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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.37 Belo Horizonte jul. 2012

 

 

O complexo de Jocasta1

 

The Jocasta complex

 

 

Marie-Christine Laznik

Association Lacanienne Internationale
Universidade de Paris 13

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A autora trata das questões femininas na meia-idade, a inibição da sexualidade e o complexo de Édipo reeditado com o seu filho, agora objeto inconsciente do seu desejo incestuoso.

Palavras-chave: Complexo de Édipo, Complexo de Jocasta, Menopausa, Incesto, Pulsão sexual.


ABSTRACT

The author discusses the woman’s issues in middle age, the inhibition of sexuality and the Oedipus complex re-edition with her child, the current unconscious object of her incestuous desire.

Keywords: Oedipus complex, Jocasta complex, Menopause, Incest, Sexual drive.


 

 

O terceiro período do Édipo na mulher

A crise da meia-idade da vida, que, para uma mulher, corresponde à menopausa, é um momento crucial na modificação da economia libidinal. Mas tentarei mostrar que não é somente por causa de um confronto com a realidade objetiva e inelutável do tempo que passa e que nos restringe a um reconhecimento de nossa finidade ontológica, mesmo que isto seja sempre verdade. Haveria um outro elemento, bem mais inaudível, que prestaria contas do silêncio que reina a respeito da menopausa. Para defender minha hipótese, quero lembrar aqui como a descoberta da realidade da castração leva a menina a mudar de objeto de amor: deixa de ser o falo para a mãe – na equação simbólica – e vai em busca daquilo que possa ser o falo para ela. Freud (2005), em “Algumas consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos”, chama isso de entrada da menina no Édipo. Na menopausa, a presença de um bebê substituto fálico não é realizável. Isso coincide, o que não é raro, com a saída dos filhos de casa. O que podia lhe dar um sentimento fálico na maternidade – certo poder imaginário derivado da dependência de seus filhos em relação a ela – vem a faltar. Então a pergunta da saída do Édipo é feita. Em que consistirá para uma mulher?

Durante mais de quarenta anos, Freud afirmará que há um aumento da libido no momento da menopausa. Ele o coloca em paralelo com a puberdade: uma moça inibe seu desejo porque é cedo demais e uma mulher na meia-idade porque é tarde demais. Como entender essa inibição? Hélène Deutsch (1994), em A psicanálise das mulheres: estudo psicanalítico, lembra os trabalhos de Freud sobre os fantasmas incestuosos na puberdade: no momento em que há aumento das pulsões sexuais, estas terão como objeto o parente edípico. A puberdade é um segundo rejuvenescimento do complexo de Édipo e, para ela, a menopausa seria um terceiro. Ela associa então a hipótese da existência na menopausa, como na puberdade, de fantasmas incestuosos; exceto que é o filho dessa mulher madura, e não mais o pai, que agora ocupa o lugar de objeto incestuoso. Este filho não fora, ao nascer, investido de todas as qualidades do Ideal com o qual a mãe prestigiava, ainda criança, seu próprio pai? Freud já dizia que o laço carinhoso na criança é infiltrado de junções sexuais inconscientes. Deutsch dá aqui, me parece, sua mais importante contribuição para a sexualidade na meia-idade da vida.

Ela afirma que, se algumas mulheres menopáusicas fogem de sua vida sexual, seria por consequência desse tipo de fantasma incestuoso, e ela dá um exemplo disso. Uma de suas pacientes, uma musicista na faixa dos cinquenta anos, foi casada durante dez anos com o seu professor, quinze anos mais velho do que ela. Seu casamento foi tranquilo, mas sem prazeres sexuais nem filhos. Até o dia em que um jovem aluno muito dotado, trinta anos mais jovem do que ela, veio morar com o casal. Agitada e irritável, ela deixou o domicílio numa excitação rotulada de menopáusica. Foi preciso que o jovem homem fosse embora para que ela pudesse voltar à casa e encontrasse a sua calma, mas logo entrou numa grave depressão. O trabalho analítico revelou que ela havia perdido o jovem homem por quem ela estava inconscientemente apaixonada. Se seu marido pudesse encontrar nesse rapaz o filho que faltava para ela, ela não teria investido em um novo amor materno por causa do desejo sexual que ela tinha sentido.

Nem sempre é necessário que o jovem homem seja um estranho. Em minha prática analítica, encontro inibições da sexualidade que derivam desse mesmo complexo: a angústia diante da presença de um filho ternamente amado que, do dia para a noite, se torna um belo homem em plena posse de seu poder sexual.

Ingrid, uma loira bonita e alta, na faixa dos quarenta anos, se queixa de um novo desinteresse por sua vida sexual, por mais surpreendentemente que o seu marido a ame e a deseje. Um pouco mais velho do que ela, esse homem ainda vigoroso dá valor à vida erótica deles. Esse desinteresse coincidiu, para ela, com a puberdade de seu filho mais velho, grande homem, que ela descreve com uma abundante cabeleira erigida em volta da cabeça. Ela tem, aliás, a impressão de que cuida muito dele, como se fosse preciso proteger a humanidade dos excessos sexuais que ela supõe para esse filho. Ela diz, em análise, entre outras coisas, que ela precisa ser menos possessiva em relação a ele. A análise de um primeiro sonho a leva a tomar medidas de seu laço incestuoso com o filho, o que a deixa mais livre e mais tranquila em sua relação com ele. Durante algum tempo, ela descobre uma vida sensualmente mais radiante com o seu marido. Um novo desinteresse sexual ocorrerá no momento da menopausa que coincide com a entrada na puberdade de seu segundo filho. A reativação do fantasma incestuoso inconsciente é evidente no pesadelo que ela traz, muito angustiada, a uma sessão. Encontra-se em uma praia com o segundo filho, quando uma baleia chega e o come. As associações são mais difíceis do que de costume. Uma baleia? A princípio isso não lembra nada a ela. Mas, há alguns dias, se olhando no espelho, ela achou que estivesse grávida, como uma baleia. Essa análise vem de uma comunidade alemã do sul do Brasil, onde é comum dizer que uma mulher um pouco forte se parece com uma baleia. Aliás, ela nada vê. Nós conduzimos esse tratamento em francês, língua que ela fala muito bem, mas eu pedi a ela que traduzisse o seu sonho para a língua portuguesa. Quando ela ouve dizer, na língua de seu país, que a baleia comeu o jovem homem, ela cai na risada. De fato, no Brasil, comer, quer dizer em uma linguagem giriesca “transar”. No entanto, a baleia tinha comido o filho dela à beira-mar.

