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Estudos de Psicanálise
versão impressa ISSN 0100-3437
Estud. psicanal. no.47 Belo Horizonte jul. 2017
Transexualidades e mudanças discursivas
Transexualities and discursive changes
Paulo Roberto Ceccarelli
I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
II Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
III Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
O texto traz reflexões sobre as consequências das mudanças discursivas das últimas décadas para a compreensão das sexualidades. A partir do momento em que o discurso hegemônico sobre as relações entre sexo, gênero, desejo e prática sexual começaram a ser reavaliados, as expressões da sexualidade que, até então, eram consideradas patológicas receberam outra escuta. O texto centra-se nas transexualidades e nos movimentos recentes de despatologização das identidades trans. Para o autor, quando os psicanalistas começaram a ouvir as dinâmicas pulsionais e os movimentos identificatórios que subjazem às identidades trans, sem teorizá-las como um desvio, as transexualidades passaram a ser entendidas como mais uma manifestação da sexualidade.
Palavras-chave: Transexualidades, Pulsão, Mudanças discursivas.
ABSTRACT
The text brings reflections on the consequences of discursive changes of the last decades for the understanding of the sexualities. From the moment, the hegemonic discourse on the relations between sex, gender, desire and sexual practice began to be reassessed; expressions of sexuality that until then were considered pathological received another listening. The text focuses on transsexualities and recent movements of de-pathologization of trans identities. For the author, when psychoanalysts began to listen to the drive dynamics and identificatory movements that underlie trans identities, without theorizing them as a deviation, transsexualities came to be understood as just another manifestation of sexuality.
Keywords: Transexualities, Drive, Discursive changes.
Há trabalho suficiente para se fazer nos próximos cem anos,
nos quais nossa civilização terá de aprender a conviver
com as reivindicações de nossa sexualidade.
FREUD, [1898] 1969, p. 305.
Introdução
Quando estamos diante de um sujeito que se diz homem ou mulher, trabalhamos com definições e classificações, cujas bases raramente questionamos. Essas bases, entretanto, são abaladas quando o sujeito que está diante de nós diz ser mulher, embora, anatomicamente, seja um homem (ou vice-versa). Muitas vezes, tomados por um sentimento de estranheza (Unheimlich), indagamos sobre a “saúde psíquica” do sujeito em questão.
Na cultura ocidental, sexo, gênero e sexualidade são, na maioria dos contextos, tratados como características ‘naturais’ dos indivíduos e de seus corpos: os genitais definiam o sexo em sua perspectiva biológica, macho/fêmea; o gênero está relacionado com as representações e os papéis sociais do sexo, homem/mulher; finalmente, a sexualidade indica a ‘orientação sexual’, sendo a heterossexualidade considerada a ‘normal’, pois em ressonância com preservação da espécie.
Por parecerem óbvios, tais posicionamentos são aceitos como evidências em si, e uma parte significativa da produção acadêmico-científica se apoia neles, sem levar em conta a construção histórica que os sustenta e sua função ideológica: há séculos, o discurso dominante vem determinando as sexualidades lícitas e as proibidas, as relações entre homens e mulheres e como suas sexualidades devem ser, seus lugares no tecido social, o que inclui as hierarquias de poder e as relações de trabalho (FOUCAULT, 1984, 1985a, 1985b).
Ao mesmo tempo, se pesquisarmos sobre a “história das práticas sexuais” (GREGERSEN, 1983) descortinamos um cenário curioso: o quanto essa história é repetitiva, para não dizer monótona. Em todas as culturas encontramos as mesmas manifestações da sexualidade, que subjazem às chamadas ‘identidades sexuais’.
O que a cultura ocidental, com a sua tendência a patologizar as subjetividades que fogem aos padrões socialmente construídos, denomina de ‘desvios’ – perversões; travestismos; transexualidades; bissexualidades; e até a algumas décadas atrás as homossexualidades – está presente desde sempre em todos os grupamentos humanos e em algumas outras espécies animais, recebendo explicações e destinos de acordo com a visão da sexualidade da cultura em questão.
Todas as culturas são interpeladas pelo enigma do sexual e criam dispositivos para lidar com as demandas pulsionais: são os discursos sobre a sexualidade. Eles representam artefatos culturais tributários do momento sócio-histórico no qual emergem.
