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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.28 no.2 Rio de Janeiro  2016

 

SEÇÃO TEMÁTICA

 

Do feto ao bebê: Winnicott e as primeiras relações materno-infantis

 

From fetus to baby: Winnicott and the first parent-infant relationships

 

De un feto al bebé: Winnicott y las primeras relaciones materno infantiles

 

 

Sergio Gomes da SilvaI

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

 


RESUMO

Quando a psicanálise passou a se interessar pelos primórdios da vida psíquica do bebê, esse interesse se concentrava na relação mãe-bebê a partir do advento da natalidade. A partir da teoria das relações objetais, notabilizada pela Escola Inglesa de Psicanálise, alguns autores passaram a repensar o bebê a partir da vida pré e pós-natal e como essas experiências influenciam seu psiquismo. Nesse sentido, o presente artigo busca analisar as primeiras relações materno-infantis a partir das três proposições teóricas: o trauma do nascimento, a observação de bebês em útero com o advento da ultrassonografia e o método de observação de bebês na prevenção de traumas psíquicos. Essas teorias são analisadas através do referencial teórico de Donald W. Winnicott, a partir da teoria do desenvolvimento emocional primitivo e do conceito de memória corporal, as quais enfatizam as experiências intrauterinas sentidas pelo feto e o contato do bebê com a mãe em termos da fisicalidade dos corpos vivos, após seu nascimento. O autor conclui que as primeiras relações materno-infantis, pré e pós-natais, constituem em si mesmas, vias de acesso à saúde psíquica do indivíduo adulto.

Palavras-chave: relação materno-infantil; trauma do nascimento; memórias corporais; desenvolvimento emocional primitivo; Winnicott.


ABSTRACT

When psychoanalysis became interested in the origins of psychic life of the baby, this interest focused on the mother-child relationship from the baby birth. From the object relations theory, some authors of the English School of Psychoanalysis began to rethink the baby from life pre and postnatal and how these experiences influence its psychic life. Thus, this paper aims to analyze the first mother-child relationship from three theoretical propositions: the birth trauma, the observation of babies in the womb, through ultrasound and the baby observation method in preventing psychological traumas. These theories are analyzed through Donald W. Winnicott’s approach, named: the theory of emotional development and the concept of body memory, which emphasizes intrauterine experiences felt by the fetus and the baby contact with the mother in terms of physicality of alive bodies after his birth. The author concludes that the first mother-child relations, pre and postnatal, are in themselves pathways to mental health of the adult.

Key-words: parent-infant relationship; birth trauma; body memories; primitive emotional development; Winnicott.


RESUMEN

Cuando el psicoanálisis se interesó en los orígenes de la vida psíquica del bebé, este interés se centró en la relación madre-bebé desde la natalidad. A partir de la teoría de las relaciones de objeto, notada por la Sociedad Psicoanalítica Británica, algunos autores comenzaron a reconsiderar la vida del bebé pre y postnatal y cómo estas experiencias influyen en su psique. En este sentido, este trabajo analiza las primeras relaciones madre-bebé en tres proposiciones teóricas: el trauma del nacimiento, la observación de bebés en el útero con el advenimiento de la ecografía y el método de observación de bebés en la prevención de traumas psicológicos. Estas teorías son analizadas a través de referencia teórica de Donald W. Winnicott, de la teoría del desarrollo emocional y el concepto de memoria del cuerpo que hace hincapié en las experiencias intrauterinas sentidas por el feto y el contacto del bebé con su madre en cuanto a la porción física de cuerpos vivos después de su nacimiento. El autor concluye que las primeras relaciones madre-bebé, pre y postnatal, constituyen en sí misma, una forma de acceso a la salud mental del adulto.

Palabras clave: relaciones materno-infantiles; el trauma del nacimiento; la memoria del cuerpo; el desarrollo emocional primitivo; Winnicott.


 

 

"Não existe essa coisa chamada o bebê."
Donald W. Winnicott, Natureza humana

 

Introdução

Assim que Donald W. Winnicott surgiu na tradição da Escola Inglesa de Psicanálise, em 1927, como um dos primeiros candidatos à formação da Sociedade Britânica de Psicanálise (SBP), ele se notabilizou pelas suas construções teóricas e sua releitura de algumas teses freudianas, trazendo inovações tanto no campo teórico como no campo clínico, fazendo com que muitos analistas contemporâneos reconhecessem nele uma filiação à tradição ferencziana (Dias, 2011; Rache, 2005; Borgogno, 2004; Figueiredo, 2002) ou a teóricos da fenomenologia (Graña, 2002; 2007; Gondar, 2006; Bezerra Jr., 2007).

Na verdade, Winnicott trouxe para o cerne da teoria psicanalítica aspectos fenomenológicos até então impensáveis para compreender o desenvolvimento humano a partir da relação materno-infantil, da ideia de paradoxo, do conceito de self, da transicionalidade e principalmente das relações de objetos. A esse conjunto de conceitos teóricos somaram-se os de outros autores que participaram da formação da SBP a partir da década de 30, aí inclusas as tradições teóricas de Melanie Klein e Anna Freud, fazendo com que a Escola Inglesa fosse notabilizada pela teoria das relações objetais (Ogden, 1992). Winnicott, como sabemos, não pertenceu a nenhuma dessas duas tradições teóricas; pelo contrário, insurgiu-se com um grupo à parte, conhecido como Grupo Independente ou Grupo do Meio (Middle Group), não tomando partido nas famosas "controvérsias" dentro da SBP (Rodman, 2003; Phillips, 2006; Kohon, 1994; Grosskurth, 1992; King & Steiner, 1998).

Winnicott trouxe, com a sua dialética teórica, contribuições não só para a compreensão da relação mãe-bebê, como também para a relação analista-paciente, muitas dessas, sob forma de paradoxos insolúveis, malgrado tenha sofrido influências teóricas de Melanie Klein no início dos seus primeiros trabalhos clínicos (Ogden, 2013a; 2013b; Abram, 2013; 2012).

Se há algum conceito que pode ser colocado no núcleo da revisão psicanalítica proposta por Winnicott, ele certamente diz respeito ao paradoxo essencial no início da vida humana e centrado eminentemente na provisão do cuidado ambiental, tão necessário ao desenvolvimento de todo indivíduo a partir do nascimento. Esse paradoxo foi denominado por Winnicott de processo maturacional ou emocional e não começa com o nascimento, e sim com as primeiras relações, as mais primitivas que toda mãe e todo bebê vão estabelecer, ainda no ventre materno.

As primeiras relações materno-infantis, vão se constituir desde o nascimento do bebê até os primeiros anos de vida. É uma relação na qual o par mãe-bebê se comunicará pela relação recíproca que foi desenvolvida desde a concepção, passando pelo desenvolvimento do bebê em útero, até o instante do nascimento. A partir daí, uma relação de confiança e mutualidade vai se estabelecendo, caso tudo corra bem. O bebê reconhecerá a voz da mãe e o calor do seu corpo, assim como já vivenciava tudo o que se passava na interioridade do corpo materno. A mãe, por sua vez, desenvolverá uma relação simbiótica com seu bebê e estabelecerá, com ele, uma comunicação pautada em experiências não verbais, oferecendo-se como o primeiro ambiente do qual o bebê precisa para se desenvolver emocionalmente. É essa relação que constituirá o psiquismo do bebê, seu mundo interno, seu interior e seu self.

