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Junguiana
versão impressa ISSN 0103-0825
Junguiana vol.35 no.2 São Paulo 2017
Escolha profissional na meia-idade: Psicologia e individuação
Professional choice at middle-age: psychology and individuation
Elección profesional en la mediana edad: psicología e individuación
Marcia Aparecida Lopes Amorim Silva*; Simone Rodrigues Neves**
RESUMO
Esta pesquisa propõe-se a investigar o sentido da escolha pelo curso de Psicologia em alunos na segunda metade da vida, tendo como referencial teórico a psicologia analítica, proposta por Carl G. Jung. Observando o número significativo de alunos universitários no curso de Psicologia entre 40 e 55 anos e compreendendo que nesta etapa do desenvolvimento humano ocorrem transformações e questionamentos existenciais profundos, buscamos entender a vivência desses estudantes, os determinantes da escolha, as expectativas e o projeto de vida. Assim, nos apoiamos numa pesquisa qualitativa fenomenológica realizada com seis alunos de Psicologia matriculados em uma instituição particular na cidade de Uberlândia. Optamos pela entrevista aberta e, posteriormente, procuramos identificar as unidades de significado apresentadas. Verificamos que os fatores que influenciaram a escolha pelo curso de Psicologia correlacionam-se com o processo de individuação.
Palavras-chave: Palavras-chave Universitários, educação, Psicologia, meia-idade, individuação.
ABSTRACT
This research seeks is to investigate the meaning of the election of the Psychology graduation course by middle-aged students, having Carl G. Jung's analytical psychology as theoretical frame of reference. Having observed the significant number of undergraduate Psychology students aged 40 to 50, and understanding that this stage of human development is marked by transformations and deep existential questions, we sought to understand these students' experience, the determining choice factors, their expectations and life projects. We supported our analysis on a phenomenological qualitative research conducted with six Psychology students enrolled in a private university in Uberlândia. We used an open interview and, later, identified the meaning units presented. We verified that the influential choice factors for the course were related to the individuation process.
Keywords: Undergraduates, education, Psychology, middle-age, individuation.
RESUMEN
Esta investigación propone buscar el sentido de la elección del curso de Psicología por parte de alumnos en la mediana edad, teniendo como referencial teórico la psicología analítica, de Carl G. Jung. Observado el significativo número de alumnos universitarios cursando Psicología entre los 40 y 55 años, y comprendiendo que en esta etapa del desarrollo humano ocurren transformaciones y cuestionamientos existenciales profundos, se ha buscado comprender la vivencia de estos estudiantes, los determinantes de la elección, expectativas y proyectos de vida. Nos apoyamos en una investigación cualitativa fenomenológica realizada con seis alumnos de Psicología matriculados en una institución privada en Uberlândia. Optamos por la entrevista abierta. Luego, buscamos identificar unidades de significado presentadas. Se verificó que los factores que influenciaron la elección del curso de Psicología se relacionan con el proceso de individuación.
Palabras clave: Universitarios, educación, Psicología, madurez, individuación.
1. Introdução
Eu não queria ser doutor, eu só queria ser... (BARROS, 2003)
As pessoas que se encontram na faixa etária entre 40 e 60 anos fazem parte de um segmento de mercado de trabalho que historicamente integra a população economicamente ativa e têm uma representatividade significativa, devido à experiência profissional. O cenário contemporâneo reflete mudanças no comportamento das pessoas na meia-idade, em relação ao trabalho e a carreira.
Com o envelhecimento da população brasileira, verifica-se que a força produtiva dos idosos tem aumentado significativamente. Esses dados sugerem que as pessoas irão trabalhar por mais tempo e vivenciarão os desafios e oportunidades oferecidas pelo exercício profissional, inclusive a mudança de carreira no meio da trajetória.
Na meia-idade, a mudança de carreira pode estar associada ao processo de desenvolvimento do indivíduo, representando o encontro com novos significados a trajetória de vida. Nesse momento, faz-se necessário rever o legado familiar, os valores culturais e a tirânica competição econômica, que são elementos importantes no momento de escolha da carreira.
O termo carreira sofreu, ao longo da história, inúmeras interpretações, de acordo com as questões econômicas e sociais. Pode ser definida como a trajetória profissional e deverá ser reinventada de tempos em tempos, à medida que o indivíduo e o ambiente mudarem (QUISHIDA, 2009). Em termos psicológicos, a carreira pode ser considerada um processo contínuo de busca, construção e renovações de significado. Subjetivamente, uma carreira é a "perspectiva mutante através da qual o sujeito vê a sua vida como um todo e interpreta o significado dos seus atributos, ações e dos acontecimentos da sua vida" (HUGHES, 1958 apud MAGALHÃES, 2005 p. 69).
