SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número2Técnicas e práticas psicológicas no atendimento a pacientes impossibilitados de se comunicarem pela fala índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia Hospitalar

versão impressa ISSN 1677-7409

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.12 no.2 São Paulo dez. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Estratégias de enfrentamento e situações estressoras de profissionais no ambiente hospitalar

 

Stress and coping strategies of professionals in the hospital environment

 

 

Ana Paula Pacheco Moraes MaturanaI,1; Tânia Gracy Martins do ValleII,2

IDepartamento de Ciências da Saúde das Faculdades Integradas de Jahu.
IIDepartamento de Psicologia e Pós Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A pesquisa teve como objetivo identificar a presença de estresse e descrever situações estressoras e estratégias de enfrentamento relacionadas à atuação de sessenta profissionais que atuam em hospitais, entre eles psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram: o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp e o Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus. Os resultados apontaram a presença de estresse em 51,6% dos profissionais da amostra. As três profissões analisadas apresentaram resultados semelhantes na escolha de estratégia de enfrentamento mais e menos utilizadas. A categoria “Comunicação e Relacionamento entre a equipe” foi apontada como a situação mais estressora no trabalho. Portanto, além da necessidade de um treino de controle de estresse, nota-se a importância de programas que visem desenvolver habilidades sociais relacionadas à comunicação e competências de relacionamento interpessoal.

Palavras-chave: Estresse, Saúde ocupacional, Psicólogos, Enfermeiros.


ABSTRACT

This research aimed at identifying and describing stressful situations as well as coping strategies related to the professional practice of sixty professionals working in the health area; specifically, psychologists, nurses and social workers. The instruments used for data collection were the ISSL and the adapted-Portuguese version of the Coping Strategies Inventory by Folkman and Lazarus. The results indicated the presence of stress in 51.6 percent of the professionals in the sample. The coping strategy most employed by professionals from the above-mentioned professions was the problem-solving strategy, and the one least used was the confrontation strategy. Most professionals identified “communication and relationships between staff and other professionals” as a stressful situation at work. Therefore, in addition to the need for stress management training, we note the importance of programs designed to develop social skills related to communication and interpersonal relationship skills. Coping adequately with stressful situations may prevent them from interfering during the rest of one’s work career.

Keywords: Stress, Occupational health, Coping, Psychologists, Nurses.


 

 

INTRODUÇÃO

O trabalho em hospitais tem características particulares e abrange várias situações-limite como vida/morte, saúde/doença que acabam influenciando no bem-estar da própria equipe de saúde, podendo gerar estresse e adoecimento. Autores da área da psicologia da saúde apontam que poucos ambientes de trabalho são tão complexos como um hospital (Nishide, Benatti & Alexandre, 2004), pelo fato de ser ao mesmo tempo um centro de cuidado à vida e um local de doença e morte.

Considerado por muitos um ambiente de trabalho penoso e insalubre por lidar com o sofrimento, a dor, a doença e a morte humana (Pitta, 1991; Nishide et al., 2004), o hospital também exige atenção constante do trabalhador, no sentido de prevenção de acidentes de trabalho e/ou contaminações. O grau de insalubridade e o risco de contaminações irão depender do tipo de atenção dada ao doente pelo profissional da saúde e do setor de atuação. Profissionais que desempenham funções que exijam contato mais direto com o paciente, principalmente quando relacionado a procedimentos invasivos, estão mais propensos aos riscos citados.

Além das características institucionais, situações estressoras envolvendo a necessidade de apresentar respostas rápidas relacionadas a situações-limite de vida e morte de pacientes, alta carga horária, atendimento ao público muitas vezes em estados emocionais alterados, sobrecarga de tarefas, conflitos de opiniões e pontos de vista divergentes com profissionais de outra formação acadêmica também fazem parte do ambiente diário dos profissionais da saúde que atuam em hospitais. Caso essas situações estressoras atuem durante um considerável tempo sobre um indivíduo que não tenha repertório comportamental para se esquivar e contra controlá-las ou que não possa emitir outros comportamentos a fim de evitá-las, este pode apresentar alterações fisiológicas, problemas emocionais e outros sintomas, podendo desenvolver o estresse.  De acordo com Lipp (2003), os efeitos do estresse afetam a pessoa e seu meio social, como amigos e família. Fases mais adiantadas do estresse podem trazer consequências físicas e psicológicas, ocasionando cansaço mental, dificuldade de concentração, perda de memória, e em fases avançadas, como quase-exaustão e exaustão, desencadear doenças como hipertensão, impotência sexual, diabetes, entre muitas outras.