Nesse sentido, o presente artigo busca analisar as primeiras relações materno-infantis a partir das três proposições teóricas: o trauma do nascimento, a observação de bebês em útero e o método de observação de bebês na prevenção de traumas psíquicos. Essas teorias são analisadas através do referencial teórico de Donald W. Winnicott a partir da teoria do desenvolvimento emocional primitivo e do conceito de memória corporal, as quais enfatizam as experiências intrauterinas sentidas pelo feto e o contato do bebê com a mãe em termos da fisicalidade dos corpos vivos.

 

O "trauma" do nascimento

Com o advento da psicanálise no início do século passado, as primeiras especulações sobre a relação mãe-bebê começaram a ser pontuadas por Freud e seus herdeiros teóricos. As especulações giravam em torno das vivências pelas quais todos nós passamos durante o nascimento e de se essas vivências interfeririam na nossa vida subjetiva tornando-se preponderantes. Otto Rank (1924/2015), por exemplo, afirmava que o nascimento gera um trauma a partir do estado de separação materno-infantil, qual seja, o "trauma do nascimento", e que este seria mais importante que o próprio Complexo Edípico, posto que a ruptura ou experiência de separação da mãe se constitui como uma angústia que define grande parte da nossa subjetividade. Mover-se em direção à autonomia e superar o desamparo original ocasionado pelo nascimento rumo à maturidade, ou seja, superar a ruptura abrupta própria do desligamento do corpo da mãe seria, na acepção de Rank, um esforço que sobrecarregava o aparelho psíquico, constituindo-se no preço a pagar pelo nosso desejo de alteridade.

Ora, Freud (1926 [1925]/1996) criticou a maior parte das teorias de Rank afirmando que o bebê, durante o processo de nascimento, jamais poderia experimentar subjetivamente a angústia de separação da mãe pelo simples fato de que ele viveria nesse momento uma experiência totalmente narcísica, inconsciente de sua existência como um objeto. Portanto, não poderia experimentar nem a separação do corpo materno, nem a angústia causada por essa separação, apesar de se encontrar ligado biologicamente à mãe durante todo o processo de gravidez.

Winnicott, por seu turno, também questionou essa afirmação em um texto seminal denominado "Recordações do nascimento, trauma do nascimento e ansiedade" (Winnicott, 1949/1978). Para ele tampouco faz sentido pensar em angústia a partir do nascimento posto que não haja nesta época nem um inconsciente, nem um recalque para que se pudesse pensar na experiência de angústia. O que estava em questão do ponto de vista psicanalítico era a ênfase dada por Freud ao "narcisismo" do feto, muito embora lhe faltassem dados e métodos científicos seguros com os quais pudesse corroborar sua afirmação, dando-nos a entender que haveria uma relação bastante primitiva entre a mãe e o feto, o que traria consequências psíquicas ao longo de toda a vida do sujeito, caso o nascimento fosse traumático. Além disso, a clínica psicanalítica, desde os primórdios, ventilou inúmeras hipóteses teóricas sobre a vida subjetiva a partir das experiências de nascimento rememoradas por alguns pacientes adultos. Os pacientes, em sua maioria, faziam referências às mais variadas experiências retidas na memória como traços mnêmicos, tal como já havia enfatizado Freud.

Como sabemos, traços mnêmicos ou mnésicos é uma expressão empregada por Freud (1895 [1950]/1996; 1900-1901/1996) e Freud e Breuer (1893-1895/1996), para designar algumas experiências pelas quais passamos e que ficam inscritas na memória como um traço, uma marca, porém, sem registro consciente. Esses registros só são ativados se forem investidos psiquicamente em algum momento da nossa vida (Laplanche & Pontalis, 1986).

Winnicott acreditava que, para compreendermos o desenvolvimento humano, seria necessário partirmos de uma observação do bebê desde o período mais primitivo, leia-se, muito antes da experiência do nascimento (em oposição ao "trauma do nascimento"), para então analisarmos a relação do bebê com sua mãe a partir de então. A maior parte de suas contribuições à teoria psicanalítica adveio da sua capacidade de observação e compreensão do "animal humano" em sua relação com o ambiente materno (Winnicott, 1990, p. 25). Além disso, o autor não descartava a hipótese de que tudo o que era vivido no útero tinha vital importância para o que se seguiria após o nascimento. Mas enfatizava que o recém-nascido não tem maturidade para sentir-se ligado à mãe, pois tudo o que ele pode vir a sentir é "segurança" e "continuidade" ou "insegurança" e "descontinuidade" (Winnicott, 1949/1978, p. 324).

Winnicott ressalta ainda a importância das memórias primitivas de todo ser humano, bem como o desenvolvimento biológico saudável do cérebro ou do sistema nervoso central. Com o desenvolvimento do cérebro enquanto órgão em funcionamento começa o armazenamento de memórias corporais vividas ainda em útero, memórias estas que são reunidas para formar um ser humano, cujos movimentos do corpo e momentos de quietude na vida intrauterina não só são significativos como são vividos "de um modo silencioso" (Winnicott, 1990).

De acordo com o autor, muitos pesquisadores, uma vez tendo encontrado evidências das memórias corporais pertencentes ao processo de nascimento, não acreditam que àquela época existisse um indivíduo capaz de armazenar experiências primitivas. Eles postulam, ao contrário, um "inconsciente da espécie", ou seja, um tipo de memória herdada através de inúmeros nascimentos anteriores e passada através dos seus ancestrais, bem próximo do inconsciente coletivo junguiano. No entanto, diz Winnicott (1990), o que não podemos negar é o que a clínica com pacientes regredidos ou a observação de bebês desde o útero até o momento posterior ao nascimento fez acrescentar à teoria psicanalítica e à teoria do inconsciente: os "importantíssimos e interessantíssimos fenômenos do desenvolvimento do indivíduo, e das memórias da experiência pessoal" (Winnicott, 1990, p. 170). Ora, prossegue o autor, o próprio Freud acreditava que cada pessoa retinha memórias corporais durante o seu processo de nascimento, ao menos quando ele observou que "o padrão de ansiedade pode ser determinado (de qualquer forma parcialmente) pelas experiências de nascimento do indivíduo" (Winnicott, 1990, p. 170-171).

O trauma do nascimento só faz sentido caso haja algum problema no curso da gravidez que faça com que o bebê seja ou prematuro ou pós-maduro. O traumático aqui é sempre pensado em termos de processo maturacional desde o útero, não excluindo nem a capacidade da mãe de sustentar o bebê em seu ventre e até o momento final da gestação, nem esquecendo possíveis invasões do ambiente externo que venham provocar antecipação ou adiamento do nascimento. O trauma, então, é experienciado como uma invasão, tal qual o exemplo dado por um dos seus pacientes:

No início, o indivíduo é como uma bolha. Se a pressão vinda de fora se adapta ativamente à pressão interior, então a bolha é a coisa mais importante, isto é, o self do bebê. Se, no entanto, a pressão ambiental é maior ou menor do que a pressão dentro da bolha, então não é a bolha que é importante mas o meio ambiente" (Winnicott, 1949/1978, p. 325).