Na cultura ocidental, o ‘saber’ sobre a sexualidade construído pela ordem religiosa, jurídica ou médica, esteve sempre atrelado aos interesses do Estado e às classes dominantes. Esse ‘saber’ determina os desejos e as práticas sexuais ‘normais’ e as ‘patológicas’, além de oferecer ‘cura’ às últimas. Com isso, criaram-se dispositivos que ditam as regras referentes ao uso da libido e aos prazeres do corpo (CECCARELLI; SALLES, 2011).
O sexual e a sexualidade
As ‘manifestações da sexualidade’, isto é, os destinos do sexual, ganharam uma nova compreensão com os aportes freudianos. O sexual, polimorfo e perverso, é o recalcado; o inconsciente que se manifesta em suas produções (CECCARELLI, 2016).
Com Freud aprendemos que a maneira como o indivíduo vivencia a sua sexualidade, é o resultado de um percurso identificatório tendo por enredo a dinâmica edípica protagonizada pelas escolhas de objetos, as quais são tributárias das vicissitudes do sexual. Seus elementos constitutivos começam bem antes do nascimento da criança, no lugar que ela ocupa no narcisismo daqueles/as que lhe deram um “berço psíquico” (CECCARELLI, 2002).
Por conseguinte, a sexualidade adulta, marcada pela polimorfia do sexual infantil, dentro das singularidades que lhe são próprias, é construída desde os primeiros dias de vida, constituindo o núcleo mais profundo de cada um:
[...] há sem dúvida algo inato na base das perversões, mas esse algo é inato em todos os seres humanos (FREUD, [1905] 1976, p. 174).
Entre os elementos presentes nos processos de subjetivação estão, além dos aspectos intrapsíquicos, os ideais culturais nos quais o bebê se encontra inserido quando do seu nascimento e que outrora pertenciam ao mundo exterior (FREUD, [1914] 1974). Faz parte desses ideais aquilo que o imaginário social define como masculino e feminino, ou seja, os de atributos de gênero.
Nascemos ‘sexualmente indiferenciados’, pois,
[...] no psiquismo, não há nada pelo que o sujeito possa situar-se como ser de macho ou ser de fêmea. [...] O que se deve fazer, como homem ou mulher, o ser humano terá sempre que aprender, peça por peça, do Outro (LACAN, [1964] 1985, p. 194).
Nessa perspectiva, é possível que, devido às variáveis presentes na construção de psicossexualidade, sexo e gênero não se sobreponham.
Nas últimas décadas, os estudos de gênero, as teorias queer e as teorias críticas têm produzido uma desconstrução do sistema hegemônico sexo/gênero, denunciando a ideologia que o sustenta, ao mostrar que não existem “[...] relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo” (BUTLER, 2003, p. 38).
O sexual tem recebido novas leituras, sugerindo que as possibilidades de subjetivação são inúmeras e levando a uma reavaliação dos discursos seculares relativos aos atributos sociais de gênero (BERTINI, 2009; BUTLER, 1993, 2003, 2004, 2009; FRAISSE, 1996; LAQUEUR, 1992).
Tudo isso tem levado a uma revisão do que o Outro nos ensina sobre o ‘que se deve fazer, como homem ou mulher’, trazendo repercussões na compreensão tanto nas construções identitárias quanto nas ‘orientações sexuais’.
Geneviève Fraisse (1996, p. 91) observa:
Pensar a alteridade é, então, pensar o diferente, a relação, o conflito. Isto é mais difícil, evidentemente, do que pensar a diferença dos sexos apoiada em invariantes culturais, antropológicas ou psicanalíticas ou, ainda, graças a boas intenções sobre a complementaridade natural dos sexos, e a boa consciência sobre a perenidade do mal feminino.
Identidades trans e mudanças discursivas
As considerações aqui apresentadas nos levam a perguntar sobre como escutar os sujeitos que não se enquadram nos universais de sexo e de gênero (as identidades sexuais, as chamadas ‘orientações sexuais’ e as categorias de masculino e feminino). Seriam eles portadores de algum ‘transtorno’ (transtorno de identidade, disforia de gênero, problemas com a atribuição fálica, e assim por diante)?