Em ambiente hospitalar, a possibilidade de esquiva e fuga de situações estressoras diminui, pois muitas vezes essas situações fazem parte do dia-a-dia da instituição. Diante dessa realidade, os profissionais utilizam estratégias para enfrentar essas situações que causam estresse e desconforto físico e emocional, as chamadas “estratégias de enfrentamento”. Estas são parte integrante de um repertório comportamental aprendido ao longo da vida e principalmente durante a formação acadêmica, estágios e residência, já que as situações enfrentadas no ambiente de trabalho em hospitais, apesar de terem semelhanças com eventos e situações cotidianas, têm suas próprias peculiaridades.

Como apontado por Lipp (2003), o estresse pode também ter reflexo negativo nas relações sociais. Assim, compreende-se que a saúde do trabalhador tem grande influência nas formas de relacionamento que esse irá estabelecer na Instituição, com a equipe de profissionais e com os pacientes com os quais irá atuar. Portanto, identificar aspectos do trabalho e formas de enfrentamento de eventos estressantes que gerem sintomas físicos e psicológicos é de grande importância para compreender a forma com que esses profissionais lidam com situações estressoras e como isso reflete em sua prática laboral e sua saúde. É nesse ponto fundamental que se justifica a relevância dessa pesquisa.

Conhecendo os fatores citados acima, é possível estabelecer relações entre os eventos estressores no trabalho, formas de enfrentá-lo e incidência de sintomas físicos e psicológicos nos profissionais, o que futuramente permitirá apontar práticas, comportamentos e estratégias de enfrentamento adequadas a situações estressoras, que possam auxiliar na prevenção do surgimento de sintomas e doenças relacionadas ao estresse ocupacional, melhorando assim a qualidade de vida no trabalho e o atendimento aos pacientes.

Assim, a presente pesquisa pretendeu atender também à questão levantada atualmente pelos programas de humanização hospitalar referentes à Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (como o HumanizaSUS), instituído em 2003. Dentre suas diretrizes, destaca-se a atenção não somente aos pacientes, mas também à equipe de saúde, aos profissionais atuantes nela, propondo ações e atividades de valorização e promoção de saúde e qualidade de vida no trabalho (Portal da Saúde, 2010).

Logo, os objetivos da pesquisa foram: identificar e descrever situações estressoras e estratégias de enfrentamento relacionadas à atuação profissional e sua relação com sintomas físicos e psicológicos decorrentes do estresse e investigar a possível presença de relação entre determinadas estratégias de enfrentamento com a atuação profissional.

Estresse e trabalho

Para a compreensão das estratégias de enfrentamento faz-se necessário compreender primeiramente o processo de estresse. Lipp e Malagris (2001) apontam que dezenas de autores têm tentado definir cientificamente o que é estressesem que se tenha chegado a um acordo. Referem que Selye, em 1974, lamentou o uso indiscriminado do conceito, que passou a denominar tanto o que causa tensão, quanto as consequências sofridas pelo organismo a ela submetido, isto é, uma dificuldade conceitual acerca do estresse ser estímulo ou resposta. Tal fato também é apontado na revisão da evolução conceitual do termo feita por Faro e Pereira (2013). A fim de facilitar o entendimento e a definição de estresse, essa pesquisa adotou no seu desenvolvimento a proposta por Lipp e Malagris (2001) que o definem como “uma resposta complexa do organismo, que envolve reações físicas, psicológicas, mentais e hormonais frente a qualquer evento que seja interpretado pela pessoa como desafiante”. Vale ressaltar que o aparecimento de sintomas físicos e psicológicos em decorrência do processo de estresse irá depender da “capacidade do organismo em atender às exigências do momento, independentemente destas serem de natureza positiva ou negativa” (Lipp & Tanganelli, 2002, p.538).

