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IGT na Rede

versão On-line ISSN 1807-2526

IGT rede vol.10 no.18 Rio de Janeiro jan./jun. 2013

 

ARTIGO

 

Arteterapia Gestáltica e suas relações com o processo criativo

 

Gestalt Art Therapy and its relationship to the creative process

 

Mariane Coimbra Silva*; Eduardo Moura de Carvalho**; Rafaela Dias de Lima***

Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo abordar as relações entre Arteterapia gestáltica e processo criativo. Por meio de uma ampla pesquisa bibliográfica, pretende-se abarcar de forma geral o que é criatividade,como o processo criativo relaciona-se com o funcionamento do sujeito e a importância desses conceitos na Arteterapia sob o enfoque da abordagem gestáltica.

Palavras-chave: Arteterapia, Gestalt-Terapia, processo criativo


ABSTRACT

This work aims to explore the relationship between Gestalt Art Therapy and creative process. Through an extensive literature review, it is intended to encompass generally what creativity is, how the creative process relates to the operation of the subject and the importance of these concepts in art therapy with a focus on the gestalt approach.

Keywords: Art Therapy, Gestalt-Therapy, creative process


 

“A arte baseia-se na vida, porém, não como matéria, mas como forma. Sendo a arte um produto direto do pensamento, é do pensamento que se serve como matéria; a forma vai buscá-la à vida. A obra de arte é um pensamento tornado vida: um desejo realizado em si mesmo. Como realizado tem que usar a forma da vida, que é essencialmente a realização; como realizado em si mesmo tem que tirar de si a matéria com que realiza”.

Fernando Pessoa
(Prosa, de Ricardo Reis).

“Arte é afirmação de vida, em que pese isto aos mórbidos. Afirmação de ida nesse sentido que a vida é soma de todas as suas grandezas e podridões: um profundo silo onde se misturam alimentos e excrementos, e do qual o artista extrai a sua ração diária de energias, sonhos e perplexidades: a sua vitalidade inconsciente”.

Vinícius de Moraes
(Arte e síntese).

 

Introdução

As relações entre Arte, processo criativo e Psicologia podem ser percebidas nas obras de diferentes teóricos da área. Freud, por exemplo, abordou a arte enquanto manifestação do mecanismo de sublimação, processo pelo qual os impulsos sexuais são reprimidos e expressos por meio de conteúdos não-sexuais. O trabalho artístico, para ele, seria uma das maneiras de expressão da subjetividade, de “revelação” de conteúdos inconscientes de uma maneira socialmente aceitável.

Outros exemplos de psicanalistas que também se interessaram pela temática da arte e suas relações com as questões psíquicas são Winicott e Jung. Winnicott afirmava que a vida cultural humana, na qual a arte se encontra, é o equivalente adulto dos fenômenos transicionais da criança. A arte estaria arrolada ao brincar, atividade na qual o sujeito relaciona subjetividade e objetividade, realidade externa e interna. Segundo ele, a experiência lúdica seria mais importante que os produtos da brincadeira ou da arte, configurando-se uma terapia em si. No mesmo sentido, Jung também abordou o valor artístico em si e utilizou produções de seus pacientes nas sessões. Segundo Philippini (1995, apud Bilbao & Cury, 2005), a arte-terapia converge com a premissa junguiana de que o homem orienta-se em função de símbolos, na medida em que facilita o contato, compreensão e transformação dos símbolos por meio do processo criativo. Assim, a arte teria um papel estruturante na vida do sujeito (Bilbao & Cury, 2005).

Na perspectiva Humanista, Carl Rogers e Maslow também falam sobre a relação entre capacidade criativa e saúde. Para Rogers (1961), “a causa principal da criatividade parece ser a mesma tendência que descobrimos a um nível profundo como a força criativa da psicoterapia – a tendência do homem para se realizar a si próprio” (Rogers, 1961, apud Ciornai, 1994. p. 11). Maslow, por outro lado, entende a criatividade num sentido semelhante, entretanto não restringe a capacidade criativa às pessoas saudáveis. Para ele, as experiências criativas, artísticas, fazem parte de um processo de individuação e de crescimento pessoal.

Em Gestalt-Terapia, o sujeito é compreendido como um sistema aberto, em constante desenvolvimento e crescimento em função de trocas criativas com o ambiente; ou seja, ele é um ser relacional que interage com o mundo. As funções de contato, mecanismos que o indivíduo dispõe para se relacionar com o campo, são sempre criativas na medida em que lidam com o novo. Ao longo desses processos de contato o indivíduo vai respondendo às informações, sensações e percepções decorrentes das trocas com o sistema, e isso é chamado de auto-regulação organísmica. Os ajustamentos que o sujeito precisa fazer para experimentar o mundo são sempre criativos porque se referem a uma assimilação constante entre o novo e o já conhecido (Ciornai, 1994).

No presente trabalho abordaremos o conceito de criatividade e seus desdobramentos no campo de interface entre Gestalt-Terapia e Arteterapia. A partir de uma extensa pesquisa bibliográfica e de uma entrevista semi-estruturada, realizada por Skype, com uma profissional da área, pretendemos conhecer e compreender como a capacidade criativa relaciona-se com a saúde, e como a arte pode ser abarcada no contexto psicoterápico, servindo como importante recurso para esse processo.

 

CRIATIVIDADE E PROCESSO CRIATIVO EM GESTALT-TERAPIA

A Gestalt-Terapia, bem como a Arteterapia, têm fundamentos ancorados em processos de criação e, portanto, ao falarmos de tais abordagens e suas interconexões, faz-se necessário compreender melhor o que é criatividade e processo criativo e quais são suas implicações para as referidas abordagens e suas práticas.