Para compreendermos as origens do indivíduo, Winnicott ressalta que devemos primeiro investigar quando os bebês foram concebidos mentalmente para que depois possamos investigar quando eles foram concebidos biológica ou fisicamente. Ou seja, antes que um bebê exista, é necessário que ele tenha sido desejado ou, no mínimo, criado na fantasia interna de um dos pais. Em seguida, é necessário que passemos a verificar como e quando esse bebê foi concebido como um "ato físico" entre o casal, mesmo que ele seja fruto de um "pequeno acidente" entre os pais. O momento seguinte é a provisão do ambiente corporal materno e o desenvolvimento do próprio feto no tocante à qualidade e vitalidade dos órgãos, com ênfase na saúde do cérebro como órgão capaz de registrar experiências e acumular dados saudáveis da provisão ambiental para, a partir daí, encontrarmos os sinais de vida e a viabilidade de o bebê nascer no tempo e na hora certa: nem prematuro, nem pós-maduro. Com o desenvolvimento do cérebro enquanto órgão em funcionamento, inicia-se "a estocagem de experiências; as memórias corporais, que são pessoais, começam a juntar-se para formar um novo ser humano. Existem boas evidências de que os movimentos do corpo na vida intrauterina são significativos, e é plausível que, de modo silencioso, a quietude vivenciada naquele período também o seja" [itálicos nossos] (Winnicott, 1990, p. 38-39). Por fim, advém o nascimento, que é o momento em que a mãe e o bebê vão viver juntos sua primeira experiência a dois como uma só unidade (Winnicott, 1966/2006).

A partir de então, o pediatra e psicanalista britânico estabelece três condições para o nascimento normal do bebê: primeiro ele é responsável pela interrupção da "continuidade do ser" em útero, pela simples intrusão relativa à mudança de pressão provocada pelo processo de maturação, de modo a construir pontes sobre os abismos da "continuidade do ser" e reagindo às invasões do ambiente externo ao útero (como por exemplo, o peso da gravidade, a luminosidade, a necessidade de respiração, etc.). Segundo, o bebê já possui fenômenos do próprio self (ainda que rudimentares, mas marcados eminentemente na corporeidade), constituído a partir de memórias, sensações e impulsos, e que pertencem a "períodos do ser" ao invés de momentos de reação às invasões do ambiente externo (aqui, referimo-nos a todo o conjunto de vivências da vida pré-natal com relação à interioridade do corpo materno). Por fim, a própria mecânica do parto não pode ser nem precipitada nem excessivamente prolongada, inclusive se for realizado cirurgicamente (Winnicott, 1990).

Do ponto de vista do bebê, a mudança do estado intrauterino para o estado de recém-nascido só pode ser provocada pelo processo maturacional e biológico, os quais preparam o bebê para que as mudanças sejam efetuadas na sua vida. Esse processo só poderá ser afetado caso haja algum adiamento ou antecipação do nascimento (Winnicott, 1990). Se o nascimento for experienciado como traumático, o bebê e, consequentemente, a mãe terão problemas tanto no curso do desenvolvimento quanto na relação materno-infantil, ameaçando a "continuidade da existência" de ambos.

É importante apontar para a dimensão biológica e vitalista dos argumentos do autor: o relacionamento mãe-bebê só será satisfatório, após o nascimento, caso a mãe tenha condições favoráveis durante a gestação e uma capacidade biológica inata para gerar e sustentar um bebê vivo e íntegro, correspondendo assim à sua capacidade psicológica de lidar com esse bebê após o nascimento.

De acordo com essa asserção, a clínica psicanalítica vem mostrando continuamente que do ponto de vista do bebê nada lhe passa despercebido e cada pormenor do parto fica registrado em sua mente a partir do que Freud denominou de traços mnêmicos ou Winnicott chamou de memória corporal. Muitas dessas evidências foram comprovadas a partir das lembranças vividas por pacientes ainda em útero quando estes ainda eram bebês: virar-se, cair, sensações que dizem respeito à passagem do meio líquido para o território seco, mudanças de temperatura, suprimento de oxigênio e do alimento através do cordão umbilical, capacidade de se alimentar ao seio ou pelo próprio esforço de obter alimento, respiração, propriocepção corporal, etc. (Winnicott, 1957/2006, p. 64). Todas essas e outras experiências são relatadas cotidianamente por inúmeros pacientes ao longo de uma análise, trazendo para o discurso do paciente representações as quais não podiam ser compreendidas à época em que foram vividas, tal como mostrado por Fontes (2002).

Portanto, falar em trauma do nascimento, desse ponto de vista, não faz sentido. O nascimento não é intrusivo, invasivo e muito menos traumático, nem para a mãe, nem para o bebê. Para este, apenas há uma mudança de um estado para outro que forçosamente provocará uma adaptação a um novo meio ambiente em que passará a viver, de acordo com o seu processo de desenvolvimento. Assim, o que ele experimenta é menos um trauma e mais um "primeiro despertar", pois em algum momento próximo ao seu nascimento esse "despertar" ocorre e "o bebê sente-se pronto e alerta para o grande mergulho" (Winnicott, 1968/2006, p. 81). Dito em outras palavras, do ponto de vista do bebê, foi ele quem "possibilitou a ocorrência do nascimento porque estava preparado para este evento" (Winnicott, 1964/2006, p. 39-40). Seja por seus próprios esforços, seja por uma necessidade de respirar ou qualquer outro motivo, o nascimento é algo realizado pelo bebê. Esse despertar é responsável pela diferença perceptível entre um bebê nascido prematuramente e um bebê nascido depois do tempo: "O primeiro ainda não está pronto para a vida, e o segundo está sujeito a nascer num estado de frustração por ter sido mantido à espera depois de estar pronto" (Winnicott, 1990, p. 39).

Notemos, então, a sutileza do argumento de Winnicott. Para Freud, as experiências pelas quais passamos no início da nossa vida ficam registradas através de "traços mnêmicos", ou seja, marcadas na memória por meio do sistema Percepção-Consciência, e só podem ser acessadas se houver algum investimento psíquico dessas lembranças na vida adulta. Para o pediatra e psicanalista inglês, o bebê retém "memórias corporais", ou seja, memórias que são marcadas na superfície do corpo, mas que precisam de um desenvolvimento biológico sadio do cérebro para que se façam presentes, na vida adulta, assim como precipitam sua lembrança a partir de alguma experiência vivida quando adulto. Winnicott (1990) afirma que a experiência clínica psicanalítica, sobretudo com sujeitos regredidos, forneceu a maior parte das evidências de que ele necessitava para ter certeza de que essas memórias pertencem a um momento anterior ao nascimento, pois nada daquilo que um ser humano vivencia, mesmo em útero, é desperdiçado.

