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Estudos de Psicanálise
versão impressa ISSN 0100-3437versão On-line ISSN 2175-3482
Estud. psicanal. n.28 Belo Horizonte set. 2005
AUTORES CONVIDADOS
Tudo que você gostaria de saber sobre Lacan e ousou perguntar a Slavoj iek: psicanálise e cinema
Elsa Santos NevesI
Universidade Estácio de Sá
RESUMO
O grande interesse da psicanálise pelos filmes que desenham uma realidade subjetiva pode, efetivamente, colocar em perspectiva os conceitos psicanalíticos. Não se trata, porém, de uma interpretação dos filmes pela psicanálise. Pelo contrário, trata-se de, mediante uma análise formal da linguagem cinematográfica, esclarecer certos conceitos freudianos e lacanianos através dos filmes, utilizados como ilustração. Tendo como norte a proposta de Slavoj iek, este artigo busca evidenciar os procedimentos do cinema e como aí aparecem os conceitos lacanianos de Grande Outro, objeto a, sujeito barrado e fantasia.
Palavras-chave: Psicanálise, Cinema, Imaginário, Real, Simbólico, Sujeito, Grande outro, Objeto a - Fantasia.
ABSTRACT
Psychoanalysis is mostly interested in moving pictures that put in perspective the fundamental psychoanalytical concepts. Cinematographic language provides a rich illustration of the fundamental concepts of the lacanian theory, rather than an object for interpretation. Having the analytical proposal of Slavoj iek to analyze the lacanian concepts in moving pictures in the background, the kernel of this essay is to highlight the movie makers proceeding where the lacanians concepts comes to light such as the Big Other, Object a, Barred Subject and Fantasy.
Keywords: Psychoanalyse, Cinema, Imaginary, Real, Symbolic, Subject, Big other, Object a, Fantasy.
A fascinante aventura do cinema nasce das imagens que insistem em permanecer indeléveis em nossa lembrança. Quem esquece a imagem torturada de Kane (1941) com o objeto mágico que o prende à infância perdida, o olhar molhado de Ilsa despedindo-se de Rick no aeroporto de Casablanca (1942), a trajetória, que condensa em segundos milhares de anos, de um osso-espaço-nave em 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), ou a sombra misteriosa no rosto de James Stuart que se transforma na beleza estonteante de Lisa, em Janela Indiscreta (1954), o grito mudo da mãe na escadaria no Encouraçado Potemkim (1925), ou o lento movimento da câmera de Pabst nas intermináveis costas de Louise Brooks em A Caixa de Pandora (1925), ou ainda a voz acusmática em Rebecca (1940) e Psicose (1960) de Hitchcock?
Além dos sentimentos e emoções que essas imagens tocam, cada uma delas envolve a magia da luz, do movimento e do som. A fascinação que de súbito nos atinge é correlata à impossibilidade de esquecermos das imagens dos filmes que vimos.
Como se torna possível essa fascinação por uma realidade imaginária? Por que sentimos esta realidade como real? De que realidade se trata?
Talvez porque nos filmes habita a imaginação de todos. Talvez nesse mundo se encontrem e se percam as imagens que nos marcaram. Temos muitas dessas imagens em nossa lembrança: são ficções quase reais. Este encadeamento de imagens é criado, talvez, para nos lembrar que sonhamos. Talvez algo da inquietante estranheza com que somos tocados por uma imagem possa ser atribuído a estarmos diante de um espelho que reflete a nossa própria subjetividade. Por que um simples fluxo de luz, sombra e movimento nos seduz, alegra, apaixona, faz sofrer, pensar? Por que tantas emoções condensadas numa única imagem? Será, talvez, o cinema esta forma essencial de encadear em imagens um sentido, às vezes mais "real" que nosso próprio cotidiano?
Mas, afinal, o que tem o cinema a ver com a psicanálise? A ênfase do não-dito? O dito nas entrelinhas? O espaço morto entre duas imagens? À psicaná lise interessa o não-dito. O entredito, o dito nas entrelinhas e, talvez, o que o cinema nos mostra é o que não queremos exibir, o que nos escapa.
Segundo Peter Brooks, o cinema é a arte de tornar visível o invisível.1 Não são assim, também, feitos os sonhos? Também para "exibir" o Inconsciente não criamos uma trama de imagens e palavras quase inefáveis?
Talvez não fosse equivocado dizer que o cinema nos aproxima de nosso próprio desconhecimento, de nossa própria divisão. Como os sonhos, o cinema vive de associações, de condensações, de metáforas e metonímias. Não seria, talvez, o cinema, como o sonho, um encadeamento de imagens e emoções que tem como efeito um sujeito? Não são dos estrangeiros sentimentos e imagens de nossos sonhos que extraímos enigmas repletos de nuances? Onde os sonhos poderiam se justapor à passividade que nos é imposta, a não ser neste tempo e espaço impensável entre os sonhos e as imagens de um filme?2 A associação e o encadeamento de imagens possuem, por si sós, um poder de encantamento enigmático, deformado, cuja realidade é, às vezes, mais realista do que a que vivemos. As nossas mais ocultas e veladas marcas, nossos desejos mais inconfessáveis fervilham nas telas do cinema. Muito bem, o cinema pode ser a tradução de nosso desejo mais secretamente inconsciente. Podemos, no cinema, como nos sonhos, ser "sonhados". É verdade que nos emocionamos, que acreditamos na realidade de uma ficção, que refletimos de forma especular nossos desejos nas imagens que nos são impostas.