Com respeito aos indivíduos que se encontram na meia-idade, é comum que passem por uma reavaliação quanto à sua carreira, questionando suas opções iniciais que, por vezes, seguiram o curso em atender às expectativas dos familiares e às necessidades de sobrevivência. Manoel de Barros nos ilustra o desafio de assumir o chamado vocacional poético da sua alma na seguinte situação:
Hoje eu completei oitenta e cinco anos. O poeta nasceu de treze. Naquela ocasião escrevi uma carta aos meus pais, que moravam na fazenda, contando que eu já decidira o que queria ser no meu futuro. Que eu não queria ser doutor. Nem doutor de curar nem doutor de fazer casa nem doutor de medir terras. Que eu queria era ser fraseador. Meu pai ficou meio vago depois de ler a carta. Minha mãe inclinou a cabeça. Eu queria ser fraseador e não doutor. Então, o meu irmão mais velho perguntou: Mas esse tal de fraseador bota mantimento em casa? Eu não queria ser doutor, eu só queria ser fraseador. Meu irmão insistiu: Mas se fraseador não bota mantimento em casa, nós temos que botar uma enxada na mão desse menino pra ele deixar de variar. A mãe baixou a cabeça um pouco mais. O pai continuou meio vago. Mas não botou enxada. (BARROS, 2003, VII).
A vocação para a poesia se manifestou bem cedo na vida de Manoel, mas as imposições da família sustentadas em uma realidade de sobrevivência concreta questionam o sonho e o desejo do jovem poeta.
Muitos são aqueles que seguem o curso da vida mantendo um status previamente determinado, enquanto outros buscam resgatar um sonho antigo e/ou ampliar o sentindo da vida, abrindo caminhos para outras possibilidades, a fim de não "viver o entardecer da vida de acordo com o programa de seu amanhecer" Jung (2000, p. 166).
Além disso, Quishida e Casado (2009) asseguram que na meia-idade o indivíduo se volta para aspectos que antes estavam inconscientes, tais como desejos que não puderam ser realizados anteriormente. A energia psíquica, anteriormente aplicada a adaptações ao ambiente externo, tais como o exercício profissional, família e participação na comunidade, passa a se centrar na interioridade visando a autorrealização.
Como parte desta busca por um significado e realização pessoal e profissional, e/ou o resgate de um sonho, encontram-se os cursos de graduação e, dentre estes, o curso de Psicologia.
Este estudo se justifica pela mudança de interesses que os indivíduos nesta faixa etária têm apresentado em relação ao trabalho e a carreira. Apesar de a meia-idade ser uma fase marcada por transformações no que se refere ao trabalho e carreira, verifica-se ainda uma carência em pesquisas na área do desenvolvimento humano nessa faixa etária. Muitos buscam, nesse momento, uma segunda formação acadêmica, ou a primeira, na busca de ampliação das possibilidades profissionais. Esse trabalho buscou investigar o sentido da escolha pelo curso de Psicologia, em alunos na segunda metade da vida. O caminho escolhido para desenvolver o presente estudo foi a pesquisa qualitativa fenomenológica.
Para tanto, optamos pela entrevista aberta tendo como pergunta disparadora: "Fale-nos sobre a sua vivência como estudante de Psicologia na fase atual da sua vida". Os depoimentos foram gravados e transcritos, e, posteriormente, procurou-se identificar unidades de significado apresentadas em forma de títulos.
2. "Não vou me adaptar": construindo um novo caminho
O estranhamento de si e o sentimento de não ter percebido o tempo passar atravessam o sujeito que transita pela segunda metade da vida. Este momento é marcado por "inquietações" relacionadas ao processo de desenvolvimento interno que se confronta com as conquistas alcançadas em fases anteriores.
Nesta fase, são comuns questionamentos de dimensões existenciais que demandam respostas. A busca de sentido da vida e a ressignificação de valores são questões que marcam o início desse processo, no qual costuma mobilizar uma "crise de meia-idade". Isso que Jung vai denominar de metanoia, referindo-se ao momento de grandes transformações e mudanças que leva o indivíduo adulto a "olhar para dentro" e reconhecer que "aquilo" que não foi vivido não poderá mais sê-lo, pois o tempo não retorna (SCHWARZ, 2008).
