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IGT na Rede
versão On-line ISSN 1807-2526
IGT rede vol.12 no.22 Rio de Janeiro jan./jun. 2015
ARTIGO
Reflexões sobre a relação terapêutica: perspectivas da gestalt-terapia e do psicodrama
Reflections on the therapeutic relationship: perspectives of gestalt therapy and psychodrama
Jeane Franco de Oliveira*; Érico Douglas Vieira** UFGO - Universidade Federal de Goiás - Campus Jataí - Goiás, Brasil RESUMO O movimento de integração tem como essência o desenvolvimento e a busca de maneiras alternativas de conceitualizar e conduzir a psicoterapia, com um olhar para as contribuições de outras escolas. Muitos estudos indicam que a eficácia da psicoterapia depende mais da relação terapêutica do que da abordagem do psicoterapeuta. O objetivo deste trabalho é observar os fatores em comum e os específicos do Psicodrama e da Gestalt-terapia sobre a relação terapêutica. A Gestalt-terapia é a terapia do contato e considera que o relacional é a base sólida para a transformação do cliente. O Psicodrama propõe que o encontro entre psicoterapeuta e cliente seja balizado pela capacidade do psicoterapeuta em se emocionar com o drama do cliente. As duas orientações valorizam o encontro humano no processo de psicoterapia e acreditam que a relação terapêutica sólida transcende uma relação meramente técnica. Os aspectos específicos de cada abordagem podem trazer construções mais elaboradas de alguns aspectos que podem faltar em cada abordagem isolada. Quando o psicoterapeuta examina as contribuições de outras escolas, pode haver uma expansão das possibilidades de estabelecimento de uma boa relação de ajuda. Palavras-chave: Gestalt-Terapia; Psicodrama; Relação terapêutica; Integração em Psicoterapia. ABSTRACT The integration movement has as its essence the development and the search for alternative ways to conceptualize and conduct psychotherapy, with a look at the contributions of other schools. Many studies indicate that the efficacy of psychotherapy depends more on the therapeutic relationship than the approach of the therapist. The objective of this work is to observe the common and specific factors of Psychodrama and Gestalt therapy on the therapeutic relationship. Gestalt therapy is the therapy of contact and considers that the relational is the solid foundation for the transformation of the client. Psychodrama proposes that the meeting between therapist and client is marked by the ability of the therapist to be moved by the client's drama. The two orientations value human encounter in psychotherapy process and believe that the therapeutic relationship should transcend a purely technical relationship. Specific aspects of each approach may bring more elaborate constructions of some aspects that may be lacking in the single approach. When the therapist examines the contributions of other schools, there may be an expansion of the possibilities of establishing a good help relationship. Key-words: Gestalt therapy; Psychodrama; Therapeutic relationship; Integration in Psychotherapy. 1 - Introdução Na literatura especializada em Psicologia Clínica existem diversos estudos que enfatizam a importância da relação terapêutica em um processo de psicoterapia eficaz (ROGERS, 1982; PERLS, 1977). Diversas abordagens trazem a necessidade de um espaço de acolhimento e continência, livre de julgamentos para que o cliente se expresse livremente. A relação terapêutica de qualidade é uma base necessária para a utilização de qualquer tipo de técnica. De modo geral, todas as psicoterapias convergem na valorização da relação terapêutica como agente de mudança fundamental (CORDIOLI et al., 2008). Neste sentido, pretende-se neste trabalho de natureza teórica, apresentar análises e reflexões sobre as concepções da relação psicoterapeuta-cliente para a Gestalt-Terapia e para o Psicodrama, investigando os pontos em comum entre essas orientações. Pretende-se, também, examinar os pontos divergentes sobre o tema como forma de delimitar as especificidades de cada abordagem. A Gestalt-Terapia e o Psicodrama são abordagens relacionais, possuindo bases epistemológicas em comum influenciadas pela Fenomenologia, pelo Existencialismo e pelo Humanismo (ALMEIDA, 2006). As abordagens fenomenológico-existenciais buscam a ruptura com modelos científicos deterministas, enfatizando a luta do ser humano para dar significado à vida. Há outros pontos de convergência como a valorização da vivência para além de análises verbais, como forma de acessar níveis mais profundos da experiência dos sujeitos. Corre-se um risco em permanecer na superfície quando se examina a sinergia de concepções, é preciso ter a cautela de serem consideradas as especificidades de cada abordagem, pois as duas escolas possuem construções teóricas bem diversas. Além disso, alguns conceitos teóricos podem ser semelhantes na superfície, mas demonstram suas diferenças se analisados mais detidamente. A relação terapêutica é algo muito valorizado por ambas as abordagens. No Psicodrama, o encontro existencial entre psicoterapeuta e cliente é delimitado pela capacidade do psicoterapeuta em se emocionar com o drama do cliente. Com sua presença, através do respeito, aceitação e compromisso, o psicoterapeuta auxilia o cliente a explorar suas feridas emocionais (CUKIER, 1998). Na Gestalt-terapia, o psicoterapeuta busca não permanecer preso no arcabouço teórico e técnico, com o risco de substituir o contato com o cliente pelas explicações da sua abordagem. O psicoterapeuta se envolve, através do diálogo e se inclui como pessoa participante da relação (HYCNER, 1995). Espera-se que este trabalho estimule outros estudos sobre