Mas a pergunta crucial que nos é imposta é: Como apreender os conceitos da psicanálise no encadeamento de imagens, luz e movimento? Como sair do senso comum da pura intuição e desdobrar imagens, sentimentos, som, luz, movimento e a linguagem própria do cinema em conceitos teóricos?
Slavoj iek é um dos mais ousados teóricos que informa sua análise do cinema pelos conceitos lacanianos; ele possui uma forma muito particular de se apropriar da teoria lacaniana para analisar filmes e a linguagem do cinema. A teoria psicanalítica que o informa, permite-lhe, ao contrário de outros teóricos, escapar da pura intuição e da classificação, e fazer uma análise estrutural e ao mesmo tempo dialética entre a forma e o conteúdo, passando pelos conceitos psicanalíticos. Buscarei, em poucas palavras, expor a busca de um rigor teórico proposto por iek, que foge da classificação e da análise intuitiva, pois estas são sempre subjetivas.3
iek se propõe analisar os filmes como Lévi-Strauss4 se propõe a analisar os mitos. Recordemos rapidamente o que é essencial nesta proposta de Lévi-Strauss e qual sua relação com a proposta de iek. Primeiramente, gostaríamos de evocar a afirmação de Lévi-Strauss de que os mitos são um meio de articular uma impossibilidade. Isto é, duas relações contraditórias entre si são paradoxalmente idênticas, pois cada uma porta sua própria contradição interna.5 Segundo, que sua arbitrariedade é somente aparente e que seu sentido é retirado das correlações significativas que permitem "[...] submeter seu conjunto a operações lógicas até chegar à lei estrutural do mito".6 Na visão de Lévi-Strauss, todo mito é obra de uma estrutura que apresenta uma variedade de formas de apresentação que não são imediatamente acessíveis através da interpretação: sua significação se origina de uma combinação dos elementos da própria estrutura. Assim, ele joga com a materialidade da estrutura lingüística para sugerir que os mitos têm duas faces: não há versão verdadeira de um mito e que este é um operador de sentido.
Bem, o que esta análise do mito tem a ver com a teoria sobre o cinema? Se o mito é um ser verbal, como enfatiza Lévi-Strauss, os filmes são seres de imagem. Se há uma linguagem verbal que permite dar conteúdo e forma ao mito, também há toda uma linguagem do cinema: a montagem, os planos, os contra-planos, os zooms, são a sua forma, são uma escrita em imagens que tomam seu sentido, da mesma forma que o mito, pela articulação das imagens entre si. Esta combinação é que fornece o sentido que dá a ilusão da realidade e do próprio apagamento dessa combinação. Da mesma forma que o mito é uma espécie de discurso, os filmes também são uma modalidade de discurso em imagens. Como os mitos, os filmes também independem de qualquer tradução: não há uma versão original nem do mito nem de determinado filmes, são percebidos, ambos, de uma forma universal. Como os mitos, os filmes têm uma forma vazia. É justamente a linguagem cinematográfica a articulação entre as imagens que têm uma função significativa, linguagem que faz o sentido "rolar". O que sustenta a ilusão do mito e do cinema, podemos já sugerir, é a Ordem Simbólica. É a essa estrutura vazia que, através dos filmes, pode-se chegar; ou seja, ao que há de mais formal na teoria lacaniana: o grande Outro A, a cadeia significante S1, S2, o sujeito dividido, , e a fantasia .7
De iek a Lacan...
Lacan elaborou sua teoria afirmando que o Inconsciente é estruturado como uma linguagem. Comecemos pelo grande Outro que Lacan escreve A. Esta noção se funda na alienação do sujeito a uma ordem simbólica prévia, constituída de uma cadeia significante. Desta forma, todo sujeito falante é função do significante, que se apresenta sempre como uma escolha forçada. Seu aparecimento é um efeito da cadeia significante. Em outras palavras, a Ordem simbólica é o Outro do sujeito onde o universal e o particular se encontram numa estrutura moebiana. É justamente este outro da linguagem que ordena nossa realidade, e como efeito dessa estrutura o sujeito é a exceção, a falha da estrutura, o que é o mesmo que dizer que o sujeito não é senão o efeito de uma articulação da lei simbólica (). Essa articulação com e na ordem simbólica gera um resto, que denuncia que falta um significante para que a cadeia se complete: seu produto é o objeto a. O objeto a é justamente o ponto de resistência, o ponto onde todo o sentido resiste, ponto que Lacan denomina Real. Se o Real denuncia o excesso, o impossível de significar tudo, os efeitos de significação provêm da articulação entre significante e significado. É a articulação puramente formal, significante, que produz efeitos de significação. O significante puro, segundo Lacan, sem a oposição com outro significante, não significa nada. Desta forma, a significação é um encadeamento interno ao próprio universo simbólico e sujeito e objeto são ordenados pelo universo do discurso. Chegamos finalmente à fantasia. Os efeitos de significação não são senão articulações entre S1 e S2, que produzem ficções que sustentam a realidade, cuja causa é tanto a Ordem simbólica como o seu resto: o objeto a. Assim, nossa realidade só pode ser concebida como ficcional, como uma articulação, da ordem do significante.8 É o Imaginário que dá consistência à realidade, justamente porque oculta tanto a divisão do sujeito como o objeto a.