O meio da vida, se é que se sabe o que é o meio, está cheia de paradoxos. É a fase em que alguns indivíduos vivenciam turbulências emocionais, causada por situações de dúvidas e ansiedades, ao colocar em xeque os valores que serviram de direcionamento e sustentação à sua vida até o momento; ao mesmo tempo, criam-se possibilidades para que novas oportunidades possam emergir, mudando a direção do percurso.
De acordo com Papalia et al. (2010), o termo meia-idade é um constructo social, surgido no início do século XX, com significado peculiar para cada cultura. Em termos cronológicos, pode ser definido pelo período etário entre 40 e 65 anos, marcado por diversas mudanças físicas e psicossociais.
As transformações biológicas nessa fase evidenciam o processo natural do envelhecimento do ser, porém, em nossa cultura, envelhecer está associado a uma representação negativa de diminuição de produtividade e decadência. Segundo Hillmann, o "pensar" ocidental contemporâneo sobre a duração da vida "tem sido emboscado num 'idadeísmo' depreciativo - um conceito de classificação que relega todos os idosos a uma categoria com limites definidos" (HILLMANN, 2001).
Os problemas emocionais experienciados nesta fase da vida, ou seja, relacionados à crise da meia-idade, dito comumente, têm sido largamente estudados pelas ciências psicológicas, devido ao significado atribuído ao envelhecimento. Geralmente tem-se a perspectiva de que o indivíduo entra num período crítico da vida, marcado pelas ideias de declínio e finitude. Nesse momento o sujeito se vê diante de duas cruciais possibilidades: viver de forma inautêntica, negando as marcas de sua existência, ou assumir a responsabilidade pelo modo com que construiu sua existência, vivendo a angústia gerada por suas escolhas. Adélia Prado, no poema Salve Rainha, reflete sobre a angústia do envelhecimento e a consequente finitude da vida:
A melancolia ameaça [...]
Chorando seus casamentos
vejo mulheres que conheci na infância
como crianças felizes.
A vida é assim, Senhor?
Desabam mesmo
pele do rosto e sonhos?
Não é o que anuncio
- já vejo o fim destas linhas,
isto é um poema - tem ritmo,
obedece à ordem mais alta
e parece me ignorar.
Me acontecem maus sonhos:
A casa tem uma porta,
Casa-prisão, paredes altas,
cômodos estreitos.
Chamo pelo homem, ele já se foi,
quem se volta é um negro,
indiferente.
A criança que se perdera,
ou deixei perder-se de mim,
é um menino-lobo,
eu a encontro grunhindo,
com um casal velho de negros [...]
(Prado, 2007, p. 13)
O poema destaca a dor do não vivido, as perdas, a "queda" da pele e dos sonhos e a desaceleração da vida, que agora segue o ritmo mais lento, obrigando o sujeito, na lentidão de seus passos, a encontrar um sentido profundo para sua vida e a abandonar antigos valores e interesses, desenvolvendo a capacidade para tolerar as ambiguidades que existem no nosso mundo interior e no mundo que existimos.
A autora descreve ao final do texto que reencontra a sua criança perdida, essa é um "menino lobo grunhindo". Em uma perspectiva da Psicologia Simbólica, podemos considerar que a criança citada no poema, é a representação da criança primitiva arquetípica, protegida no plano da inconsciência, que "clama" por ser reconhecida e integrada à consciência. Dessa forma, as características de Sênex (velho) e Puer (infantil) deverão ser integrados. Conforme propõe Hillmann, a alma não é nem jovem nem velha, é ambos. Sênex e Puer são polaridades complementares de um mesmo arquétipo: "[...] atrás de tudo isso há uma divisão arquetípica entre puer e senex, começo e fim, temporalidade e eternidade" (HILLMANN, 1998, p. 21).
Na perspectiva junguiana, um ganho da metanoia é a possibilidade de ampliação da consciência de si mesmo a partir da integração das experiências vividas.
Partindo de sua própria experiência, Jung (2001) conclui que a segunda metade da vida seria o momento de desenvolver os aspectos que permanecem subdesenvolvidos na primeira fase da vida adulta, levando a uma grande transformação da personalidade, através do contato do ego com os aspectos irracionais e sombrios da psique. A personalidade está destinada à individuação, assim como o corpo físico a envelhecer, como elucida:
A individuação é uma tendência natural de desenvolvimento psíquico, direcionada pelo Self, centro unificador da personalidade [...] Individuação, portanto, é um processo de diferenciação, tendo por meta o desenvolvimento da personalidade individual. Esse processo inicia-se na infância e tornar-se-á evidente a partir da segunda metade da vida do homem (2001, p. 267).