possibilidades de diálogos entre abordagens que possam enriquecer a prática do psicoterapeuta. Refletir sobre os pontos em comum da relação terapêutica entre o Psicodrama e a Gestalt-terapia pode aproximar as abordagens, facilitando trocas fecundas entre elas. Além disso, benefícios podem ser maximizados com a maior clareza dos potenciais terapêuticos de uma boa relação de ajuda. Assim, o cliente pode ser exposto a uma maior variedade de atitudes terapêuticas positivas. As reflexões sobre a importância da relação terapêutica nos conduzem também ao mapeamento das atitudes necessárias do psicoterapeuta para a construção de um vínculo que promova mudanças. Primeiramente, será realizada uma apresentação do movimento de integração em psicoterapia, enfatizando a perspectiva que estuda os pontos em comum entre abordagens. Depois, abordaremos as concepções sobre a relação psicoterapeuta-cliente para a Gestalt-Terapia e para o Psicodrama. Por fim, demarcaremos os pontos em comum sobre a relação terapêutica para ambas as abordagens, bem como suas divergências ou especificidades sobre o tema. 2 - O movimento de integração e os fatores em comum A quantidade de abordagens psicoterápicas vem aumentando vertiginosamente e esta diversidade convida para o estabelecimento de diálogos entre diferentes sistemas. Alguns profissionais já se consideram integrativos ou ecléticos (SUNDFELD, 2000). O movimento de integração em psicoterapia consiste em uma congregação de pesquisadores e psicoterapeutas que se interessam no desenvolvimento de psicoterapias mais eficazes através da articulação entre as diversas escolas (VIEIRA; VANDENBERGHE, 2011). Trata-se de um movimento internacional que busca maneiras alternativas de conceitualizar e conduzir a psicoterapia apregoando a não limitação a uma escola única, proporcionando um olhar para as contribuições de outras teorias (NORCROSS, 2005). Existem argumentos favoráveis e ideias contrárias à integração em psicoterapia. Na perspectiva dos argumentos contrários está a questão dos fundamentos epistemológicos que é frequentemente examinada quando se pensa na integração entre abordagens. A existência de contradições básicas sobre a natureza humana, sobre as concepções do processo de mudança e sobre o desenvolvimento da personalidade pode representar obstáculo intransponível para o estabelecimento de diálogos entre as escolas (HAWKINS; NESTOROS, 1997). Neste sentido, as diferenças filosóficas seriam aspectos que colocam as abordagens em mundos diferentes, ou seja, o nível de divergência pode ser tal que as abordagens percebem determinados fenômenos de forma diferente (KHUN, 1970/2011). Pode-se notar, também, que a integração traz uma ideia de desorganização ou incoerência. Por exemplo, Figueiredo (2009, p. 181) aponta a possibilidade de criação de "monstros ecléticos" através da combinação de abordagens. Em outro trabalho, o autor pondera que o campo das psicoterapias será mais produtivo se cada abordagem buscar teorizar e pesquisar independentemente em comparação com tentativas de unificação (FIGUEIREDO, 1991). Por fim, a ausência de uma linguagem em comum entre os psicoterapeutas de diferentes enfoques produz no campo uma Torre de Babel que dificulta a comunicação entre as comunidades com seus jargões específicos (NORCROSS, 2005). Esta perspectiva das ideias contrárias tem sua validade porque pode servir de alerta aos interessados nos diálogos sobre os limites e riscos da integração. De fato, pode ser inviável a integração entre abordagens com visões de mundo muito divergentes. A incoerência é um risco, ou seja, o processo de seleção indiscriminada de partes de fontes divergentes pode gerar uma mistura inconsistente de conceitos e técnicas (MARQUIS; WILBER, 2008). A corrente de pensamento que defende a integração manifesta-se em um crescente interesse de psicoterapeutas e pesquisadores em experimentar formas de se trabalhar com mais de uma abordagem (NORCROSS, 1997). Se o psicoterapeuta cultiva uma atitude de abertura para a diversidade teórica, ele se torna mais capacitado a enfrentar os desafios impostos pelo fazer clínico. A heterogeneidade da clientela e a complexidade requerida na atuação do psicoterapeuta motivam o estudo de mais de uma abordagem. Talvez o trânsito do psicoterapeuta entre diversas teorias tenha uma importância ética, pois pode ser fonte de maior segurança na atuação profissional e melhorar a qualidade dos atendimentos ofertados. Além da prática clínica, as abordagens também podem colher benefícios. Os contatos entre as abordagens podem ser caminhos que estimulam novas direções de pesquisas. Através da visão de conceitos externos, cada orientação pode aprimorar seus aspectos ainda pouco desenvolvidos (EUBANKS-CARTER; BURCKEL, 2005). Como viver isolado não é possível, o contato com o outro pode ajudar cada abordagem a superar os próprios impasses. As psicoterapias não estão prontas e acabadas, mas continuam evoluindo e se desenvolvendo para dar conta das demandas atuais da clientela. A circulação de conceitos, atitudes e técnicas entre as abordagens pode ser um processo enriquecedor que vitaliza o campo. Existem formas organizadas de integração entre abordagens: a integração teórica, o ecletismo técnico, a teoria dos fatores comuns e a assimilação integrativa. A integração teórica destaca a síntese teórica de duas ou mais abordagens na expectativa de que o produto seja melhor do que uma abordagem sozinha. O ecletismo técnico é a utilização das diferentes abordagens práticas unidas sem a adoção de qualquer modelo teórico que fundamente as intervenções. Podem-se utilizar técnicas que o psicoterapeuta acredita serem eficazes com pouca ou