A realidade fantasmática porta a marca indelével dos efeitos de uma sutura entre o significante e seu núcleo real, o não-sentido. Segundo Lacan, a fantasia tem uma lógica puramente significante, sem um sentido prévio, que só se mostra depois de articulado () construindo um cenário, uma realidade tecida com significantes. Segundo a perspectiva lacaniana, a lógica da fantasia não porta uma significação prévia: seu valor de verdade está nos efeitos que ela produz.
E de Volta...
Slavoj iek é conhecido por todos aqueles que se interessam pela aplicação da teoria lacaniana na análise das ideologias e, sobretudo, na rigorosa análise que se propõe a fazer do cinema. O núcleo de sua análise são os conceitos e os matemas lacanianos e como podem ser entendidos como organizando o universo do cinema através da forma que os cineastas, para retomar Peter Brooks, tornam visível o invisível. Ou, em termos psicanalíticos, como o simbólico deixa sulcos no Real. Ou como o Simbólico, estrutura prévia que permite o encadeamento de imagens, pode dar uma consistência de realidade a uma ficção, ou como o Real comparece como o inesperado, no lugar onde a lei simbólica falha.
Segundo Jean-Claude Carrière, "o cinema pode literalmente nos possuir: ele se apodera de nós, nos domina e manipula; e ainda nos absorve e nos ilude".9 Aquele retângulo feito de fotos sucessivas nos faz ver um lugar dentro de nós mesmos. Mantemos um vínculo tácito com a sucessão de imagens no retângulo branco. Desconhecemos as conexões da montagem no encadeamento da sucessão das imagens. Neste apagamento da causa ausente, ou do Real, podemos acreditar na realidade de qualquer ficção. Essa ficção é, ao mesmo tempo, nosso espelho e um Outro radical que reflete a estrutura que nos constitui: a ordem simbólica. Mesmo que saibamos que as imagens são falsas, elas nos levam para uma realidade definitivamente mais real que a própria realidade. Como acontece isso?
O mundo das imagens e das ficções é, também, o mundo das contingências. A realidade e a fantasia (), com as quais nos iludimos e deixamos o cinema nos iludir, são importantíssimas. Mas não as esgotam. A realidade e a fantasia são, como já dissemos, ficções, efeitos de uma Ordem Simbólica que nos ultrapassa e do objeto a que a descompleta. Com Lacan, iek desloca a questão do conteúdo, da significação, para mostrar a lógica da divisão entre o universal e o particular, para elucidar as noções fundamentais lacanianas, através de como a falha estrutural e estruturante da Ordem Simbólica é tratada nos filmes. Tomaremos alguns exemplos da vasta obra de iek para tornar o mais evidente possível o formalismo que ele pretende introduzir na teoria do cinema. Na próprias palavras do autor: "Lacan com Hitchcock e não o inverso. Não se trata absolutamente de uma interpretação psicanalítica de Hitchcock. Antes, a vontade de esclarecer certos conceitos lacanianos pelos filmes, utilizados como ilustração".10
Não é preciso ressaltar que o cinema tem uma linguagem própria que tem que ser levada em conta. O filme é como uma escrita que se escreve com a câmera. O próprio movimento da câmera já produz um efeito de sentido. Seria talvez suficiente relembrar o procedimento de Hitchcock quando combina exemplarmente a forma e o conteúdo no travelling pelo pátio que introduz a narrativa de Janela Indiscreta. Esse travelling se mostra completamente adequado à narrativa que, segundo iek, terá o olhar como personagem principal. Em Frenesi, o travelling que acompanha criminoso e vítima já produz um efeito de sentido. A câmera sobe as escadas acompanhando o casal, desce e pára na fachada do prédio, passa pela gravata e pelo alfinete do assassino. Não está nesse movimento formal da câmera todo o conteúdo da narrativa?11 Os planos e contraplanos, travelling, zooms são também uma linguagem; assim como a montagem, produzem efeitos de sentido. Assim, é preciso estar alerta de que há um formalismo aquém da própria imagem, que já é uma potencialidade de significações.
Sendo o principal objetivo deste texto dar uma visão geral da teoria lacaniana aplicada ao cinema por iek, esta, entretanto, não pretende ser exaustiva. Nesta perspectiva, selecionamos alguns textos à guisa de introdução e procuramos realizar uma análise do filme A Moça do Brinco de Pérola da forma preconizada por iek. Segundo ele não basta dizer que a história do cinema desdobra sua essência, nem que é um bric-à-brac de soluções sobredeterminadas. É preciso, segundo ele, que haja uma análise conceitual. Ressoando as palavras de Lévi-Strauss em relação à análise dos mitos, iek enfatiza que uma teoria do cinema deve dar o passo da multiplicidade empírica à articulação "da totalidade concreta dentro da qual cada solução particular funciona".12
iek toma emprestado o conceito de sutura, um termo que Lacan usou e que Jacques-Alain Miller13 conceituou, do qual se utiliza para mostrar os efeitos de significação do sujeito, do objeto e da fantasia na própria estrutura da linguagem cinematográfica.
