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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.3 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2011

 

COMUNICAÇÕES DE PESQUISA

 

Motivos associados ao suicídio de pessoas idosas em autópsias psicológicas

 

Reasons associated to suicide of elderly people in psychological autopsies

 

 

Maria Cecília de Souza Minayo; Fátima Gonçalves Cavalcante; Raimunda Matilde Mangas; Juliana Rangel Alves de Souza

 

 


RESUMO

Apresentamos os resultados de um estudo qualitativo sobre suicídio em idosos no Estado do Rio de Janeiro entre 2004 e 2007 que recebeu ajuda da Faperj. Esse estudo teve como base oito autópsias psicológicas que nos permitiram reconstituir os motivos associados à morte de idosos acima de 60 anos, a partir do relato de familiares e amigos. Os suicídios estão associados a depressão, a enfermidades físicas e mentais graves, a fatores socioculturais como decadência profissional e socioeconómica. Esses eventos ocorreram com e sem apoio familiar, com e sem acompanhamento médico. A fragilização cumulativa de recursos pessoais e sociais no ciclo vital

Palavras-chave: suicídio, suicídio em idosos, autópsias psicológicas


ABSTRACT

We present the results of a qualitative study of suicide of old people in the Rio de Janeiro city between 2004 and 2007 supported by Faperj. The study was based in eight psychological autopsies that allowed us to reconstitute the reasons related to the death of people up to 60 years old. The suicides are associated to depression, severe physical and mental diseases, to sociocultural issues related to professional and socio-economic decadence, to the retirement, and abuse use of money. The suicide occurred with and without family support, with and without medical care. The cumulative fragileness of personal and social resources within the vital cycle shows that the suicide risks in elderly require permanent care from health public area.

Key-words: suicide, elderly suicide, psychological autopsies.


 

 

Introdução

Vamos apresentar os principais resultados de um estudo qualitativo feito em 2010, em que foram analisadas oito autópsias psicológicas de mortes por suicídio que ocorreram no Município do Rio de Janeiro entre os anos de 2004 e 2007, envolvendo idosos acima de 60 anos, a maioria do sexo feminino. O grupo estudado reuniu parentes e amigos de pessoas idosas da classe média e classe média alta, das zonas norte e sul do Rio de Janeiro. Aqui, o foco não será feito nem no detalhamento do método utilizado no estudo, nem nas formas e circunstâncias de suicídio que foram encontradas, nem na análise de diferenças de gênero, temas que serão alvo de outras publicações. Focalizaremos uma análise dos motivos que encontramos nos relatos coletados, através de um método retrospectivo que visa compreender as razões pelas quais uma pessoa atentou contra a própria vida, a partir das pistas verbais, comportamentais e sociais que ela deixou e podem ser reconstituídas no relato de pessoas que lhe foram próximas. Pretendemos divulgar esses resultados e os cuidados a serem observados, visando chamar atenção para a necessidade de cuidados preventivos na área da Saúde do Idoso.

Em diversos países, o maior grupo de risco para suicídio é o de pessoas acima dos 65 anos e esse risco aumenta com a idade (CONWELL e THOMPSON, 2008; NOCK e cols., 2008; WHO, 2007; BEAUTRAIS, 2001; CONWELL e cols., 2000). Estudos apontam que a maior parte de idosos que morreram por suicídio tinha algum transtorno mental, sendo que de 71% a 90% deles sofriam algum grau de depressão (CONWELL e THOMPSON, 2008; SHAH e BHAT, 2008; MITTY e FLORES, 2008; BEESTON, 2006; FISKE e JONES, 2005; POWER e THOMPSON e FUTTERMAN e GALLAGHER-THOMPSOM, 2002). A maior parte do que se conhece sobre fatores de risco e fatores protetores associados ao suicídio vem de autópsias psicológicas (CONWELL e THOMPSON, 2008; HAWTON, 1998), com a seguinte distribuição de diagnósticos psiquiátricos: transtornos afetivos oscilam entre 54% e 90%, transtornos por uso de substâncias entre 3% e 46%, transtornos psicóticos e desordens delirantes têm um papel menor. Há menor associação do suicídio com uso de álcool e não há associação com demência, exceto nas fases iniciais, quando há maior consciência das mudanças cognitivas e funcionais (MITTY e FLORES, 2008; BEESTON, 2006).