No caso dos estressores relacionados ao local de trabalho, têm-se como alguns exemplos: as pressões de realizar uma tarefa em determinado tempo, os conflitos inter e intrapessoais, os aspectos físicos negativos do local de trabalho, as preocupações financeiras, a necessidade de atender as expectativas da equipe e dos usuários quanto a sua atuação, entre muitos outros. Cooper (2001) afirma que a maioria das pesquisas sobre estresse no trabalho utiliza os pressupostos teóricos gerais do estresse, com uma abordagem interacional, isto é, a presença de certas condições de trabalho pode estar associada com um número de respostas ao estresse. Ainda de acordo com a abordagem interacional, Cooper (2001) afirma que características organizacionais, fatores situacionais e diferenças individuais podem influenciar a resposta do trabalhador frente ao estímulo estressante.

O conceito de estresse ocupacional é definido por Cooper e Kelly (1993) como um “problema de natureza perceptiva, resultante da incapacidade do indivíduo de lidar com fontes de pressão no trabalho”. O estresse ocupacional pode ter como consequências problemas de ordem física e emocional, muitas vezes relacionadas à satisfação com o trabalho que o indivíduo desempenha. A percepção do estímulo como fonte de estresse dependerá da avaliação individual, o que também ocorre para o estresse relacionado ao trabalho. Por essa razão, esses estímulos serão aqui denominados de estímulos potencialmente estressantes.

Franco, Druck e Seligmann-Silva(2010) apontam que todos os setores de atividades têm se caracterizado pelas metas inalcançáveis e pelo ritmo intenso de trabalho favorecidos pelo patamar tecnológico da microeletrônica. A forte pressão de tempo somada à intensificação do controle ou da instrumentalização, do medo à demissão, conduzem à intensificação do trabalho. Sendo assim, algumas características da instituição de trabalho podem estar intimamente relacionadas ao estresse.

Estratégias de Enfrentamento

O processo de estresse desencadeia estratégias de enfrentamento, também conhecidas pela palavra da língua inglesa “coping”. Atualmente, a definição mais utilizada em pesquisas sobre estratégias de enfrentamento é a deLazarus e Folkman (1984), que definem o coping como uma variável individual representada pelas formas como as pessoas comumente reagem ao estresse, determinadas por fatores pessoais, exigências situacionais e recursos disponíveis. Com a finalidade de aferir o coping e criar uma medida para uso em pesquisas, os autores Lazarus e Folkman (1980) desenvolveram o instrumento denominado Ways of Coping Checklist. Segundo estes, o instrumento oferece vantagens para os estudiosos de Coping por várias razões. Uma delas é o fato de que este foi projetado para aferir o coping em uma situação específica, podendo ser utilizado para análise intra-individual ou de comparação. O instrumento também permite que o sujeito caracterize a complexidade de suas ações e pensamentos em determinada situação. Em outra pesquisa sobre tema, agora em 1986, Folkman e Lazarus (1986) elaboraram uma nova versão revisada do instrumento, o Ways of Coping Questionnaire Revised - WOCQ-R, um questionário com 66 itens. Dentre os itens, encontra-se uma ampla gama de tipos de “enfrentamento” e estratégias comportamentais que as pessoas utilizam para gerenciar situações estressoras, sejam essas externas ou internas.

De acordo com os autores, uma análise fatorial do questionário produziu oito escalas, também chamadas de fatores nas pesquisas atuais. Em seu artigo Appraisal, Coping, Health Status, and Psychological Symptoms, Lazarus, et. al. (1986) citam os oito fatores de estratégias de enfrentamento, sendo eles: Confronto, Afastamento, Autocontrole, Suporte Social, Aceitação de Responsabilidade, Fuga-Esquiva, Resolução de Problemas e Reavaliação Positiva.

A escolha de uma classe de estratégias de enfrentamento ou de outra e a forma como estas são utilizadas é influenciada, em grande parte, por aspectos relacionados a: crenças, auto-regras, habilidades de solução de problemas, habilidades sociais, assertividade, suporte social e recursos materiais (Savóia, 1999). Os autores Antoniazzi, Dell'aglio e Bandeira (1998) apontam que os processos de enfrentamentopodem se modificar com o desenvolvimento da pessoa, devido a grandes modificações que se processam nas condições de vida, através das experiências vivenciadas pelos indivíduos. Entende-se, então, que a despeito de sua consequência, o que se considera como estratégia de enfrentamento é qualquer tentativa de preservar a vida ou a saúde mental e física do indivíduo e que tenha a função de lidar com um possível estressor (Straub, 2005). É importante ressaltar que a maioria dos autores compreende o enfrentamento de estímulos estressores como um processo dinâmico, que abrange uma série de respostas, envolvendo a interação do indivíduo com o seu ambiente (Straub, 2005).