Silveira (1997), ao se referir ao processo de individuação, enquanto expressão do desenvolvimento humano, que marca, sobretudo, a segunda metade da vida, define: "O caminho que leva o indivíduo a confrontar o inconsciente e consciente pode ser longo, pois não se trata de um 'desenvolvimento linear, mas de um movimento circunvolução, para chegar a um novo centro psíquico - o Self'" (SILVEIRA, 1997, p. 77). Jung alerta que esta é uma tarefa complexa e exigente; um processo contínuo e não um objetivo a ser alcançado.
No início da vida, o indivíduo se encontra num estado de totalidade indiferenciada; posteriormente através das vivências integradas na dinâmica psíquica - consciente e inconsciente, a personalidade se desenvolve rumo a diferenciação e unidade. As realizações obtidas na primeira metade da vida estão relacionadas às exigências impulsionadoras do ego, que impelem o sujeito a se ater às necessidades externas, assumindo papéis sociais produtivos e socialmente aceitos.
Na segunda metade da vida, o indivíduo inicia um novo processo de desenvolvimento interno em direção à integração e ao desenvolvimento subjetivo, não sendo mais a sua existência regida pelos princípios de outrora. Nesse momento, o indivíduo é convidado a atender ao clamor de sua vida interior, questionando o significado da vida, indagando-se se não haveria algo a mais a ser conquistado:
[...] Para o jovem constitui quase um pecado ou, pelo menos, um perigo ocupar-se demasiado consigo próprio, mas para o homem que envelhece é um dever e uma necessidade dedicar atenção séria ao seu próprio Si-mesmo. Depois de haver esbanjado luz e calor sobre o mundo, o Sol recolhe os seus raios para iluminar-se a si mesmo (JUNG, 2000, p. 167).
Porém, o indivíduo terá como desafio confrontar-se com as exigências de uma sociedade frenética e massificante, em contraponto as suas necessidades internas.
3. "Uma vida não basta apenas ser vivida. Precisa também ser sonhada" (QUINTANA, 2003)
A contemporaneidade, tecnicamente mais eficiente, movida pelo incentivo ao individualismo e por um discurso consumista, exibe sua fragilidade quando não consegue acolher integralmente o homem em sua condição de desamparo. A valorização cultural da jovialidade e da beleza estética e a negação da finitude e do envelhecimento surgem alicerçadas no materialismo, no qual o reconhecimento social passa pelo consumismo e pela acumulação de bens. Logo, "envelhecer se tornou vergonhoso, tido como desleixo, fazendo com que o indivíduo que vive essa transição da vida adulta para a velhice tenha um sentido de morte simbólica pela ameaça ao sentido de pertença à sociedade" (FÄRBER, 2012, p. 14). Dessa forma, a crise dessa fase é demarcada por uma negação social do processo de envelhecimento.
Os objetos e valores com os quais o homem contemporâneo se relaciona são descartáveis e frágeis em significados. Assim, este padece pela racionalidade e pela perda da criatividade simbólica. Essa forma superficial de se relacionar é, por vezes, traduzida por perturbações psíquicas e desequilíbrios orgânicos.
Jung (2008), ao escrever sobre "o homem e seus símbolos", alerta que o homem "racional", no seu processo de civilização, apartou a consciência "das camadas instintivas mais profundas da psique humana, e mesmo das bases somáticas do fenômeno psíquico" (p. 60). Essa cisão acarreta em prejuízos significativos para o processo de individuação.
Vale ressaltar que a individuação, enquanto potencial humano, não ocorre passivamente, pois o desenvolvimento do indivíduo se dá no plano simbólico, e como tal, não há garantia do que vai acontecer. A luta por tentar romper as barreiras das imposições sociais pode gerar um descontentamento pessoal. A pessoa situa-se, desta forma, diante de um problema paradoxal, por um lado, inserida numa sociedade que preconiza uma cultura de consumo massificada, onde se consome tudo, desde objetos à ideologia, sugerindo uma falsa identificação entre indivíduo e sociedade, enquanto, por outro lado, há o desejo em diferenciar-se.
Como bem observou Jung, o processo de individuação é um caminho de diferenciação psíquica, a partir da integração dos conteúdos inconscientes da psique. Logo, o indivíduo é inquirido a entrar em contato com os velhos padrões, levando-o a olhar para dentro, em direção ao sentido da própria existência. Nesse movimento se torna imperativo assumir a responsabilidade por suas escolhas que frequentemente podem levar à mudanças na vida, reestruturando o modo de estar no mundo, os valores, as prioridades, a carreira, os relacionamentos, enfim, tudo que não oferece significado à existência.
