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IGT na Rede
versão On-line ISSN 1807-2526
IGT rede vol.13 no.24 Rio de Janeiro 2016
RESENHA
Resgatando a Angústia na contemporaneidade
Rescuing Anguish in Contemporary
José Alves de Souza Filho*
Universidade Federal do Ceará - UFC, Fortaleza, Ceará
RESUMO
Os manuais clínicos de patologia, como o CID-10 e DSM-IV trazem uma série de classificações sobre fenômenos humanos que, por levarem a experiências de sofrimento social, pessoal e/ou laboral, são nomeados como doenças. O que concerne àqueles fenômenos de natureza psíquica, especialmente, os de difícil precisão causal e topográfica, são decifrados pela psiquiatria como fenômenos comprometedores da eficiência funcional dos sujeitos, os quais se sentem imobilizados e incapacitados nas vivências dos sentimentos e ideias que caracterizam as doenças mentais. Nessa perspectiva, a angústia é vista como um sintoma comum que permeia, ora com maior ou menor relevância, muitos dos transtornos mentais.
Palavra-chave: Angústia; Fenômeno; Transtornos Afetivos; Ansiedade.
ABSTRACT
Clinical Manual of pathology, such as ICD-10 and DSM-IV brings a number of classifications of human phenomena, for taking the experiences of social suffering, personal and / or labor, are named diseases. What concerns those phenomena of psychic nature, especially the difficult causal and topographic precision, are deciphered by psychiatry as compromising phenomena of functional efficiency of subjects who feel immobilized and incapacitated in the experiences of feelings and ideas featuring mental illness . In this perspective, the anxiety is seen as a common symptom that pervades, sometimes with greater or lesser relevance, many of mental disorders.
Keyword: Anguish; Phenomenon; Affective Disorders; Anxiety.
Resenha do livro:
DANTAS, Jurema Barros - Angústia e existência na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2011.
Os manuais clínicos de patologia, como o CID-10 e DSM-IV trazem uma série de classificações sobre fenômenos humanos que, por levarem a experiências de sofrimento social, pessoal e/ou laboral, são nomeados como doenças. O que concerne àqueles fenômenos de natureza psíquica, especialmente, os de difícil precisão causal e topográfica, são decifrados pela psiquiatria como fenômenos comprometedores da eficiência funcional dos sujeitos, os quais se sentem imobilizados e incapacitados nas vivências dos sentimentos e ideias que caracterizam as doenças mentais.
Nessa perspectiva, a angústia é vista como um sintoma comum que permeia, ora com maior ou menor relevância, muitos dos transtornos mentais. Tratado como sintoma, a angústia é reconhecida através dos sistemas de classificação psiquiátrica como um sentimento negativo, disfuncional, ansiogênico que cerceia a produtividade laboral dos sujeitos, bem como impossibilita a criação e manutenção de relações interpessoais funcionais e eficientes. Permeando vários transtornos, como transtornos de ansiedade e transtornos afetivos, a angústia muitas vezes é confundida com a ansiedade. Pois a primeira, pelo o estado de reflexão e inquietação emocional, é prontamente confundida com a segunda devido à similaridade nas experiências fantasiosas de premonição ou antecipação de situações ansiogênicas.
Dentro dessa esteira medicalizante, as ciências psi (psiquiatria, psicologia, e psicoterapias) vêm difundido discursos que visam promover a “cura” desse estado psíquico mediante diversas terapêuticas, seja da ordem medicamentosa ou comportamental. Dessa forma, vemos a construção de discursos que promovem o reconhecimento da angústia como um mal a ser tratado e removido do repertório comportamental do sujeito. Medicamentos e terapêuticastêm como fim a promoção da felicidade e bem-estar humano.
Todavia, por que mesmo passíveis de tantas terapêuticas continuamos tão angustiados? Por que a angústia apresenta-se tão presente na afetividade dos sujeitos contemporâneos? Será que a angústia pode ser reconhecida com um sintoma de patologias?
Contemporânea dessas tramas no mundo psi, a psicóloga Jurema Dantas Barros1 , na sua obra "Angústia e existência na contemporaneidade", ensaia sobre a capital importância da angústia na construção do sujeito atual. Crítica à naturalização patologizante dessa experiência humana, e inquieta por sua presença na vida dos indivíduos, a autora retorna à filosofia contemporânea, na figura do fenomenólogo e hermeneuta Martin Heidegger, para refletir e discutir sobre importância da angústia na constituição existencial de nossa condição de ser-no-mundo no desvelamento clarificador da construção do projeto existencial humano. Tal proposta é pormenorizadamente esclarecida na introdução de sua obra ao tematizar as características positivas e construtivas nos aspectos trágicos que envolvem a angústia. Tais aspectos apontam para a importância da liberdade, do movimento e da responsabilidade presentes na vivência de tal condição existencial, especialmente convocando o homem a assumir a autodeterminação do viver frente às limitações trágicas que a vida impõe. “A angústia deve ser interrogada no âmago do nosso contexto histórico, comungando com o fato de que ela não precisa ser tomada como um obstáculo à existência, mas uma disposição privilegiada para a reflexão sobre nossa condição de indeterminação frente a vida” (DANTAS, 2011, p. XVII).