Profissionais da Saúde

Tendo em vista as condições diferenciadas do trabalho em hospitais, a eficiência profissional desses trabalhadores dependerá da interação de fatores como competência técnica, habilidades de resolução de problemas e competência interpessoal (Miyazaki et al., 2011). Os profissionais da saúde eleitos para participarem desse estudo foram os enfermeiros, psicólogos hospitalares e assistentes sociais atuantes em Hospitais Gerais. Os fatores que levaram a essa escolha foram: o contato direto desses trabalhadores com os pacientes, seus conflitos pessoais, psicológicos e suas dores, e a escassez, no caso dos psicólogos e assistentes sociais, de pesquisas sobre quais aspectos esses profissionais consideram estressantes no trabalho e qual a forma que lidam com eles.

Enfermeiros

A enfermagem é considerada por diversos autores como uma das profissões mais desgastantes e estressantes devido ao fato de englobar fatores de risco à saúde de natureza física, química e biológica (como o constante contato com doenças) e de natureza psíquica (grau de dificuldade em procedimentos técnicos, alta responsabilidade em tomadas de decisão) (Ferreira, 1998). A equipe de enfermagem enfrenta atualmente uma crise em relação à prática profissional e à sua formação acadêmica e técnica devido a aspectos relacionados ao: número reduzido de enfermeiros na equipe de enfermagem, às dificuldades em delimitar os diferentes papéis entre enfermeiros, técnicos, auxiliares e atendentes de enfermagem e à falta de um reconhecimento nítido, entre o público em geral, de quem é o enfermeiro. Stacciarini e Troccoli (2001) apontam que essas características do momento profissional do enfermeiro encontram paralelos nos estressores ocupacionais. Profissionais da enfermagem concentram atualmente o maior número de pesquisas sobre estresse e estratégias de enfrentamento entre os profissionais da saúde, fato notado em uma revisão bibliográfica feita por Moraes (2010).

Psicólogos que atuam em Hospitais

Dentre os vários pacientes que o psicólogo que atua em Hospitais pode atender, está, por exemplo, o paciente cirúrgico e o paciente terminal. O trabalho junto ao paciente cujo diagnóstico é extremamente grave e cujo prognóstico é a terminalidade, é, por vezes, complicado. Para lidar com aspectos relacionados à morte ou a iminência dela, o psicólogo depara-se com situações que impõem controle e administração de emoções a fim de amenizar o sofrimento sentido pela perda. Outra forma de atuação do psicólogo que trabalha em hospitais é na Interconsulta, que consiste em atender à solicitação de um médico ou outro profissional da equipe de saúde em relação ao atendimento de um paciente. A Interconsulta contribui para garantir um atendimento global do paciente, tendo a psicologia um importante papel a cumprir neste contexto (Carvalho & Lustosa, 2008).

Assistentes Sociais

De acordo com Costa (2000), a atuação do profissional do Serviço Social na área da saúde é voltada para a educação, informação e comunicação em saúde, sendo realizada através de orientações, prestação de informações sobre as normas e rotinas das instituições, encaminhamentos individuais e coletivos, realização de eventos e criação de espaços de discussão, reclamações e sugestões. Nas instituições hospitalares, o papel do assistente social é prestar “orientação sobre os cuidados a serem tomados durante a visita, prevenindo comportamentos que possam comprometer o estado de saúde do paciente, bem como condutas pós-alta” (Costa, 2000).

 

MÉTODO

Participantes

A amostra do estudo foi composta por sessenta (60) profissionais que atuam na área da saúde, sendo eles psicólogos (20), enfermeiros (20) e assistentes sociais (20). A fim de atender aos objetivos da pesquisa foram selecionados para integrar a amostra de participantes os profissionais que se enquadraram em alguns critérios pré-estabelecidos. Sendo assim, os critérios e características que permitiram a inclusão de determinados profissionais no estudo foram: atuar há mais de seis meses na mesma função, área de atuação e Instituição, a fim de garantir que esse profissional esteja familiarizado com o trabalho e com o ambiente ocupacional; concordar em participar do estudo, manifestando-se de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; responder completa e corretamente os instrumentos de coleta de dados.