Estima-se que haja mais de 600 mil pessoas idosas com 60 anos ou mais em todo o mundo e que, em 2020, essa população chegará a um bilhão (WHO, 2001). No Brasil, estima-se um crescimento de 59,3% da população idosa com 60 anos ou mais, passando de 8,1% no ano 2000 para 12,9% em 2020 (IBGE, 2002), o que representa um aumento de 14 milhões ao longo de 20 anos, numa média de 700 mil novos idosos por ano (FERREIRA, 2007). Como o risco de suicídio aumenta com a idade, a prevenção se torna um desafio a ser abraçado pelos vários setores de saúde, uma vez que esse problema tem pouca visibilidade no País.

As taxas de suicídio variam entre países, por idade, sexo, raça e etnia. Elas são mais altas na Europa Oriental, medianas nos Estados Unidos, Europa Ocidental e Ásia e mais baixas na América Central e América do Sul. Na maioria dos países, os homens têm taxas mais elevadas de suicídio do que as mulheres, numa variação de 3:1 a 7.5:1 (NOCK, 2008). No Brasil, as taxas de suicídio são baixas se comparadas aos demais países. No ano de 2006, encontramos uma média de 5.7/100.000 para a população em geral e de 8.0/100.000 para a população idosa, o que revela que os mais velhos configuram a faixa de maior risco para o autoaniquilamento. Observamos que esse aumento no Brasil se deve principalmente ao suicídio de homens (MINAYO e CAVALCANTE e MANGAS e PINTO, 2010).

Os idosos que atentam contra a própria vida estão mais suscetíveis de não serem nem encontrados e nem ajudados em tempo hábil, pois boa parte desse grupo etário vive sozinha. Além disso, eles usam meios mais letais do que pessoas mais jovens e, por isso, suas tentativas de suicídio costumam ser bem-sucedidas (CONWELL e THOMPSON, 2008; MITTY e FLORES, 2008). Os idosos em idades mais avançadas (acima de 80 anos) explicitam mais facilmente suas ideações suicidas do que os idosos mais jovens (65-80 anos) (MITTY e FLORES, Flores, 2008; BEESTON, 2006) e, por exemplo, dados dos Estados Unidos mostram que 75% dos idosos, em média, se suicidam sem nunca antes terem feito uma tentativa de autoextermínio (CONWELL e THOMPSON, 2008). Afinal, a tentativa de suicídio é menos comum entre idosos, se comparada a adolescentes e adultos jovens (MITTY e FLORES, 2008). Há cerca de duas a quatro tentativas para cada suicídio consumado entre idosos, ou seja, quando há tentativa, geralmente ela é prenúncio de que o ato vai se consumar (BEESTON, 2006; MCINTOSH e SANTOS e HUBBARD e OVERHLSER, 1994). A presença de ideação suicida ou de tentativas de suicídio aumenta o risco de suicídio em idosos (BEAUTRAIS, 2001; CONWELL, 2000; BECK e BROWN e STEER e DAHLSGAARD e GRISHAM, 1999). Por essas razões, é crucial ter uma vigilância ativa em relação aos idosos em risco de suicídio. Esses dados justificam a importância do presente estudo descrito a seguir e dos e resultados que serão apresentados.

 

Material e Método

Esse estudo utilizou o método da autópsia psicológica de Schneidman (SCHNEIDMAN, 1981) e levou em conta nossa experiência em estudos anteriores (MINAYO e CAVALCANTE, 2010; MINAYO e CAVALCANTE e SOUZA, 2006; CAVALCANTE e MINAYO, 2004). A autópsia psicológica é um método retrospectivo que reconstitui o status da saúde física e mental e as circunstâncias sociais das pessoas que se suicidaram a partir de entrevistas com familiares e informantes próximos às vítimas (SCHNEIDMAN, 1981; HAWTON e cols., 1998). Esse método é limitado a uma reconstrução narrativa, depende da qualidade da informação prestada por informantes e utiliza amostras pequenas, dificultando o uso de generalizações. Seu ponto forte está na contextualização dos dados na história psicossocial das pessoas estudadas e na possibilidade de mostrar nuances que grandes estudos epidemiológicos ou populacionais omitem.