Entretanto, as escolhas exigem, o reconhecimento das imagens arquetípicas inconscientes como potenciais a serem atualizadas, através da experiência individual.
Na segunda metade da vida, surge o imperativo de romper com a tirania egoica, pois o indivíduo será despertado por um desejo mais intenso de se tornar uno e indiviso. Faz-se importante entender, conforme propõe Hollis (2011) que neste estágio da vida é preciso aprender morrer simbolicamente para não morrer em plena vida.
A pessoa na meia-idade, atendendo às exigências externas e internas, vivencia a experiência arquetípica de morte e renascimento. Esta fase demanda vivências ritualísticas de passagem e iniciação, pois insere o indivíduo em uma nova realidade psíquica, mais ampla, que podem ser alcançados através de "rituais" de morte e renascimento, tão importantes e necessários nos momentos de transição que encontramos pela vida, por se tratar de uma necessidade psíquica (GIMENEZ, 2009).
O ingresso na universidade após os 40 anos é uma oportunidade de vivência de rica experiência simbólica de passagem e renascimento para outro lugar de posicionamento existencial.
4. Método
Neste estudo, optou-se pelo método qualitativo de coleta de dados numa perspectiva fenomenológica, pois atenderia melhor ao objetivo da pesquisa, em virtude de apresentar consistência e legitimidade em estudos científicos que enfatizam a experiência vivida do homem, principalmente quando não é possível explicá-la por uma relação de causa e efeito ou conceitos previamente estabelecidos (OLIVEIRA; CUNHA, 2013).
Trata-se de um estudo exploratório que utilizou depoimentos gravados e transcritos posteriormente, com a finalidade de se obter uma diversidade de percepções sobre o tema. Segundo a literatura disponível, Oliveira & Cunha (2008); Triviños (1987); Minayo (1993), as pesquisas qualitativas de caráter exploratório estimulam os entrevistados a pensar, escrever e falar livremente sobre algum tema, objeto ou conceito. Elas fazem emergir aspectos subjetivos e atingem motivações não explícitas, ou mesmo não conscientes, de forma espontânea. Tal metodologia mostrou-se coerente com uma interpretação sustentada teoricamente pela Psicologia analítica proposta inicialmente pelas autoras.
A pesquisa foi realizada no primeiro semestre do ano de 2012, com alunos do curso de Psicologia, em uma faculdade particular localizada em Uberlândia, Minas Gerais.
Primeiramente, foi feito um levantamento dos alunos que se encontravam na meia-idade, entre 40 e 60 anos, aproximadamente. Após esse levantamento (Quadro 1), foi feito o convite de participação na pesquisa e realizada uma explicação sobre esta, a fim de conseguir voluntários que se dispusessem a participar da coleta de dados.
Foi escolhida a entrevista aberta para coletar dados, por seu caráter de valorizar a descrição verbal dos entrevistados para a obtenção de informações com relação às experiências que estão expostas. Para tanto, foi-lhes dirigida uma questão norteadora: "Fale-nos sobre a sua vivência como estudante de Psicologia na fase atual da sua vida". Os depoimentos foram gravados e transcritos posteriormente, e procurou-se identificar unidades de significado, sendo buscadas suas convergências, divergências e idiossincrasias.
Feitas as transcrições, iniciou-se a organização dos dados e o procedimento de análise destes, seguindo a trajetória fenomenológica, a descrição, a redução e a compreensão.
Seguindo o critério de sigilo dos colaboradores na pesquisa, seus nomes foram preservados, sendo utilizados nomes fictícios para identificar o entrevistado quando necessário. Tendo como critério para identificação o período que está cursando e a idade, do menor para o maior (Quadro 2).
5. Resultados e discussões
Para o exame dos resultados foi utilizado o método da análise de conteúdo, que consiste numa ferramenta para compreensão da construção de significado que os participantes exteriorizaram no discurso. Na elaboração das análises de significados foram seguidos os três passos propostos pela Técnica de Elaboração e Análise de Unidades de Significado.
Como resultado da pesquisa, foram identificadas as seguintes unidades de significado, assim apresentadas: 1. Crise criativa: a formação em Psicologia enquanto sentido e significado existencial; 2. Reavaliando escolhas: a angústia com a passagem do tempo e o exercício da profissão; 3. A busca pelo curso por valores altruístas; 4. A crise de transição: a angústia com a passagem do tempo versus o aumento da expectativa de vida; 5. As limitações cognitivas impostas pela idade versus ganhos com a experiência.