Local

A coleta de dados foi realizada no próprio ambiente de trabalho dos profissionais, com liberação e acordo das respectivas Instituições. Ao todo, foram coletados dados de profissionais de cinco Hospitais Gerais do interior do estado de São Paulo.

Material e Coleta de Dados

Os dados foram coletados individualmente e os instrumentos utilizados para a coleta de dados da pesquisa foram: (a) Inventário de sintomas de Stress para adultos (Lipp, 2000), para verificar a presença e a fase do estresse em que se encontravam os trabalhadores; (b) Versão adaptada para o português do Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus (Savóia, Santana & Mejias, 1996), visando identificar qual o evento que os profissionais consideram estressor em seu trabalho e quais as estratégias de enfrentamento mais utilizadas para lidar com esse.

Como são autoaplicáveis, os próprios participantes responderam os inventários. A pesquisadora se manteve presente no momento da aplicação dos mesmos, mantendo-se neutra e tendo o cuidado para não influenciar nenhum tipo de resposta.  O período de coleta de dados foi de maio de 2010 a janeiro de 2012.

Análise de Dados

O Inventário de Stress para Adultos de Lipp foi corrigido de acordo com as instruções contidas em seu manual. Os dados obtidos permitiram agrupar os profissionais quanto à presença de estresse e nível deste, como Sem Estresse ou Com Estresse e as fases: Alerta; Resistência; Quase-Exaustão e Exaustão. Quanto ao fator “sintomatologia”, este foi dividido em quatro grupos: Nenhum sintoma, Prevalência de sintomas físicos, Prevalência de sintomas psicológicos, Ambos os sintomas.

As respostas dos participantes no preenchimento da lacuna do “Inventário de Estratégias de Coping de Lazarus e Folkman Adaptado para o Português”, sobre a situação que o profissional considera como estressora em seu trabalho, foram agrupadas em categorias, nas quais os itens contêm conteúdos semelhantes, de acordo com o proposto por Bardin (2011). Foi realizada uma pré-análise e leitura analítica para categorizar os itens de acordo com a semelhança temática e textual.

Para a correção dos 66 itens do Inventário de Estatégias de Coping de Lazarus e Folkman, estes foram agrupados em oito fatores relacionados às formas de enfrentar a situação estressora, como apontado no trabalho de Savóia et al. (1996). Considerando a escala Likert de 0 a 3, a pontuação máxima em cada um dos 66 itens do inventário é “três”. Devido a diferença de quantidade de itens entre os fatores, a correção foi feita somando-se a pontuação do participante nos itens de um mesmo fator, multiplicando esse dado por 100 e dividindo o valor obtido pela pontuação máxima possível em cada fator. Dessa forma, obteve-se um valor percentual de resposta do participante para cada fator do inventário.

A confiabilidade dos dados obtidos com o Inventário de Estratégias de Coping de Lazarus e Folkman adaptado para o Português foi avaliada por meio da análise da consistência interna de cada um dos oitos fatores, pelo método do Coeficiente a de Cronbach. De acordo com Maroco e Garcia-Marques (2006), “a consistência interna estima a fiabilidade de um instrumento, porque quanto menor é a variabilidade de um mesmo item numa amostra de sujeitos, menor é o erro de medida que este possui associado” (p.73). Foi utilizado para a obtenção do Coeficiente a de Cronbach o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 19.

Procedimentos Éticos

O presente trabalho foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Estadual de Bauru (HEB) e ao Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da UNESP, Campus de Bauru, e obteve aprovação em ambos. O contato com as diretorias dos demais hospitais, a permissão e liberação para a realização da pesquisa ocorreu verbalmente, com consentimento dos respectivos diretores dos hospitais.

 

RESULTADOS

No presente trabalho procurou-se identificar e descrever as situações consideradas como estressoras no ambiente de trabalho de três grupos de profissionais da saúde, identificar quais as estratégias de enfrentamento utilizadas para lidar com elas e a presença de estresse. O estudo contou com a presença de 60 participantes, entre enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais, sendo a grande maioria (86,7%) composta por mulheres.