Tal posição se baseia, ainda que implicitamente, na existência de uma concordância entre a anatomia e o sentimento de identidade sexual, ou seja, entre sexo e gênero. Parte-se do princípio de que existe algo inato no ser humano que faz com que a anatomia deva coincidir com as categorias sociais de homem e mulher. Nessa perspectiva, as transexualidades deveriam ser tratadas como uma perversão ou uma psicose, pois escapam à lógica fálica sustentada pelas fórmulas de sexuação.
Outro caminho, indicado ao longo da obra de Freud, sugere que masculinidade e feminilidade ‘são pontos de chegada e não de partida’. E mais ainda: o ponto de chegada é sempre uma construção tributária da particularidade dos processos identificatórios e do lugar que o recém-nascido, candidato a sujeito, ocupa no desejo do Outro. O caráter incerto da masculinidade e da feminilidade, assim como a dificuldade de definir masculino e feminino, rompe com a realidade anatômica. A significação dessas noções nada tem de natural: são apenas convenções culturalmente construídas. Elas são resultado de processos bem mais complexos que predisposições e determinações instintuais e geneticamente herdadas (FREUD, [1930] 1974).
Desde 1952, quando ocorreu na Dinamarca a primeira cirurgia, oficialmente comunicada, de ‘mudança de sexo’, retratada no filme A garota dinamarquesa (2015), a construção identitária conhecida como ‘transexualismo’ e, mais recentemente, ‘transexualidade’ vem tomando consistência e ganhando visibilidade em todo o mundo: as reivindicações dos sujeitos trans têm sido cada vez mais ouvidas, garantindo-lhes um reconhecimento social (CECCARELLI, 2013).
No Ocidente, as leituras contemporâneas do sexual têm produzido reposicionamentos em relação aos elementos presentes nas construções identitárias e nas aquisições das referências sociais de gênero. Se, até bem pouco tempo, algumas manifestações do sexual, tais como as homossexualidades, levavam a acaloradas discussões psicológicas e médico-legais sobre os ‘desvios’ que elas encerravam e, por extensão, inúmeras propostas de tratamento e cura eram oferecidas, na atualidade as instituições, inclusive psicanalíticas, que impeçam o acesso desses sujeitos as suas fileiras correm o risco de ser processadas por homofobia (CECCARELLI, 2012).
As identidades trans têm nos levado a revisar alguns dos pressupostos teórico-clínicos da psicanálise, para não insistirmos em modalidades rígidas de subjetivação que ditam o normal e o patológico, produzindo uma nova ordem repressiva (CECCARELLI; LEVY, 2012). Colocar a psicanálise como detentora de um saber que lhe outorga o direito de ditar os caminhos ‘normais’ de subjetivação, equivale a transformá-la em um discurso fundamentalista.
Um dos aspectos que torna tão desconcertantes as discussões sobre as transexualidades é que elas tocam diretamente as bases imaginárias responsáveis pelos movimentos identificatórios presentes nas construções identitárias. O(A) transexual, com sua reivindicação identitária, nos coloca uma questão raramente evocada: como sabemos que somos homem ou mulher?
E mais: de onde vem a ‘certeza’, a ‘convicção delirante’, de estarmos diante de uma mulher ou de um homem? Tal certeza é ‘naturalmente’ apoiada pelas referências objetivas – sobretudo o sexo anatômico – que a pessoa à nossa frente exibe. Ora, essas referências são abaladas quando a ‘mulher’, ou o ‘homem’, nos revela ser (anatomicamente) um homem, ou uma mulher.
Quando, à luz das teorias atuais da interface sexo/gênero, os psicanalistas, mesmo os mais recalcitrantes, começaram a ouvir as dinâmicas pulsionais e os movimentos identificatórios que subjazem às identidades trans, sem teorizá-las como um desvio e, principalmente, sem se sentirem ameaçados pelo retorno de suas moções pulsionais recalcadas, as transexualidades passaram a ser entendidas como mais uma manifestação da sexualidade.
O encontro com um sujeito que se diz transexual, por mais bem preparado e despojado de preconceito que o interlocutor possa estar, evoca a dimensão subjetiva inconsciente daquele(a) a quem o(a) transexual se dirige, provocando, não raro, um sentimento de estranheza, pois “[...] complexos infantis que haviam sido recalcados revivem uma vez mais por meio de alguma impressão” (FREUD, [1919] 1996, p. 310). Esse sentimento de estranheza se deve ao retorno de moções pulsionais recalcadas ligadas à bissexualidade constitucional despertado por esse encontro.