Já dissemos anteriormente que o Simbólico é um circuito que não se fecha (), o que quer dizer que faltará sempre um significante que definitivamente completaria a cadeia significante. Quanto ao Real, é este impossível de significar. Entretanto, posso nomeá-lo. O Real dá forma ao indizível, mas escapa à sujeição radical e plena do significante. Nomear o Real significa, justamente, metaforizá-lo, o que só é possível de dentro da própria Ordem Simbólica. Se não temos acesso ao Real, ao menos podemos tocá-lo pelo significante, contorná-lo. Podemos fazer uma sutura, ou seja, uma relação entre a estrutura significante e o sujeito. Entretanto, o próprio conceito de sutura assinala a falha, a abertura da estrutura, ao mesmo tempo em que possibilita que se (mal) perceba a totalidade da representação. Neste sentido, a sutura designa o ponto de intersecção que se insere como sua própria ausência dentro da Ordem Simbólica.
Qual é, então, a implicação desse conceito na teoria do cinema e em que consiste, no cinema, a lógica elementar da sutura?
Num primeiro momento, diz iek, o espectador é confrontado com um plano, e o absorve de forma imediata e imaginária. Não sabe ainda o que significa, encontra-se na posição passiva diante do grande Outro que está oculto atrás da imagem. Podemos identificar aqui o S1, ainda sem oposição, à espera de um S2. O segundo plano, S2, complementar, em vez de significar S1, representa o sujeito, que é transferido do nível da enunciação ao nível da ficção. É, portanto, a sutura, a presença-ausência da imagem que cria o efeito de realidade fantasmática, que emoldura o Real, articulando minimamente significado e significante. Nessa sutura entre o visível e o invisível, a fantasia ganha seu valor de verdade. É aqui suficiente lembrar que esse valor de verdade advém de uma ficção discursiva construída pelo próprio sujeito e que lhe fornece uma ficção, a fantasia, como suporte. A realidade fantasmática, ou o efeito de realidade do cinema, não vem senão desse emolduramento do Real pelo Simbólico. O intervalo entre o Real e o Simbólico é mediado por uma relação imaginária que ordena a cadeia significante e fornece uma posição de onde o sujeito pode se representar.14 Assim, a causa ausente, em termos lacanianos, a radical impossibilidade de completar o sentido, o objeto a, do processo pode ser suturada, apagada. O truque reside no fato de que a realidade funciona moebianamente como se fosse uma superfície contínua, apagando, na sua torção, a marca desta operação.
Um exemplo de como o que deveria estar ausente do processo aparece em cena é, segundo iek, a forma como Hitchcock denuncia a continuidade da "sutura", faz aparecer o objeto a, num alerta de que a sutura é impossível, que ela é sempre ficcional, fazendo o espectador perceber que a dimensão fantasmática é uma "produção". Este procedimento aparece nos filmes de Hitchcock no olhar e na voz como uma intrusão do Real. Seja na voz acusmática de Psicose ou no olhar como ponto cego em Janela Indiscreta: o objeto fascinante é o próprio olhar, e não a interpretação do que se passa no pátio. Segundo iek, aí aparece a função do objeto a que nunca se torna visível. O procedimento de Hichtcock ecoa a teoria de Lacan, justamente porque o que efetivamente falta é olhar como uma impossibilidade de subjetivação. Outro exemplo paradigmático, dado por iek, da voz enquanto objeto a, o impossível de ser representado, o resto inassimilável da cadeia significante, é o grito mudo da mãe, no filme O Encouraçado Potemkim. Seu grito silencioso carrega o horror de um encontro com o Real.
O que está em jogo nesses filmes é a exposição do objeto enquanto extimidade impossível de significar. Se há algum sentido, se há uma significação, não são mais que puros efeitos da "sutura". É esta dimensão fantasmática, suturada, que é denunciada pelo objeto olhar e voz que dão corpo ao objeto a como o impossível de apreender. O efeito de significação é dado pela sutura que produz um efeito de continuidade do sentido e segue a lógica da representação significante, S1 significado por S2. O sujeito se encontra assim representado. A sutura é concebida, tanto na psicanálise como no cinema, para apagar os traços da produção, suas falhas, seus mecanismos, para que a realidade apareça naturalizada, como um todo contínuo. O Real, que está presente em Hitchcock e Eisentein, deveria ser excluído se S1 tivesse um S2, um suplemento artificial que gera um efeito de realidade. A consistência da realidade fantasmática e o apagamento do sujeito são obtidos pela exclusão do objeto a. É esta exclusão que nos dá, como a psicanálise nos ensina na vida e nos filmes, a ilusão de realidade.
Quando S1 Chama S2 ou... A Moça do Brinco de Pérola...