Presença de Estresse

A correção do ISSL apontou para a presença de estresse em 51,6% dos profissionais (31 pessoas) e ausência de estresse em 48,3% (29 pessoas) da amostra. Em relação às profissões, 65% dos Assistentes Sociais, 50% dos Enfermeiros e 40% dos Psicólogos foram considerados com estresse de acordo com a correção do instrumento ISSL.

Situações Estressoras no Trabalho

Como parte integrante do Inventário de Estratégias de Coping de Lazarus e Folkman adaptado para o Português (Savóia et al., 1996) obteve-se, por escrito, exemplos de situações consideradas estressoras no trabalho dos profissionais da saúde que participaram do estudo. A análise de Conteúdo baseada em Bardin (2011) permitiu o agrupamento do conteúdo das respostas em cinco grandes grupos, de acordo com a semelhança semântica das respostas. Os grupos são compostos por situações estressoras no trabalho relacionadas a:

1) Problemas Institucionais: burocracia, falta de funcionários, falta de materiais;

2) Função no trabalho: acúmulo e mudança de funções no trabalho;

3) Comunicação e Relacionamento entre a equipe e outros profissionais;

4) Sentimentos relacionados ao atendimento dos pacientes: lidar com a dor, a doença e o óbito.

5) Não definidas, isto é, respostas em branco ou não claras.

 

A análise das respostas apontou que a categoria que apareceu com mais frequência é a relacionada a “Comunicação e Relacionamento entre a equipe e outros profissionais”, apontada como situação estressora por 27 (45%) dos profissionais.Em segundo lugar, a categoria “Problemas Institucionais”, eleita por doze profissionais (20%), englobou aspectos relacionados à burocracia, materiais e formas de administração.

A categoria referente aos “Sentimentos relacionados ao atendimento aos pacientes: lidar com a dor, a doença e o óbito” foi eleita por dez profissionais (16,6%). Outra categoria com situações menos citadas foi sobre “Função no trabalho: acúmulo e mudança de funções no trabalho”, apontada como estressora por sete profissionais (11,6%). Foram apontadas situações referentes a sobrecarga de trabalho e confusão nos papéis desempenhados pelos funcionários.

Dos 60 profissionais participantes da pesquisa, três deles deixaram a lacuna a ser preenchida com a situação considerada estressora em seu trabalho em branco (dois psicólogos e um enfermeiro). Um psicólogo escreveu que não conseguira definir uma situação estressora específica. Por essa razão, esses quatro participantes (6,6%) entraram na categoria “Não definidas”.

Os dados vão ao encontro da afirmação feita por Miyazaki et al. (2011), de que “trabalhar em instituições de saúde pública no Brasil envolve conviver com problemas diários e situações adversas de trabalho” (p.569). No presente trabalho notou-se que as situações mais aversivas a esses profissionais estão relacionadas à dificuldade em lidar com pressões dos superiores ou de outros profissionais, expor suas opiniões em relação a determinado procedimento, falta de colaboração e cobranças “indevidas”, gerando conflitos intragrupo que acabam prejudicando o rendimento do trabalho e afetando a saúde física e psíquica desses trabalhadores. O trabalho em equipes ocorre em um contínuo, indo da atuação paralela à interdisciplinar (Miyazaki et al., 2011). Devido a sua característica dinâmica, o trabalho em equipe dos profissionais que atuam em hospitais está sujeito à influência de fatores pessoais, profissionais, organizacionais e do grupo em si.

Estratégias de Enfrentamento

A confiabilidade dos dados obtidos com o Inventário de Estratégias de Coping de Lazarus e Folkman adaptado para o Português foi avaliada por meio da análise da consistência interna de cada um dos oitos fatores, pelo método do Coeficiente α de Cronbach. A correção do inventário demonstrou que os fatores de coping mais utilizados pelos enfermeiros são Resolução de Problemas e Reavaliação Positiva, respectivamente. Tais dados estão ilustrados na Tabela 2.

 

 

Para os Psicólogos e Assistentes Sociais as estratégias de enfrentamento mais utilizadas foram Resolução de Problemas e Suporte Social. Em relação às estratégias menos utilizadas temos Confronto e Afastamento, respectivamente. Nota-se que os dados específicos a cada profissão segue o mesmo padrão de similaridade das médias gerais.