Poder falar disso permite manter uma distância divertida em relação a esse tipo de fantasma inconsciente bem mais frequente que só levaria a pensar no silêncio que a cerca. Aliás, Hélène Deutsch só anuncia a possibilidade de semelhantes fantasmas amorosos. Ela afirma que o objeto de amor da mulher dessa idade é o filho. Para Deutsch, trata-se de um novo mito de Édipo. Como esse fantasma incestuoso é intolerável, nós vemos emergir, em certo número de mulheres, uma luta contra qualquer fantasia sexual. O conjunto constituído pelo fantasma do desejo e os mecanismos próprios para impedi-la de emergir merece, no meu ponto de vista, o nome de complexo de Jocasta.

Os estudos de populações (DELBÈS & GAYMU, 1997) indicam que certo número de mulheres mostra um desafeto, até abandonam toda vida sexual nesse momento da vida. Certamente existe uma real dificuldade de encontrar parceiros sexuais para mulheres dessa idade, mas os estudos constatam esse desafeto até mesmo naquelas que têm um parceiro. A resposta habitualmente dada a esse fenômeno é que há então – contrariamente ao que Freud pensava – uma diminuição da libido. Tal hipótese permite descartar qualquer comparação entre menopausa e puberdade e enfraquecer a ideia defendida por Freud e Deutsch de uma angústia suscitada por esse novo impulso libidinal.

Parece-me possível encarar esse desafeto como o efeito do que eu proponho chamar de complexo de Jocasta. O caso não é raro. É até típico da posição de um número respeitável de mães menopáusicas, dedicadas ao amor do filho – judias, italianas e outras – e que são objeto de um bom número de nossas brincadeiras. O preço a ser pago para manter o amor do filho é, apesar de tudo, o abandono do interesse pela sexualidade.

O que é notável é que a própria hipótese da existência desses fantasmas incestuosos nunca foi discutida pelos psicanalistas que, depois, escreveram sobre a menopausa. Essa ideia2 quase sempre foi passada em silêncio, como se ela nunca tivesse sido formulada. Maria Langer (1978) lembra a hipótese de Deutsch na qual uma mulher na menopausa terá uma escolha de objeto do lado da geração dos filhos, mas ela não a desenvolve. Gueydan (1991) também a cita resumidamente, mas também não a discute. Se, a partir de Freud, os fantasmas incestuosos dos filhos em relação a sua mãe são retomados com muito prazer por qualquer psicanalista, os da mãe para com o seu filho, tornado homem, são inauditos. Existem, no entanto, alguns belos exemplos na literatura3, mesmo que um deslocamento aconteça com outro jovem homem. A ideia de Freud de que um desejo pulsional tanto aumenta na menopausa como na puberdade, e a hipótese de Deutsch de fantasmas incestuosos ligados ao filho são inquietantes e até escandalosas. É preciso concordar com isso. Não teríamos a chave do silêncio que reina sobre esse tema no meio psicanalítico? Esse tema suscita pavor, mesmo entre nós.

Os psicanalistas das gerações posteriores, os da segunda metade do século XX, se encarregaram de dar outro parecer a esse respeito. Para alguns, a solução foi a de recusar na menopausa qualquer interesse como sujeito psicanalítico. Quando eles tratam do desejo ou da sexualidade das mulheres, eles recusam, em geral, abordar a menopausa. Os livros sobre a sexualidade feminina acabam, como um acordo em comum, na faixa dos quarenta anos. A iniciativa da Revista Francesa de Psicanálise de produzir um número sobre o assunto da crise da meia-idade da vida é motivo para se homenagear por sua coragem.

Parece mais fácil abordar a crise na meia-idade da vida em seu laço com a velhice. Ora, quinze anos separam seu início da menopausa; e ainda deixando de lado a terceira idade, já que restam, em média, uns trinta anos para uma mulher viver após a perda de sua capacidade de ter filhos. Sandra Bemesderfer (1994) observa que não há muito tempo que não são mais tratados sistematicamente juntos menopausa e velhice. Pareceriam, então, menos perigosas essas Jocastas sedentas de desejos por seus jovens Édipos?

 

Por que menopausa e velhice?

A capacidade de procriar – enquanto existir na mulher – espelha-se na morte. Mais além, nada mais interrompe a fuga do tempo até a aniquilação final; pouco importa para o inconsciente o número de décadas ainda para viver. As coisas não evoluíram muito após o Talmud, onde está escrito: “Uma mulher está velha, isto é, atingida pela menopausa, quando, com a aproximação da idade crítica, ela não vê seu fluxo menstrual durante três épocas consecutivas” (ARMAUD, 1995, p.9).

Mas com que idade somos considerados velho ou velha? Essa idade regressa paralelamente até quando nos tornamos menopáusicas? Os progressos técnicos da medicina, da cirurgia estética, o Botox® – que permite diminuir o aparecimento dos sinais de envelhecimento – e o critério da idade que considera que a velhice está começando, mudaram nas últimas décadas. Em 1932, o termo “velho” designa qualquer pessoa com mais de 50 anos. Hoje, uma pessoa é considerada idosa a partir dos 65 anos (LE BRAS, 1999, p.109). A idade da velhice que muda em função da expectativa de vida ganhou quinze anos entre 1931 e 2001. Mas esses progressos não modificaram praticamente a data na qual uma mulher cessa irremediavelmente de poder ser mãe. Recentemente, experiências permitiram, em alguns países, que mulheres fossem mães aos sessenta anos. Mesmo que essas experiências sejam eticamente duvidosas, parece que há um novo fenômeno de sociedade que devemos pelo menos citar4.