 

Avançando para trás

As mães, por outro lado, não são indiferentes a essas experiências vividas com seu bebê. Desde o terceiro ou quarto mês de gravidez, quando a motilidade fetal já é perceptível a partir da apalpação direta da parede abdominal ou através de exames de ultrassonografia, elas até mesmo esperam que muitos dos movimentos que o feto passará a fazer no útero sejam um reflexo de uma "comunicação pré-verbal" a ser desenvolvida no período pós-natal e uma resposta a tudo o que ela sente ou vivencia por meio de experiências físicas e emocionais durante a gestação (Piontelli, 1995; Negri, 1997).

Os movimentos do feto são percebidos esporadicamente em ciclos de atividade e repouso e não correspondem exatamente aos mesmos ciclos de atividades da mãe. Do sétimo ao nono mês, essa motilidade vai se constituir como um verdadeiro comportamento do feto e de tudo o que virá após o nascimento (Negri, 1997). Muito dos movimentos desenvolvidos pelo feto são sinais de saúde, enquanto seu desaparecimento ou diminuição é considerado como um sinal de alerta para o sofrimento fetal (Piontelli, 1995).

Tudo o que se passa no corpo da mãe durante esse período, como sabemos, também é percebido e experienciado pelo bebê através da ligação entre dois corpos vivos. Não nos referimos apenas à fisicalidade dos corpos unidos pelo cordão umbilical, mas também à experiência de um corpo vivo sustentando outro corpo vivo, unidos pela placenta, pelo alojamento no útero em desenvolvimento através de um meio líquido e produzido pelo corpo materno, pelo compartilhamento de um processo maturacional que se evidencia por tecidos, órgãos, sangue, vasos sanguíneos, células, nervos, músculos, ossos, etc., ou seja, a experiência insofismável de um ser humano desenvolvido e carregado pela visceralidade de outro corpo que o sustenta, o apoia e o nutre. Por esse motivo, antes mesmo do nascimento, já existe um ser humano capaz de reter experiências, acumular memórias corporais e até mesmo organizar defesas contra possíveis traumas.

Por outro lado, muitas das características do bebê também já são conhecidas pela mãe a partir dos movimentos desenvolvidos em seu ventre. Ou seja, no momento do nascimento já houve uma grande soma de experiências, tanto agradáveis quanto desagradáveis, partilhadas por ambos. Até lá o futuro bebê compartilhou o gosto das refeições da mãe, seu sangue já fluiu com maior rapidez quando comeu ou bebeu um café, um chocolate quente ou um chá ou até mesmo quando a mãe teve de acelerar os passos para executar alguma tarefa ou manter uma relação sexual. Sentimentos e sensações tais como ansiedade, tristeza, agitação, raiva, entre outras, também serão passadas para o bebê pelos laços que os unem. Se a mãe é bastante agitada, ele provavelmente se acostumará com os seus movimentos tanto no útero como fora dele e tem boas chances de ser um bebê agitado. Se a mãe é mais tranquila, o futuro bebê conhecerá a paz e poderá esperar por um colo tranquilo e aconchegante. Até esse momento, é bem possível que o bebê conheça melhor a mãe do que ela a ele e, por consequência, até a mãe poder vê-lo, colocá-lo nos braços e acolhê-lo em seu peito, muita troca de experiências já ocorreu entre a dupla (Winnicott, 1965/1982, p. 21).

Até aqui o papel da mãe é o de prover, ao longo do tempo, um ambiente no qual o bebê precisa se desenvolver e encarar a tarefa de separação física. No entanto, levará alguns dias até que a mãe e o bebê possam gozar de uma experiência mútua em um meio ambiente comum. Dado a experiência de nascimento ser tão significativa para ambos, é necessário distinguir aquilo que pertence à mãe daquilo que começa a ser desenvolvido no bebê desde muito cedo.

Para Winnicott, há dois tipos de identificação a serem pontuados nessa relação: "a identificação da mãe com seu filho e o estado de identificação do filho com a mãe. A mãe introduz na situação uma capacidade amadurecida, ao passo que a criança se encontra nesse estado porque é assim que as coisas começam" (Winnicott, 1965/1982, p. 21). O bebê ainda em útero é associado pela mãe sempre a um "objeto interno", ou seja, um objeto imaginado para ser instalado dentro do seu corpo e ali mantido, apesar de o ambiente externo ser ameaçador para um bebê em desenvolvimento (em nossos dias, com a tecnologia médica, bebês prematuros precisam da ajuda de aparelhos de respiração e alimentação para chegarem à maturidade biológica). Algumas vezes, esse objeto interno pode se constituir como um ser estranho dentro do corpo materno e assumir a forma de um parasita ou um ser invasor, mas, em sua maioria, ela vai considerá-lo como sendo parte do seu próprio corpo (principalmente se conseguir entrar em um estado de maternagem anterior ao nascimento do futuro bebê), e não um corpo invasor ou um corpo dentro do outro.

A identificação aqui se refere ao "começo da criança" enquanto "ser", como um recém-chegado ao mundo, de modo a experienciar a "continuidade da existência". Isso não significa que ela se identifique com a mãe, posto que não há nenhum conhecimento consciente dela ou de qualquer outro objeto externo ao self, já que este se encontra em formação e não está lá para ser usado pelo bebê na sua experiência subjetiva. O self surge apenas como um potencial a ser desenvolvido, pois se encontra completamente fundido tanto ao self quanto ao ego da mãe. O que existe é apenas um acúmulo de experiências que o constituirá por meio das memórias e expectativas oriundas dessas experiências iniciais partilhadas pela dupla mãe-bebê, tal como afirma Winnicott: "O self de cada criança ainda não se formou, e logo não pode ser visto como estando fundido, mas as memórias e expectativas podem agora começar a acumular-se e formar-se. Devemos lembrar que estas coisas só ocorrem quando o ego da criança é forte, por ser reforçado" [itálicos nossos] (Winnicott, 1960/2005, p. 25).

A mãe e o bebê, durante muito tempo, vão se sentir participantes de um só corpo, embora ele seja apenas um "hóspede" esperando pela "hora da partida". Surge, nesse instante, uma série de fantasias narcísicas tanto por parte da mãe quanto por parte do pai ou de seus familiares. O bebê, por outro lado, tem outros significados na fantasia inconsciente da mãe, diz Winnicott, mas é possível que "o traço predominante nesta seja uma vontade e uma capacidade de desviar o interesse do seu próprio self para o bebê" (Winnicott, 1965/1982, p. 21).

É digno de nota, também, que a referência ao trauma do nascimento relaciona-se à mudança de estado pela qual o bebê passa, qual seja, a mudança de um estado de não respiração para o estado de respiração. É justamente a aptidão biológica do bebê em seu processo maturacional que o faz reagir às mudanças do ambiente, ora se adaptando à força da gravidade em um meio seco, ora se adaptando para respirar no momento do nascimento. De acordo com o autor, "não afirmo que o ato de começar a respirar seja essencialmente traumático. O nascimento normal é não traumático, devido a sua falta de importância. Na época do nascimento, um bebê não está preparado para uma invasão ambiental prolongada" (Winnicott, 1949/1978, p. 325).