nenhuma compreensão teórica que oriente sua escolha, mas guiadas por pesquisas empíricas ou observações clinicas. Na assimilação integrativa, o profissional permanece ligado à sua abordagem de formação e, ao mesmo tempo, incorpora seletivamente práticas e concepções de outras teorias (NORCROSS, 2005). Os elementos incorporados sofrem modificação em função do novo contexto em que foram inseridos. A abordagem dos fatores comuns implica que existem aspectos comuns que são os maiores responsáveis pelos resultados alcançados, semelhantes em todas as psicoterapias (CORDIOLI et al., 2008). É o tipo de integração que será mais explorado em função dos objetivos do artigo. As pesquisas envolvendo os fatores em comum demonstram que a eficácia da psicoterapia depende mais da relação terapêutica do que da abordagem de filiação do psicoterapeuta (CORDIOLI et al., 2008). De acordo com alguns achados de pesquisas, somente 10 a 15% dos resultados em psicoterapia advém dos fatores específicos (NORCROSS, 2005). Após a segunda metade do século XX, as discussões sobre os fatores em comum entre abordagens se tornaram mais frequentes. No entanto, os representantes das abordagens que defendiam as contribuições singulares dos seus sistemas de psicoterapia ficaram incomodados com a busca dos elementos semelhantes (CORDIOLI et al., 2008). A defesa excessiva da singularidade da própria abordagem pode ocasionar uma atitude de fechamento às possibilidades de enriquecimento através das contribuições externas. O desenvolvimento de uma aliança terapêutica é um dos fatores em comum mais comumente propostos. Independente da abordagem utilizada existe a busca de um contexto no qual o cliente sinta-se livre para se expressar. Através do suporte da relação terapêutica o cliente pode exprimir estados afetivos desagradáveis, ressignificar experiências passadas e ensaiar o enfrentamento de questões da vida real (HAWKINS; NESTOROS, 1997). Nesta vertente, examinar os fatores em comum e os fatores específicos do Psicodrama e da Gestalt-terapia a respeito da relação terapêutica é o foco do trabalho. Espera-se que os psicoterapeutas possam maximizar a exposição do cliente do que é comum e, ao mesmo tempo, que os psicoterapeutas se deixem influenciar pelas contribuições específicas de cada escola sobre os elementos necessários para uma relação terapêutica bem sucedida. 3 - A relação terapêutica na perspectiva do Psicodrama Apesar de ser uma abordagem originalmente grupal, o Psicodrama procura refletir sobre os aspectos essenciais para uma relação terapêutica de qualidade. Recentemente, novos desenvolvimentos da abordagem são direcionados para elaborações de metodologias de atendimento individual em psicoterapia (MOTTA, 2008). A relação de poder presente no vínculo é um tema de reflexão freqüente entre os psicodramatistas. O cliente procura o psicoterapeuta quando está fragilizado e precisando de ajuda. Consequentemente, o psicoterapeuta pode ser idealizado como o detentor do poder de orientá-lo no momento em que sua segurança de gerenciar a própria vida está abalada. Tal processo facilita a submissão do cliente ao método e às regras da terapia que são decididos pelo psicoterapeuta. A relação terapêutica não é simétrica, sendo caracterizada por um vínculo de papéis não igualitários (CUKIER, 1998). O psicoterapeuta interpreta, propõe dramatizações, assinala contradições e o cliente expõe seu sofrimento (BATISTA, 2007). Para Cukier (1998), a submissão da criança que teve suas necessidades básicas negligenciadas ou violentadas por pessoas que exerciam o poder sobre elas consistem em experiências marcantes que podem ficar registradas. Trazendo este raciocínio para a relação psicoterapeuta-cliente, a questão do poder seria importante objeto de reflexão para a vivência de um encontro humano. É importante que o psicoterapeuta não assuma o papel do detentor do poder para não fomentar excessivamente o estabelecimento de transferências. O psicoterapeuta, neste sentido, correria o risco de suscitar a revivência de sentimentos ligados a situações passadas opressivas. Na seara da Gestalt-terapia, existe a reflexão de que, quando se alcança uma relação terapêutica sólida, existem muitos riscos envolvidos na exploração de áreas vulneráveis do cliente. O gestalt-terapeuta busca estar atento ao ritmo e à capacidade de auto suporte do cliente (HYCNER, 1995). A transferência é um fenômeno ligado à relação de poder presente no vínculo terapêutico e que é objeto de análise na literatura psicodramática. Na Psicanálise, Freud observou que o cliente projeta fantasias irreais para o psicoterapeuta e nomeou esse fenômeno de transferência. Para os psicodramatistas, o psicoterapeuta não está isento desse envolvimento, ele também projeta fantasias no cliente no processo de contratransferência. No encontro da relação terapêutica tanto o cliente quanto o psicoterapeuta possuem experiências passadas, expectativas e desempenho de diferentes papéis (MORENO, 1983). Perazzo (1994) conclui que Moreno entende a contratransferência como o mesmo fenômeno que a transferência, em direção inversa. Além desta concepção, a transferência do psicoterapeuta pode ser a representação dos sentimentos que o cliente provoca no psicoterapeuta, semelhantes ao que o cliente provoca em suas relações fora da terapia. Desta forma, os sentimentos do psicoterapeuta refletem o que as outras pessoas sentem em relação ao cliente. É importante que o psicoterapeuta instrumentalize esta contratransferência e comunique ao cliente de forma adequada estas reações. Desta forma, o cliente estaria mais consciente das reações ou impactos que provoca nas pessoas com as quais convive. Moreno (1983) afirma que a transferência não acontece em direção à pessoa do psicoterapeuta e sim ao papel que ele representa para o cliente naquele momento como, por exemplo, papel paternal, maternal, modelo de pessoa, amante, etc. O importante é que o cliente tenha espaço e liberdade suficiente para poder expressar-se e não tenha que esconder os sentimentos em relação ao psicoterapeuta. Do mesmo modo, é necessário que o psicoterapeuta também seja livre para que possa explicar e interpretar o significado dessa transferência. Há uma busca em trazer este material à tona e trabalhar de forma a ajudar o cliente nas suas relações atuais. Mesmo admitindo a diferença de papéis, há uma busca de horizontalidade no encontro humano (FONSECA, 2000). A superação dos fenômenos transferenciais e a diluição dos mecanismos de defesa proporcionados pela amorosidade do psicoterapeuta abrem canais de comunicação profundos nos quais o sofrimento, as potencialidades e tudo o que não pode ser dito nos espaços sociais convencionais pode vir à tona (ALMEIDA, 2006). A Gestalt-terapia também trabalha com a noção de encontro humano, no qual o psicoterapeuta se coloca como uma pessoa e também percebe o cliente como uma pessoa real. Neste sentido, existe a possibilidade de crescimento para ambos os envolvidos no processo de psicoterapia (FERREIRA; PARREIRA, 2011). A transferência é um fenômeno terapêutico estudado por outras escolas, ao passo que o Psicodrama possui uma contribuição singular para o entendimento das relações interpessoais que é o fator tele. Perazzo (1994) afirma que é denominado de fator tele todas as relações que asseguram o encontro e possuem uma correta percepção recíproca entre as pessoas, se diferenciando da transferência onde há uma distorção da percepção. Tele é entendida como uma força de coesão da integração da relação terapêutica. É a estrutura relacional básica (FONSECA, 2000). É a experiência de fatos verdadeiros, autênticos e emotivos que acontece no aqui e agora e em via de mão dupla e que estimula relações estáveis e permanentes. A aplicação das técnicas psicodramáticas são mais eficazes quando a tele está mais presente do que a transferência no vínculo terapêutico (ALMEIDA, 2006). Quando o fator tele está operante, o psicoterapeuta pode propor a representação de papeis imaginários e reais, o que auxilia o cliente a sair de si mesmo por um momento. Este descompromisso momentâneo com sua identidade básica, através do aspecto lúdico, pode auxiliar o cliente a trazer seus dramas e concretizar aspectos abstratos e subjetivos. O processo terapêutico tem como meta proporcionar novas perspectivas e transformações no cliente para que este possa vivenciar e agir de maneira mais criativa. Portanto, o fator tele pode ser uma ferramenta terapêutica para alcançar relações mais espontâneas (BATISTA, 2007). O cliente percebe que tipo de pessoa o psicoterapeuta é e, mesmo que se superem as transferências, a tele permanece atuante. As psicoterapias, independente da linha teórica, se baseiam na tele, pois a relação terapêutica real é considerada o principal instrumento promotor de mudanças (MORENO, 1983). Pode-se entender a psicoterapia como a influência benéfica de uma relação humana para produzir mudanças, baseada no fator tele. A flexibilidade do psicoterapeuta é outro fator importante para o estabelecimento de uma boa relação de ajuda. O psicoterapeuta procura estar atento para as mudanças que podem ocorrer e permanece com a mente aberta e flexível. Deve assumir posturas diretivas ou passivas, dependendo da situação. Há o risco em permanecer preso às teorias e técnicas, sem a devida consideração pela pessoa do cliente. Cukier (1998) discute sobre as defesas desenvolvidas pelo cliente pelas quais, muitas vezes, este se sustenta. Se estas defesas são consideradas e respeitadas, o psicoterapeuta pode analisar e refletir sobre o melhor momento e a melhor maneira de fazer alguma intervenção. O psicoterapeuta que fica preso na sua teoria impede que o cliente entre em contato com aspectos mais íntimos e conflituosos. Pode-se perceber que na Gestalt-terapia também existe a reflexão sobre a necessidade do psicoterapeuta se observar para evitar um apego excessivo nas teorias da sua abordagem (FERREIRA; PARREIRA, 2011). No processo terapêutico, o psicoterapeuta identifica manifestações internas do cliente como pensamentos, fantasias e sensações, que podem ser trabalhadas com recursos verbais ou de ação (FLEURY, 2007). Contudo, é importante que o psicodramatista esteja atento para propostas de dramatizações que não possuam significados verdadeiros da experiência vivida, que não sejam apenas uma tentativa de evitar a angústia do psicoterapeuta com clientes cristalizados e com comportamentos estereotipados. A utilização desses recursos psicodramáticos de maneira indevida evita o contato do psicoterapeuta com a experiência do cliente, impedindo o desenvolvimento deste. A dramatização não pode ser uma panacéia. Esta reflexão também é uma forma de buscar estar mais a serviço das necessidades do cliente do que tentar ser excessivamente fiel à abordagem. Há um ideal no qual o psicoterapeuta se coloca como uma pessoa participante e ativa na relação, o que pode levar a uma prática vivida transformadora (FLEURY, 2007). O psicoterapeuta se deixa afetar por suas experiências desencadeadas na relação com o cliente e deixa-se envolver com as emoções suscitadas. Além disso, uma das técnicas fundamentais do Psicodrama, a inversão de papeis, pode estimular uma atitude no psicoterapeuta de tentar se colocar no lugar do cliente, imaginar e tentar sentir como seria a experiência do outro. Para além da técnica, seria