No primeiro capitulo, O pensamento de Martin Heidegger, de maneira pedagógica, todavia não simplória, a autora apresenta importantes elementos conceituais que compõem a analítica existencial do pensamento heideggeriano, privilegiando a experiência fundante da angústia para o rompimento da decadência humana na impessoalidade na cotidianidade do mundo circundante. Especialmente, a autora versa sobre aspectos antropológicos, enquanto “ente privilegiado” do Homem moderno discutido na Ontologia Fundamental, capaz de questionar e refletir sobre sua própria condição de ser. Para tanto ciente do desafio de garantia o rigor e fidelidade filosófica no exercício de um fazer psi crítico, a autora resgata importantes elementos da filosofia poética heideggeriana para tematizar o primado da angústia na constituição da subjetiva do homem na sua cotidianidade. “A angústia remete o homem para o seu poder-ser mais próprio. Coloca-o frente com sua possibilidade de escolher a si mesmo, assumindo sua escolha” (DANTAS, 2011, p.26).
A explanação da estrutura existencial discutidas no capítulo anterior abre clareira para autora apresentar suas inquietações e reflexões sobre as condições existenciais de escolher-se do sujeito contemporâneo. No segundo capitulo, A Angustia na Contemporaneidade, Dantas apresenta o panorama cultural da atualidade a qual se encontra agenciada por uma lógica consumista que se materializa no cotidiano pela espetacularização das identidades contemporâneas regidas por ideais narcísicos consumidos via mídias. “Nesse contexto, surge um individualismo no qual vivemos sem projeto, sem ideias, a não ser cultura uma autoimagem e buscar a satisfação aqui e agora” (DANTAS, 2011, p.39). A psicóloga clínica ciente do papel estruturante da cultura no existir da humanidade, elabora de maneira bastante peculiar uma antropologia a impessoalidade a partir das atuais condições de possiblidades atualmente existentes. Mediante uma conjunção da espetacularização do cotidiano pelas redes sociais e as vias de captação do mesmo pelas ofertas consumistas do mercado, a autora trata do desenraizamento do humano, no esquecimento da sua vida pessoal, sua história, na luta diária em “ser” algum dos ideais preconizados pelo mercado. Para tanto, recorrer as alegorias de Bauman sobre o turista e o vagabundo, para exemplificar, por um lado, os desapegados que tudo querem e por tudo procuram, e, por outro, os marginalizados condenados a servir aos que se dando ao luxo de não perder tempo fixando-se a trabalhar.
Como crítica de nossa atual topografia existencial, a autora apresenta, no capítulo Heidegger e o contemporâneo, reflexões que permitem situar as condições existências atuais da construção humana, a qual se encontra permeada pelo fascínio da técnica e sua consequência instrumentalizadora da vida humana. Tal situação reverbera na busca persistente de dominação dascontingencias propulsoras do existir humano: a angústia torna-se sintoma a ser medicado, um sofrimento a ser evitado, e inquietação a ser controlada. Todavia, diferente de uma fidelidade crítica negativa, a autora persiste em refletir a angústia diferente dos discursos veiculados atualmente. “Vale ressaltar que a angustia, como disposição ontológica fundamental, é o que possibilita a abertura e que, onticamente, pode se realizar no sofrimento psicológico, mas que é, ao mesmo tempo, condição de possibilidade da própria serenidade” (DANTAS, 2011, p. 58). Serenidade apresenta-se como nova posição existencial. Postura humana que disposição e acolhimento a condições existenciais que desvelam-se na historicidade humanas, as quais no mobilizam e proporcionam novos sentidos para nossa sedimentação e presentificação no mundo.
Nas vias da conclusão, e em sintonia com considerações finais da autoras, lançarmos sínteses de uma obra rica em reflexões existenciais com fins de retomar a angústia agora sobre outro aspecto. “E destituída de negatividade, ela passa aqui a ser concebida com uma valiosa experiência, que emerge quando tomamos consciência ou nos apropriamos da nossa condição humana” (DANTAS, 2011, p.63). Angústia daquele se debruçou sobre tais reflexões e que estranha as seduções de nossa cotidianidade. Angústia que nos convida a experimentar a existência distinta da impessoalidade. Angústia que abre a clareira na existência para uma nova percepção e cuidado da história humana. Inquietações diversas que abrem vias de construção e renovações de estudos em disciplinas, como a psicologia clínica e psicopatologia, privilegiando a produção de um saber crítico. Novos discursos psi comprometidos com desencantamento dos espetáculos da vida e propulsores de indivíduos cientes e críticos com sua própria existência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DANTAS, Jurema Barros. Angústia e existência na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Editora Rubio, 2011.
NOTAS
* Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará - (UFC).
1 Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará (UFC), Coordenadora do Laboratório de Estudos em Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade (LAPFES/UFC). Coordenadora de Projetos de Extensão do Núcleo de Psicologia Clínica da UFC (NUPLIC). Líder do Diretório de Pesquisa do CNPq: Psicoterapia, Fenomenologia e Sociedade. Experiência na área de Psicologia e Educação, com ênfase em Fenomenologia, atuando principalmente nos seguintes temas: medicalização, consumo, corpo, felicidade e contemporaneidade.
Endereço para correspondência
José Alves de Souza Filho
Universidade Federal do Ceará.
Endereço eletrônico: josefilhoss@gmail.com
Recebido em 30/09/2015
Aprovado em 14/06/2016