Enquanto estratégia para lidar com os estímulos estressores, a Resolução de Problemas remete a comportamentos que envolvem ação prática em relação ao estressor, isto é, atua sobre o estímulo que causa estresse com a intenção de modificá-lo ou eliminá-lo (Savóia, 1999). Podemos incluir a Resolução de Problemas no hall das estratégias de enfrentamento focadas no problema (Lazarus & Folkman, 1984).

Afastamento foi a estratégia de enfrentamento menos utilizada pelos profissionais. Resultados semelhantes foram encontrados em outros trabalhos. A pesquisa de Guido (2003) revela que em uma população de 17 enfermeiros atuantes em Centro Cirúrgico e Recuperação Anestésica, 70% relataram em uma entrevista sentir estresse no trabalho. Quanto às estratégias de enfrentamento, os fatores de coping citados com maior frequência no Inventário de Estratégias de Coping de Lazarus e Folkman, utilizado por Guido, são a Resolução de Problemas, Suporte Social, Aceitação de Responsabilidade e Reavaliação Positiva. O fator que obteve menor frequência foi o de Afastamento.

 

DISCUSSÃO

Ao concluir este estudo pode-se afirmar que a presença de estresse, sua fase e incidência de sintomas psicológicos irão influenciar o trabalho dos profissionais da saúde, sua maneira de perceber a situação estressora e sua forma de enfrentá-la. Os dados obtidos corroboram achados de outras pesquisas, confirmando que independente do hospital e da formação acadêmica, fatores institucionais semelhantes, presentes no tipo de trabalho realizado e na forma de atendimento a esse público específico (pessoas enfermas e suas famílias) irão representar fontes possíveis de estresse, apesar das diferenças na avaliação cognitiva de cada trabalhador. Por essa razão, Enfermeiros, Psicólogos e Assistentes Sociais apresentaram resultados similares em relação à situação considerada estressora e a forma de enfrentamento desta, pois além da avaliação cognitiva pessoal, o ambiente de trabalho, no caso o hospitalar, tem papel importante na escolha das estratégias de enfrentamento desses profissionais.

A pressa, a necessidade de apresentar respostas rápidas, as pressões dos superiores, as características institucionais, burocráticas e principalmente a dificuldade de relacionamento interpessoal com a equipe de trabalho podem ser apontadas como as principais causas de estresse nos trabalhadores da saúde. Nota-se, portanto, que a equipe multidisciplinar dos cinco hospitais estudados encontra um impasse maior do que atuar com o paciente doente, o de relacionar-se com membros de outra formação, trocar informações sobre o mesmo paciente e atuar de maneira conjunta.

Portanto, além de um treino de controle de estresse, vale ressaltar a importância de programas que visem desenvolver habilidades sociais relacionadas à comunicação e competências de relacionamento interpessoal. A presença de embates e conflitos de opiniões entre membros de uma mesma equipe é inevitável, porém saber como enfrentá-lo de maneira adequada poderá impedir que a situação estressora perdure enquanto durar seu trabalho na instituição hospitalar.

E, por último, faz-se importante ressaltar que os dados obtidos sobre a presença de estresse nos profissionais da Assistência Social e da Psicologia que atuam em hospitais podem ser considerados como pioneiros, uma vez que pesquisas com essa temática e população não foram encontradas em revisão de literatura.

 

REFERÊNCIAS

Antoniazzi, A. S., Dell’aglio, D. D., Bandeira, D. R. (1998). O conceito de coping: uma revisão teórica.Estudos de Psicologia (Natal),3(2), 273-294.

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.         [ Links ]

Carvalho, M. R., Lustosa, M. A. (2008). Interconsulta psicológica.Revista da SBPH. Rio de Janeiro, 11(1): 31-47.         [ Links ]

Costa, M. D. H. (2000). O trabalho nos serviços de saúde e a inserção dos(as) Assistentes Sociais. Revista Serviço Social & Sociedade,62, 35-71. São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Cooper,C. (2001). What is Stress? In: Cooper, C., Dewe, P., O’Driscoll, M. Organizational Stress - A Review and Critique of Theory, Research, and Applications. Sage: London.1-26.