Mas não me parece que a ausência da barreira entre a menopausa e a velhice possa estar sozinha por causa desse tabu em volta do tema na literatura psicanalítica. Tomo como prova que alguns psicanalistas anglo-saxões puderam abordá-la com a condição de deixar para lá a ideia de um aumento da libido nesse momento da vida.

Para Benedek (1973), a afirmação freudiana de uma excitabilidade sexual que aumenta tanto no climatério como na puberdade está ultrapassada. A angústia das mulheres é motivada “por um sentimento interno de frustração causado pela percepção da capacidade de se sentir gratificada” (BENEDEK, 1973, p.344). O que repercute na dificuldade de encontrar um parceiro, mas, sobretudo, no receio inconsciente dos fantasmas incestuosos. Mas estes nem são evocados por Benedek. A energia liberada pela emancipação da competição sexual e do medo de ser rejeitada como objeto sexual deixa lugar para a emergência de talentos e qualidades que não se podem suspeitar. O climatério é, portanto, uma fase de desenvolvimento graças ao abandono da sexualidade.

Harris (1990) foi a primeira a ver de perto o que Freud tinha escrito a respeito da menopausa e a perceber isso. Mas sua pertinente consulta ao índice da Standard Edition teve como objetivo mostrar quantas de todas as suas observações levantaram falsas ideias veiculadas pela medicina da época. Não apenas suas opiniões são errôneas, mas se obstinou em repeti-las durante meio século. Harris nos dá um resumo da aproximação que alguns psicanalistas americanos têm de Freud. Até recentemente, poucos outros estudos psicanalíticos foram consagrados a esse assunto5.

Isso me leva a pensar que o inaudito do fantasma incestuoso de uma mãe para com o filho seja a raiz do tabu no que concerne à menopausa. O que levou Deutsch a descobrir esses amores incestuosos nas mulheres na meia-idade da vida é, sem dúvida, o seu interesse por Ninon de Lenclos, mulher com hábitos livres, que marcou todo o século XVII e que foi a amante de grandes personagens de seu tempo. Na faixa etária dos cinquenta anos, ela não desdenhou o amor que o jovem marquês de Sévigné dedicava a ela. Hélène Deutsch atribui o sucesso tardio de Ninon de Lenclos aos homens, o que ela chama de certo narcisismo feminino, verdadeira fonte da juventude. Ela cita Freud (1969): “O amor por sua própria pessoa é talvez o segredo da beleza” e acrescenta que “não saberíamos superestimar a importância desse tipo de mulher para a vida amorosa do ser humano. Tais mulheres exercem o maior encanto sobre os homens, não somente por razões estéticas, pois elas são habitualmente as mais belas”, mas também por causa do “encanto pelo narcisismo dos que sabem mostrar sempre mantendo distância do seu eu que o diminuiria” (FREUD, 1969). Trata-se, portanto, de mulheres capazes de suscitar um olhar que se assemelha ao do pai maravilhado diante do seu bebê. Aliás, é por isso que Freud associa: “Parece, de fato, que o narcisismo de uma pessoa manifesta uma grande atração sobre os que se despojaram de seu próprio narcisismo e estão à procura do amor de objeto: o encanto da criança se fundamenta em boa parte em seu narcisismo” (FREUD, 1969).

Um dos métodos mais eficazes, segundo Deutsch (1967), para superar o desastre da menopausa “consiste em saber se fazer amar de maneira contínua, método que caracteriza as mulheres de uma estrutura nitidamente narcísica” (DEUTSCH, 1967, p.407-408). Lacan nos ensinou a entender a apassivação do verbo fazer como que designando o terceiro período do circuito pulsional. Quando, sem saber, Deutsch escreve se fazer amar, ela saiu, na minha opinião, do campo puramente narcísico, ela está no registro pulsional. Aquela que se faz coloca-se no lugar de objeto por um outro que é propriamente sujeito da ação, até mesmo de amar.

Hélène Deutsch institui Ninon de Lenclos como Ideal para gerações de mulheres menopáusicas que se tornaram sedutoras. Mas como fazer para manter essa posição quando a realidade do corpo bate à porta com as suas inevitáveis alterações? Quais seriam as formas possíveis do encanto na menopausa?

Martine Lerude (1998) sugere que o investimento narcísico da imagem do corpo seria apenas uma das vertentes do que poderia seduzir um parceiro masculino. Haveria um outro em que uma mulher investiria de modo particularmente criativo: “Ela pode ter espírito, humor, inventar a arte de falar bem, encontrar um estilo de discurso e fazer valer uma palavra que lhe permita manter este lugar de ideal fálico” (LERUDE, 1998). Ainda que ela não se expresse em termos pulsionais, Lerude questiona aqui, me parece, as diversas maneiras para uma mulher se fazer objeto de desejo.

Um dos exemplos mais comoventes do poder sedutor do falar bem feminino nos é dado em um traço particular da ligação entre Colette e Bertrand de Jouvenel. Ligação que constitui uma ilustração de uma das formas que pode ter o complexo de Jocasta6. O “poder do falar bem” toma aqui a forma de uma carta, redigida por uma mulher cujo corpo é agora o de uma quinquagenária que tem a sua idade. Escrita no momento em que o seu jovem amante de 24 anos devia deixá-la para se casar com uma moça jovem, tal carta nunca chegou até ele. Sua nova noiva a tinha impedido – ela confessou muito mais tarde e a recitou7. Ela a descobriu antes de destruí-la, de tão bonita que ela a achou. A jovem moça temia o poder dessa prosa a quem ela amava. O que a jovem noiva joga na lixeira são palavras cujo encanto opera a exemplo de um filtro. Temos aí, na prática, o poder do falar bem que vai além da possibilidade de oferecer a imagem de um corpo feminino, prometido ideal fálico. Mas raras são as mulheres que têm o talento da arte de escrever de uma Colette. Quais formas de sedução ficariam para as outras? Para responder a essa pergunta, é preciso que façamos um desvio pela crise do casal da meia-idade da vida.