Os movimentos de despatologização das identidades trans levaram a uma mudança política: cada vez mais, esses sujeitos vêm ganhando visibilidade e apoio legal, sobretudo no que diz respeito aos direitos do cidadão.
Desde a Resolução n.º 1.482/97, do CFM, de 10 de setembro de 1997, que autorizou, ‘a título experimental’, a ‘cirurgia de transgenitalização’, o movimento trans não parou de crescer. Na época, a Resolução entendia que “o paciente transexual é portador de um desvio psicológico permanente da identidade sexual”, [o que faz do transexualismo uma doença]. E em 2008, reconhecendo que a “[...] discriminação é determinante no processo de sofrimento e de adoecimento a que estão sujeitos os transexuais”, o Ministério da Saúde baixou uma portaria garantindo a realização do “processo cirúrgico transexualizador” – no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Se, em um primeiro momento, como vimos, o transexualismo foi visto como uma patologia, hoje o debate se centra na despatologização, ou a não patologização, das transexualidades, que ainda aparecem nos manuais de psiquiatria como “problema de identidade sexual”. Esse ponto central das reivindicações trans foi longamente contemplado no I Colóquio Internacional sobre a Transexualidade - Trans-identidades, gênero e cultura - realizado entre os dias 9 e 12 de junho de 2010, em Havana, com participantes de vários países.1
Os movimentos de despatologização das identidades trans (travestis, transexuais e transgêneros), bem como a militância para que essas identidades sejam retiradas dos catálogos das doenças mentais de uma vez por todas, continuam: a Stop Trans Pathologization, uma campanha internacional lançada em 2012 que lutou nesse sentido, contou, no Brasil, com o apoio dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia.2
E a mais recente e emblemática aquisição de reconhecimento das identidades trans data de fevereiro de 2013: a decisão do Ministério da Saúde em colocar no cartão de saúde desses sujeitos o nome social, em vez do nome de batismo. Espera-se, assim, contribuir para a diminuição da segregação social da qual são vítimas esses sujeitos, resguardar sua dignidade como assegura o art. 1º, § III da Constituição Federal de 1988, assegurando-lhes, ao mesmo tempo, o pleno direito ao acesso à saúde e à cidadania.
Tais mudanças repercutiram diretamente na ‘visão’ que se tinha desses sujeitos, abrindo caminho à novas conquistas e promovendo políticas públicas de saúde e inserção social de sujeitos trans, o que levou à mudança do modo de designar esses sujeitos: se, num primeiro momento, falava-se de transexualismo, a mudança para transexualidade, ou transexualidades, no plural, retrata um avanço importante. O sufixo “ismo”, em transexualismo, sugere, como foi o caso para homossexualismo, uma conotação patológica. Já em transexualidade, como em homossexualidade, o sufixo “dade” significa “modo de ser”.
Alguns membros de movimentos de despatologização das identidades trans advogam pelo acesso livre e irrestrito à cirurgia de transgenitalização, como um direito do cidadão para adequar o corpo à sua identidade subjetiva. Para eles/elas, a exigência de ter a identidade caucionada por uma autoridade exterior institucionalmente investida de poder – psiquiatras, psicólogos, psicanalistas – parece absurda e ditatorial. Afinal, alegam, ninguém precisa de um expert para lhe dizer que ele/ela é, de fato, homem ou mulher. E, muito menos, para se submeter às inúmeras modalidades de cirurgias estéticas que podem ser tão mutilantes, ou até mais, que a transgenitalização.
A questão é de peso e está longe de receber consenso. Penso que, por enquanto, devemos estar abertos a todos os argumentos e ouvir todas as partes envolvidas no debate. Só assim poderemos progredir no diálogo e alcançar uma posição que responda, dentro do possível, às reivindicações elencadas.