Partimos aqui da Gestalt-Terapia, que concebe o indivíduo como um sistema aberto, capaz de crescer e se desenvolver através de intercâmbio criativo com o ambiente, como dito acima. Para essa escola, o indivíduo é visto não em isolamento, mas sempre como parte de um campo ou sistema, entendido, portanto, enquanto ser relacional (Ciornai, 1994). O indivíduo, lançado no mundo, tem como parâmetro sua relação com o ambiente e pode, a partir de critérios próprios, interagir de forma pessoal, de modo a ser criativo e com isso se desenvolver. Por outro lado, ele pode alienar-se de si e de seus critérios e se manter em uma posição impessoal, de modo a agir no mundo de forma pouco criativa, o que certamente dificulta qualquer crescimento. Portanto, “O processo criativo começa com a compreensão do que existe ali: a essência, a clareza e o impacto do que está à nossa volta.” (Zinker, 2007, p.35).

A compreensão, a tomada de consciência ou a awareness da complexidade da relação eu-ambiente é fundamental no processo criativo. Porém, Zinker (2007) nos faz atentar para o fato de que “A criatividade não é somente a concepção, é o ato em si, a realização do que é urgente, do que exige ser anunciado” (p.15). A criatividade consiste, portanto, em: conceber a realidade e o meu critério próprio diante dela e em adição, dar uma resposta. A resposta em geral implica em uma ação, em fazer ou colocar algo de novo, mas não um algo qualquer, e sim algo que diga respeito a uma exigência pessoal, a uma indagação interna diante da realidade que inspira e pede por expiração.

Para a Gestalt-Terapia, o instrumental do qual o indivíduo dispõe para ir ao encontro com a realidade, sentir, avaliar, selecionar e responder ao que está a sua volta são as funções de contato, sendo que todo contato é criativo, pois lida com o novo (Ciornai, 1994). Todo contato implica em mudança, e ao lidar com a realidade como tal, o indivíduo se depara invariavelmente com situações e contextos novos que invariavelmente implicam em uma nova concepção. Ciornai ressaltou durante a entrevista o quanto a palavra “contato” é essencial em Gestalt-Terapia. Segundo ela, ”o contato com o desconhecido, o aqui e agora das nossas relações, sempre trazem um ingrediente do novo, e nos permite vislumbrar outras dimensões”. Esta nova concepção tem a potência de gerar novidades em si e tem a potência de, a partir de ações, gerar novidades no ambiente. Podemos dizer, neste sentido, que a criatividade é uma concepção que em ato, diante da realidade dada, coloca algo de novo na realidade.

Ainda que digamos que a criatividade instaura uma novidade, há uma ligação intrínseca desse novo com algo de histórico. Esta afirmação parte do sentido de que toda criação está vinculada a um criador, e este está atrelado ao seu contexto, às suas vivências e enfim às suas urgências mais atuais. Neste sentido, tudo que é colocado enquanto novidade tem algo de próprio daquele que a coloca, e este, no momento em que cria, de certo modo coloca em sua criação as consequências de sua história experiencial. Deste modo, ainda que seja uma matéria nova e objetiva, toda obra criada traz consigo marcas históricas de seu criador. Com isto, ficamos diante do caráter interconstitutivo de sujeito e objeto: na medida em que o homem é formado pelo ambiente externo, este também o forma.

Pensando nisso, quem cria não passa imune àquilo que foi criado. Na medida em que faz um desenho, uma música, uma pintura, por exemplo, o indivíduo fica diante de uma realidade nova, recém-colocada e no mínimo é convidado por essa novidade a se indagar sobre ela. Segundo Ciornai, em entrevista realizada,

“as pessoas que desenhavam e criavam, afirmavam: eu sou o artista, estou controlando o que está acontecendo aqui neste papel. A Arteterapia traz esta possibilidade ao paciente, que pode passar a se sentir um cidadão/artista, ao mesmo tempo em que propicia uma comunicação intersubjetiva muito eficaz entre ele e o arteterapeuta, entre ele e os outros”.

Enquanto criador, essa nova realidade materializada tem a potência de gerar ressonâncias ainda mais próprias, na medida em que diz respeito a algo do artista. Tais ressonâncias podem ser, portanto, positivas e/ou negativas, e estas, como veremos mais adiante, podem dizer muito sobre si.

Esse encontro entre produtor e produzido se dá primordialmente enquanto uma experiência estética, que é descrita por Alvim (2007) partindo do pensamento de Mikel Dufrenne como “o ato de o sujeito exprimir o objeto tornado estético para si, buscando recriá-lo e situá-lo num plano de sentido que é para a consciência.” (p.138). É desta experiência estética que o Gestalt-terapeuta poderá partir para acompanhar seu cliente em um processo de elucidação, conscientização ou de awareness de sua vivência enquanto eu-ambiente/criador-criação. Nesse sentido, durante a entrevista, Ciornai enfatiza que

“a pessoa vai encontrar nas suas produções respostas ou reflexões, o que propiciará insights através das suas próprias produções. O Gestalt-terapeuta/Arteterapeuta não deve trabalhar no sentido de interpretar o trabalho do cliente, mas deve procurar fazer com que ele possa desvelar e reencontrar nos seus trabalhos os significados que sejam relevantes (...) ao se posicionar como um facilitador, um acompanhante do processo”.

