
De acordo com pesquisas realizadas por Rezende et al. (2005), pouco se conhece sobre o estado psicológico do cuidador, principalmente no período que antecede a morte do paciente, porém, a depressão é a mais estudada, havendo o progresso desses sintomas conforme a aproximação da morte do indivíduo.
A depressão é o subtipo de sobrecarga mental que mais predominou nos resultados, aparecendo em 75% dos trabalhos. A depressão no cuidador pode estar associada à depressão do paciente, estágio avançado da doença, compreensão insuficiente de sentimentos e pensamentos do paciente sobre a experiência da doença, sintomas, imobilidade e grau de comprometimento funcional do paciente.
Em relação às características e necessidades do cuidador, a depressão foi associada à pior percepção dos cuidados médicos, situação financeira e situação de emprego, tempo gasto com os cuidados, proximidade com a morte, idade, gênero, educação, tempo e tipo de diagnóstico, diminuição do apoio social, impacto negativo sobre sua saúde e sobrecarga objetiva (tabela 1).
Já a ansiedade teve como fator predominante o grau de comprometimento funcional, declínio da mobilidade, depressão do paciente, estágio da doença, sobrecarga objetiva e gênero do cuidador, apresentado na tabela 1.
Em 15% dos resultados, o tempo de sobrevivência após o diagnóstico do paciente e seu grau de distress, intensidade dos cuidados, percepção da qualidade e confiança nos cuidados, capacidade de enfrentamento, gênero e ruptura na rotina do cuidador foram significativamente associados com o grau de qualidade de vida relatados pelo cuidador (tabela 1).
A qualidade de vida, segundo nos apresentam Seidl e Zannon (2007), é dividida em dois aspectos relevantes: a subjetividade, que é a percepção do indivíduo sobre seu estado de saúde e a multidimensionalidade que "refere-se ao conceito de que o construto é composto por diferentes dimensões" (p. 583). Embora não seja um tipo de sobrecarga, é um fator predominante para melhor disposição física e mental do cuidador, implicando melhores cuidados prestados ao membro familiar doente.
Já o distress apareceu em 30% dos estudos e foi associado à sobrecarga objetiva, gênero dos cuidadores, situação conjugal e financeira, sentimento de impotência diante da morte do membro familiar, sentimento de abandono pelos familiares, ruptura na rotina do cuidador, falta de confiança nos cuidados prestados, estágio da doença do paciente e sintoma do paciente, demonstrado na tabela 1.
A irritabilidade foi constatada e relacionada ao grau de comprometimento funcional, imobilidade do paciente e sobrecarga sofrida pelo exercício da função de cuidador (tabela 1).
A inexperiência e dificuldade no cuidar apareceram em 10% dos resultados, conforme apresentado na tabela 4, e demonstram o quanto os cuidadores sentem-se inadequadamente preparados para lidar com tarefas que eles têm que realizar frente à prestação dos cuidados como, por exemplo, dificuldades em comprar e preparar alimentos, realizar funções de enfermagem e não saber o que fazer, caso o paciente apresente efeitos colaterais aos medicamentos.
Cuidadores mostram-se pouco confiantes diante de como cuidar do doente no domicílio e do que esperar e fazer frente à proximidade da morte do paciente, apresentando-se em 10% dos trabalhos levantados (tabela 4).
Foram especificados os tipos de cuidados realizados pelo cuidador familiar frente às necessidades básicas do paciente. Os principais foram: compras, gerir finanças e atividades da vida diária como banhos e alimentação, funções de enfermagem, tais como troca de curativo e administrar medicamentos sem formação, gerar conforto, apoio emocional e privacidade, transporte e acompanhamento a serviços médicos (tabela 2).
Estas informações corroboram o estudo realizado por Andrews (2001), no qual é mostrado que os cuidadores auxiliam os pacientes com câncer em relação a transporte, apoio físico e emocional, financeiro, comunicação, mobilidade, tratamentos médicos e acompanhamentos dos sintomas.