Por estar cada vez mais participando de debates sobre o tema em várias capitais do País e como consultor ad hoc do CFP a respeito de assuntos que tratam da sexualidade em geral e, recentemente, sobre a despatologização das identidades trans, tenho tido uma experiência muito interessante: discutir essa questão com os sujeitos diretamente implicados nela – travestis, transexuais, transgêneros – o que, sem dúvida, produz uma mudança de perspectiva. Passei a me perguntar sobre até que ponto os ‘critérios de diagnóstico’ limitam nossa escuta desses sujeitos.
Entretanto, ainda que não se possa negar os grandes avanços em termos de direitos do cidadão trazidos por essas mudanças discursivas em torno das transexualidades, o debate atual sobre o livre acesso à cirurgia de transgenitalização exige prudência, por implicar não apenas o sujeito interessado, mas a sociedade como um todo, e as relações interpessoais (um sujeito que, após a cirurgia, adquire as características do sexo feminino e altera o seu nome, pode legalmente se casar com um homem? Ela deveria falar a seu cônjuge sobre sua condição anterior? O cônjuge tem o direito de saber para poder escolher se quer, ou não, se casar com um transexual? Não dizer sobre o passado configuraria um ato criminoso? No âmbito trabalhista e previdenciário, a questão é polêmica posto que, para a mulher, o tempo da aposentadoria não é o mesmo). Nessa perspectiva cabe perguntar: o “direito” à cirurgia deve ser outorgado ao sujeito pelo fato de ele/ela se posicionar subjetivamente como transexual? Questão delicada e geradora de discussões espinhosas.
Para concluir
Quando nos dispomos a ouvir os sujeitos cujas vivências identitárias e sexuais divergem das ‘tradicionais’ sem tentar classificá-los como desviantes; quando procuramos entender seus percursos pulsionais e seus caminhos identificatórios, somos levados a repensar nossos instrumentos classificatórios e nos perguntar com qual ouvido escutamos e em que medida os diagnósticos nos servem de defesa contra o retorno da nossa própria sexualidade recalcada.
Quando procurarmos entender de forma mais detida as dinâmicas pulsionais que sustentam as múltiplas expressões da sexualidade humana, somos levados a concluir que os discursos sobre a sexualidade são criações tributárias do momento sócio-histórico da cultura na qual emergem, e que nunca refletem a verdade do sujeito. Os processos identificatórios que nos constituem são inseparáveis da organização simbólica da cultura. Além disso, testemunham as inúmeras possibilidades de subjetivação capazes de “humanizar” o bebê humano, desfazendo, assim, a ideia de uma natureza intrínseca e reguladora, e denunciando
[...] um instrumento que por muito tempo serviu para obrigar-nos a aceitar as formas de sociabilidade tradicional marcadas pelo dispositivo de Gênero e pelo discurso de ordem simbólica entendido, ao mesmo tempo, como horizonte intransponível e como realização de uma humanidade manifesta (BERTINI, 2009, p. 143)
Ao que tudo indica, estamos, aos poucos, tornando a epígrafe de Freud uma realidade.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: paulorcbh@mac.com
Homepage: http://www.ceccarelli.psc.br
Recebido em: 19/05/2017
Aprovado em: 29/05/2017
SOBRE O AUTOR
Paulo Roberto Ceccarelli
Psicólogo.
Psicanalista.
Doutor em psicopatologia fundamental e psicanálise pela Universidade de Paris 7 - Diderot.
Pós-doutor pela Universidade de Paris 7.
Coordenador do Instituto Mineiro de Sexualidade (IMSEX <www.imsex.com.br>).
Diretor científico do Centro de Atenção à Saúde Mental (CESAME <www.cesamebh.com.br>).
Membro da Société de Psychanalyse Freudienne - Paris, França.
Membro da Associação Universitária de Pesquisa em psicopatologia fundamental.
Pesquisador do CNPq.
Professor Adjunto IV da PUC Minas.
Professor e orientador de pesquisas do mestrado de Promoção de Saúde e Prevenção da Violência/MP, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Professor e orientador de pesquisas na pós-graduação em psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Sócio do Circulo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).
Sócio fundador do Círculo Psicanalítico do Pará (CPPA).
1 http://www.legrandsoir.info/1er-Colloque-International-Trans-identites-Genre-et-Culture-a-La-Havane-la-transsexualite-n-est-pas-une-maladie.html.
2 Em: http://www.crpsp.org.br/portal/midia/fiquedeolho_ver.aspx?print=true&id=365