Durante os processos de criação, bem como nos processos de vida, estão presentes fantasias, ideias, desejos, pensamentos, angústias, dentre outras experiências vividas pela pessoa. São estas que propiciarão experiências das mais diversas no processo de criar, podendo interferir de modo a propiciar ou a inibir a criação. Neste sentido Zinker (2007) vai dizer que, no processo criativo, bem como quando estamos apaixonados, entramos em contato com nossa doçura, com nossos anseios, com a profundidade de nosso bem-querer. Ousamos dizer que, em adição, podemos entrar em contato com nossos limites e medos, os quais estão presentes também nas vivências apaixonadas. O amor é então uma espécie de tensão criativa e, o que Zinker (2007) vai nos alertar é que permanecer com essa tensão é uma tarefa extremamente difícil, principalmente em nossa sociedade que vende prazeres enlatados para a satisfação de consumos imediatos, o que corta o processo em sua raiz.

Por fim, segundo Arieti, (1976. p. 5 apud. Ciornai, 1994),

“O processo criativo vai além dos modos usuais de lidar consigo mesmo ou com o meio... Traz um desejável alargamento da experiência humana... Criatividade é um dos meios básicos pelos quais o ser humano se liberta dos grilhões não apenas de suas respostas já condicionadas, mas também de suas escolhas habituais.” (p.10).

 

ARTETERAPIA

Ao buscarmos uma definição para Arteterapia que explicitasse os principais aspectos necessários a um entendimento do conceito, elegemos a seguinte:

“Arteterapia é o termo que designa a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos. [...] é uma definição ampla, pois pressupõe que o processo do fazer artístico tem o potencial de cura quando o cliente é acompanhado pelo arte-terapeuta experiente, que com ele constrói uma relação que facilita a ampliação da consciência e do auto conhecimento, possibilitando mudanças.” (Ciornai, 2004, p. 7)

Partindo disso, podemos inferir que a Arteterapia está diretamente relacionada ao uso de atividades de cunho artístico como recurso terapêutico, sendo capaz de propiciar uma expansão do self, da consciência. “É uma abordagem processual na qual tanto o fazer da arte quanto o processo de elaboração e reflexão sobre o que é produzido, é visto como tendo potencialmente valor terapêutico” (Ciornai, 2004, p.6).

O uso terapêutico das artes é conhecido desde o início dos tempos, contudo é após a Primeira Guerra Mundial que a Arteterapia começa a se constituir como profissão, dando seus primeiros passos em busca de colecionar um arcabouço teórico de conhecimento e consolidar seu campo de atuação. Durante o período pós-guerra muitos questionamentos acerca da ciência, da noção de verdade e da concepção de ser humano emergiram, ocasionando uma mudança de paradigmas, que contribuíram para a construção de novos conhecimentos. De acordo com Ciornai (2004) a chegada de novos conceitos e a teorizações acerca do homem se configurou como crucial nesse sentido, e por volta dos anos 50 é possível falar no surgimento da Arteterapia a partir da perspectiva da Arte-Educação, que tinha como objetivo exercitar a criatividade e a linguagem artística buscando o desenvolvimento de diversas potencialidades.

A história da Arteterapia no Brasil tem início na década de 20/30 com a atuação do médico psiquiatra e crítico de arte Dr. Osório César e da médica psiquiátrica Junguiana Dra. Nise da Silveira. Começaram a utilizar a arte como recurso terapêutico ao desenvolver trabalhos e oficinas de artes com os internos dos hospitais onde trabalhavam. Segundo Ciornai (2004) é a partir da década de 60, com Hanna Yaxa Kwiatkowska, que retorna ao Brasil com formação em Arteterapia e passa a oferecer cursos, que a área realmente começa a se definir como campo de conhecimento e atuação.

A partir de então, a Arteterapia vai se constituindo como um campo abrangente que possibilita a interseção entre práticas de diferentes abordagens psicológicas e artísticas, propiciando que diversos profissionais façam uso de recursos artísticos no setting terapêutico. É importante ressaltar que a Arteterapia não se limita apenas a uma união de conhecimentos de Arte e Psicologia, envolvendo outros conhecimentos que em conjunto definem a área e a atuação do arteterapeuta.

O ato de realizar alguma modalidade artística se configurará, nesse sentido, como um recurso valioso que pode ajudar na intensificação do contato – com o mundo e com o outro, além de incentivar a experimentação, permitir o despertar de novas habilidades e propiciar uma ampliação das possibilidades. Segundo Ciornai, em entrevista realizada, “na Arteterapia nasce não só o que o indivíduo expressa, mas também o que imagina, pensa e vislumbra”. Afirma ainda, que “a criatividade é muito enfatizada na Gestalt-Terapia”. E é por isso que o processo criativo assume um papel tão importante, por permitir uma ampliação da individualidade e o desenvolvimento de potenciais oferecendo uma oportunidade de crescimento e mudança. Nesse sentido, citamos como referência a descrição do trabalho de Arteterapia pela American Association of Art Therapy, exposta por Ciornai (2004):

“[...] por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar sua auto-estima, lidar melhor com sintomas, estresse e experiências traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico. Arteterapeutas são profissionais com treinamento tanto em arte como em terapia. Tem conhecimento sobre desenvolvimento humano, teorias psicológicas, prática clínica, tradições espirituais, multiculturais e artísticas e sobre o potencial curativo da arte” (American Association of Art Therapy apud Ciornai, 2004, p. 8)

Ainda de acordo com Ciornai, em entrevista realizada “o terapeuta é chamado a intervenções criativas e o cliente é levado a ter uma interação criativa com a vida, com os outros, com o mundo”. Nesse sentido, o terapeuta deve se posicionar como um guia, um facilitador, sempre estimulando e/ou sugerindo experimentos que levem a descoberta do desconhecido, de novos caminhos. Com relação ainda, à atuação do arteterapeuta gestáltico, é essencial que tenha uma vivência na arte, uma familiaridade com o universo simbólico e confie sempre no processo criativo do outro.

