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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437versão On-line ISSN 2175-3482

Estud. psicanal.  n.29 Belo Horizonte set. 2006

 

CONVIDADOS DA PRESIDÊNCIA

 

Prisioneiros do desejo

 

Prisioneers of desire

 

 

Carlos Perktold

Psicólogo. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHGMG, da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA) e da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Analisa-se, do ponto de vista psicanalítico, o filme dirigido por Ang Lee O Segredo de Brokeback Mountain, no qual dois jovens cowboys se apaixonam e vivem intenso amor homossexual nas montanhas do estado norte-americano do Wyoming, despertando sexualidade nunca imaginada e se tornando prisioneiros do desejo durante anos.

Palavras-chave: Homossexualidade, Jardim do Éden, Perda, Escolha sexual, Libido, Desejo.


ABSTRACT

Under a psychoanalytic vision, the author points out a reading of the movie picture directed by Mr. Ang Lee “The Secret of Brokeback Mountain”, in which two young American cowboys follow and live an intense love in the mountains of the American state of Wyoming. They found out a new sexuality never thought before, carried out during many years and have become prisoners of the Desire.

Keywords: Homosexuality, Garden of Eden, Loss, Sexual choise, Libido, Desire.


 

 

Ilude-se quem imagina ser O Segredo de Brokeback Mountain um filme somente sobre homossexualidade. Ela é importante, mas está longe de ser o principal. Para confirmar isso, leia o comentário do jornalista Alexandre Ribondi no site http://cora.blogspot.com/2006/02/o-paraiso-perdidouma-colaboracao-super-html. Nessa definitiva análise do filme, o jornalista apresenta as mais desconcertantes e apropriadas metáforas para o que de relevante ocorre no filme.

A sua história é sobre uma dupla de caubóis pós-moderna, melhor dizendo, de sheepboys, colocados num paraíso ecológico para tomar conta dos cordeiros de Deus. Recebem, com o equipamento de trabalho, uma proibição semelhante àquela do Jardim do Éden: não podem descobrir a sexualidade. Se no livro sagrado a interdição está representada pela maçã, no filme ela é a norma imposta pelo patrão de não se acender fogueira no alto das montanhas do Wyoming, um estado americano cheio de petróleo, agricultura, lindas paisagens do Parque Yellowstone e um inglês de sotaque jeca. Como só se proí-be o desejado, a fogueira breve se transforma em metáfora, pois o que se acende entre os dois logo os leva a perder a inocência e encontrar a pretensa satisfação numa sexualidade nunca experimentada. O resultado da perda da inocência é a expulsão do Paraíso, por demissão de ambos, tão logo um dos enviados do patrão, uma espécie de fiscal de Deus, os observa com binóculos e os descobre felizes demais. Afinal, pelas suas incompletudes pessoais representadas pelo despreparo profissional para exercer outra atividade, deveriam ser infelizes. O anjo leva a informação de que algo havia saído fora dos planos de um deus terreno, o capitalista e patrão. Eles são expulsos do lugar. A partir daí, Ennis Del Mar, nome adequado para quem é heterossexual convicto e cujo sobrenome é destino atávico, estará à deriva no oceano da paixão e mergulhado nas profundezas do seu inconsciente. Chora pela perda do amigo e do paraíso que não voltarão. Por quase vinte anos, tentará recuperá-los até se descobrir quem não é – nem marido, nem pai, nem amante, nem homo e nem heterossexual. “Você me transformou no que sou”, diz ele ao lamentar a partida do amigo, definindo o indefinido. Jack Twist, o outro personagem, é o mensageiro do desejo, alguém que chega para mostrar que ninguém escolhe a quem se ama, e que pode ocorrer até mesmo uma escolha torcida, como é o seu nome. O filme dirigido pelo chinês Ang Lee faz uma revisita ao mito do paraíso perdido: algo que tivemos, perdemos e lutamos para recuperar.

Para aqueles que julgam o filme exclusivamente sob o ponto de vista da sexualidade, convém esclarecer que ela é tão vasta que o homossexualismo tem a equivalência de um único item num grande supermercado. Além disso, os conhecimentos sobre ela são tão pequenos que nem podemos afirmar que um dia haverá explicações científicas para uma escolha objetal que já foi considerada natural e incentivada e passou, ao longo de milhares de anos de repressões culturais e religiosas, à condenação e ao recalcamento. Se neste século 21 há aceitação dela, diferente de décadas atrás, ainda há certos heterossexuais que se sentem incomodados com a homossexualidade alheia e agridem seus portadores. Essas agressões são, com freqüência, causadas pelo incômodo da imagem especular que os homossexuais representam. Habitualmente, o homofóbico quer destruir aquilo que não aceita em si, assertiva que o deixa ainda mais agressivo comprovada em certas cenas do filme.

Se a sexualidade é como descrita por Freud, os caminhos para o seu desenvolvimento passam por estradas longas, tortuosas, difíceis, muito variadas e, com freqüência, todos nós pagamos pedágios caros para chegarmos à sua pretensa satisfação. Alguns são tão caros que, sem possibilidade de pagamento, deixamos penhorada parte de nossa libido, na esperança de um dia voltarmos para resgatá-la. Às vezes essas rotas, ao contrário, são tão prazerosas, que deixamos outra parte dela fixada naquelas rotas e, sempre que podemos, voltamos a elas, fenômenos que Freud chamou de viscosidade e fixação. Todas essas vicissitudes da libido ocorrem e ficam registradas dentro de nós desde a mais tenra infância, percorrem a adolescência enquanto simultâneas identificações com o par parental, e na falta dele, com quem o infante possa fazê-lo, se incorporam ao psiquismo.

O postulado freudiano da libido é de 1905 e nele o velho bruxo vienense assegurou que essa força sexual se mantém constante no ser humano e que, por sua natureza, é impossível de ser completamente satisfeita. Postulou ainda que ela é comandada por Trieb, palavra cujo conceito, em alemão, tem dimensão impossível de ser descrita na língua de Camões e cuja força se perdeu na tradução pobre de “pulsão”, consagrada nos textos psicanalíticos. Na língua de Goethe ela tem um sentido de incontrolável força interna, um autêntico lobo interno, algo muito mais amplo que “pulsão” nos garante. Nós tentamos buscar a sua satisfação. Há fundamento no verbo “tentar” porque a pulsão jamais é satisfeita por completo. Ao grande público pode parecer estranho, mas aquele especializado sabe que satisfação não se confunde com o orgasmo e nem é sinônimo dele. A assertiva é verdadeira na medida em que há situações consideradas sexualmente satisfatórias nas quais o orgasmo nunca ocorre. Se o entendimento do que ela é do ponto de vista psicanalítico fosse diferente disso, não seria possível compreender as escolhas de objetos tão diversificadas, ocorridas sempre na história do ser humano e ratificadas neste nosso mundo pós-moderno a comprovar que estamos todos sujeitos, como os meninos de Brokeback Mountain, às forças avassaladoras do desejo.

 

Bibliografia

DOR, J. Estruturas e clínica psicanalitica. Rio de Janeiro: Taurus-Timbre. 1991.        [ Links ]

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). ESB, v.VII. Rio de Janeiro: Imago, 1969.        [ Links ]

FREUD, S. A organização genital infantil (1923). ESB. v. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1969.        [ Links ]

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1998.        [ Links ]

PERKTOLD, C. M. Butterfly ou Armadilhas do objeto a. Belo Horizonte: Edição do Autor, 2005.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Av. Celso Porfirio Machado, 105
30320–400 – Belo Horizonte – MG
E-mail: perktold@terra.com.br

Convite feito em 20/04/2006

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