 

A meia-idade da vida e a crise do casal

Na menopausa, quando a imagem corporal muda, apenas o olhar do parceiro pode acalmar a impiedosa condenação de um espelho. Este, como sabemos, dirá certamente que há, apesar de tudo, uma mais bela. Acontece que se trata da fragilidade feminina que precisa ser sempre reconstruída, por não poder se contentar em ser a única8. Então, o desespero sentido pode levá-la pelos caminhos da regressão à megera ou ao dragão, diz Freud. Françoise Héritier (1996, p.84) lembra que um dos destinos possíveis da mulher menopáusica é a bruxa.

Para não se tornar bruxa, a pobre madrasta de Branca de Neve teria feito melhor se questionasse o olhar amante do rei que poderia apoiá-la e acalmá-la. Onde ele estava? Estava correndo atrás de uma pastora? A clínica nos ensina que certo número de casais atravessa então uma crise de cuja fragilidade narcísica da imagem corporal feminina não pode, por si só, dar conta.

As pesquisas em andrologia nos ensinam que, em um quarto dos casos, a diminuição das relações sexuais se deve às dificuldades de ereção do cônjuge (CHANNON & BALLINGER, 1986). Ora, se a identidade feminina só se mantém em observar o Outro, as falhas do parceiro para se manterem erigidas a sua prova de respeito podem causar efeitos nela. A falha do poder macho pode ser interpretada pela esposa como testemunho da perda de seus encantos. Basta que ele vá confirmar a sua virilidade com outra mulher, certamente mais jovem, e a hipótese inicial que a sua mulher fazia se confirma.

Porque “a sexualidade do homem maduro se submete, também, a algumas modificações inelutáveis às quais ele não fica insensível. Entre estas, a ereção, que não reage mais aos únicos incitantes puramente psíquicos e que leva mais tempo para acontecer, o período refratário que se torna mais longo e a impotência secundária que se torna cada vez mais frequente” (NEUTER, 2001, p.75-105), escreve o psicanalista Patrick de Neuter. Diante desse órgão viril que poderia vir a falhar e, para além do órgão, que o falo imaginário – símbolo da fecundidade e de todo-poder – possa faltar, o homem à medida que envelhece revive sua angústia de castração, e Neuter acrescenta: “Esses receios e terrores são tanto mais prováveis e mais fortes quando o homem conjuga sua vida com uma mulher que fez carreira, que tem poder e saber, que toma a iniciativa na relação de sedução, ou, ainda, que pode dominá-lo por sua inteligência ou pela importância de seus bens materiais. Tais mulheres, que tiveram êxito na vida segundo alguns critérios de hoje, podem, contra si mesmas, reativar nos homens fantasmas da infância de dominação por uma imago materna fálica e, portanto, voltada para a feminilidade” (NEUTER, 2001, p.75-105).

Freud fala de um climatério no masculino para designar esse momento em que um homem conhece uma certa diminuição de seu poder. O que não quer dizer que o seu desejo diminua: Freud afirma claramente que há, também no homem, aumento da libido. Parece assim que esse parceiro masculino vá buscar onde satisfazer sua libido, sempre tranquilizando o seu poder. Com uma parceira bem mais jovem, ele poderá compensar essa perda do poder com mais facilidade.

Lembremo-nos de que, segundo Benedek (1973), para que uma mulher se sinta gratificada, basta que ela renuncie às pulsões sexuais e se consagre a objetivos de mais socialização, sublimados. Seu ego se encontra então investido de um narcisismo secundário. Contudo, ela declara que essa solução proposta do climatério põe em risco o equilíbrio do homem na meia-idade da vida. Abordando o que chamaríamos de função fálica no homem, ela escreve: “A autoestima no homem não é unicamente derivada da função profissional, mas também de seu poder sexual; essas duas fontes de gratificações são complementares” (BENEDEK, 1973, p.348). Na mulher, ela acrescenta, essa autoestima vem sobretudo de sua função materna, sua carreira será portanto mais tranquila do que a do homem e tanto mais satisfatória, que ela saberá, no climatério, recuperar toda a energia empregada para educar seus filhos.

Se o falo remete àquele que, no plano simbólico, falta ao sujeito, as observações de Benedek mostram que esse mesmo significante tem dois gumes: no plano imaginário, marca o poder viril. No jogo do desejo entre homem e mulher, é justamente no irreconhecível desse duplo caráter do falo que reside frequentemente uma das causas da crise dos casais na meia-idade da vida. Vejamos como.

Primeiramente, que relação existe entre o falo e o órgão masculino? Esse órgão, Lacan não o chama de falo, e sim constata, sobretudo, quanto se torna enfraquecido para manter essa função. Observemos a angústia que suscita uma situação em que esse órgão amboceptor se torna a única prova de falicidade que um homem possa dar a sua companheira. Isso pode se apresentar quando o órgão é a única forma imaginária de falicidade do qual ela ainda poderia se privar. Disposição um tanto mais angustiante para um homem que está na faixa dos sessenta anos se não puder renovar nele mesmo, imediatamente, a sua prova de respeito. Essa situação concerniria menos aos “grandes homens”, pois falo imaginário eles têm em outro lugar.