 

ARTE TERAPIA E GESTALT-TERAPIA

Ao explorarmos o campo da Gestalt-Terapia, encontramos alguns autores que falaram sobre suas experiências utilizando Arte e Gestalt, o que nos leva a identificar uma proximidade da Gestalt-Terapia com as Artes desde o seu surgimento. Como citado por Ciornai durante a entrevista, Fritz Perls, Laura Perls, entre outros, se posicionaram como precursores ao conceberem a Gestalt-Terapia como uma abordagem calcada tanto em valores estéticos quanto em ideias psicológicas. A partir de então, passou-se a se atentar para a ressignificação da realidade que a arte permite, e sua contribuição para o encontro de significados e a criação de insight. Nesse sentido, assim como a Gestalt-Terapia, a Arteterapia fundamenta-se nas abordagens fenomenológica e existencialista, e coerente com isso, buscará trabalhar o reconhecimento da plasticidade na forma, a fim de estimular o indivíduo a encontrar os significados relevantes, possibilitando mudanças.

O conteúdo relacional é o cerne da conexão entre Arteterapia e Gestalt-Terapia. O teor terapêutico do uso da arte é afirmado justamente no processo de que a realidade convida, provoca o indivíduo em determinados pontos, a partir dos quais ele vai expressar sua subjetividade objetivamente. Assim, a partir da materialidade objetivada, vai ser novamente provocado e convidado a olhar e a significar, a dar sentido.

Segundo Rhyne (1993),

“Em qualquer criação artística as imagens explícitas são o seu conteúdo mais óbvio, mas a mensagem total pode não ser captada sem considerar-se o contexto total das imagens – o estilo no qual foram representadas, o relacionamento entre as figuras, a escolha da ênfase na representação e, com bastante frequência, aquilo que foi deixado fora do quadro. Não posso fornecer nenhuma estrutura confiável para interpretar arte; há demasiadas variáveis nas experiências individuais, culturais e psicológicas do criador. Para dar sentido a todas essas mensagens, temos sempre de considerar a gama mais vasta possível de aspectos da expressão.” (p. 142 e 143).

Podemos compreender então, que na criação, bem como no ambiente, há inúmeras variáveis, inúmeros fatores que quando associados formam o objeto da arte ou a realidade total. Olhar para as partes sem considerar o contexto total seria perder de vista o sentido original e profundo da arte e da vida, pois na medida em que se olha para o todo, para a relação entre as provocações que se apresentam como figura em relação com aquelas que se formam como fundo, as partes tomam um sentido coerente. Por outro lado, quando se olha para as partes separadas, elas podem até ter certo sentido, mas elas não alcançam a complexidade característica de uma arte ou da vida. Esta característica que diz respeito ao fato de que o todo é maior que a soma das partes1 , é uma característica tanto da Gestalt-Terapia quanto da Arteterapia. Ademais, a relação entre figura-fundo também é uma característica importante que possibilita o olhar para o todo da experiência, além de identificar pontos e questões que estão mais em evidência em detrimento de outros, a partir da experiência do indivíduo. Ciornai, em entrevista realizada, ressalta que uma das principais contribuições da Psicologia da Gestalt à Arteterapia compreende a ênfase que a primeira atribui à linguagem da forma e ao conceito de figura fundo, e a concepção da percepção como subjetiva e intencional.

Olhando de longe, parece ser tudo muito fácil, dado em um movimento simétrico em que a pessoa simplesmente pega alguns instrumentos e de repente cria alguma forma de arte, mas o que Rhyne (1993) vai dizer é que “personalidades diferentes descobrem quais meios de arte parecem ser mais naturais para elas.” (p.145). Há, portanto, uma grande utilidade da arte, porém há ainda muitas dificuldades com determinadas pessoas que se encaixam no conceito de neurose para a Gestalt-Terapia, que segundo Alvim (2007), “é fixação, repetição, perda da capacidade criativa, da disposição para a improvisação, para o novo. Tentativa de controle, de agarrar-se ao conhecido, medo do desconhecido.” Essas pessoas certamente encontrarão maior dificuldade na Arteterapia, tal como em suas relações com o ambiente em geral em suas vidas.

“Quando a qualidade de contato é pobre, as figuras que aparecem em nossa “awareness” são fracas, nebulosas, indefinidas ou opacas, e a pessoa se sente confusa, infeliz, ansiosa, angustiada, deprimida. O contato precisa ser intensificado e a energia deve ser trazida para a experiência, a fim de facilitar novas percepções, “insghts” e compreensões, que eventualmente levarão a reconfigurações e novas aberturas em nosso mundo interno. (Ciornai, 1994, p.13).

Neste sentido, quando a pessoa coloca algo de novo na realidade, ou algo é dado na realidade enquanto novidade, ela se perde, se fragmenta e tem reações, em geral, negativas. O trabalho do terapeuta que utiliza a Gestalt-Terapia consiste, portanto, em trabalhar nesse movimento de trazer de volta para a experiência pessoal do indivíduo, procurando fazer com que o mesmo se dê conta de sua percepção da realidade, do que ela provoca em si, de como ele provoca coisas na realidade, a fim de propiciar um melhor contato e uma abertura do indivíduo. Neste sentido,

“Processos artísticos, assim como outros processos experienciais, podem ser um recurso valioso para ajudar a intensificação do contato, que tem raízes em funções tais como ver, cheirar, sentir, mover. Falar não é uma avenida direta de contato com nossas realidades internas ou nosso ambiente; apenas nomeia e às vezes ajuda a organizar o que contatuamos com os sentidos”. (Ciornai, 1994, p.14)

Como somos indissociáveis de nosso meio, toda expressão que imprimimos à realidade nos caracteriza, e tudo o que nos toca é usado de algum modo para nos expressarmos. Quanto a isso, Rhyne (1993) diz que,

“A forma como percebemos visualmente está diretamente relacionada à forma como pensamos e sentimos; a correlação torna-se aparente quando representamos nossas percepções com materiais artísticos. As figuras centrais que representamos emergem de um fundo difuso e nos dão pistas do que é central em nossa vida. A forma como usamos linhas, formas e cores em relação umas às outras e ao espaço em que as colocamos indica-nos algo sobre como organizamos os padrões de nossa vida. A estrutura ou a falta dela em nossas formas está relacionada ao nosso comportamento nas situações em que vivemos”.