No nascimento dito normal, não há nem antecipação nem adiamento desse processo, mesmo que o nascimento ocorra por meio de uma cesariana – muito embora esse tipo de entrada no mundo traga uma privação da experiência de nascimento comum, ou seja, o nascimento por parto normal (Winnicott, 1990). O que importa é que o sentido de continuidade da existência que já está presente desde o útero seja preservado tanto pelas condições ambientais do corpo da mãe quanto pelas condições ambientais do corpo do bebê. O que será experimentado como uma invasão externa exigirá do bebê uma adaptação às novas condições, "enquanto na época em que deve nascer o bebê exige uma adaptação ativa do meio ambiente" (Winnicott, 1949/1978, p. 326).

As invasões do meio externo estão, para Winnicott, na etiologia das agonias impensáveis. Para o autor, durante todo o processo de gestação e durante o tempo que marca o momento do nascimento, o "indivíduo está, na verdade, tentando encontrar um novo nascimento, no qual a linha de sua própria vida não seja perturbada por um reagir em maior escala do que aquele que pode ser experimentado sem uma perda do sentido de continuidade da existência pessoal" (Winnicott, 1949/1978, p. 332-333). No entanto, afirma, a sua compreensão sobre o trauma do nascimento refere-se apenas ao "continuar-a-ser" (going on beeing) do bebê, e, quando essa interrupção é significativa, "os pormenores do modo como as invasões são sentidas, assim como a reação do bebê a elas, tornam-se, por sua vez, importantes fatores adversos ao desenvolvimento do ego" (Winnicott, 1949/1978, p. 333).

Mas se o processo de nascimento produz essa mudança de estado, o trabalho clínico tem mostrado como o bebê também se torna consciente da respiração da mãe, percebendo seus movimentos abdominais ou as mudanças rítmicas de pressão e ruído. Ora, não esqueçamos que o bebê, dentro do útero, está totalmente em contato com o interior do corpo da mãe, um mundo cheio de sons, ruídos e sensações potencializados pelos batimentos cardíacos, respiração, digestão, circulação sanguínea, etc. Os sons que atravessam a barreira da barriga da mãe também não lhe são indiferentes e é bem possível que ele consiga distinguir as vozes da mãe e do pai, sobretudo se a audição já estiver desenvolvida. Essas experiências favorecem a constituição da relação mãe-bebê no que se refere à temporalidade, que é, em síntese, primitiva, pré-cronológica e intersubjetiva, favorecendo o início de uma "comunicação não verbal", ou seja, memórias corporais.

 

As memórias corporais

A comunicação não verbal pode ser percebida desde os primeiros instantes de vida do bebê. Após o nascimento, não é incomum que ele tenha necessidade de reatar o contato com as funções fisiológicas da mãe, particularmente a sua respiração. Conforme afirma Winnicott (1990, p. 168), os bebês precisam de contato pele a pele com a mãe, de serem movimentados pelo sobe e desce de sua barriga, de sentirem a respiração materna para diminuírem a acelerada respiração após o nascimento, aproximando-se dos batimentos cardíacos da mãe e aprendendo a brincar de ritmos e contrarritmos em uma relação de mutualidade.

O primeiro contato após o nascimento é de extrema importância para a mãe e para o bebê. Para o que hoje profissionais da saúde, tais como obstetras, pediatras, enfermeiros ou até mesmo parteiras já admitem como prática, Winnicott não se cansou de chamar a atenção: por um lado, o quão valioso é para a mãe ver e sentir o seu bebê contra o seu corpo imediatamente após o nascimento, e por outro, o quão necessário é para o bebê entrar em contato com o corpo materno, visto que a sensibilidade da sua pele está muito aguçada. O bebê, assim, nasce totalmente não integrado, ou seja, sem nenhuma experiência de contato com a realidade do mundo externo. Dito de outro modo, ele nasce sem o sentido da sua própria corporeidade, sem as dimensões de tempo e espaço, sem conseguir reunir a experiência que viveu em útero com a experiência que passará a viver com a gravidade do seu corpo empurrando-o para baixo e levando-o para o centro do mundo quando não estiver em contato com a pele e o corpo de outra pessoa. As mãos que seguram e sustentam o corpo nu do bebê no momento exato do nascimento são tão importantes quanto a própria experiência de nascimento ou o contato que ele passará a ter com o corpo da mãe a partir de então.

Nestes primeiros estágios há um amplo espaço para a nudez primitiva e para um contato ininterrupto entre o corpo do bebê e o corpo da mãe. Ao que eu saiba, até agora esta questão ainda não foi resolvida. A pesquisa ao longo destas linhas poderia seguir os passos da pediatria em seu trabalho com bebês prematuros, que tem revelado o valor da nudez na técnica da incubadeira. A integração e a manutenção do estado de unidade trazem consigo outros desenvolvimentos de grande importância. A integração significa responsabilidade, ao mesmo tempo que consciência, um conjunto de memórias, e a junção de passado, presente e futuro dentro de um relacionamento. Assim, ela praticamente significa o começo de uma psicologia humana [itálicos nossos] (Winnicott, 1990, p. 139-140).

As mães chegam a não tolerar o estado de sonolência que se segue ao parto, a não ser que possam se recuperar de todo o esforço do trabalho empreendido no nascimento do seu bebê. Talvez nem todos os bebês estejam prontos para o encontro com corpo da mãe assim que vêm ao mundo, pois eles mesmos passaram por uma experiência da qual precisam se recuperar. O certo é que essas experiências pelas quais mãe e bebê passam são sentidas no nível do corpo, constituindo assim memórias que um dia poderão fazer parte do repertório consciente do indivíduo adulto. A melhor prova de que a experiência de nascimento é uma experiência real na vida subjetiva do bebê é o grande prazer que muitas crianças e muitos adultos extraem de atividades ou jogos que envolvam a "dramatização de um ou de outro aspecto do processo de nascimento" (Winnicott, 1990, p. 170).

Um bom exemplo disso são os vídeos da enfermeira francesa Sonia Rochel, dentre os quais se destaca o mais famoso deles, Thalasso Bain Baby. O vídeo mostra sua técnica de relaxamento criada para reativar a memória corporal do bebê, de até três meses de idade, provavelmente daquilo que foi vivido em útero. Sua técnica consiste em mergulhar inteiramente o corpo do bebê em uma cuba com água a não mais do que 27 graus, deixando, às vezes, apenas seus lábios fora d’água. O bebê começa desperto e aos poucos vai sendo embalado pela fala da enfermeira, pela forma com que ela toca todo o seu corpo, pela sensação da água morna em sua pele, de modo a provocar-lhe relaxamento e sono. O banho não dura mais do que quinze minutos. Na sequência, Sonia retira o bebê da cuba, enrola-o numa toalha, enxuga-o e faz uma massagem em toda a extensão do seu corpo, dirigindo-lhe palavras afetuosas, afirmando o quanto ele é querido e amado por sua mãe. A massagem, por sua vez, produz uma excitação autoerótica no bebê, indicada pela introdução do polegar na boca1. Não é por acaso o fato de que, em francês, "mar" e "mãe" apresentam-se com a mesma sonoridade: "la mer" e "la mère", o que nos leva a afirmar e depreender que o mar (la mer) no qual o bebê se banha é constituído pelo corpo da mãe (la mère) que se oferece como um continente de acolhimento às necessidades físicas, corporais e emocionais do bebê.