No filme A Moça do Brinco de Pérola (2003), o procedimento de Peter Weber é completamente diferente. Ao contrário de Hitchcock, Peter Weber faz questão de ocultar qualquer marca da sutura. Pelo contrário, a forma que tem sua narrativa evidencia a tentativa, bem-sucedida, diga-se de passagem, de apagar qualquer marca da sutura entre um S1 um S2. Em outras palavras, Weber busca apagar qualquer traço que resista à subjetivação. Sua câmera é um olhar que tudo pode subjetivar. O cenário é impecável, a estrutura formal do filme é de uma pintura do século 17. A luz, o som, os planos e contra-planos buscam incessantemente um efeito de significação, de sutura. Este proce dimento tem como efeito uma significação que busca apagar a impossibilidade de fechamento da cadeia significante numa totalização. Esta sutura, este fechamento pode ser lido, em termos lacanianos, como produzindo o efeito de continuidade desta história sobre o amor e a sublimação. Contrariamente ao procedimento hitchcokiano, o olhar e a voz aparecem aqui subjetivados.
No Seminário 11, quando Lacan fala da pintura e do olhar, ele evidencia como o sujeito já é preso e manobrado no campo da visão: ele é, sobretudo, olhado.15
O filme é formalmente estruturado para "pegar aquele que olha", como diria Lacan. Os fotogramas, os planos e a montagem estão ali para nos mostrar que se trata da lógica formal da estrutura significante, da representação, da sutura: um S1, uma cena é sempre significada por um S2. A forma é, também, o olhar: a captação do olhar fascinado do espectador pela pintura do século 17 que desenrola diante de seu olhar. É um filme para descansar o olhar, como colocaria Lacan. O olhar está também presente entre os dois personagens que estão restritos à contemplação. Aqui toda divisão do sujeito é apagada. Não há objeto excluído da cadeia significante, que evidenciaria a incompletude da cadeia significante. A ausência do objeto está sempre representada por uma multiplicidade de objetos substitutos. O procedimento do cineasta aqui é prover na cena uma infinidade de objetos substitutos, ou, dito de outro modo, objetos significantes, substitutos do objeto a. Objetos "mágicos", porque dão uma continuidade à narrativa, como o brinco de pérola dá continuidade ao quadro.
Muito ao contrário do objeto do quadro "Os Embaixadores" do qual Lacan analisa a estrutura anamórfica no Seminário 11. Se o objeto anamórfico divide o sujeito quando ele o olha do ângulo correto no quadro de Hans Holbein, os objetos de A Moça do Brinco de Pérola refletem o efeito de sutura, produzem um efeito fantasmático, dão as coordenadas do desejo.
Como o desejo se fixa no quadro? Ou, em outras palavras, como o objeto a não aparece no filme? Ele aparece velado numa série de objetos substitutos. Desde a forma precisa com que as verduras são arrumadas no prato, no início do filme, nos pratos de porcelana Delft do banquete, nos talheres de vermeil corretamente enfileirados, e acima de tudo nos quadros, muitos quadros, que aparecerem por todo canto da casa. Peter Weber mostra, em cada fotograma, a moldura, a forma e a estrutura da pintura com absoluto controle do espaço e da luz. Nada parece forçado, mas tudo é produzido. Vale a pena lembrar que, para Lacan, quando se trata do olhar, é a luz que nos dá o fio, é ela que demarca a imagem e a imagem é sempre ilusória. Como diz Lacan no Seminário 11, "nesta matéria de visível, tudo é armadilha..."
Podemos tomar como um dos eixos do filme, como objeto central do filme, como a metáfora apropriada para o procedimento do cineasta a câmera obscura. É este o artifício que, no filme, aparece como o artefato que transforma o invisível em visível, o que ela produz é uma imagem. Talvez todo o efeito de sutura esteja condensado em torno deste objeto: câmera obscura. O efeito de sutura, de apagamento das marcas que aparece nesse artifício de se fazer um contorno na pintura e de produzir um efeito imaginário no cinema, tem numa câmera obscura uma função central. Ela é a metáfora exemplar de como o Real pode se tornar realidade, como se pode projetar uma imagem de um objeto externo numa tela de uma sala escura.16 É paradigmático que esse artifício sirva tanto para Vermeer quanto para Weber. Talvez não seja sem razão que tanto para Vermeer quanto para Weber a câmara obscura seja tão central. Uma câmera obscura serve para eliminar as dificuldades com a perspectiva e projetar cenas permitindo ao artista traçar o contorno correto antes mesmo de começar a pintura, esboçando os objetos em cena, sua forma e seu tamanho. Seria suficiente aqui relembrar que para Lévi-Strauss o mito tem duas faces: não há versão verdadeira e ele é um produtor de sentido.
A metáfora da câmera obscura serve para Weber como uma garantia da significação, uma exclusão do objeto a. Tanto para Vermeer quanto para Weber, a câmera obscura permite apreender e contornar numa moldura o que parece escapar como objeto a. A câmera obscura pode ser a metáfora apropriada para o grande Outro que dá garantia à significação. Podemos ver aí, também, um modo de apagar a sutura entre um plano e outro, uma forma de impedir o fading do sujeito. Ele estará aí sempre representado. A repetição é a repetição do significante. A repetição é um retorno da representação da representação, um enquadramento do quadro num filme sobre um quadro.