Zinker (2007) vem firmar qual seria o papel do terapeuta que trabalha com Arteterapia neste cenário:

“No processo criativo, o terapeuta permite que o paciente se uma a ele numa aventura em que ambos podem desempenhar constantemente todos os papéis desse enredo conflituoso. O terapeuta ajuda o cliente a ser um experimentador, um professor e um modificador ativo, ao mesmo tempo em que matem uma atitude compreensiva e respeitosa em relação à postura atual daquela pessoa. É nesse processo rítmico de trocas e exploração ativa da vida interior do cliente que sua estrutura geral começa a mudar.” p.34.

Com isto, conflui o pensamento de Ciornai (1995), para quem “A relação da Gestalt-Terapia com criatividade se estende também à concepção gestáltica de funcionamento saudável, que em todos os escritos básicos da abordagem, é equacionada ao funcionamento criativo” (p.1). Segundo Zinker, 2007, a Gestalt-Terapia é uma espécie de permissão para que as pessoas experimentem e brinquem com as mais belas possibilidades de suas vidas.

 

CONCLUSÃO

A sociedade e os moldes nos quais ela vem se estruturando tem priorizado a alienação dos indivíduos, que com isto perdem aquilo que pode se chamar de processo criativo. As pessoas, em sua ânsia por respostas e soluções imediatas, em geral, não se propõem a elaborar suas vivencias, abandonando-se a modelos construídos por outros sujeitos ou instituições. Nestes moldes de submissão, o novo não é assimilado de forma crítica e não há criatividade, há apenas atividade; falta espaço para a experienciação, e os indivíduos agem apenas nos âmbitos da repetição e reprodução. Segundo Zinker (2007) exposições limitadas ao mundo e às suas possíveis experiências dão pouco espaço para a criatividade.

Por meio desse trabalho, percebemos que a psicoterapia aliada à Arteterapia apresenta-se como uma interessante possibilidade de resgate dessa capacidade criativa. A utilização de processos artísticos demonstra uma “flexibilização” nos métodos tradicionais de trabalho clínico, possibilitando ao cliente novas formas de apreensão da realidade. A Arteterapia Gestáltica trabalha com processos de expressão e transformação o tempo todo, onde a arte posiciona-se como um método que pode ser utilizado como recurso terapêutico, possibilitando que cada indivíduo experiencie o processo criativo e se torne mais consciente de si mesmo enquanto ser-no mundo. Essa maneira não convencional pode gerar sensações de surpresa, deslumbramento e até mesmo de vergonha e estranhamento em relação ao seu produto artístico, mas permite que o paciente entre em contato com sua realidade de forma intensa e por um meio menos habitual do que a expressão verbal, por exemplo.

É importante ressaltar que a terapia criativa, assim como outras psicoterapias, não extirpa conflitos, problemas, medos, angústias tal como o faz o cirurgião que remove tumores, mas permite que a pessoa entre em contato com energias imobilizadas a partir de seus conflitos. Ciornai, durante a entrevista mencionou que “na Arte Terapia é possível trabalhar de uma forma indolor com coisas bastante profundas, e não só com a expressão de sentimentos e sensações, mas com novas possibilidades, com visualizações de processos de cura, com visualizações de novos caminhos na vida”. Acreditamos que a tentativa da Arteterapia Gestáltica é justamente deixar nas mãos da pessoa a liberdade que lhe é característica, fazer com que ela própria perceba como interage com seu meio, formando-se a partir da realidade e contribuindo com a formação da realidade de forma a interferir no todo, e de certo modo, também formá-lo. Sob a ótica de ambas as abordagens aqui mencionadas, o ser humano é entendido como alguém que criativamente, busca se adaptar ao meio; e as diferenças passam a ser então valorizadas à medida que cada pessoa é única e tem uma maneira original de ser, sentir, ressignificar, se expressar e construir novas possibilidades.

O presente trabalho apresentou uma revisão bibliográfica abrangente acerca do tema. A partir dessas conclusões, afirmamos a relevância do assunto para a área de Gestalt-terapia e propomos que novas pesquisas sejam feitas, no sentido de conhecer e compreender como essas duas realidades convergem na prática clínica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ZINKER, J. (2007). Processo Criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Mariane Coimbra Silva
Endereço eletrônico: marianecoimbrasilva@gmail.com
Eduardo Moura de Carvalho
Endereço eletrônico:eduardovmc@hotmail.com
Rafaela Dias de Lima
Endereço eletrônico:rafaelinhadias10@yahoo.com.br

Recebido em: 07/05/2013
Aprovado em: 10/07/2013

 

 

Notas

* Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte -MG - Brasil.
**Psicólogo graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte -MG - Brasil.
***Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte -MG - Brasil.

 

 

ANEXOS

ENTREVISTA COM A PSICÓLOGA GESTALT-TERAPEUTA

Entrevistada: Selma Ciornai

Local: Entrevista realizada via Skype

Data: 01 de dezembro de 2012

Observação: A entrevista não foi transcrita na íntegra, visto que foi realizada por dois grupos simultaneamente. Optamos por transcrever os trechos relacionados com a temática explorada no presente trabalho.