O estudo foi aprovado no Comitê de Ética local. Os dados foram coletados de três fontes: laudos periciais; contato telefónico com informantes; entrevista com familiares ou pessoas próximas, após assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como partimos de laudos de morte, uma fonte impessoal, o maior desafio desse estudo foi localizar informantes em potencial e conseguir construir confiança no estudo. Houve um fator facilitador, o fato de que as pessoas que constam dos laudos, em geral, são as mais próximas das vítimas e, por isso, puderam poderem ser mais facilmente localizadas e abordadas.

 

Resultados e Discussão

Os suicídios aqui analisados estão associados à a depressão, a enfermidades físicas e mentais graves, a fatores socioculturais como decadência profissional e socioeconómica, à a aposentadoria, a uso abusivo de dinheiro. Entre os temas sociais encontrados, destacamos a questão da migração e o impacto de crises económicas na vida dos indivíduos. Do ponto de vista existencial, chamou à a atenção a dificuldade diante do envelhecer e a dificuldade de famílias para tirar os idosos do lugar de provedor e os colocar no lugar de quem é cuidado.

Chegamos a resultados preocupantes na medida em que o suicídio pode atingir idosos com ou sem apoio familiar, com ou sem acompanhamento médico especializado, bem como pode afetá-lo na solidão ou no isolamento. Alertamos que os momentos de troca medicamentosa ou de troca de médicos podem ser críticos, especialmente para pessoas em risco de suicídio. A depressão revelou-se como o problema de maior impacto, como aponta a literatura, porém, além dos casos em que ela adquire uma maior gravidade, ela aparece associada a outros fatores, a perdas reais ou imaginadas, a outras enfermidades físicas ou mentais, a fatores sociais como decadência profissional, social e económica, a aposentadoria.

Constatamos que famílias, parentes e amigos muitas vezes não levam a sério as intenções de suicídio explicitadas verbalmente e, no caso dos idosos, elas podem ser mais rapidamente colocadas em prática como essas histórias e a literatura revelam. Vimos, ainda, que o impacto do suicídio na família não se limita a sofrimentos individuais, embora seja crucial diagnosticar e tratar os distúrbios, e, especialmente, o TEPT, oferecendo aos familiares o tratamento adequado, o quanto antes. O suicídio impacta o sistema familiar e a rede de amigos, produzindo rupturas nos laços afetivos e sociais, o que pode provocar o isolamento de pessoas, parentes e amigos, limitando ou cerceando trocas que seriam fundamentais para o reequilíbrio do grupo familiar. A amargura que afeta parentes e amigos deve ser vista cuidadosamente pela área da Saúde, pois o "desastre afetivo-social" precisa ser acompanhado com instrumentos adequados para cuidar do sofrimento daqueles que sobreviveram e que irão conviver com essa história ao longo da vida.

Há convergências entre os resultados aqui encontrados e dados apontados pela literatura. Predominam as associações entre suicídio e a depressão na quase totalidade dos casos, sendo que uma minoria não está associada à a depressão. Um único caso sem depressão revelou que o suicídio de um idoso pode estar atrelado a fatores relacionais e sociais. Esse caso nos leva a interrogar sobre o lugar do idoso na vida da família moderna e questionar por que razão alguns idosos têm sido mantidos no lugar de provedor, além de suas possibilidades psíquicas e sociais.

Encontramos associações entre variáveis como aponta a literatura. A maior parte dos suicídios entre idosos esteve associada à a depressão, com intensa ideação suicida. Apenas num caso houve tentativa de suicídio e só dois idosos deixaram bilhetes. A letalidade em todos os casos foi altíssima. A rapidez com que o plano foi executado chamou a atenção na maioria dos casos, em que um curto episódio depressivo esteve associado ao suicídio. No entanto, em geral havia outras variáveis que também tiveram um papel crucial na eclosão do sintoma depressivo, um evento traumático grave, a perda de um ente querido, a existência de estressores psicossociais ou socioeconómicos.