5.1 Crise criativa: a formação em Psicologia enquanto sentido e significado existencial
O tema de convergência, que primeiro se destacou, refere-se a uma crise criativa e de uma escolha permeada por investimento afetivo. Para os entrevistados, a ideia de cursar Psicologia faz parte de um projeto de vida, presente em suas vidas desde a juventude, quando estes tiveram que optar por outras profissões que lhes proporcionariam meios de sobrevivência:
A Psicologia sempre foi uma área de interesse... tenho a Odontologia como profissão, mas que não me satisfazia totalmente, não estava feliz com que estava fazendo. E daí ficando mais velha... pensei se não fizesse agora (referindo-se ao curso de Psicologia) não faria mais (Clara).
Eu escolhi fazer a Psicologia como primeira opção de curso ainda na adolescência, só que por 'N' razões eu não fiz e fiz o curso de Educação Física (Luiza).
Estar fazendo Psicologia é resultado de anos de terapia. Fiz Letras e agora surgiu a oportunidade de fazer o curso (Marina).
Foi percebido o quanto o processo de decisão passa por situações que envolvem eventos de natureza socioeconômicas e culturais, como também a percepção que se tem sobre o curso e a realidade. Porém, os entrevistados relatam que, apesar de os fatores externos limitarem e, em alguns momentos, determinarem a escolha profissional, a força da mobilização interna da escolha primeira permanece acessa, consciente ou não, aguardando o momento oportuno para sua manifestação.
A maioria dos entrevistados revela o que estudos apontam sobre a questão de mudança de carreira na segunda metade da vida (Jung, 2012); (Hollis, 2011), que está relacionada, muitas vezes, ao confronto crítico e criativo com os eventos que impulsionaram a primeira escolha. Movida por uma energia criativa, vem a compreensão dos motivos e significados de ter deixado para trás aquilo que realmente gostaria de fazer. Jung (2000, p. 165) em sua obra "A natureza da psique" diz que "[...] o vinho da juventude nem sempre se clarifica com o avançar dos anos; muitas vezes até mesmo se turva". Isso certifica de que o indivíduo traz consigo um impulso para a individuação, e todos nós teremos de lidar com isso em nossas vidas, tendo de escolher em permanecer nas situações já conhecidas e confortáveis, ou enfrentar os riscos de experienciar algo novo ainda não vivido.
5.2 Reavaliando escolhas: a angústia com a passagem do tempo e o exercício da profissão
A experiência de estar na segunda metade da vida leva o indivíduo a questionar o seu tempo, como sugere esta unidade. Essa questão surge nas falas dos entrevistados de forma antagônica, apontada, por um lado, como elemento angustiador e, por outro lado, como possibilitadora de experiência:
[...] eu gostaria de ter tempo para me dar mais ao que gosto, que é o estudo... Vejo que de expectativa é ampliar minha formação não somente intelectual (Arnaldo).
[...] vejo que não posso mais perder tempo. Mas meu tempo é agora e eu quero aproveitar o possível (Marina).
A contemporaneidade é marcada pela aceleração do tempo, em descompasso com o ritmo individual e subjetivo. "Tudo é temporário", isto é, as instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades (BAUMAN, 2005).
O imediatismo do dia a dia não possibilita contemplar o que foi realizado, O tempo, nesse sentido, emerge como elemento coercitivo, podendo provocar sentimentos de angústia e insatisfação. Conforme reflexão de Pedro: "[...] A gente pensa muito quando formar o que vai fazer como vai fazer... é a questão do tempo. Quando eu estiver formando, estarei com 50 anos".
Embora os entrevistados revelem uma preocupação com o tempo cronológico, externo e sequencial, como se este fosse seu algoz, principalmente, quanto ao exercício da profissão, existe um desejo de poder gozar do tempo presente, pois ele aponta possibilidades de realização de projetos, de produção, como estabelece Clara: "Como a gente tem a questão da idade né?... a gente não tem muito tempo... ainda tem a questão da casa, dos filhos, e as outras ocupações, para mim é... é muito caro estar aqui... [referindo-se à faculdade].". A fala da entrevistada afirma a ideia de um tempo criativo, dando-se conta de que a grande ambição do momento é a própria realização. Na segunda metade da vida, a energia psíquica constela a regência de Kairós, o tempo irregular, interno, qualitativo e oportuno, marcado pela fluidez e criatividade.