Entrevistador: Quais foram os fatores que te motivaram a eleger a Arte Terapia gestáltica como campo de atuação?

Entrevistada: Meu caminho é diferente. Eu fui primeiro para área de Belas Artes e Arte-Educação. Eu sempre gostei de trabalhar com poesia, artes plásticas, sempre fui uma pessoa muito criativa e gostei das artes. Mas eu achei o trabalho de ateliê, um trabalho muito solitário. O que eu gostei mais de fazer foi trabalhar com pessoas. Na época que eu saí do Brasil, em 69, fui para Israel e lá eu entrei no departamento de Sociologia, Arte e Educação; e foi quando eu percebi que eu gostava muito mais de trabalhar com adolescentes e crianças do que ficar sozinha no ateliê fazendo esculturas e coisas do gênero. Daí, como eu estava trabalhando com adolescentes “barra pesada”, quase marginais, numa região muito pobre de Israel, percebi que eu precisava entender um pouco mais de Psicologia, e não só de Sociologia e Arte. Foi aí que eu comecei a me interessar pelas artes e busquei um curso de Arte Terapia, porque eu achei que este curso combinava as duas coisas: Psicologia e Arte. Fiz um ano do curso em Israel, depois voltei para o Brasil; trabalhei no Rio de Janeiro quase um ano no CAPS Leblon, com crianças vulneráveis. Nisso me candidatei para fazer o mestrado em Arte Terapia nos EUA e ganhei uma bolsa da Capes para ir. E lá, ao mesmo tempo em que fazia formação em Arte Terapia, comecei o doutorado em Psicologia e a formação em Gestalt-Terapia porque senti necessidade de entender a dinâmica das pessoas de uma maneira mais profunda e me encantei muito com esta abordagem. Este foi o meu percurso, diferente do das outras, cheguei por último na Psicologia.

Entrevistador: Como funciona a atuação do arte-terapeuta gestáltico (intervenções, prática da terapia, dinâmica)?

Entrevistada: A afinidade da Arte Terapia com as artes está desde o seu início porque nomes como Fritz Pelrs, Laura Perls e Paul Goodman estiveram envolvidos com disciplinas artísticas como literatura, música, dança e teatro. Na abordagem gestáltica, funcionamento saudável é equivalente/equacionado a funcionamento criativo. A criatividade é muito enfatizada na Gestalt-Terapia. O terapeuta é chamado à intervenções criativas e o cliente é levado a ter uma interação criativa com a vida, com os outros, com o mundo e justamente quando este fluxo de criatividade é bloqueado/travado aparecem as dificuldades, aparecem as dificuldade de contato. Tanto que a própria palavra “contato” é essencial em Gestalt-Terapia... É o contato com o novo, porque o contato com o velho não é contato. O aqui e agora das nossas relações sempre trazem um ingrediente do novo; quando você só projeta o velho na situação atual você está perdendo uma dimensão importante. Então, eu acho que uma das coisas importantes, é que já na abordagem gestáltica aparece uma afinidade muito grande com a criatividade. A palavra criatividade remete ao ajustamento criativo, a awareness. Muitos termos da própria Gestalt-Terapia referenciam a questão da criatividade. Nos anos 80, tinha uma artista plástica chamada Janie Rhyne; ela foi fazer uns workshops com o Fritz e como ela não tinha dinheiro pra pagar ele propôs que ela fizesse ateliês de arte com os alunos durante o workshop como retribuição por estar participando de forma gratuita. Isso porque o Fritz já tinha todo um gosto pela arte. Ela, Janie Rhyne, criou o que podemos chamar de experiência de arte gestáltica; não é exatamente Gestalt-Terapia, mas é um trabalho de arte voltado para o autoconhecimento, voltado para o contato positivo entre pessoas. Nesse sentido, ela teria o trabalho de arte voltado para o autoconhecimento e para uma comunicação eficaz entre as pessoas. Depois disso, ela foi fazer o doutorado em Psicologia e ai emergiu a Arte Terapia gestáltica. Ela não foi a única precursora, o Joseph Zinker também escreveu o livro sobre processos criativos em Arte Terapia, ressaltando a importância da criatividade na vida. O último capítulo inclusive, fala sobre a experiência com recursos artísticos. Eu falei um pouco disso para entendermos como foi o começo. Se formos ver/analisar os fundamentos da Gestalt-Terapia, temos o existencialismo que tem a ver com a fé na pessoa de poder fazer suas próprias escolhas na vida, criar seus próprios caminhos. A Arte Terapia gestáltica também tem essa fundamentação existencialista, ao enfatizar que a pessoa vai encontrar nas suas produções respostas ou reflexões, que ela pode ter insights através das suas próprias produções. Não trabalhamos no sentido de interpretar o trabalho do cliente, mas procuramos fazer com que ele possa desvelar e reencontrar nos seus trabalhos os significados que sejam relevantes. O gestalt-terapeuta nunca vai dizer “isso representa/significa isso”... Pelo contrário, o gestalt-terapeuta vai sugerir que as próprias pessoas tragam/encontrem os seus significados: “O que você vê ai? O que isso significa pra você? Quando você olha pra isso o que vê? Associa a quê?”. Então, vai estimular que o próprio criador/paciente possa encontrar nos seus trabalhos os significados que lhe sejam relevantes. Da mesma maneira, a abordagem fenomenológica, que também caracteriza a Gestalt-Terapia também está presente na Arte Terapia gestáltica, visto que não cabe ao terapeuta interpretar o trabalho dos clientes, mas percebê-lo como um fenômeno, procurando entender como é o estilo da linha, com que espaço, construções, temas e cores; procurando descrever ao máximo o que está vendo e junto com o cliente procurar extrair os significados. A Arte Terapia gestáltica tal como a Gestalt-Terapia tem uma fundamentação existencial fenomenológica. E da mesma maneira, que em Gestalt-Terapia você presta atenção na linguagem, nos gestos, no tom de voz, nas palavras usadas... Em Arte Terapia você tem que aprender mais a linguagem da forma, a linguagem visual... Quem quer trabalhar com Arte Terapia gestáltica tem que se familiarizar com a linguagem da forma, com a sintaxe e léxico da linguagem da forma; que direções, que movimentos, que tipo de composições... Tem que se tornar um profissional que sabe prestar atenção na linguagem da forma e não só no conteúdo... Têm arte-terapeutas que não são psicoterapeutas, apenas trabalham em ateliês terapêuticos. Nestes ateliês: por exemplo, um ateliê de Arte Terapia em um hospital psiquiátrico ou em uma instituição de idosos e/ou de saúde, a pessoa vem para participar de uma ou duas horas de ateliê de Arte Terapia; é um tipo de trabalho interdisciplinar, a pessoa não é atendida só pelo arte-terapeuta, esta é uma das muitas atividades realizadas ao longo do dia. Em outro tipo de trabalho, que eu chamo de arte-psicoterapia, que é mais restrito a psicólogos, as pessoas vêm ao consultório do terapeuta e a Arte Terapia é um dos instrumentos que este terapeuta tem/usa. Por exemplo, no meu consultório, tenho uma parte da sala que têm duas cadeiras e uma outra parte que tem uma mesa, um armário com materiais; e dependendo do dia, dependendo do tema, eu posso convidar o cliente a estar experimentando os materiais e a estar expressando aquilo que ele está me dizendo e sentindo por meio da forma. Porque muitas vezes, aquilo que as pessoas sentem não pode ser facilmente traduzido pela linguagem das palavras. Muitas vezes, o cliente está falando de uma angústia, de uma dificuldade, e eu posso sugerir que ele trate/expresse isso na arte, e muitas vezes o trabalho na arte vai trazer informações que a linguagem da fala por si só não traz. Quem trabalha com Arte Terapia em psicoterapia, sabe que é um recurso que você pode usar e que não necessariamente precisa ser usado todo o tempo. Eu, como psicoterapeuta, uso Arte Terapia, mas também sou gestalt-terapeuta e uso outras coisas. Já quem trabalha em ateliê de Arte Terapia sabe que o cliente vem naquele horário com o objetivo de realizar uma atividade... Então, é uma atividade em grupo e que tem um cunho expressivo e vai depender muito do tipo de trabalho, se é individual ou em grupo, com criança, adulto ou idoso... A Arte Terapia se adéqua a várias populações, desde crianças a idosos, e a vários settings: contextos educacionais, de saúde, prisionais, psicoterápicos... Vai depender muito se esta sendo realizada com pessoas com maior comprometimento ou com pessoas que estão bem e só querem se conhecer mais...