Anunciar que há perigo em um casal quando a “balança do poder” pende do lado feminino não está nas condições do momento. Entretanto, as mulheres executivas ficam frequentemente mais sozinhas do que seus homólogos masculinos. Os estudos demográficos sobre esse assunto mostram uma disparidade (DELBÈS & GAYMU, 1997) que a função do falo permite, me parece, ler. Por que o falo imaginário (dinheiro, poder) das mulheres não chama a atenção dos homens? Não é a sua necessidade de ter o falo em seu espaço, o que explica, em parte, os casais com mulheres mais jovens? A função do falo também permite compreender por que os homens mais velhos, com salário superior, têm tantas oportunidades para ter uma parceira sexual como homens mais jovens com salário inferior. Em nossa sociedade, o dinheiro é uma das formas do falo imaginário. Falando das relações sexuais, ter falo imaginário favorece os homens e não as mulheres, e isto por razões de estrutura.

 

Uma dissimetria necessária ao desejo masculino

Para apontar o objeto da causa de seu desejo, ainda é preciso que ele possa se apoiar no falo como se estivesse de seu lado, como que se constituísse seu prato de alimento. Trata-se, portanto, de um falo colorido de uma positividade imaginária, indispensável para que o desejo possa se erigir. Todo desejo implica nesse elemento levemente perverso: a positivação do falo. Ora, para qualquer sujeito neurótico, o falo só se apresenta como o modo da ausência. O sujeito só pode encontrar o falo de forma positiva no olhar do Outro, sua companheira do outro sexo. É ela que garantirá que a seus olhos o falo – ou, antes, um de seus avatares imaginários – encontra-se em seu devido lugar. Há aí uma fraqueza masculina que a feminilidade adivinha, contanto que uma mulher suporte visar ao falo no lugar de seu parceiro, o que supõe que ela reconhece essa falta. Se, no plano intelectual, os dois parceiros têm o mesmo poder fálico, não é dessa forma que a dissimetria funcionará. É por isso, sem dúvida, que os casais formados por um grande professor e sua jovem aluna maravilhada dão mais certo.

Para que um sujeito possa manter a sua virilidade com desejo no que diz respeito a uma companheira do outro sexo, é preciso que ele tenha a impressão de que o falo se encontra em seu devido lugar. Pode acontecer que uma mulher sinta dificuldades para expressar ao seu cônjuge que, aos seus olhos, ele tem falo. Sua independência financeira extrai do dinheiro do marido o valor de um falo imaginário do qual ele seria provido e o qual faltaria para ela. Nas gerações anteriores, as mães das atuais quinquagenárias não trabalhavam, o que garantia uma dissimetria. Sua carreira a leva a receber tantas honras quanto ele. Também não é o reconhecimento social que pode encarnar, imaginariamente, a presença do falo no campo dele. Na menopausa, a mulher dele nem mais poderá receber um filho dele. Esse processo de destruição de qualquer dissimetria está apenas acelerando. Muitas mulheres que estão na faixa dos trinta anos têm hoje carreiras muito bem-sucedidas, melhores do que as dos seus parceiros masculinos. Um novo fenômeno de sociedade começa a aparecer, já enfatizado na Inglaterra. Parece que havia mais de um milhão de mulheres de executivas com a faixa etária acima dos trinta anos que não têm nenhum parceiro masculino. Certo número delas alugaria homens para se apresentar a certos jantares ou recepções. Gail Sheehy (1999) observa que, mesmo com os casais constituídos, a perda do desejo sexual desde o final dos trinta anos está relacionada a uma luta pelo poder entre os dois parceiros.

Algumas mulheres têm, todavia, habilidade suficiente para dar a entender ao seu parceiro que, aos olhos dela, o falo está em seu devido lugar. Senão ele achará que só conseguirá provar a função do seu falo sob a forma do órgão ereto. Esse órgão, mesmo que ele tenha muito na imaginação a função fálica, é apenas um dos avatares e um dos mais frágeis. Intimado a ir sozinho provar a existência desse poder, ele tanto pode falhar quanto o homem que está na faixa etária final dos cinquenta anos, por não estar mais no auge de suas performances nesse domínio.

No homem dessa idade, a angústia da castração também é reativada pelo sentimento de que a morte não é mais uma abstração. Na medida em que ela significa a suspensão da possibilidade de procriar, a menopausa de sua companheira tira, como dissemos, o que poderia criar obstáculo para a morte. Freud escreveu aos 50 anos: “Nós afirmamos de boa vontade que a morte é o fim necessário da vida... No entanto, na realidade, tínhamos o hábito de nos comportar como se fosse de outro modo. Nós manifestamos uma nítida tendência em colocar de lado a morte, para eliminá-la de nossas vidas. Tentamos abafar o caso... Ninguém acredita na eventualidade de sua própria morte... No inconsciente, todo mundo está convencido de que é imortal” (FREUD, 1981, p.300-301).

De Neuter (Patrick De Neuter) estabelece a lista das possíveis reações do “homem que começa a envelhecer” para tentar manter a negação e as diversas formas do “não quero saber de nada”. A que toca mais a parceira menopáusica é, certamente, o desejo que alguns têm de se lançar “em certos amores, com mulheres bem mais jovens do que eles. Alguns até se lançam em novas paternidades. Amor e procriação criam tentativas de cura da angústia suscitada pela velhice e a morte, angústia que Freud comparou com a angústia da castração” (NEUTER, 2001, p.75-105).

Todo novo amor, lembra de Neuter, independentemente da idade do amado, induz nos amantes um sentimento de renascimento. “Compreendemos que esse sentimento de renascimento será bem maior do que será para a amada por ter a idade da filha do amante invadido pelas angústias do envelhecimento e da morte” (NEUTER, 2001, p.75-105). A criança não está apenas cheia de sentidos pela mulher. A clínica mostra que o homem pode ter a declaração visível de sua virilidade, a confirmação de seu poder, o adiamento de sua vida além de sua morte e a garantia da perpetuação da genealogia (STRYCKMAN, 1993, p.91-92).