Nos filmes de Kieslowski, Lynch e Hitchcock, a repetição é compatível com um retorno do real, uma aparição do objeto a excluído. Este efeito é obtido por um plano S1 sem o contra-plano S2, ou seja, não há um segundo plano para ressignificar o primeiro. Em outras palavras, é a estrutura, a forma do filme que permite que o percebamos como realidade, de onde o Real parece ter sido excluído.
Para retornar ao filme A Moça do Brinco de Perola e no que consideramos a metáfora central, podemos considerar que a câmera obscura desvela, de certo modo, a maneira formal como o filme se estrutura. Tanto a câmera escura no contorno das pinturas quanto as suturas invisíveis do filme tornam a estrutura, as suturas invisíveis. É por isso que a cena parece como uma unidade aparente, que os traços da sutura são apagados pelo entrelaçamento dos significantes. Significantes e câmera obscura produzem um suplemento fantasmático com o entrecruzamento dos significantes, das imagens que se ressignificam.
O olhar como objeto a, entretanto, não se encontra totalmente ausente da estrutura do filme. Este pode ser lido como a produção de uma ficção entre a repetição de um retorno do real na forma do olhar como um puro objeto a. Como poderia ser lido este procedimento? É como se a narrativa se passasse entre duas cenas repetidas, duas encruzilhadas onde o objeto a se apresenta como um olhar. Trata-se da repetição da mesma cena no começo e no final quando Griet é filmada do alto, no centro de uma rosa-dos-ventos. A cena é filmada do alto por um olhar que olha, sem sentido. Essas duas cenas mostram que há uma falta que não será nunca preenchida. O efeito desse plano é de um puro S1 que se repete sem sentido. Podemos ver aí o sujeito sem um significante para representá-lo? Estas duas escansões evidenciam a afirmação lacaniana de que o olhar faz parte da estrutura do quadro.17 Ou melhor, o olhar é que estrutura a cena. Assim, é esse olhar formal de Peter Weber que estrutura o filme entre esses dois momentos.
Esta leitura permite elucidar que o objeto a está ausente como uma extimi-dade, mas que estrutura a construção da cena fantasmática. Entre esses dois momentos, o objeto a aparece velado no encontro de objetos do desejo.
A pintura, segundo Lacan, é um anteparo para o olhar como objeto a, o filme pode ser lido, de forma comple-mentar, como um anteparo ao Real, a construção de uma estrutura fantasmá-tica entre duas faltas. O filme mostra como a falta pode ser suturada por uma ficção bem acabada. Dito de outra forma, o filme pode ser lido como Weber produz uma realidade fantasmática para dar conta de que há algo que falta. O que iek ressalta, justamente, é a noção lacaniana de sutura que é concebida, assim como a fantasia, para apagar as marcas de sua própria produ-ção. Esse apagamento provê, justamen-te, a invisibilidade da própria estrutura formal que sustenta a realidade. Desta forma a realidade pode parecer natura-lizada, como um todo contínuo, onde o real está apagado pelo significante. Já mencionamos antes, mas vale relem-brar que esse efeito é obtido pela estru-tura moebiana que, na sua torção, apaga as marcas da sutura.
O contraponto de A Moça do Brinco de Pérola de Weber poderia ser A Estrada Perdida (1995) de David Lynch, onde o real não cessa de não se inscrever, mostrando a todo momento, a contingência e a precariedade da realidade. O procedimento de Weber é diferente, o real deve estar velado, todo S1 deve ter seu S2, um suplemento artificial, um objeto, uma câmara obscura que gera um efeito de sentido deve ser colocado em cena. É, por exemplo, o brinco de pérola o objeto que fornece consistência à fantasia, objeto do desejo, objeto substituto obtido pela exclusão do objeto a. Podemos localizar no brinco de pérola o outro objeto central do filme que produz um efeito de uma possível existência de uma relação sexual. Um suplemento que falta à pintura.
Se a fundação da realidade tem como efeito o esvanecimento do sujeito, como nos ensina Lacan, a divisão do sujeito como espectador está formal-mente excluída do filme. O espectador está incluído na cena. Lacan diz melhor: "... é no fundo do meu olho que o quadro se pinta. O quadro está certamente no meu olho. Mas eu, eu estou no quadro".18 Assim o filme torna possível a confrontação de duas lógicas impossíveis, como propunha Lévi-Strauss: Weber toma a posição do princípio do prazer e busca entre duas impossibilidades, encenadas nas duas cenas da rosa-dos-ventos, do sujeito se representar totalmente, buscando excluir tudo que poderia perturbar os cruzamentos do significante e o além do princípio do prazer, ou o encontro com o objeto.