Entrevistador: Quais são as principais diferenças entre a Gestalt-Terapia e a Arte Terapia gestáltica?

Entrevistada: Diferenças, eu não diria diferenças... A Arte Terapia gestáltica é uma das aplicações/áreas da Gestalt-Terapia. O gestalt-terapeuta pode querer ou não trabalhar com arte. Se quiser é uma especialização; quer dizer, você não necessariamente precisa se tornar um arte-terapeuta, mas você pode usar elementos da Arte-terapia gestáltica no seu trabalho. Se quiser passar por uma formação, aí é outra coisa... Por exemplo, posso usar elementos do Psicodrama sem ser uma psicodramatista. Não diria que existem diferenças, diria que o arte-terapeuta gestáltico trabalha sempre com algum tipo de material plástico, com a expressão artística, enquanto o gestalt-terapeuta nem sempre... Você pode ser um gestalt-terapeuta que gosta de trabalhar com arte de vez em quando, ou você pode fazer um curso de aperfeiçoamento ou até de especialização em Arte-terapia. O grau que você quer se aprofundar nisso vai depender de pessoa para pessoa. A questão é que não basta ser terapeuta e gostar de trabalhar com desenho para ser arte-terapeuta, mas você pode fazer algum curso mais breve para utilizar alguns recursos...

Entrevistador: Em sua opinião, quais são as principais contribuições da Gestalt-Terapia à Arte Terapia?

Entrevistada: Eu acho que a principal contribuição, não é nem da Gestalt-Terapia, é da Psicologia da Gestalt e está na ênfase que esta dá a linguagem da forma – na valorização e importância da forma – no conceito de figura fundo, na percepção que é subjetiva e intencional, nunca se configurando como objetiva. Mas acho que a psicologia da forma/gestalt trouxe a ênfase na importância da linguagem da forma, e a partir disso, passamos a poder olhar cada forma relacionada com o fundo; e esta é uma contribuição muito importante. Por exemplo, o livro do Rudolf, que é um dos desenvolvimentos mais recentes da Psicologia da Gestalt, é lido e estudado em todos os cursos de Arte Terapia, mesmo nos que não sejam de linha gestáltica. Porque essa ênfase na importância de observar a fenomenologia da linguagem da forma, ao olhar uma pintura, ao olhar quais os tipos de traços; de formas, se são formas retilíneas, côncavas; se os traços são retos, se redondos; se os movimentos são dinâmicos ou se é uma pintura mais estática; se a direção é para cima, para baixo, para os lados... Olhar qual o tipo de composição, se é uma composição centrada ou se é uma composição em que as partes são relacionadas, ou se as partes não tem interação... São várias categorias para se aprender a olhar a linguagem da forma, olhar se é uma linha tremida, se é uma linha que se interrompe toda hora, se é uma linha feita que nem quando se está trabalhando com lápis e borracha, que vai se fazendo e vai apagando... Se é um tipo de trabalho que privilegia a preocupação com a perfeição e exatidão ou se é mais espontâneo ou solto? Tudo isso vai falando da pessoa... Se é uma pessoa que tem preocupação em ultrapassar o contorno ou não, se os movimentos são curtos e indecisos ou largos e espontâneos... Tudo isso traz informação sobre a linguagem da forma...