uma atitude permanente de entrar no mundo do outro. A ideia gestáltica de inclusão, que seria a busca de se imaginar no lugar do cliente, se aproxima com a meta psicodramática de inversão de papeis com o cliente. Contudo, a proximidade traz riscos; há a necessidade de desenvolver o autocontrole para saber o momento de se expressar na terapia e conseguir distinguir os aspectos das duas pessoas envolvidas (FÉO, 2007). Este risco de diluição de fronteiras é tratado com mais pormenores entre os autores da Gestalt-terapia, como será abordado no próximo item. No Psicodrama, o processo transformador é uma posição que valida a singularidade do cliente, desde que a dupla terapêutica participe em uma co-criação. Para a promoção de relações transformadoras o conceito de espontaneidade é pertinente. A espontaneidade é um conceito central para Moreno e foi definida por ele como uma capacidade de responder de forma adequada às situações novas e de uma forma nova às situações antigas (MORENO 1975). A proposta do Psicodrama é preparar o homem para se libertar das conservas culturais e desenvolver seu potencial espontâneo e criativo (RAMALHO, 2002). A espontaneidade é uma condição do sujeito em responder com liberdade, e seu desenvolvimento pode ser dificultado pelos desequilíbrios emocionais que decorrem do próprio viver no mundo (FOX, 2002). Moreno (1975) afirma que a espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade são recursos que nascem com o homem e são fatores favoráveis ao seu desenvolvimento. No entanto, a capacidade criativa vai sendo perdida em detrimento do desenvolvimento da inteligência, da memória e das imposições de padrões morais e sociais. Na relação psicoterapeuta-cliente, assim como em outras relações, há uma fusão de roteiros sociais e aspectos singulares nos papeis desempenhados. A inserção numa cultura prescreve comportamentos através dos roteiros de condutas contidos nos papeis, mas a criatividade permite a inclusão de coloridos pessoais nestes papeis. Portanto, na perspectiva do Psicodrama, o encontro existencial entre psicoterapeuta e cliente seria balizado pela capacidade do psicoterapeuta em se emocionar com o drama do cliente. Com sua presença, através do respeito, aceitação e compromisso, o psicoterapeuta auxilia o cliente a explorar suas feridas emocionais, processo que pode ocorrer através dos métodos de ação. 4 - A relação terapêutica na perspectiva da Gestalt-terapia Há um pressuposto antropológico gestáltico que concebe o homem como um ser de relação. A ausência de trocas relacionais representa a estagnação do crescimento e a perda do sentido da vida. Sem o estabelecimento de relações genuínas não existe saúde emocional (FERREIRA; PARREIRA, 2011). A busca da psicoterapia se dá quando o cliente passa por dificuldades em se relacionar. Na psicoterapia, o psicoterapeuta procura proporcionar ao cliente condições para relacionar-se novamente. O cliente sente uma abertura para vivenciar o encontro com o outro e estabelecer relações mais autênticas. Para isto, o psicoterapeuta busca estar presente, inteiro, com entrega e aceitação (FERREIRA; PARREIRA, 2011). A Gestalt-terapia é a terapia do contato. Para que o contato ocorra é necessário que existam fronteiras que estabeleçam a diferenciação de individualidades e que, ao mesmo tempo, sejam permeáveis o suficiente para a realização de trocas. Através do contato o sujeito mantém a sua identidade e relaciona-se com o meio em que vive. A partir do desenvolvimento do vínculo terapêutico, os conflitos intrapsíquicos do cliente emergem e podem ser trabalhados (HYCNER, 1995). O psicoterapeuta esforça-se na criação de uma relação de confiança na qual o cliente experiencia de maneira profunda a compreensão do psicoterapeuta ou, pelo menos, a sua tentativa. O processo terapêutico será transformador somente se houver envolvimento. Muito mais que amigável, o psicoterapeuta busca estar disposto a contribuir com o seu self para o encontro (HYCNER, 1995). O envolvimento do psicoterapeuta é uma mudança recente no âmbito das psicoterapias que traz muitas reflexões. Na literatura psicodramática também está presente a prescrição do envolvimento do psicoterapeuta, que busca estar mais próximo, deixando-se mobilizar pelo drama do cliente (CUKIER, 1998). O processo terapêutico pode colocar o psicoterapeuta diante de questões existenciais pessoais quando entra em contato com a problemática do cliente (CARDELLA, 2002). O contato entre psicoterapeuta e cliente pode desencadear sensações no psicoterapeuta que podem estar relacionadas à sua própria história. Desta forma, há o risco da confluência que é uma forma relacional na qual as fronteiras de contato entre os indivíduos se diluem, sendo um fenômeno passível de existir em todas as relações. Portanto, ocorre uma fusão por causa da ausência da fronteira. O espaço terapêutico seria um espaço de relação e diferenciação ao mesmo tempo (MARTINS; MALAGUTH, 2010). Como a diretriz é estar presente, para que isto ocorra, o gestalt-terapeuta procura não permanecer preso no arcabouço teórico e técnico. Há o risco de substituir o contato com o cliente pelas explicações da sua abordagem. O conceito de presença refere-se à busca do psicoterapeuta em estar inteiro e disponível na situação, engajado na abertura sem considerações e reservas. A revelação das formas de existir do cliente se potencializa neste contexto (HYCNER, 1995). Há um ideal no qual o psicoterapeuta cultiva a coragem necessária para abrir mão das técnicas e das teorias da sua abordagem. Assim, ele abre mão da segurança e proteção e se lança em direção à incerteza (FERREIRA; PARREIRA, 2011). As reflexões sobre a relação