Isso é reforçado pelo pensamento do próprio Winnicott. Em seu texto "A localização da experiência cultural" (1967/1971), ao retomar a célebre frase do poeta Tagore, "On the seashore of endless worlds, children play" ("Nas margens de mundos infinitos, crianças brincam" – nossa tradução), o pediatra inglês afirma que essa frase sempre o intrigou, e que durante toda a sua adolescência ele nunca soube o que ela significava, apesar de sua marca ter permanecido nele até se tornar psicanalista. Quando descobriu Freud, soube o que ela significava:

O mar e suas margens representavam uma relação infinita entre o homem e a mulher, e a criança emergiu dessa união, para dispor de um breve momento antes de se tornar adulta ou pais. Depois, como um estudioso do simbolismo inconsciente, eu soube (sempre se sabe) que o mar é a mãe e em suas margens a criança nasce. Os bebês surgem do mar e são vomitados sobre a terra, como Jonas o foi da baleia. Assim, as margens era o corpo da mãe, após a criança nascer, e a mãe e o bebê, agora viável, estavam começando a se conhecer mutuamente [itálicos do autor] (Winnicott, 1967/1971, p. 95-96)2.

Se Winnicott tivesse prestado mais atenção aos escritos do seu mestre, teria feito referência ao "sentimento oceânico" que o psicanalista vienense aborda em "O mal-estar na civilização" (Freud, 1930 [1929]/1996). Trata-se de um sentimento ou sensação de eternidade, de algo ilimitado e sem fronteiras, portanto, "oceânico", e que só pode ser experimentado no auge do sentimento amoroso, no qual as fronteiras entre o ego e o objeto quase desaparecem. Esse sentimento pode ser experimentado tanto no apaixonamento entre um casal como na fusão do bebê com a mãe, constituindo uma unidade indiferenciada durante a dependência absoluta a partir dos cuidados maternos. O próprio Winnicott destacou a importância dos cuidados ambientais para o bebê no que se refere ao manejo (handling) e ao toque em toda a superfície do corpo do bebê, tais como na hora do banho:

Se mostrarmos por que é importante que um bebê goste do seu banho, estamos mostrando também por que é importante que as crianças tomem banho de mar e porque é importante que as deixemos tomar banho e que as deixemos nadar e mergulhar e usar sabonetes, etc. mais tarde. Isso não é algo novo, mas algo que se associa à importância do banho, no início (Winnicott, 1948/1997, p. 46).

Há todo um conjunto de experiências pelas quais o bebê passa em relação ao cuidado que pode ser exposto do seguinte modo: a mãe que o leva ao seio para amamentá-lo; a mãe que põe o bebê após a amamentação para liberação dos gases; a troca de roupas no cuidado e higiene com o bebê; a hora do banho e a forma como a mãe toca o corpo nu do bebê em toda a sua superfície; o enxugar e vestir o corpo do bebê; o momento em que o pai ou a mãe embalam o bebê para pô-lo para dormir, ou seja, uma gama de experiências expostas diretamente a partir do cuidado ambiental e expressa através do processo de relação materno-infantil que fazem com que a mãe e o bebê tenham uma experiência única vivida a dois e na total ausência de comunicação verbal.

Cabe-nos ressaltar que a relação materno-infantil se dá através da percepção e da consciência (awareness) intra e extrauterinas da respiração da mãe e da percepção e consciência da própria respiração do bebê. É por essa razão que, após o nascimento, o infante precisa de um ambiente que o acolha o mais próximo possível do ambiente intrauterino (la mer de la mère). Nesses casos, diz Winnicott, "parece haver uma necessidade bastante frequente de estar no colo em silêncio após o nascimento. É provável não só que a pele seja muito sensível às mudanças de textura e temperatura, mas que a mesma afirmação possa ser feita em termos psicológicos gerais" [itálicos nossos] (Winnicott, 1990, p. 169).

Seria necessário postularmos, então, um estágio pertencente à vida intrauterina, no qual a força da gravidade ainda não entrou em cena, no qual os cuidados com o bebê só poderão ser expressos através de cuidados físicos.

O amor ou o cuidado só podem ser expressos e reconhecidos em termos físicos através de uma adaptação do ambiente proveniente de todas as direções. Uma das mudanças provocadas pelo nascimento é a de que o recém-nascido precisa adaptar-se a algo absolutamente novo, à vivência de estar sendo empurrado de baixo para cima, em vez de ser contido em toda a sua volta. O bebê muda da condição de ser amado por todos os lados para a condição de ser amado somente de baixo para cima. As mães reconhecem esse fato pela maneira como seguram seus bebês e às vezes os enrolam de alto a baixo em roupas bem apertadas: elas procuram dar tempo ao bebê para que ele se acostume ao novo fenômeno (Winnicott, 1990, p. 151).

Desde que a psicologia do desenvolvimento ou a psicanálise passaram a estudar a relação mãe-bebê, desenvolvimentistas e analistas dispõem de métodos diferentes para alcançarem seus objetivos. Na medida em que só era possível chegar a algumas hipóteses a partir da observação direta do bebê com suas mães após o nascimento, a psicologia do desenvolvimento se interessava pelos aspectos cognitivos e de aprendizagem da vida infantil, enquanto a psicanálise buscava, na vida primitiva, uma relação com o inconsciente. Mas qual o melhor cenário para que essas observações fossem realizadas? A vida cotidiana do bebê em sua própria casa e em seu próprio meio ambiente? Seu comportamento a partir de experiências controladas em laboratório? A instituição escolar ou a partir das consultas pediátricas de rotina? Para Winnicott, não era essa a questão que estava posta, e sim encontrar um sentido para o olhar do observador na relação materno-infantil, ou então submeter ao ônus da prova às rememorações verbais com pacientes regredidos no transcorrer do tratamento analítico (Winnicott, 1990).

Ora, sem acesso ao que acontecia no ventre materno por falta de recursos tecnológicos, o bebê se convertia em um verdadeiro segredo a ser descoberto na hora do parto pela mãe, pelo pai e suas famílias. Até o início da segunda metade do século passado, em cada gravidez não era possível saber se o bebê seria menino ou menina, se teria saúde ou se nasceria com algum problema ou ainda se o processo maturacional do feto chegaria ao fim no tempo certo ou seria antecipado (Winnicott, 1960/1999).

Tivemos de esperar anos para que as hipóteses psicanalíticas sobre a vida pré e pós-natal pudessem ser confirmadas a partir do advento da ultrassonografia, que corroborou muitas dessas especulações, definindo o que entendemos hoje como o início da vida primitiva dos bebês.