A ruptura na rotina do cuidador sobressaiu em 55% dos resultados, demonstrado na tabela 3. As mudanças nos planos pessoais, ausência no emprego ou adaptação a uma licença sem remuneração, mudança na vida pessoal, alteração de tarefas da rotina diária, diminuição das atividades sociais e dificuldades para cuidar da casa são algumas das modificações que ocorrem na vida do cuidador a fim de satisfazer as necessidades do paciente.
Como os pacientes oncológicos necessitam de uma ajuda contínua e a doença crônica pode durar muito tempo, um dos familiares se encarrega dos cuidados e acaba por abdicar de sua vida em função do indivíduo (Volpato & Santos, 2007).
Devido à dedicação em tempo integral ao paciente, muitos cuidadores param de trabalhar temporariamente ou se ausentam do emprego, deixando a atividade profissional em segundo plano. Isto gera a perda da renda familiar e alteração do poder aquisitivo, o que foi demonstrado em 45% dos trabalhos (tabela 3).
Por meio de todos estes dados, ficou evidente expressivo predomínio de depressão, ruptura na rotina do cuidador e dificuldades financeiras. Além disso, pode-se observar que os cuidadores são, em sua maioria, do gênero feminino e da família nuclear do paciente.
DISCUSSÃO
O cuidador principal é aquele que dispõe de seus horários para cuidar e atender as necessidades de seu ente querido. Pode-se observar com os resultados encontrados, em relação ao gênero, que em 80% de trabalhos há o predomínio de cuidadores do gênero feminino. Este dado corresponde aos dados obtidos na literatura, pois conforme mostra Andrews (2001), o cuidar está relacionado com o papel cultural do gênero feminino, no qual a mulher, historicamente, tem a função de cuidadora dos pais, filhos e família.
Os cuidados e o contato do dia a dia com a dor e o sofrimento do paciente pode gerar sofrimento no cuidador. Os resultados revelaram que considerável proporção de cuidadores familiares de pacientes oncológicos terminais apresenta depressão, que pode estar associada a fatores como características do paciente, características do cuidador e demandas do cuidado.
Juntamente com a depressão, a ansiedade apresenta-se relacionada aos fatores citados anteriormente. No estudo de Grunfeld et al (2004), verificou-se que os cuidadores experimentaram ansiedade e depressão no início da doença e dos cuidados paliativos, havendo um aumento substancial da sobrecarga e depressão quando o paciente chegou à fase terminal da doença, sendo a sobrecarga o mais forte preditor de ansiedade e depressão.
Embora os fatores associados à ansiedade e depressão sejam concomitantes aos fatores associados ao distress, é importante salientar que este é um conceito vinculado ao impacto danoso do estresse (Sparremberger, Santos & Lima, 2003), acarretando incapacidade para superar a vivência de experiências desagradáveis e a ruptura do bem-estar individual (Jekel, Elmore & Katz, 1999). Portanto, o distress diverge das medidas de depressão e ansiedade.
A qualidade de vida aparece em 15% dos resultados e, embora não seja um tipo de sobrecarga, é muito importante o bem-estar físico e mental do cuidador. O sofrimento, sensação de impotência, isolamento, desgaste, instabilidade psicológica e deficiência na saúde do cuidador podem gerar repercussões negativas na qualidade de sua vida, o que implicará os cuidados do paciente.
São muitas as tarefas desempenhadas por cuidadores de pacientes fora de possibilidades de cura. Devido à dedicação em tempo integral ao paciente, há a modificação e transformação na rotina de quem presta os cuidados.
Mesmo quando o cuidador tem o auxílio de amigos ou familiares, todas as demandas de cuidados como alimentação, higiene e medicação estão sob sua responsabilidade e estas ocupações terão reflexos em suas vidas que se manifestam através de sinais e sintomas físicos e psíquicos (Araújo et al., 2009). O abdicar de suas atividades para cuidar do outro irá repercutir na esfera de sua vida social, pessoal e profissional.