de poder presente na psicoterapia feita pelos psicodramatistas podem se complementar com a ideia de abertura do psicoterapeuta proposta pela Gestalt-terapia. Se o psicoterapeuta consegue se colocar mais como pessoa e menos como um técnico especialista, abrindo mão de sua posição hierárquica de poder, talvez ele consiga se apresentar inteiro, disponível e aberto para o encontro humano. A abertura, a presença e a disponibilidade do psicoterapeuta seriam requisitos vitais para a superação dos modos limitados de existir. Olhar para si é fundamental; quando o psicoterapeuta consegue estar consciente, há um contato de qualidade (CARDELLA, 2002). O psicoterapeuta norteia sua atenção para reconhecer o cliente como uma pessoa real e para ter um verdadeiro interesse pela sua história. Esse encontro com cumplicidade proporciona crescimento não só para o cliente, mas também para o psicoterapeuta (FERREIRA; PARREIRA, 2011). Quando a relação psicoterapeuta-cliente está mais sólida, as possibilidades da psicoterapia são ampliadas, porém os riscos de extrapolar áreas vulneráveis e resistentes do cliente também são infinitos (HYCNER, 1995). Para o trabalho com as fragilidades do cliente, a Gestalt-terapia como uma abordagem do cuidado, cultiva o respeito pelo ritmo do cliente. A contínua preocupação com o autossuporte do cliente representa uma atitude reflexiva na exploração das vulnerabilidades do cliente. A emergência da verdade do cliente é propiciada pela não diretividade do psicoterapeuta (CARDELLA, 2002). Este aspecto também é desenvolvido na perspectiva dos psicodramatistas, manifestado nas reflexões sobre a busca de uma horizontalidade na relação terapêutica. A prática dialógica do psicoterapeuta implica em posturas como presença, comunicação e inclusão. A presença indica estar presente por inteiro com o outro e sem expectativas. A comunicação é um diálogo verdadeiro, com troca de percepções, palavras e silêncio e sem julgamentos. A inclusão é uma forma de imaginar o que se escuta do cliente, se permitindo sentir o que o cliente sente, sem perder a própria identidade. É um momento de sintonia e companheirismo (FERREIRA; PARREIRA, 2011). Desta forma, o psicoterapeuta consegue acessar o mundo do cliente, tornando possível resgatar suas potencialidades mais profundas através da aceitação e da confirmação da sua identidade. Como foi dito anteriormente, a técnica de inversão de papeis do Psicodrama se transformou em uma atitude do psicoterapeuta em se colocar empaticamente no lugar do cliente. Esta postura se aproxima da prática dialógica gestáltica. As atitudes descritas pela literatura gestáltica demonstram a necessidade do constante aprimoramento do psicoterapeuta. Ele busca cultivar a humildade para poder analisar suas limitações e estar disponível para uma psicoterapia pessoal. As abordagens fenomenológico-existenciais consideram que cada psicoterapeuta possui um estilo próprio e que suas características pessoais se tornam instrumentos de trabalho. O aprimoramento como pessoa afina esse instrumento. Para ajudar o outro a construir sua morada, há como meta o envolvimento com a construção da própria. Para estar a serviço do outro, ter um bom autossuporte é uma condição facilitadora (CARDELLA, 2002). Portanto, a partir da ótica da Gestalt-terapia, o psicoterapeuta procura transcender o arcabouço teórico e técnico para evitar a substituição do contato com o cliente pelas explicações da sua abordagem. O psicoterapeuta se envolve, através do diálogo, se incluindo como pessoa participante da relação. A postura não-diretiva do psicoterapeuta respeita o cliente como pessoa capaz de descobrir por ele mesmo suas possibilidades. A Gestalt-terapia é uma abordagem do cuidado, na qual o ritmo do cliente é respeitado. Não é necessário impelir o cliente. Através de uma relação dialógica as potencialidades serão atualizadas. 5 - Psicodrama e Gestalt-terapia: convergências e divergências sobre a relação terapêutica Os diferentes projetos de Psicologia demonstram a vitalidade e a diversidade presentes no campo. Para levar a cabo cada projeto, diferentes subcomunidades de profissionais do território da Psicologia são constituídas. Há a luta pelo aprimoramento das escolas através de publicações, congressos e cursos. Dentro deste contexto polimórfico da Psicologia, a chamada Terceira Força é uma subcomunidade significativa, congregando diversas vertentes de terapias humanistas. Segundo Lima e Holanda (2011), ela foi baseada nos modelos teóricos e técnicos surgidos entre os anos de 1940 e 1960 nos Estados Unidos. Dentre seus representantes estão Abraham Maslow, Carl Rogers, Rollo May, Charlotte Buhler, dentre outros. Foram fortemente influenciados pela corrente existencialista europeia, principalmente alemã e francesa. Pretendiam recolocar o homem no centro da Psicologia que, segundo eles, se tornava cada vez mais cientificista, fria e desumanizada (GINGER; GINGER, 1995). A busca da Terceira Força era a denúncia dos moldes deterministas de se fazer ciência, contidos na Psicanálise e no Comportamentalismo. Estes eram acusados de tratar o homem como produto e de tê-lo reduzido a um objeto de estudo, em vez de vê-lo como um sujeito responsável por suas crenças e escolhas (GINGER; GINGER, 1995). Como elemento de contraposição, as psicoterapias humanistas apresentam como referencial o potencial de crescimento dos indivíduos e não seus aspectos patológicos (LIMA; HOLANDA, 2011). No Brasil, podem ser citadas cinco abordagens associadas a essa corrente: a Gestalt-terapia, a Psicologia Existencial, a Abordagem Centrada na Pessoa, o Psicodrama e a Logoterapia (MOREIRA, 2010). A Gestalt-terapia e o Psicodrama