Entrevistador: A partir de sua experiência clínica, como você entende - sob o olhar da Arte Terapia gestáltica o processo dialético entre saúde e doença (relação saúde- doença para a Arte Terapia)?

Entrevistada: Na Gestalt-Terapia doença é sempre visto como algum travamento de energia, a doença tem a ver com bloqueio de energia, com alguma fragilidade. De alguma forma a energia de vida fica contida, bloqueada... Na Arte Terapia conseguimos trabalhar de uma forma indolor com coisas bastante profundas, e não só com a expressão de sentimentos e sensações, mas você também vai trabalhar com novas possibilidades, com visualizações de processos de cura, com visualizações de novos caminhos na vida. Na Arte Terapia nasce não só o que você expressa, mas também o que você imagina, pensa, vislumbra. E você pode simbolicamente queimar coisas que estão te fazendo mal, repor essas coisas com novos elementos. Você trabalha com processos de expressão e transformação o tempo todo de uma forma não tão dolorosa. O processo de Arte Terapia é leve, ademais o fato que você está trabalhando com o novo, porque criar novas formas é sempre o oposto do processo entrópico – que é o processo que nos leva a morte, uma vez que vai se diferenciando cada vez mais do processo criativo, tal processo é o oposto do processo gestáltico. Em hospitais, em settings de saúde, a Arte Terapia é muito importante, primeiro para humanizar o contexto, porque deixamos de olhar o cliente apenas como paciente; e no momento em que ele está criando, está entrando em contato com o seu lado omisso... Da mesma forma, as pessoas que desenhavam, criavam, afirmavam: “eu sou o artista, estou controlando o que está acontecendo aqui neste papel”. A Arte Terapia traz esta possibilidade de o paciente poder se sentir um cidadão/artista, propicia uma comunicação intersubjetiva muito eficaz, entre ele e o arteterapeuta, ou com os outros. Traz a possibilidade de visualizar e simbolizar a cura, esperança, o que deseja...

Entrevistador: Outro ponto de investigação de nossa pesquisa é melhor conhecer os trabalhos de psicoterapia com grupos na abordagem gestáltica.

Entrevistada: É bastante legal o trabalho com grupos, pois a partir do momento que cada um faz um trabalho de arte, isso ajuda muito a se estabelecer a comunicação com as pessoas. Quando você pede para cada um do grupo fazer/confeccionar uma imagem acerca “de como está se sentindo hoje” e compartilhar com o grupo, isto facilita a comunicação grupal, gera identificações, facilita a estabelecimento do vínculo grupal. O trabalho pode ser em duplas, trios... Trabalha a inclusão e o trabalho grupal por meio da arte. Este trabalho grupal pode envolver os familiares, os cuidadores, enfermeiras, pessoas que trabalham com pessoas.

Entrevistador: Para você, o que é essencial ao arte-terapeuta gestáltico?

Entrevistada: Acredito que o que seja essencial a todo arte-terapeuta é a familiaridade com o trabalho de arte. Não dá para trabalhar com Arte Terapia sem ter a prática de pôr a mão na tinta, no pincel. Você tem que ter uma prática de arte, senão você vai estar submetendo os outros a algo que você não vivencia e experimenta. Eu acho que o arte-terapeuta deve ter uma vivência na arte, uma familiaridade com o universo simbólico. Já ao gestalt-terapeuta propriamente dito, o importante é ter a confiança no processo criativo do outro, é não dar/entregar “tudo de bandeja”, é se posicionar como um facilitador, um acompanhante do processo. Na verdade quem tem que encontrar as soluções é o cliente e não a gente. Então, eu acho que o que é essencial e verdadeiramente importante, tanto para o gestalt-terapeuta quanto para o arte-terapeuta gestáltico, é a capacidade de estabelecer bons vínculos, é a relação, a relação terapêutica...

Entrevistador: Em sua opinião, quais as dificuldades e limitações da área, levando em consideração que não são tantos profissionais que utilizam a Arte Terapia no contexto clínico ou em outra área da Psicologia?

Entrevistada: O importante é as pessoas não ficarem sozinhas, hoje várias associações estão sendo criadas e é importante buscar, pois elas têm lutado para alcançar seu reconhecimento. As pessoas têm que se organizar e estudar para apresentar a Arte-terapia de uma maneira séria e competente, realizar pesquisas e estar se unindo em prol de reivindicar o reconhecimento dessa área de atuação.

Entrevistador: Gostaria de fazer mais algum comentário ou abordar alguma questão antes de finalizarmos?

Entrevistada: Eu acho que como eu falei antes, a Arte Terapia e a Gestalt-Terapia tem uma integração muito bonita, porque a Gestalt-Terapia enfatiza muito a importância da criatividade na vida. Enfatiza também, a existência das outras linguagens, o não usar só a linguagem verbal, mas também a dos gestos, a dramatização. A própria ênfase que a Gestalt-Terapia dá no valor do experimento, nos mostra que são abordagens muito complementares. O gestalt-terapeuta não precisa se formar como arte-terapeuta, mas a medida que puder fazer algum curso e integrar algo da Arte Terapia ao seu trabalho, a margem de recursos que terá vai ser mais rica e o seu trabalho poderá ficar bem mais interessante.

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