A depressão maior foi minoritária nesse estudo e aqui ela nos fez problematizar o tratamento psiquiátrico, o uso excessivo de medicamentos antidepressivos e o risco de impregnação orgânica. A associação entre depressão e comorbidade múltipla agrava o prognóstico do caso e amplia cumulativamente o risco de suicídio, desafiando a saúde pública quanto à prevenção do suicídio em casos de maior gravidade, o que irá demandar um suporte mais complexo, que dê conta das diferentes faces do problema.

Os dados mostram que, embora a maioria de idosos com potencial de suicídio exibam comportamentos suicidas, deixando pistas verbais, comportamentais ou situacionais, houve um caso em que nenhum sinal foi deixado, não chamando a atenção de familiares e amigos para um cuidado preventivo. Por outro lado, quando pistas verbais ou comportamentais são exibidas, a maior parte dos parentes e amigos tende a não levá-las a sério, duvidando da capacidade dos idosos de executar um plano suicida, o que reduz a mobilização no sentido de um busca mais ostensiva de apoio e tratamento.

 

Conclusões

Os suicídios em idosos aqui analisados ocorreram, na maior parte das vezes, associando depressão, adoecimentos físicos, mentais ou limites funcionais, fatores situacionais e sociais, perdas, aposentadoria e queda no padrão de vida, revelando sua causalidade múltipla. Quanto maior for a soma de doenças associadas aà depressão e quanto mais grave for o limite funcional real ou imaginado, maior o risco de suicídio. Quanto mais incisivas as pressões sociais ao longo de um ciclo de vida, mais grave o risco de suicídio, pois as defesas dos idosos podem estar mais fragilizadas. Além disso, há risco de suicídio em momento de troca de médico e de medicações em fases críticas do tratamento.

Recomenda-se um maior aprofundamento do papel que a depressão exerce em sua associação com a ideação e o ato suicida, especialmente em idosos. A fragilização cumulativa de recursos pessoais e sociais no ciclo vital revela que o risco do suicídio em idosos exige cuidados permanentes da saúde pública.

Verificamos que o suicídio em idosos ocorre com ou sem apoio familiar, com ou sem acompanhamento médico ou psiquiátrico, a depender da gravidade de sintomas depressivos e da combinação com outras doenças. A depressão e as ideações suicidas são grandes fatores de risco que justificam medidas preventivas imediatas, tendo em vista que o idoso muito rapidamente põe em prática seu plano suicida. É crucial que a saúde pública desenvolva formas de diagnosticar e tratar assertivamente a depressão em idosos, buscando reduzir o mais rapidamente possível as ideações suicidas.

 

REFERÊNCIAS:

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Recebido em: 09 de junho de 2011.

 

 

Maria Cecília de Souza Minayo
Socióloga, antropóloga, doutora em Saúde Pública. Coordenadora científica do Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Carelli (CLAVES/ENSP/ FIOCRUZ). Editora Científica da Revista Ciência & Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).
Fátima Gonçalves Cavalcante
Psicóloga, doutora em Saúde Pública. Professora do Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade e do Curso de Graduação em Psicologia da UVA. Coordenadora do Laboratório de Práticas Sociais Integradas da Universidade Veiga de Almeida (LAPSI-UVA).
Raimunda Matilde Mangas
Psicóloga, mestre em Saúde Pública. Pesquisadora-colaboradora do CLAVES/ENSP/FIOCRUZ e editora executiva da Revista Ciência & Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).
Juliana Rangel Alves de Souza
Estudante de Psicologia da UVA. Aluna do PIC-UVA 2010, tendo atuado nessa pesquisa fruto da parceria CLAVES/LAPSI. Apresentou o banner "Suicídio em Idosos na Cidade do Rio de Janeiro" na VII Semana de Iniciação Científica da UVA, em novembro de 2010, tendo alcançado o 2º lugar entre os trabalhos das áreas Humanas.

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