participam deste território, possuindo alguns pressupostos filosóficos em comum, mesmo com caminhos teóricos diversos (ALMEIDA, 2006). Uma das propostas do Psicodrama e da Gestalt-terapia é a busca de fortalecimento de seus aportes teóricos, tendo em vista que estas abordagens lutam para romper uma imagem de que seriam somente um conjunto de técnicas. Por outro lado, os membros das duas abordagens valorizam muito a busca de um encontro humano com o cliente, por isso alertam para o risco do psicoterapeuta se prender demasiadamente às teorias e aos métodos. No Psicodrama, a advertência referente à perda de contato com a pessoa do cliente é proferida, mas falta a indicação de diretrizes claras de atitudes clínicas para afastar este risco. A Gestalt-terapia, que também valoriza o encontro humano, formula atitudes que orientam seus membros a se tornarem cada vez mais envolvidos com o cliente. O conceito gestáltico de presença do psicoterapeuta – a tentativa de estar inteiro, comprometido, aberto e sem expectativas – pode ser um bom modelo de conduta para os clínicos. A abertura do psicoterapeuta o despoja da sensação de segurança e o lança em um universo de incertezas no qual o mistério do cliente vai se revelando. Portanto, as duas abordagens valorizam atitudes de transcendência da teoria para que a pessoa do cliente emerja, mas a Gestalt-terapia formula princípios mais claros para este fim. As duas orientações valorizam o encontro humano no processo de psicoterapia. Portanto, têm como ideal o preceito de que a relação terapêutica deve transcender uma relação meramente técnica. O psicoterapeuta procura ir além do seu papel e se colocar como pessoa. O Psicodrama descreve teoricamente este processo almejado nos conceitos de tele e transferência. A meta é que a relação terapêutica seja cada vez mais télica, baseada no encontro verdadeiro, e menos transferencial, com a superação das distorções. A Gestalt-terapia, por sua vez, fornece os passos práticos para o alcance desta meta, fornecendo atitudes que o psicoterapeuta poderia cultivar para o estabelecimento de uma conexão profunda com o cliente. O envolvimento, a presença, a não-diretividade e a disponibilidade favorecem uma relação terapêutica mais horizontal. Portanto, o Psicodrama fornece conceitos teóricos para o alcance de uma relação mais horizontal, verdadeira e promotora do encontro, enquanto que a Gestalt-terapia fornece as atitudes práticas que o psicoterapeuta poderia cultivar. As duas abordagens valorizam o crescimento e o desenvolvimento do cliente e não somente os seus aspectos patológicos. As duas escolas entendem de maneiras distintas a estagnação do crescimento. Na teoria psicodramática, a perda da espontaneidade e adoção das respostas estereotipadas podem colocar obstáculos ao estabelecimento do contato como encontro verdadeiro. O conceito moreniano de perda da espontaneidade pode ajudar a ampliar o entendimento de como ocorre a perda do contato de qualidade, que é uma preocupação da Gestalt-terapia. A pobreza nos contatos leva uma interrupção do crescimento, pois este só é possível na fronteira entre o organismo e o ambiente. Este processo, por sua vez, pode levar a uma perda da capacidade de ser criativo e espontâneo. Esta relação circular entre o conceito psicodramático de espontaneidade e do conceito gestáltico de contato está representada no diagrama abaixo: Diagrama 01. Relação entre a perda da espontaneidade e as dificuldades no contato Portanto, as duas abordagens consideram a importância da criação de condições, por parte do psicoterapeuta, para o crescimento do cliente. O Psicodrama, valorizando a espontaneidade e a Gestalt-terapia, valorizando as relações. Ambas respeitando a singularidade do sujeito e suas limitações diante dos seus problemas. O Psicodrama e a Gestalt-terapia são abordagens que consideram as diferentes formas de comunicação que existem entre psicoterapeuta e cliente como uma contribuição importante para que o processo terapêutico seja transformador. O Psicodrama acredita que as possibilidades de movimentação espacial e de trabalho corporal revelam muito sobre as questões do cliente que podem ficar na penumbra quando se acessa somente a comunicação verbal. Ou seja, o corpo em movimento pode expressar intensidades de sentimentos que o cliente não consegue por meio da fala. A Gestalt-terapia, por sua vez, acredita que a comunicação e a presença proporcionam ao psicoterapeuta entrar em contato com o mundo do cliente de maneira mais genuína e, assim, desenvolver uma prática dialógica onde sejam criadas condições restauradoras e transformadoras para o cliente. A relação dialógica proposta leva a um aprofundamento existencial do cliente pela forte presença do psicoterapeuta. Neste sentido, o psicodramatista poderia se beneficiar adotando algumas atitudes da relação dialógica como a presença e o envolvimento do psicoterapeuta, aspectos melhor delineados pela Gestalt-terapia. Na outra via, os gestaltistas poderiam adotar mais estratégias de movimentação espacial e corporal que facilitam uma maior expressividade dos clientes, aspecto muito bem trabalhado pelo Psicodrama. Assim como existem pontos de convergência, os aspectos específicos de cada abordagem podem contribuir para construções mais elaboradas de alguns aspectos que podem faltar em cada abordagem isolada. A adoção de alguma estratégia clínica de outra abordagem pode ampliar a visão do profissional para lidar com a complexidade da realidade clínica. O Psicodrama possui contribuições específicas sobre a relação terapêutica que poderiam contribuir para outras abordagens. Os psicodramatistas alertam para a assimetria da relação