Muitas vezes ocorre a necessidade de parar de trabalhar ou ausentar-se do emprego, o que gera a perda da renda familiar. Quando o provedor principal é o paciente há, também, a piora do poder aquisitivo, causando estresse para o cuidador, alterando toda dinâmica familiar.
Conforme apresentam Dumont et al. (2006), cuidadores familiares têm que se adaptar a uma licença sem remuneração ou mesmo deixar seu emprego. Além da perda de renda, existem os custos adicionais para medicamentos, suprimentos, suporte técnico e cuidados com a casa e estes elementos podem contribuir para desencadear sofrimento no cuidador.
No momento dos cuidados paliativos, grande parte dos pacientes encontra-se acamada (Kalinke et al., 2006), o que dificulta na manipulação dos cuidados. Isto pode gerar irritabilidade no cuidador, pois o aumento do grau de comprometimento e imobilidade no paciente aumenta a sobrecarga de cuidados, como por exemplo, não conseguir realizar a higienização ou banho no paciente devido à falta de força do cuidador e impossibilidade do paciente em fornecer ajuda.
Em 15% dos trabalhos foram especificados os tipos de cuidados realizados pelo cuidador frente às necessidades básicas do paciente como compras, toalete, troca de curativos e administração de medicamentos. Porém, em 10% dos resultados, é demonstrado o quanto cuidadores sentem-se inadequadamente preparados para lidar com alguns tipos de cuidados, principalmente os relacionados à realização de funções de enfermagem.
Há um crescente estresse causado pela adição contínua de novas tarefas, bem como a contínua adaptação a novos papéis ao longo do tempo. Com o declínio do quadro do paciente, o cuidador passa a querer compensar suas deficiências e começa assim a assumir um número cada vez maior de responsabilidades (Schubart, Kinzie & Farace, 2008), para as quais muitas vezes não se sente preparado.
No que se refere ao cuidar do doente no domicílio e do que esperar e fazer frente à proximidade da morte do paciente, cuidadores mostram-se também pouco confiantes diante de que atitudes desempenhar.
De acordo com o estudo realizado por Araújo et al. (2009), pode-se constatar que mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas pelos cuidadores, a maioria deles preferiu cuidar de seu ente querido em casa, por acreditar que o lar traria mais conforto ao paciente. Entretanto, o mesmo grupo de cuidadores optou que o momento da morte do paciente ocorresse no hospital, pois o contato com a morte ainda é uma situação difícil de se confrontar, principalmente quando o indivíduo doente faz parte de um laço afetivo familiar.
Frente às inúmeras mudanças, é importante que o cuidador familiar cuide de si próprio para manter sua integridade física, emocional e psicológica, já que o cuidador vivencia experiências iniciais relacionadas a mudanças necessárias e a sentimentos desencadeados por esta ação (Volpato & Santos, 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cuidador, com o passar do tempo, vai se adaptando aos cuidados e tendo melhor aceitação da doença do paciente e dos papéis do cuidar (Laham, 2003).
Porém, no momento de vulnerabilidade do paciente e diante dos cuidados oferecidos, o cuidador revelou sofrimento decorrente da sobrecarga emocional, física e social, com expressivo predomínio de depressão, ruptura na rotina e dificuldades financeiras. Além disso, observou-se que os cuidadores são, em sua maioria, do sexo feminino e da família nuclear do paciente.
Pode-se concluir, neste trabalho, que a sobrecarga em cuidadores de pacientes terminais por câncer vem se mostrando alvo de interesse nos estudos, tanto nacionais como internacionais, configurando fonte de atenção e de futuras possibilidades de intervenção junto ao paciente terminal por câncer, considerando que, além do paciente, o cuidador apresenta sofrimento em todas as esferas de sua vida, necessitando também de cuidados.
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Endereço para correspondência
e-mail – ignacio_michele@yahoo.com.br
1Psicóloga da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, Brasil.
2Psicóloga, estagiária de pesquisa em Psicologia Hospitalar, Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, Brasil.
3Doutora, Diretora Técnica de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, Brasil.
4Doutora, Diretora da Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, Brasil.