O filme de Weber serve, fundamentalmente, para ilustrar a função do quadro que, segundo Lacan, se "oferece como pastagem para o olho". Poderíamos ver nesse filme o convite do pintorcineasta, explicitado por Lacan, a condensação de tudo em que se possa repousar o olhar para "alcançar os efeitos pacificadores, apolíneos, da pintura. Algo é dado não tanto ao olhar quanto ao olho, algo que comporta abandono, deposição, do olhar".19 A escolha formal por um certo modo de olhar eleito por Weber tem como intenção central apagar a insatisfação da pulsão escópica. Sua obra se destina a satisfazer a pulsão. O olhar de Weber é uma posição que permite ao sujeito, cineasta ou espectador, de certa forma, tentar se inscrever sem a barra através de um pacto com a Ordem Simbólica numa forma de ficção. O espectador "está no quadro", ele realmente "acredita" na relação sublimada entre Griet e Vermeer. Esta ilusão de realidade naturalizada não é senão o efeito da díade S1-S2, que possibilita um significante representar o sujeito para outro significante. A tese fundamental de Lacan é que a fórmula da fantasia, em sua vertente imaginária, sustenta o sujeito numa representação (S1), vela o objeto a, que representa o sujeito para um S2, para um outro significante. É esta a trama significante que dá consistência à "realidade".
Mas há ainda uma outra leitura, não menos exemplar, para o filme de Weber. Trata-se da sublimação.
Segundo Freud, a sublimação é um dos destinos da pulsão. Não se trata de uma relação imaginária com um objeto idealizado, como no narcisismo. Na sublimação trata-se de uma relação com das Ding, relação marcada por uma impossibilidade: o objeto da sublimação é produzido diretamente do Real para o Simbólico, nos termos lacanianos. A dimensão da sublimação no filme merece, também, ser tocada. A sublimação é, nas palavras de Lacan, onde "a Coisa aparece nos campos domesticados pelo significante".20 O que está em jogo na sublimação é que das Ding é a falta radical do objeto cujo cerne principal é a noção de vazio, pensado como efeito do significante sobre a Coisa ou, a impossibilidade de uma completude totalizante com o encontro do objeto de satisfação. A obra de arte apareceria, então, como esta "outra coisa" no lugar de das Ding. O objeto de arte, no caso particular que estamos tratando: das duas representações da moça do brinco de pérola, a de Vemeer e a de Weber, pintura e filme, são objetos inaugurais substitutos, são as coordenadas de seu estatuto como obra de arte. Este objeto não é um objeto qualquer, ele produz um sentido, já possui as coordenadas do desejo. Não é preciso lembrar que há coordenadas mercantis para um objeto de arte, um objeto que "é elevado à dignidade da Coisa"21. Haveria dúvida de que se trata aí também das coordenadas do desejo?
Diante de uma obra de arte, o sujeito se interroga sobre o enigma do desejo. Há algo enigmático na obra de arte que interroga o sujeito de uma outra cena de seu próprio ser. Não fica evidente que isto acontece com Griet? E com o espectador de um filme? A obra de Vermeer exige dela uma interpretação de seu próprio desejo. O que ela pode saber, no encontro com a obra do seu patrão, das coordenadas de seu desejo: coordenadas já inscritas nos ladrilhos pintados por seu pai? Vemos que no final do filme, o enigma por trás da construção fantasmática permanece intacto. A entrega final dos brincos de pérola não demonstra, suficientemente, a permanência do enigma do desejo do outro?
E quanto à sublimação?
Michel Silvestre22 ressalta que a sublimação é um processo circular, como o circuito da pulsão: sempre retorna. Não devemos esquecer que o traço próprio da sublimação é a falta do objeto. Daí a sublimação ser um circuito que se apóia no gozo. Quanto ao objeto, trata-se da construção de um objeto por uma via particular que produz um objeto sublime, uma obra de arte. Essa produção tem um nexo estreito com a impossibilidade de satisfação da pulsão, o que implica que o objeto do desejo se apresenta numa série infinita de objetos substitutos. Griet constrói com Vemeer a via particular de um objeto sublime, substituto do objeto pintado por seu pai: o quadro da moça do brinco de pérola, vindo direto do Real para o Simbólico.
Segundo a psicanálise, a sobreestimação do objeto produz uma ilusão denominada amor, justamente porque o obstáculo à satisfação é sempre sexual. Mas, segundo Lacan, nem roda sublimação é possível. Há algo na coisa que resiste à sublimação, pois há uma certa dose de satisfação direta que é exigida pela pulsão: esta satisfação impossível de ser sublimada aparece no corporal da relação sexual com o namorado, aí onde o corporal se dá a ver no lugar do significante. O obstáculo sexual que aparece entre os personagens mostra que a sublimação é a suspensão sempre adiada da satisfação sexual, em nome do amor à arte e da ilusão fantasmática de completude. Não é difícil aceitar que, como bem demonstra o filme em relação ao sexual, embora o corpo esteja implicado, mesmo como um significante emoldurado num quadro, ele continua sempre enigmático.
O corpo não tem no filme o peso do real, o corpo está lá para ser representado, a falta de objeto não é para ser substituída por um corpo: a falta de objeto é para ser contornada pela pintura. A não-relação sexual é emoldurada em cores, pérola e luz: o objeto sexual é impossível, mas não sua representação. Weber procede de forma a evidenciar a falta radical do objeto e a impossibilidade da relação sexual com a intocabilidade e a inacessibilidade do corpo: o close-up das mãos na mesa misturando tintas é difícil de esquecer. Mãos tão próximas e tão intocáveis, inacessíveis. As tintas se misturam, as mãos não. O que torna a sublimação complexa é que não se trata de recalcar a pulsão sexual, mas relançar a pulsão. O paradoxo da sublimação se encontra justamente no fato de que, ao mesmo tempo em que a pulsão é relançada, ela busca escapar do registro pulsional. A cena paradigmática que desvela esse paradoxo é a exibição da boca erotizada, mas abandonada em proveito do significante; a pintura dos lábios úmidos é no quadro que ficariam registradas suas coordenadas.