 

A observação de bebês: uma contribuição à psicanálise

Desde que a psicanálise se interessou pela vida pré e pós-natal dos bebês, muito tempo se passou até que ela assimilasse as contribuições oriundas da tecnologia médico-científica ao seu arcabouço teórico. Uma das pioneiras nesse assunto foi a médica, obstetra e psicanalista italiana Alessandra Piontelli, que chegou a Londres na década de 70 objetivando fazer formação na Sociedade Britânica de Psicanálise (SBP). Seu percurso começa em um encontro com a também psicanalista britânica Martha Harris, em 1971, na Clínica Tavistock, clínica na qual alguns analistas da SBP trabalhavam e desenvolviam muitas de suas pesquisas. Martha Harris ensinava desde 1964, entre outras teorias, o método de observação de bebês criado por Esther Bick, também da Sociedade Britânica3. Esse método era baseado na etologia, ecologia e antropologia aplicadas à psicanálise (Bick, 1962/2002, 1964/2002, 1968/2002, 1986/2002). Bick também foi professora de Piontelli que logo se interessou em aprender seu método de observação de bebês e aplicá-lo às observações de fetos através da ultrassonografia. Em que se constitui o método de observação de bebês e qual o seu objetivo?

A observação de bebês, segundo Bick e seus colaboradores, consiste em um treino para o psicanalista de crianças e adultos em formação. Concebendo a experiência de nascimento como desorganizadora para o recém-nascido, a experiência de observá-lo no contato direto com sua mãe promove uma forma de continência das suas primeiras experiências de vida e do modo como a mãe sustentará essa relação (Bick, 1962/2002; 1964/2002; Piontelli, 1995; Chatellier, 1997; Magagna, 1997; Housel, 1997a, 1997b; Perez-Sanchez, 1997; Symington, 1997).

O observador, por sua vez, não é neutro. Ele afeta tanto a dupla mãe-bebê como é afetado por ela e deve estar consciente dos sentimentos que passará a experimentar a partir do seu trabalho. E o que se observa? Observa-se uma família dentro da qual o bebê nasceu; a relação materno-infantil; o início de um desenvolvimento humano; possíveis falhas maternas; as primeiras aparições do que Winnicott chamou de agonias impensáveis ou primitivas; a interação entre a mãe e o bebê e possíveis intervenções nessa relação, bem como uma comunicação sem verbalização. Além disso, o observador demarca um setting diferente do setting clássico – as observações são feitas com hora marcada, uma vez por semana, durante os dois primeiros anos (mas se estendendo até o quarto ano de vida da criança, sendo que, a partir do terceiro ano as sessões de observação começam a ficar mais espaçadas – bimensal, trimestral e semestral), na casa da dupla mãe-bebê e a partir de metodologia psicanalítica, em oposição às observações experimentais que se dão em laboratório (Bick, 1962/2002, 1964/2002; Chatellier, 1997; Perez-Sanchez, 1997; Piontelli, 1986/2004; 1995).

As observações do tipo experimental se definem por oposição às observações psicanalíticas enquanto método de trabalho e pesquisa. A primeira tem por objetivo evidenciar este ou aquele fenômeno previsto pela hipótese teórica construída pelo observador e definida como referência para o experimento que se quer realizar. Há ainda uma relação de causa e efeito no fenômeno observado por meio de condições previamente existentes, cujo enquadre é definido pelo seu conteúdo e não pelo acaso da própria observação. Por fim, no tipo experimental, o observador deve ser neutro e não entrar em contato nem se deixar afetar pela observação, seguindo os parâmetros da ciência positivista. Dito de outro modo, o observador não se comunica verbalmente com sua amostra. A observação psicanalítica, por outro lado, é definida eminentemente pelos limites contratuais que equivalem à regra fundamental da psicanálise e cujos limites psíquicos, da mãe, do bebê e do próprio observador, por sua vez, definem o enquadre e as capacidades de receptividade do observador, ou seja, sua capacidade de rêverie (acolhimento da demanda da dupla mãe-bebê) e a impossibilidade de sua neutralidade durante sua observação.

Esse treino objetiva investigar também uma relação dual, na qual se busca o máximo de detalhes a ser relatado. Observa-se, assim, o contexto da relação mãe-bebê, os seus corpos, os olhares de um em direção ao outro, a respiração, o ambiente, como ela o toca, como o leva ao seio, as palavras expressas para entrar em contato com o infante, etc. (Piontelli, 1995).

Com o advento da ultrassonografia nos anos 70, Piontelli (1986/2004; 1995) buscou encontrar alguma relação entre o que era vivido no ventre materno e o que poderia ser observado na relação materno-infantil após o nascimento a partir do método de Esther Bick. Suas pesquisas, através da observação de fetos gemelares ou não, demonstraram que o que era vivido em útero produzia algum impacto no desenvolvimento futuro do indivíduo, havendo, portanto, uma interação precoce entre o inato e o adquirido, entre o pré e o pós-natal, sem que algum deles fosse preponderante, levando-nos a crer que o que chamávamos de primitivo referia-se a algo bem anterior ao nascimento, corroborando as hipóteses teórico-clínicas de Winnicott.

Há mais de quarenta anos, portanto, sabia-se muito pouco sobre a vida fetal. Tudo o que era pensado até aquela época era considerado a partir de hipóteses de um mundo vivido totalmente à parte, como se a vida realmente começasse apenas com o nascimento do bebê. O feto, visto sob essa ótica, era concebido como uma tábula rasa sem nenhum a priori e nenhum a posteriori. Todas as impressões da vida mental fetal eram baseadas em especulações adultomorfas selvagens, ou seja, a experiência do feto "sempre era comparada com a vida do sujeito humano adulto e qualquer reconstrução da sua vida e funcionamento mental assumia uma via retrogressiva" (Piontelli, 1995, p. 21).

Foi graças à ultrassonografia que algumas teses psicanalíticas puderam ser comprovadas a partir de imagens geradas pela tecnologia médica. O que essa tecnologia de imagem revelou foi a individualidade do feto, por um lado, e o modo como ele se relacionava com a mãe, por outro, fazendo com que eles estabelecessem uma comunicação, ainda que simbiótica e no nível pré-verbal. Muitas dessas interpretações e imagens faziam com que os pais, ou até mesmo os obstetras "antropomorfizassem" ou "adultomorfizassem" o feto, atribuindo-lhes sentimentos, intenções e volições, ressaltando ainda mais o narcisismo dos pais, o qual se evidencia em frases tais como "ele é muito nervoso", "ela será uma bailarina", "ele (ou ela) tem a cara do pai (ou da mãe)", "este aqui vai ser jogador de futebol", "como ela é pensativa!", "ele vai ter um bom caráter", "ele é preguiçoso", entre outras (Chazan, 2000; 2005; 2008; 2011; Piontelli, 1995). O que ficou mais evidente, principalmente em fetos mais desenvolvidos a partir de seis meses de gestação, foi a necessidade de reconhecê-los como pessoas ou sujeitos humanos, pois "os bebês são humanos desde o início" (Winnicott, 1964/2006, p. 32).