5.3 A busca pelo curso por valores altruístas
A Psicologia se caracteriza como um tipo de profissão voltada às questões sociais, isto é, possui aspectos de altruísmo, cuidado, confiança e cooperação. Logo, podemos supor que se trata de um curso que atrairá indivíduos que se identifiquem com esses aspectos.
Várias pesquisas, como Bedford, Bedford, 1985; Holmstrom, 1975; Kadushin, 1976; Polansky, 1959; Rosenberg, 1957; Rutheford, 1977 (apud Magalhães et al., 2001), procuraram demonstrar isso, ao concluir que pessoas envolvidas em profissões de ajuda possuem como características a desatenção às recompensas externas, tais como status e dinheiro; preocupação com as necessidades alheias mais do que com ambições pessoais e apreciação empática. Um estudo realizado com 146 alunos no primeiro ano do curso de Psicologia, em duas universidades do estado do Rio Grande do Sul, procurou interpretar, o perfil do estudante de Psicologia. Os resultados apresentaram como motivos da escolha da Psicologia como profissão: o desejo de ajudar, a busca de crescimento pessoal, o fascínio pelo conhecimento psicológico e a busca de competência interpessoal (MAGALHÃES et al., 2001).
A fala dos entrevistados nos asseguram isso, o que nos levou à terceira unidade de significado: a busca pelo curso por valores altruístas, podendo ser observada, por exemplo, no discursos de Elza e Arnaldo:
[...] Eu trabalhei como voluntária durante muito tempo [...] esses projetos a nível [sic] de pessoa voluntária, como psicóloga voluntária, esse é um projeto que eu quero fazer, mas não é um projeto que eu tenho vaidade de estar falando (Elza).
[...] pretendo também atuar em alguns segmentos sociais, uma ONG talvez, para levar a Psicologia mesmo para aqueles que não tenham condições necessárias para fazer uma consulta particular (Arnaldo).
Percebe-se que a escolha pelo curso de Psicologia, para os entrevistados, está relacionada a um engajamento social e uma relativa despreocupação com recompensas financeiras. Importante destacar que esses indivíduos já possuem outras fontes de renda e, possivelmente, por esse motivo, o retorno financeiro não seja prioridade. A ambição, para eles, nesse momento, está associada a realizações internas mais profundas. A possibilidade de mudança social relaciona-se a atitudes pessoais. Nesse sentido, o investimento em uma carreira profissional como a Psicologia implica um processo de tomada de consciência e transformações pessoais constantes.
5.4 A crise de transição: a angústia com a passagem do tempo versus o aumento da expectativa de vida/As limitações cognitivas impostas pela idade versus ganhos com a experiência
Os participantes dessa pesquisa apontaram que a vivência como estudante de Psicologia, nesta fase da vida, é uma atividade prazerosa, e eles se revelaram muito motivados. Contudo, a queixa mais comum se refere a um sentimento de letargia, sendo a experiência de vida um facilitador do aprendizado, como podemos conferir:
A gente pensa muito quando formar, o que vai fazer [...]. Também tem a questão que a gente fica um pouco mais atrás dos colegas mais jovens. [...] As teorias, as abordagens, o curso... é... a gente vai direcionando a maneira de pensar, e ver as pessoas de forma diferente, pensar de forma diferente... Está sendo muito bom para mim. Mas a experiência ajudou um pouco... é muito bom... (Pedro)
As mudanças cognitivas, que ocorrem nessa fase, não são regras válidas para todos os indivíduos que chegam a esta fase da vida, pois é preciso levar em conta os aspectos culturais e os hábitos de vida adotados no decorrer da história das pessoas. Além disso, destaca-se também a maneira com que esse sujeito enfrentará essas mudanças, as quais determinarão os resultados, que poderão ser positivos ou negativos. Com respeito a essas discussões, vejamos a fala da Luisa:
Eu sinto a diferença de quando eu fiz minha primeira graduação pela maturidade com relação a esta que estou fazendo agora. Eu acredito que estou aproveitando mais a faculdade e os conteúdos pela minha experiência de vida, pelo conhecimento que eu tenho.