 

O mito de Zeus e de Europa

Zeus, tendo sucumbido aos encantos de uma jovem mortal, se transforma em um bonito touro branco e manso no qual a jovem moça sobe. Ele declara a ela a sua paixão, casa-se com ela e lhe dá três filhos. Não apenas fornecedor de falos imaginários para a jovem moça, Zeus encarna o próprio poder, enfatizado pelo touro.

Para De Neuter, o mito de Zeus e de Europa representa bem “o homem no tempo em que vai envelhecendo” investido pelo “demônio do meio-dia”. Muitas mulheres, cujos maridos são bem mais jovens, veem nas marcas do tempo que começam a se fazer sentir sobre o seu corpo a razão do desafeto em relação ao marido. Ora, no mito, nada diz que Zeus tenha abandonado sua mulher Hera porque esta teria perdido seus encantos. Aliás, é difícil imaginar que uma divindade do Olimpo definhe. Pelo contrário, De Neuter enfatiza que Zeus devia ter algumas dificuldades com o seu par em relação à dissimetria fálica. Alguns mitos lembram que Hera é a esposa de Zeus, mas que é, antes de tudo, sua irmã. É ela quem dá a soberania.

Zeus não teria ido à casa da jovem moça por razões ligadas à própria estrutura do desejo masculino? Com Hera, nada lhe indica que o falo se encontre do seu lado, pelo contrário. Esse gênero de situação é frequente em nosso mundo. “Isto também nos ajuda a compreender as dificuldades que certos homens podem encontrar com mulheres providas desses atributos fálicos que constituem o saber universitário, o poder político ou ainda o êxito financeiro” (NEUTER, 2001, p.75-105), dirá De Neuter.

O problema ainda é mais claro quando a companheira não pode mais ter filhos, provas visíveis do poder fálico de seu marido. Ora, ninguém pode acreditar que uma deusa possa ficar menopáusica, castração impensável para uma divindade. Pelo contrário, seus filhos mais célebres Hera os concebeu sozinha, seja batendo no chão com a sua mão, seja comendo uma alface que a deixa fecunda sem que Zeus a tocasse. Assim, os gregos já tinham a Procriação Medicamente Assistida, exceto que a divina também se privasse de médico. E resultado: Hera se encontra na mesma situação que muitas mulheres menopáusicas: o marido dela vai em busca de outra onde possa provar seu poder paterno e fálico.

Quando uma mulher chega a pensar que é o desgaste de seu corpo que desliga o desejo do parceiro, ela frequentemente baixa os braços e considera que não há mais lugar para continuar representando o papel daquela de quem ele precisa para satisfazer os próprios desejos. São feministas, é claro, por denunciarem o que elas chamam de redução de uma mulher a objeto, redução que o próprio Lacan reconhece: “Ela não se torna objeto total; ela se torna totalmente objeto” (LACAN, apud LAZNIK, 2003, p.137), escreve. Mas nem muitas sempre se enganam, se prestam a isso de bom grado, e até brincam com esse objeto que é a causa do desejo do parceiro. Lembremo-nos de que há, no desejo, um elemento necessariamente perverso: O objeto não pode deixar de faltar. É preciso estar do lado de um esconde e mostra do falo que fingimos supor, sempre sabendo que não é bem isso.

O filme de Claude Berry, A Debandada, é uma parábola. Um homem que está na faixa etária dos cinquenta anos fica perturbado por não mais poder erguer o órgão que prestava homenagens a sua mulher. No auge de sua carreira, ninguém poderia acreditar que este expert internacional encontraria em sua notoriedade como estabelecer a sua certeza fálica. É evidente que aos olhos do seu meio profissional ele tem falo. Mas nem isto nem sua imensa cultura parecem impressionar sua mulher. Visto que ela também, agora, tem uma bela carreira. Então ele se obstina: de seu próprio pequeno órgão, ele quer provas indubitáveis de poder.

Para sua mulher, basta que ele a faça atingir o orgasmo de outro modo e que o órgão desejado no inconsciente da infância não sirva mais para medir seu esplendor fálico, tanto melhor; ela não mais sentirá a humilhante ferida de ser, como toda mulher, desprovida. Talvez seja essa dimensão que conferirá à personagem feminina, muito bem representada por Fanny Ardant, certa densidade subjetiva. Contudo, ela o ama, é indubitável, ela até deseja estar do lado dele e protegê-lo com um modo bastante materno, o que confere certo orgulho de seu marido.

Eu tinha enfatizado que, quando o desejo de um homem chega a faltar, sua mulher – que frequentemente está na faixa dos cinquenta anos – atribui isto ao que ela acha ser a diminuição de seus próprios encantos. Nesse filme, a escolha de uma atriz tão bela como Fanny Ardant abre um parêntese tido como simplificador: quando o marido vai se acalmar com outra, mais jovem, ela não atribui a perda de sua beleza. E quando surge a loirinha, amiga da moça do quinquagenário, é evidente que ela não tenha as capacidades requisitadas perante a legítima, ela não se arrisca a fazer ciúmes. Frequentemente, na clínica da crise do casal da meia-idade da vida, a nova não tem as capacidades requisitadas perante a antiga; aliás, é por isso que ela foi escolhida: para que ela pese menos do lado fálico! Às vezes, até a beleza pesa desse lado. A prova é que, jogo de sedução e beleza não estão na mesma ordem. Isso é frequentemente ignorado pela mulher do quinquagenário em crise.

Ruth Lax acha que as mulheres – com a sua vergonha perante as mudanças corporais e a sua própria angústia psíquica – têm tendência a recusar problemas, tanto psíquicos quanto físicos, que se cruzam com os cônjuges na meia-idade da vida. Uma paciente, cujo casamento estava em crise durante sua menopausa, se sentia em perigo pelas declarações que o seu marido prodigalizava com mulheres mais jovens. Ela manifesta em uma sessão: “E ele pode se safar, e recomeçar tudo, tantas vezes quanto ele queira, e eu fico presa com as crianças e nem posso mais ter outras. Como se eu fosse insensível e não pudesse mais viver. Estou presa em minha vida... ele não” (LAX, 1997, p.202). Eu diria que ele também, sem conseguir compreender sua castração, mas ela só podia descobrir, em toda sua vivacidade, seu Penis peid renovado. Isso pode levar a mulher a ficar insensível em relação ao seu cônjuge.

