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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.3 n.4 Barbacena jun. 2005

 

RESENHAS

 

 

Ângela Buciano do Rosário*

UNIPAC - Ubá

 

 

CASTEL, Robert. A Insegurança Social: o que é ser protegido? Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. 95 p. ISBN 85.326.3109-6.

 

 

O sociólogo francês, Robert Castel diretor de estudos da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, é autor de importantes obras como As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário e O Psicanalismo.

Neste livro, Castel analisa a sociedade francesa moderna, caracterizando-a como uma sociedade de indivíduos. A pertinência dessa análise encontra-se na semelhança dessas questões com as da nossa sociedade, como a angústia de um futuro incerto diante do crescente desemprego, as inseguranças civil e social que fazem irromper sistemas de proteção cada vez mais sofisticados e individuais, além do advento do ressentimento, fenômeno característico das sociedades ocidentais contemporâneas. Diante deste panorama, o autor indaga: o que é ser protegido?

Castel parte da constatação de que as sociedades modernas são construídas sobre o alicerce da insegurança, pois não encontram em si a capacidade de assegurar proteção. Em contraste, nas sociedades pré-industriais a segurança do indivíduo era garantida a partir de sua pertença à comunidade: a chamada proteção de proximidade.

A sociedade moderna tem como premissa a promoção do indivíduo. Ele é reconhecido por si mesmo, independentemente de sua inscrição em um grupo ou coletividade. Trata-se de uma sociedade individualista. O que lhe dará proteção não será mais o grupo a que pertence, mas sua propriedade. É ela que garante a segurança diante dos imprevistos da existência. Castel lembra que não foi por acaso que a propriedade foi colocada na categoria dos direitos inalienáveis e sagrados da Declaração Universal dos Direitos Humanos e Cidadãos. Os indivíduos proprietários podem proteger-se por si mesmos, com seus recursos.

No que se refere à proteção, o autor distingue dois tipos: a proteção civil, que diz respeito aos bens e às pessoas em um estado de direito, e a proteção social, que se refere aos riscos de doenças, aos acidentes, ao desemprego, à incapacidade de trabalho devido à idade... Assim, o sentimento de insegurança se refere à possibilidade de estar à mercê de qualquer eventualidade. Se o indivíduo não estiver assegurado contra esses imprevistos, passa a viver a insegurança.

É interessante a constatação do autor de que a demanda de proteção das sociedades de indivíduos é infinita e envolve todos os aspectos, inclusive os da vida privada. No entanto, esta busca de segurança absoluta entra em contradição com os princípios do estado de direito, visto que uma demanda de segurança se traduz em uma demanda de autoridade, que pode ameaçar a democracia.

No entanto, nem todo membro da sociedade de indivíduos pode se assegurar, visto que uma significante parcela não possui propriedade que garanta a sua proteção. A esses sujeitos não proprietários o Estado garante um novo tipo de propriedade: a social, que diz respeito à proteção e ao direito da condição de trabalhador. Desta forma, a propriedade social reabilita a classe não proprietária, condenada à insegurança social permanente. Com a garantia de recursos e direitos comuns, com base nas organizações profissionais, a sociedade salarial passa a se constituir no que o autor denomina de sociedade de semelhantes.

No entanto, com a crise da modernidade advinda com o desenvolvimento do capitalismo industrial a homogeneidade das categorias profissionais foi questionada. Surgiu o desemprego e a precariedade das relações de trabalho passou a afetar diversas categorias de trabalhadores, principalmente a base da hierarquia salarial. A solidariedade dos estatutos profissionais transformou-se em concorrência, e foi necessário evidenciar as diferenças para manter ou melhorar a condição de trabalho.

Ao mesmo tempo em que há uma individualização das tarefas e trajetórias profissionais há também uma responsabilização dos sujeitos: cabe a cada um encarregar-se de si mesmo e cumprir a intimação de ser bem sucedido, sob a ameaça permanente do desemprego.

A angústia de um futuro incerto é experimentada individualmente, enquanto a reação é vivenciada de forma coletiva e marcada pelo ressentimento - um importante fenômeno das sociedades capitalistas. Castel refere-se ao ressentimento como "mistura de inveja e desprezo que atua sobre um diferencial de situação social e joga a responsabilidade da desgraça em cima ou embaixo na escala social" (p. 51). Trata-se, portanto, de uma frustração coletiva que busca responsáveis ou bodes expiatórios em outros grupos sociais. A psicanalista Maria Rita Kehl (2004) compartilha desta posição ao afirmar em sua obra, "Ressentimento", que: "Ressentir-se significa atribuir ao outro a responsabilidade pelo que nos faz sofrer." (p. 11).

Com a garantia de assistência pelo Estado o indivíduo se libertou das "proteções próximas", enquanto o Estado tornou-se seu principal suporte (provedor de proteções). Quando essas proteções se esvaeceram, o indivíduo se tornou frágil e exigente. Assim, a reivindicação pela proteção do Estado passou a ser natural; o indivíduo contemporâneo foi moldado pelas regulações estatais.

Castel propõe uma forma de combater a insegurança social: primeiramente, reconfigurando as proteções sociais por meio de uma personalização no regime das proteções. Trata-se de ajustar a especificidade dos problemas das populações. Para tanto, o contrato e o projeto são instrumentos fundamentais: o contrato de inserção possibilita que o beneficiário se engaje na realização de um projeto. (Grifos do autor). Desta forma, passa-se de um consumo passivo de proteções sociais (liberadas incondicionalmente) para uma mobilização dos beneficiários, que passam a participar de sua reabilitação.

Assim, na argumentação de Castel, ser protegido em uma sociedade moderna, em uma sociedade de indivíduos é poder dispor de direitos e de condições mínimas de independência, lembrando que a proteção social não é somente a concessão de benefícios, mas uma condição básica para todos. A proteção social é a condição para formar uma sociedade de semelhantes, o que podemos chamar de democracia.

 

Referência:

KEHL, Maria Rita. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

 

 

*Professora do curso de psicologia da UNIPAC - Ubá

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