 

Considerações finais

As observações de bebês para Winnicott já era uma realidade desde o início dos anos quarenta, quando passou a examiná-los em suas consultas pediátricas junto às mães (Winnicott, 1941/1978). Nessas consultas, o pediatra inglês utilizava-se de uma brincadeira com o bebê que consistia em analisar seu interesse por uma espátula e como isso poderia ser interpretado na relação materno-infantil, dando-lhe pistas acerca do seu desenvolvimento emocional. A criança podia ver naquele objeto algo do seu interesse ou apenas largá-lo após algum momento sem estabelecer relação alguma com objetos internos na figura do pediatra ou da sua mãe.

Como vimos, desde o início do seu trabalho clínico Winnicott buscava compreender o desenvolvimento da relação do bebê com a mãe (ou com o pai) através da constituição de um objeto interno, fruto da influência que sofreu de Melanie Klein no início dos seus primeiros estudos e publicações. O jogo da espátula apenas demonstrou a forma como o bebê guarda dentro de si a imago paterna ou materna com as quais ele se relaciona e como se estabelecem relações parciais ou totais de objetos no mundo interno do bebê.

Conforme afirma o pediatra inglês, a psicanálise tinha muito o que aprender com a observação direta de crianças junto às mães e em seu ambiente natural (o que fez com que Esther Bick desenvolvesse seu método, por partilhar de muitas das observações de Winnicott à sua época, e, consequentemente, Alessandra Piontelli investigasse a vida pré-natal). Não foi por acaso que a observação de bebês nasceu na Escola Inglesa de Psicanálise.

No entanto, afirma o autor, a observação direta não é por si só capaz de estabelecer uma psicologia do infante, a não ser que observadores e analistas possam correlacionar os dados do que foi observado com os dados do que foi rememorado pelos pacientes, assim como possam correlacionar o que é profundo em análise e o que é precoce no desenvolvimento da criança. "Em duas palavras: o lactente humano precisa percorrer certa distância do começo para ter a maturidade para ser profundo" [itálicos do autor] (Winnicott, 1957/1983, p. 105).

Winnicott quer chamar a atenção para as definições do que ele chama de profundo e precoce no âmbito da psicanálise e da sua teoria do desenvolvimento emocional. Para o autor, "profundo não é sinônimo de precoce porque o lactente necessita de um certo grau de maturidade [maturity, em inglês, no original, em oposição à tradução "amadurecimento" em português] para ir se tornando gradativamente capaz de ser profundo. Isto é óbvio, quase lugar-comum, e ainda assim acho que não recebeu atenção suficiente" [acréscimo nosso] (Winnicott, 1957/1983, p. 103). Para o autor, "profundo" é uma questão de uso, enquanto que "precoce" é uma questão de fato, ou, dito de outro modo:

É mais profundo citar relacionamentos mãe-criança do que relacionamentos triangulares, referir-se à ansiedade persecutório interna do que à sensação de perseguição externa; mecanismos de splitting, desintegração, e uma incapacidade de estabelecer contato me parecem mais profundos do que pode ser a ansiedade em um relacionamento [itálicos do autor] (Winnicott, 1957/1983, p. 103).

O que Winnicott chama de profundo são processos que só são adquiridos durante a transição da fase da dependência relativa para a independência, conforme sua etiologia do desenvolvimento infantil. Assim, a palavra "profundo", nessa acepção, indica profundidade na fantasia interna e inconsciente do bebê ou do paciente ou na sua realidade psíquica, nas quais estão envolvidas a mente e a imaginação do paciente durante uma análise.

Os estudos sobre bebês ainda em útero, com ou sem o recurso da tecnologia médica, puderam afirmar e confirmar o status de unidade estabelecido entre a mãe e o bebê. Mais do que isso: até o nascimento, não havia como decidir o momento preciso em que o feto se torna um ser humano ou uma pessoa, a ser estudado psicologicamente, com sentimentos e sensações que pudessem ser relembradas seja em momentos de análise, seja através da observação em útero. O que Winnicott afirmou foi que uma criança pós-madura mostra sinais de permanência excessiva no útero, assim como uma criança prematura se mostrou pouco capacitada para viver e ter experiências como ser humano e com outro ser humano, a mãe. Sendo assim, a saúde do bebê normal só pode ser pensada em termos relacionais, tanto na vida pré-natal quanto na vida pós-natal, antes e depois do nascimento.

Os pais passaram a considerar o bebê como uma pessoa, vendo nele muito mais do que ali estava – um homenzinho ou uma mulherzinha. Isto inicialmente foi rejeitado pela ciência, que afirmava que a criança não é um pequeno adulto, e por muito tempo os observadores consideraram objetivamente as crianças como seres muito pouco humanos, até que começassem a falar. Recentemente, entretanto, descobriu-se que os bebês são, de fato, humanos, embora adequadamente infantis (Winnicott, 1957/2006, p. 63).

Apesar de a ciência médica ter chegado a grandes avanços fisiológicos, genéticos e neurológicos, a psicanálise não lida com a fisicalidade dos corpos sem nenhuma relação com a representação desta no inconsciente. A psicanálise, do ponto de vista da teoria do desenvolvimento maturacional ou emocional, preocupa-se com o ser humano desde a concepção, e como tal prossegue na sua investigação através da vida intrauterina, do nascimento, verificando como o feto se transforma em uma criança viva que alcança a maturidade na adolescência, ocupando o seu lugar no mundo na idade adulta, até chegar à velhice e à morte (Winnicott, 1990, p. 51). Apesar de a saúde física do bebê (com relação à fisiologia, bioquímica e hematologia do corpo) ser de responsabilidade do pediatra que o acompanha, o interesse pela saúde emocional do infante não tem suscitado maiores interesses por parte deste profissional. Quando se trata de crianças recém-nascidas, a saúde não é o começo, mas o fim. O desenvolvimento saudável do bebê não é uma questão da fisicalidade dos corpos, e sim uma questão do desenvolvimento emocional primitivo (Winnicott, 1990, p. 133). É a partir da sua entrada no mundo e do momento em que ele começa a se relacionar com o seu ambiente materno que uma nova etapa no curso do desenvolvimento do bebê tem início.

 

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Notas

1 Sonia Rochel disponibiliza a maioria dos seus vídeos na internet em seu site pessoal. O mais famoso encontra-se no link: <https://goo.gl/7iZiBn>.

2 Preferimos utilizar nossa tradução da citação do original em inglês, à tradução corrente da edição brasileira da Imago, para reforçarmos a ligação entre os termos "margens" (seashore) – e a citação de Tagore, "mar" (sea) e "mãe" (mother). Na tradução da Imago, o termo seashore (costa, margem, litoral) aparece como "praia", termo que não enfatiza adequadamente o que Winnicott quer dizer nesse trecho. Remetemos, portanto, o leitor à Winnicott (1971/1975, p. 133-134), na edição em português, para suas próprias conclusões.

3 A obra de Esther Bick não é extensa. Durante os anos em que exerceu sua prática clínica, escreveu apenas seis artigos, mas foi fundamentalmente como supervisora que viu a maior parte de suas ideias florescerem. Remetemos o leitor ao conjunto de trabalhos organizados por Lacroix e Monmayrant (1997) e Briggs (2002), para melhor compreensão de suas ideias.

 

 

Recebido em 22 de fevereiro de 2015
Aceito para publicação em 06 de maio de 2016

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