Para que um homem possa erigir sua prova de respeito a sua parceira, duas condições me parecem necessárias; é agradável ver como Claude Berry as põe em cena em seu filme.

Em primeiro lugar, para se apoiar em sua falicidade, é preciso que um homem possa ver no olhar dela, que ele tem e que ela o admira. Para o herói de A Debandada, após quinze anos de vida conjugal, não é mais aos olhos de sua mulher que ele é rico, apesar do amor que ela sente por ele; amor e desejo não são do mesmo registro. Quanto à loirinha, não é nem sua beleza nem seu sex-appeal (atração sexual) que ela transmite a ele, mas sua admiração. Estagiária de seu estudo, ela bebe literalmente suas palavras escutando discorrer sobre tal pintor, tal obra de arte ou tal antiguidade; até esquecer o que ela tem em seu prato, ele a leva a jantar em um grande restaurante. Ele fala, ela – com os olhos arregalados – o escuta.

Em segundo lugar, o desejo masculino visa, na mulher, a um objeto que o provoca. Opera-se assim como um recorte no corpo feminino. Nosso herói buscava manter seu desejo com meias, cinta-liga e outras roupas de baixo que seduzem no corpo de sua mulher. No filme, ele se queixa de que a partir de certo tempo ela só usa calcinhas brancas “Barquinho”. Evidentemente, ela não tem mais vontade de se prestar como objeto de desejo dele. Apenas empresta seu corpo aos jogos da encenação que têm, no filme, a forma de um convite em que se veste de freira e ele de padre. Esse jogo maroto, visto que a personagem é judia, comporta uma nota um tanto perversa de transgressão das proibições, próprias do desejo. Desses jogos eles não se privavam, pelo menos há quinze anos; agora, acabou. Ela o repele, não sem ressaltar o lado inconveniente e até louco de suas propostas.

O quinquagenário volta a casa cada vez mais tarde, após ter ido se prostituir com outras, na esperança de encontrar um pouco de compreensão quanto às condições do desejo masculino. Mas o epílogo é simpático: uma noite, após uma infeliz aventura, ele levanta o lençol e encontra sua mulher, fingindo dormir, com cinta modeladora vermelha, meias pretas de renda e de salto alto. O filme termina com esta imagem da mulher amada, que quer, novamente, tomar o lugar do objeto de, razão de desejo dele enquanto homem. Claude Berry, o produtor, não ficou na sutileza. O desejo masculino vem certamente firmar-se a esse traço: as pernas ou as nádegas, um brilho no olhar ou na cabeleira, o contorno dos seios ou ainda tais roupas. Mas ele também pode tomar como objeto certa maneira de se sentar, de se vestir, certa modulação da voz. É o objeto de, que pode se destacar no corpo dela, que causa desejo nele. Não esqueçamos de que falamos aqui de desejo e não de amor; esse último diz respeito a todo o ser. O final feliz do filme só é possível porque ela acreditou que as dificuldades de seu marido vinham da perda de seus encantos. Ensino a ser meditado.

Se não fosse assim, o caso da personagem representada por Fanny Ardant, sabemos que certas mulheres se tornariam mais litigantes na meia-idade da vida. Não é apenas por estarem tranquilas, pois é provável que, para algumas, o fim do papel materno – ou, em todo caso, o fim da possibilidade de ter filhos – lhes permite redescobrir, ou descobrir, o desejo sexual por seu parceiro. A recusa do feminino, isto é, a recusa do prazer vaginal, parece enfraquecer no momento em que elas fazem o luto de ser mãe, ao mesmo tempo em que certo luto de sua própria mãe (Gueydan, 1991). Ei-las, enfim, aptas a receber o marido-amante, o invasor9 que as levará aos céus com um prazer que acaba de se abrir para elas.

Mas, na opinião dela, quando o marido só consegue provar o seu poder fálico e as performances de seu órgão, ele pode ficar com receio. Ele procurará evitar situações em que o seu poder fálico corre o risco de ser testado em termos de suas performances eréteis. Uma brincadeira americana, feita pelo sério jornal Le Monde, resume perfeitamente essa situação: “Um marido está em pânico por não encontrar sua mulher em casa, uma hora após ter tomado Viagra®. – ‘Tente com a faxineira’, aconselha o médico. – ‘Mas com ela nunca tive problema’, responde o paciente muito irritado... É desse modo que, na França, nós nos encontramos com um número igual de homens e de mulheres sozinhos aos cinquenta anos, exceto que as mulheres têm em média o mestrado e os homens, o ensino médio”. (LE MONDE, apud LAZNIK, 2003, p. 142).

Entender algo sobre as condições específicas do desejo masculino supõe, para muitas mulheres, todo um trabalho psíquico sobre o desejo do pênis, sobre sua rivalidade fálica, perguntas que podem ser trabalhadas em uma psicanálise na meia-idade da vida. Se, como foi dito, os êxitos profissionais de uma mulher podem perturbar o parceiro do outro sexo, paradoxalmente é menos difícil, então, para uma mulher pressentir sua divisão, seu ser de sujeito, que é bem-sucedido profissionalmente, e seu feminino que poderia se prestar ao jogo do “quem perde ganha”, como expressa Schaeffer. É mais fácil aceitar ser o objeto do outro quando se consegue não se reduzir a ser esse objeto. Divisão própria no jogo feminino da encenação, que permite a uma mulher encontrar sua capacidade de sedução. Não seria então impossível esperar que, os encantos ardentes de seu estado indiano que procuram acalmá-la no plano dos fantasmas incestuosos, ela poderia se colocar no lugar do parceiro do outro sexo para que ele possa segui-la até o outono da vida saboreando os frutos.