Cooper, C., Kelly, M. (1993). Ocupational stress in head teachers: A nacional UK study. British Journal of Educational Psychology, 63, 130-143.         [ Links ]

Faro, A., Pereira, M. E. (2013). Estresse: Revisão Narrativa da Evolução Conceitual, Perspetivas Teóricas e Metodológicas.Psic., Saúde & Doenças. Lisboa: 14, 78-100.         [ Links ]

Ferreira, F. G. (1998). Desvendando o estresse da equipe de enfermagem em terapia intensiva. 1998. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Franco, T., Druck, G. & Seligmann-Silva, E. (2010). As novas relações de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado.Revista Brasileira de Saúde Ocupacional 35(122), 229-248.         [ Links ]

Guido, L. A. (2003). Stress e coping entre enfermeiros de centro cirúrgico e recuperação anestésica.2003.199f.Tese (Doutorado em Enfermagem). São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Lazarus, R. S. & Folkman, S (1980).An Analysis of Coping in a Middle-Aged Community Sample. In: Journal of Health and Social Behavior, 21 (3). 219-239.         [ Links ]

Lazarus, R. S. & Folkman, S. (1984). Coping and Adaptation. In: Gentry, W.D., Handbook of Behavioral Medicine. New York: The Guilford Press. 282-325.         [ Links ]

Lazarus, R. S., et. al. (1986). Dynamics of a Stressful Encounter: Cognitive Appraisal,Coping, and Encounter Outcomes. Journal of Personality and Social Psychology, 50 (3). 571-579.         [ Links ]

Lipp, M. E. N., & Tanganelli, M. S. (2002).Stress e qualidade de vida em magistrados da justiça do trabalho: diferenças entre homens e mulheres.Psicologia: Reflexão e Crítica, 15(3), 537-48.         [ Links ]

Lipp, M. E. N., & Malagris, L. E. N. (2001). Manejo do stress. In B. Rangé (Org.)Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria.Porto Alegre: Artmed.568-580.         [ Links ]

Lipp, M. E. N. (2000). Manual do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Lipp, M. E. N. (2003). O modelo quadrifásico do stress. In: LIPP, M. E.N. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. São Paulo: Casa do Psicólogo,17-21.         [ Links ]

Maroco, J.; Garcia-Marques, T. (2006). Qual a fiabilidade do Alpha de Cronbach? Questões antigas e soluções modernas? Laboratório de Psicologia, 4 (1), 65-90.         [ Links ]

Miyazaki, M. C. et. al. (2011). Psicologia da Saúde. Intervenções em hospitais públicos. In B. Rangé (Org.). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais (pp.558-568). 2ª ed. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Moraes, A. P. P. (2010). Pesquisas sobre stress e estratégias de enfrentamento em profissionais da saúde: revisão e apontamentos. Anais do IV Congresso de Psicologia da UNESP – Bauru.

Nishide, V. M., Benatti, M. C. C. & Alexandre, N. M. C. (2004). Ocorrência de acidente do trabalho em uma unidade de terapia intensiva.Revista Latino-Americana de Enfermagem,12 (2), 204-211.         [ Links ]

Pitta, A. (1991). Hospital: dor e morte como ofício. 2.ed. São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Portal da Saúde. HumanizaSUS. Disponível em <⁄⁄portal.saude.gov.br⁄portal⁄saude⁄cidadao⁄area.cfm?id_area=1342>. Acesso em 15 de fevereiro de 2010.

Savóia, M. G. (1999). Escalas de eventos vitais e de estratégias de enfrentamento (Coping), Rev. Psiq. Clin.,26 (2), Edição Especial.         [ Links ]

Savóia, M. G., Santana, P. R., Mejias, N. P.(1996). Adaptação do Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus para o Português. Psicologia USP,7, 183-201.         [ Links ]

Stacciarini, J. M. R., & Tróccoli, B. T. (2001). O stress na atividade ocupacional do enfermeiro.Revista Latino-Americana Enfermagem, 9(2), 17-25.         [ Links ]

Straub, R. (2005). Psicologia da Saúde. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: paula.psico@hotmail.com

 

 

1Departamento de Ciências da Saúde das Faculdades Integradas de Jahu, São Paulo.
2Departamento de Psicologia e Pós Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem; Faculdade de Ciências; Universidade Estadual Paulista (UNESP), Bauru, São Paulo.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons