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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.2 n.2 Barbacena jun. 2004

 

RESENHAS

 

 

Claudilene Teixeira Paiva*

Universidade Presidente Antônio Carlos - Brasil

 

 

BRUSSET, B.; COUVREUR, A. e FINE, A. (orgs.). A bulimia. São Paulo: Escuta,2003, 210 p.

Bernard Brusset, psiquiatra e psicanalista, professor de Psicologia na Universidade de Paris, Catherine Couvreur, psicanalista, e Alaine Fine, também psiquiatra e psicanalista, são responsáveis pela organização do livro em questão. Todos eles fazem parte da Societé Psychanalytique de Paris.

A bulimia é uma coletânea de artigos que oferecem ao leitor o privilégio de poder desfrutar de uma leitura vigorosamente criativa acerca de tema que se encontra em destaque no cenário do saber psicanalítico. Ao longo de seis capítulos, os autores vão construindo gradativamente o significado da bulimia.

Bernard Brusset faz a introdução conceitual da patologia, dizendo que a bulimia é a entrega do sujeito a um apetite insaciável, sendo o oposto da anorexia, o lado do mal, visto como pecado, um caso extremo de gula que pode ser associado ao excesso sexual, sendo a intenção do sujeito a busca do gozo. Ao realizar atos que o tiram de si mesmo, mas que não conseguem saciá-lo, sentem a experiência do prazer/desprazer, o que causa sofrimento. Para Freud, é no dualismo pulsional entre autoconservação e sexualidade (em que há uma regressão à fase anal, oral, etc.) que se origina a crise bulímica.

No primeiro capítulo, Catherine Couvreur fala sobre os fatores históricos e contemporâneos da bulimia, revelando-a como patologia essencial da adolescência feminina, ao fazer um paralelo entre frigidez e ninfomania. Alguns autores deixaram marcos elementares na história da bulimia, como S. Rodo, que contribuiu com o termo "orgasmo alimentar". Fenichel chamou a bulimia de "toxicomonia sem drogas".

O segundo capítulo do livro é dedicado à primeira tradução do texto de Moshe Wulff, considerado por Freud o único e verdadeiro analista da Rússia. Sobre um interessante complexo sintomático oral e sua relação com a adição, nos relata quatro casos clínicos, dos quais se podem apreender alguns sintomas típicos, além de embasarem a comparação entre bulimia e melancolia, deixando claro que o conteúdo afetivo da primeira é bem diferente daquele encontrado na segunda. Existe, na bulimia, relação com a adição, o que explica melhor o impulso de comer. Wulff tem a intenção de apresentar sua idéia central, mas várias lacunas ficam à espera de ser desvendadas.

O texto de Christine Vindreau, A bulimia na clínica psiquiátrica, relata o interesse da Psiquiatria pelo tema, descrevendo a nosografia da síndrome. Aborda também o atual culto à magreza, um dos motivos da "popularidade" da bulimia: "os modelos atuais de magreza, de saúde e de estética corporal não deixam de influenciar os hábitos alimentares" (p. 86). Existem hoje novos tratamentos terapêuticos para essa síndrome, sendo o mais indicado o acompanhamento ambulatorial, não estando descartados, porém, a hospitalização e os tratamentos farmacológicos.

No capítulo seguinte, Desrregulação narcísica e objetais na bulimia, Philippe Jeammet descreve qual metodologia psicanalista adotar nas condutas bulímicas, nas quais os psicanalistas devem ser cautelosos em suas observações para não cair na tentação de preencher os espaços e disfarçar os sintomas. Jeammet caracteriza a bulimia como "apetência objetal", tida como a perpétua busca do objeto. Nessa busca incessante, o sujeito tenta assegurar a manutenção de seus limites e de seu poder sobre o objeto. Uma passagem conturbada ao Édipo pode causar falhas narcísicas e dependência objetal que reforçam o movimento de desligamento pulsional e de regressão, mostrando a incompletude do sujeito e seu desejo de ser cuidado por um pai ideal, disponível a qualquer momento, detentor de um poder mágico.

No quinto e sexto capítulos, Brusset retorna em Psicopatologia e metapsicologia da adição bulímica. A bulimia, na clínica, é explicada como "uma passagem ao ato", ato este cheio de raiva, vingança e desejo de aniquilar o objeto (alimento). A relação da bulimia com a neurose mental da adolescência ajuda Freud a criar seu modelo de "neurose atual" como ponto de vista econômico, deixando para o tópico e dinâmico nos revelar sobre a repetição do ato e sua função defensiva perante aos conflitos psíquicos. Ao superarmos os pontos de vista semiológicos, somos levados a encontrar vários aspectos da anorexia mental em casos de bulimia, e Brusset faz um paralelo detalhado das relações das duas síndromes, percebendo com freqüência transtorno de caráter que se agrava seqüencialmente, prejudicando os relacionamentos sociais.

Conclusões terapêuticas é um capítulo interessantíssimo. Acrescenta que, nas práticas terapêuticas comportamentais e psicanalistas deve-se encontrar distância entre paciente/terapeuta, evitando assim vazios psíquicos ou excitação excessiva. Uma das maiores dificuldades nos tratamentos bulímicos é a contratransferência, pois os ataques dos pacientes são associados a provocações masoquistas. A percepção dessa contratransferência pelo terapeuta, no entanto, pode trazer o tratamento para caminhos melhores, indicativos de cura próxima, com possibilidades de introjeção ou canalização das energias catexiais voltadas para a síndrome.

O último capítulo traz entrevista de Alain Fine a Joyce Mc Dougall sobre a bulimia. Fine afirma não ser esta sua especialidade, mas oferece uma conceituação dos atos, sintomas e abordagens das adições, o que muito acrescenta para o estudo da bulimia. Freqüentemente, as crises bulímicas acontecem na puberdade, período em que os conflitos estão em alta, podendo o adolescente transferir as tensões criadas em busca do objeto amado por substitutos (no caso alimento), começando, com isso, a crise bulímica. Assim, o alimento, que é fonte necessária para a sobrevivência, torna-se "droga", que causa dependência alimentar.

A bulimia, nos dias de hoje, é tida como a síndrome da modernidade, o que talvez explique sua alta incidência entre adolescentes do sexo feminino, mais exposto à ideologia da magreza, manipulada porque o corpo cultural se tornou cartão postal das mulheres, o que é usado para seduzir e também como possibilidade de ascensão social.

O livro, escrito em linguagem simples, traz textos inéditos sobre o tema, e convida o leitor a entender melhor a história e os sintomas da bulimia.

 

 

*Aluna do 3º período do curso de Psicologia da UNIPAC/Ubá

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