psicoterapeuta-cliente e para os necessários cuidados com o exercício de poder presente no papel de psicoterapeuta. Como a Gestalt-terapia insiste muito na simetria do vínculo, a observação das formulações psicodramáticas podem deixar os gestaltistas mais sensibilizados com as questões de poder presentes na relação terapêutica. Apesar da busca do encontro humano, o psicoterapeuta possui um papel diferenciado e detém o poder de estabelecer as regras e isto tem reflexos na relação terapêutica. Por sua vez, a Gestalt-terapia também oferece contribuições especificas importantes que servem de complemento para outras escolas como a ideia da relação terapêutica como base para a mudança do cliente e a necessidade de um intenso envolvimento do psicoterapeuta como pessoa. Além disso, a Gestalt-terapia estimula o autocuidado do psicoterapeuta e a necessidade de diferenciação com o cliente. Como o Psicodrama é uma abordagem originalmente grupal, as formulações gestálticas sobre a relação bipessoal entre psicoterapeuta e cliente podem ser utilizadas pelos psicodramatistas. Alguns autores do Psicodrama, mais recentemente, construíram propostas para o atendimento bipessoal (ver CUKIER, 1992; FONSECA, 2000), como tentativas de adaptação do Psicodrama para o atendimento individual. Como a Gestalt-terapia tem propostas mais desenvolvidas sobre as atitudes desejáveis do psicoterapeuta numa psicoterapia bipessoal, os psicodramatistas poderiam se inspirar nas ideias gestálticas de envolvimento e presença como potentes facilitadores de mudança. As reflexões sobre a relação terapêutica nos enfoques gestáltico e psicodramático podem inspirar o campo no desenvolvimento de uma abordagem transdisciplinar para a psicoterapia. Prochaska e Diclemente (2005) propõem uma abordagem transdisciplinar para a psicoterapia com uma ênfase nos processos de mudança. Os autores argumentam que os clientes, independente da abordagem utilizada pelo psicoterapeuta, percorrem cinco estágios de mudança: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. Além disso, em todas as psicoterapias os sujeitos passam por experiências que modificam seu pensamento, seu comportamento ou seu afeto em relação a determinado problema. Geralmente os processos que promovem a mudança são: alívio dramático, aumento de conscientização, manejo das contingências, autorreavaliação e reavaliação do ambiente, para citar alguns. A proposta dos autores é que exista uma melhor capitalização, por parte do psicoterapeuta, destes estágios e processos de mudanças para que os clientes sejam considerados em sua complexidade. Este exercício, que transcende a utilização de uma única abordagem, busca otimizar a exposição do cliente a mais fatores de mudança (PROCHASKA; DICLEMENTE, 2005). Em relação ao presente estudo, pode-se propor a adoção de uma perspectiva transdisciplinar ou transteórica que pudesse refinar mais a compreensão das características de uma relação terapêutica que potencialize fortemente a mudança do cliente. Para isto, seriam necessários novos estudos que investigassem em que consiste uma boa relação de ajuda, independente das abordagens utilizadas. 6 - Considerações Finais O movimento de integração em psicoterapia possui uma preocupação com a eficácia da psicoterapia e com a qualidade do serviço oferecido ao cliente. Para isto, convida os psicoterapeutas a olharem para além da sua abordagem de formação e examinarem o que pode ser aprendido de outras escolas (NORCROSS, 2005). A busca de desenvolvimento de uma boa relação terapêutica é uma frequente preocupação dos profissionais integrativos e um aspecto em comum entre muitas escolas. A Gestalt-terapia e o Psicodrama buscam a horizontalidade entre psicoterapeuta e cliente. O psicoterapeuta está a serviço do cliente, tentando se colocar como pessoa qualificada pelo saber clínico e como alguém que não detém o poder e que permite a centralidade da experiência do cliente. Para o encontro humano, o psicoterapeuta busca a transcendência de sua função e de suas teorias para se conectar com a humanidade do cliente. O Psicodrama traz a necessidade de relações mais télicas e menos transferenciais, baseadas na realidade do encontro. A atitude de inversão de papeis com o cliente na tentativa de se colocar no lugar deste tem paralelos com várias ideias gestálticas de envolvimento do psicoterapeuta. A presença do psicoterapeuta como pessoa prescreve atitudes de abertura e disponibilidade, sem a criação de expectativas em relação ao cliente. Respeitar o ritmo do cliente é uma importante meta da Gestalt-terapia que revela a confiança na sabedoria organísmica de cada pessoa. Neste trabalho, foram apresentadas reflexões sobre as atitudes desejáveis do psicoterapeuta e as concepções da relação terapêutica para a Gestalt-Terapia e para o Psicodrama. Espera-se que novos estudos sobre diálogos entre abordagens sejam estimulados. As aproximações de abordagens podem evidenciar os potenciais terapêuticos da relação de ajuda. Mapear os elementos de uma boa relação terapêutica pode orientar para as atitudes desejáveis que um psicoterapeuta poderia cultivar para estabelecer uma profunda conexão com o cliente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, W. C. Psicoterapia Aberta: o método do psicodrama, a fenomenologia e a psicanálise. Ed.1ª. São Paulo: Ágora. 2006. [ Links ] BATISTA, M. A. O PACIENTE PERFEITO. In: VASCONCELOS. M. C. M. (Org). Quando a psicoterapia trava. São Paulo: Ágora. 2007. p. 69-75. [ Links ] CARDELLA. B. H. P. A construção do psicoterapeuta: uma abordagem gestáltica. São Paulo: Summus. 2002. [ Links ] CUKIER, R. Psicodrama Bipessoal. 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