 

A crise da meia-idade da vida: momento propício para um trabalho analítico na mulher

Supomos que, como frequentemente, Freud tenha razão. Que o homem de trinta anos seja de fato um indivíduo juvenil, de preferência inacabado, enquanto uma mulher da mesma idade apresenta uma rigidez psíquica que parece imutável. Aos trinta anos, seu narcisismo de jovem mãe e de mulher adulada pode chegar à conclusão de que sua libido esteja instalada em posições que ela não mais abandonará. As posições libidinais10, que achávamos que ficassem fixas de modo definitivo, se desabam. Não há mais nada a perder, uma vez que já está perdido. Despersonalizada como mulher, ela pode então estar pronta para reconhecer muitas coisas em comum: sua identidade feminina, cujas bases precisam ser revistas; seus investimentos libidinais, precisam ser deslocados. Em minha experiência clínica, muitas mulheres são capazes, agora, de investir em um trabalho analítico que progride frequentemente mais rápido do que nas mais jovens.

Mas uma condição prévia é necessária, que a negação da crise da meia-idade da vida seja levantada por seu analista, que ele seja capaz de entender que a menopausa é um momento maior de despersonalização para uma mulher. Ora isso não é evidente. Em 1994, no contexto da reunião anual da American Psychoanalytic Association (APA), um assunto consagrado à menopausa11 reuniu a iniciativa de Owen Renik12. Ressaltando o caráter inédito desse primeiro encontro, observou-se que as regras e a menopausa eram temas evitados na literatura psicanalítica até criar injustiça e se pergunta por quê. Sandra Bemesderfer também constata a pobreza das produções analíticas que contrasta com a superabundância de livros “grande público”, escritos sobre o assunto. E, a respeito de um caso clínico, ela confessa como ela mesma pôde entender, com as queixas de uma paciente, que abordava a respeito da menopausa, por receio, analisa a sua própria. Sem para tanto precisar as raízes desse receio, ela invoca uma injustiça tanto com os pacientes como com os analistas. O que é negado, Ruth Lax lhe responde, não é o próprio acontecimento da menopausa, mas seus efeitos psíquicos. Ora, ela acrescenta, apenas esses últimos são corretamente reconhecidos como os lutos das perdas que se tornam possíveis e que uma mulher pode então olhar para frente. Suponhamos que seu analista não seja insensível ao inaudito do fantasma de Jocasta, que ele aceite a ideia de que a meia-idade da vida seja um momento muito importante de despersonalização para uma mulher e que ele permita a ela reescrever sua identidade feminina. No plano erótico, só poderíamos esperar que uma mulher fosse capaz de colher as uvas de seu gozo feminino? Na verdade, só há colheita de frutas no outono.

 

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Endereço para correspondência
45, rue de Richelieu
75001 – Paris – FRANCE
E-mail: mclaznik@club-internet.fr

RECEBIDO EM: 20/01/2012
APROVADO EM: 15/03/2012

 

 

Sobre a Autora

Marie-Christine Laznik
Doutora em psicanálise, Membro da Association Lacanienne Internationale (ALI). Professora convidada da Universidade de Paris 13. Co-coordenadora da Pesquisa Pre-aut na França. Autora de vários livros entre os quais: O que a clínica do autismo tem a dizer aos psicanalistas. Ágalma, 1991. Rumo à palavra: Três crianças autistas em psicanálise. Ágalma, 1997. A voz da sereia. O autismo e os impasses da constituição do sujeito, Ágalma, 2004; O complexo de Jocasta. Companhia de Freud, 2003.

 

 

1Artigo publicado na Revue Française de Psychanalyse, em setembro de 2005, traduzido do francês pelo Prof. Adebaldo Matos Montalvão, com revisão de Isabela Santoro Campanário.
2Maria Langer (1978) evoca a hipótese de Deutsch de que uma mulher na menopausa teria uma escolha de objeto incestuoso junto à geração dos fi lhos, porém, ela não irá levá-la a diante. Gueydan (1991) também cita vagamente esta hipótese, mas não a discute.
3Como por exemplo, Le Mirage de Th omas Mann ou Vingt-quatre heures dans la vie d’une femme de Stefan Zweig.
4Em certos países, algumas experiências permitiram que mulheres sexagenárias se tornassem mães. Mesmo que tais experiências sejam, a partir do ponto de vista ético, duvidosas, parece que estamos diante de um novo fenômeno social que precisa, ao menos, ser citado.
5É importante citar o livro de Gueydan (1991) e o livro coletivo organizado por Fourcade (2004). Para o agrupamento de estudos mais antigos, consultar: M.-C. Laznik, L’impensable désir: sexualité et féminité au prisme de la ménopause, Paris, Denoël, 2003, p.17-19.
6Sobre esta ligacão, ver M.-C. Laznik, idem, p.235-240.
7H. Lottman (1990). Ele cita Bertrand de Jouvenel, La vérité.
8Para a questão da fragilidade da identidade feminina consultar Laznik (2004), p.94-108.
9Para este conceito, consultar J. Schaeff er, Le refus du féminin, Paris, PUF, 1997.
10Na metade da vida, outras posições libidinais são possíveis: como, por exemplo, a escolha de um objeto do mesmo sexo. Consultar M.-C. Laznik, idem, p.203-216.
11Uma nova discussão sobre este tema ocorre no Congresso da IPA em 2005. Acredito que neste tempo nada mais houve no meio da IPA.
12Renik interessou-se por algum tempo pela menopausa através de seus trabalhos sobre a menstruação. Consultar O. Renik, An example of disavowal involving the menstrual cycle, in Psychoanalytic Quarterly, LIII, 1984. A case of premenstrual distress: Bisexual determinants of a woman’s fantasy of damage to her genital, in J. of Amer. Psychoanalytic Ass., v.40, n.1, 1992.