Assim, na sublimação, o que está em jogo é a produção de um significante adequado ao sentido. Não fica claro que Griet e Vermeer estão em busca do sentido da arte e na busca por um objeto que possa ser colocado de forma sublimada no lugar vazio de das Ding?
Bibliografia
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ENCICLOPÉDIA BRITÂNICA. London: William Benton, 1963.
LACAN, J. Ciência e verdade. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
LACAN, J. O seminário, livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
SILVESTRE, M. Mañana el psicoanálisis. Buenos Aires: Manantial, 1987.
STRAUSS, L. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.
IEK, S. The Fright of Real Tears Krzysztof Kieslowski. Between Theory and Post-Theory. London: BFL, 1995.
IEK, S. Tout ce que vous avez toujours voulu savoir sur Lacan sans jamais oser le demander a Hitchcock. Paris: Navarian, 1988.
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IPsicóloga. Psicanalista. Mestre em Teoria Psicanalítica (UFRJ). Professora dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Estácio de Sá
1 CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema, p. 32.
2 Segundo Luis Buñuel, "O cinema é o mais admirável instrumento conhecido para expressar o mundo dos sonhos, da emoção e do instinto. O mecanismo cria a imagem cinematográfica. É a forma de expressão humana que mais se assemelha ao trabalho da mente durante o sono. Um filme pode ser uma imitação involuntária do sonho. Como num sonho, as imagens aparecem e desaparecem em dissoluções e o tempo e o espaço se tornam flexíveis. É o momento em que a incursão noturna do inconsciente começa nas telas e nas profundezas do ser humano". Citado por Jean-Claude Carrière. p. 91.
3 Um filme é, por exemplo, classificado de noir, simplesmente porque se "sente" que é. Forma de análise que iek acredita ser limitada à intuição e à pura classificação. IEK , S. The Fright of Real Tears. BFL, London: 1995.
4 LÉVI-STRAUSS, J.C. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.
5 Segundo Lévi-Strauss, o mito permite exprimir uma impossibilidade, porque é justamente através da linguagem que é possível reunir dois pólos contraditórios, daí sua eficácia permanente. Em suas próprias palavras: "o mito é linguagem [...] onde o sentido chega a decolar do funcionamento lingüístico sobre o qual começou rolando". LÉVI-STRAUSS, idem, p. 242.
6LÉVI-STRAUSS, J.C. (idem), p. 252. Grifo do autor.
7 Vale ressaltar que é a operação de separação de uma prévia alienação significante que podemos ter um S1 e seu múltiplo S2, a cadeia significante, o sujeito e o excesso: o objeto a.
8 LACAN, J. Ciência e verdade, p. 24, in Escritos, 1989.
9 CARRIÈRE, J.C. A linguagem secreta do cinema, p. 76.
10 IEK, S. (org.). Tout ce que vous avez toujours voulu savoir sur Lacan sans jamais oser le demander A Hitchcock. p. 9, 1988.
11 Outro modo cinematográfico de significar aparece de modo exemplar nos planos e contraplanos, o que em linguagem lacaniana poderíamos traduzir como S1-S2. Se há um plano S1 sem o contra-plano S2 há um efeito de sujeito, um efeito de abertura a todos os sentidos. O espectador preenche este não-sentido com seu próprio S2, ou seja, subjetiva a cena ausente. Ou em termos freudianos: preenche as lacunas da memória.
12IEK, S. The Fright of Real Tears -Krzysztof Kieslowski-Between Theory and Post-Theory, p.25. London: BFL, 1995.
13 Citado por iek, idem.
14 "Na sutura, a diferença entre imagem e sua ausência é mapeada dentro da diferença intra-pictorial entre dois planos. IEK op.cit. p.32. Exemplo dado por iek é a absoluta certeza que os espectadores têm do rosto do Bebê de Rosemary, que jamais foi representado, mas que se tornou uma imagem justamente por sua ausência. No segundo plano que está ausente, quando os personagens se debruçam sobre o berço o sujeito pode representar o bebê numa imagem que esteve sempre ausente. Vale lembrar a frase de Casablanca "Play it again, Sam", que Rick nunca pronunciou, mas que todo mundo "ouviu".
15 LACAN, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, p.91, 1998.
16 A câmera obscura é um artifício óptico simples para ajudar os pintores. Ela projeta a imagem de um objeto na tela. Consiste essencialmente de uma câmara escura tendo uma pequena abertura em um dos lados com uma lente, através da qual um objeto externo é formado na face oposta da câmera. Enclypaedia Britannica.
17 LACAN, J. O Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. p. 94, 1998.
18 LACAN, J. Idem, p. 94.
19 LACAN, J. Idem, p. 99.
20 LACAN, J. O seminário 7: a ética da psicanálise, p. 141.
21 LACAN, J. Idem. p. 141.
22 SILVESTRE, MICHEL. In Mañana el psicanálisis. Buenos Aires: Manantial, 1987.