É importante que o ser humano saiba viver distintamente as fases de sua vida, para saber envelhecer e aproveitar melhor esta fase caracterizada por momentos valiosos de introspecção. Cabe considerar que cada fase da vida tem suas restrições e prazeres: quanto maior a consciência de si mesmo, melhor o indivíduo vivenciará a etapa da vida em que se encontra. Como bem assevera Jung (2000, p. 416), "não podemos viver a tarde de nossa vida segundo o programa da manhã, porque aquilo que era muito na manhã será pouco na tarde, e o que era verdadeiro de manhã será falso no entardecer". As falas dos entrevistados revelam que o processo de individuação vivenciado, quando percebem que o tempo presente é o momento oportuno para apropriarem da sua própria história, integrar as experiências anteriores e transformar as exigências externas e os complexos emocionais em competências e realizações pessoais. Tal movimento relaciona-se ao abandono da fantasia de imortalidade e à onipotência presente nessa fase da vida. O reconhecimento das próprias limitações, que muitas vezes é demarcado por crises e sentimentos de desilusão, pode ser mobilizador de "renascimentos" por meio de novos projetos de vida.
6. Considerações finais
Com a ampliação da expectativa de vida, as pessoas na meia-idade têm questionado seus valores, buscando alternativas para lidar de forma mais realista com as questões cotidianas, desenvolvendo estratégias para fazer suas escolhas e se apoderando da responsabilidade da própria vida. Paradoxalmente, o sentido da meia-idade relaciona-se ao envelhecimento, fenômeno esse associado, por um lado, a insegurança, lentidão e improdutividade em uma sociedade voltada a uma busca frenética de uma "eterna juventude", incentivando um padrão de vida infantilizado. Por outro lado, verificam-se indivíduos mobilizados pela própria energia psíquica, a rever os valores e escolhas realizados em momentos anteriores da vida. A crise, que ainda hoje é percebida como algo negativo, Jung já apontava, em meados do século passado, como sendo uma transição necessária e arquetípica, como parte da condição humana capaz de mobilizar os indivíduos a buscarem transformações profundas e significativas.
Por meio deste estudo, procurou-se explorar os motivos que levaram pessoas, que se encontram na segunda metade da vida, a escolher o curso de Psicologia. Para tanto, propôs-se uma revisão bibliográfica que contemplasse a escolha de carreira, a meia-idade e as discussões em torno dessas temáticas numa perspectiva da Psicologia Junguiana.
Verificou-se, por meio das entrevistas realizadas, quais os fatores que influenciaram na escolha pelo curso de Psicologia e quais deles foram mais relevantes, preponderando questões de cunho existencial. Esses indivíduos esperam trilhar uma nova trajetória de vida profissional, mobilizados pela necessidade de se apropriarem do que realmente são e integrarem experiências anteriores com novas aprendizagens. Eles relatam que a aprendizagem acadêmica nesse momento da vida relaciona-se à busca de um novo sentido, atendendo a exigências mais internas e individuais. Dessa forma, a escolha, mostra-se em consonância com o processo de individuação, proposto por Jung, como um movimento natural e espontâneo do desenvolvimento psíquico e direcionado pelo Self, centro unificador da psique.
Os possíveis ganhos de maturidade deste estágio da vida deverão então ser considerados como marcas fundamentais do processo de individuação.
O que este trabalho desvela é apenas uma pequena faceta do fenômeno estudado, que foi analisado e compreendido a partir de uma atitude fenomenológica. Sob a perspectiva da compreensão sobre a segunda fase da vida, este estudo colabora para elucidar sobre o desenvolvimento dessa etapa, como também compreender motivos subjetivos da escolha do curso de Psicologia. Torna-se essencial que os pesquisadores do desenvolvimento humano se empenhem na construção de conhecimentos e práticas contextualizadas que possam ajudar os indivíduos a compreenderem os conflitos vivenciados e terem suporte para tomar decisões de maneira consciente.
Há muito o que se pesquisar neste campo. Sugere-se, por exemplo, em estudos futuros, verificar o contexto de atuação dessas pessoas após terem concluído o curso e seu espaço de atuação. Enfim, o tema é instigante e convida a reflexões e debates.
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Recebido em: 15/08/2017
Revisão: 13/11/2017
* Psicóloga pela Faculdade Pitágoras de Uberlândia. História pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Gestão de Trabalhos Pedagógicos e Psicanálise e Educação. Professora de História na rede Municipal e Estadual de Ensino. E-mail: <marcia.ppsi@gmail.com>
** Psicóloga pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Medicina Social pela USP/Ribeirão Preto. Especialista em Psicologia Clínica Analítica pela Unicamp/IPAC. Professora do curso de Psicologia e da Pós-graduação da Faculdade Pitágoras de Uberlândia. E-mail: <sipsineves@gmail.com>