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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.32 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2020

https://doi.org/10.33208/pc1980-5438v0032n03a09 

SEÇÃO LIVRE

 

A família na psicoterapia infantil: Uma revisão integrativa das abordagens humanistas e fenomenológicas

 

The family in child psychotherapy: An integrative review of humanistic and phenomenological approaches

 

La familia en psicoterapia infantil: Una revisión integradora de los enfoques humanísticos y fenomenológicos

 

 

Manuela de Albuquerque Rocha SiqueiraI; Lucas BlocII; Virginia MoreiraIII

IPsicóloga pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestranda do programa de pós-graduação em psicologia da Universidade de Fortaleza (PPGP/UNIFOR), Fortaleza, CE, Brasil. email: manuelarochasiqueira@gmail.com
IIDoutor em Psicopatologia e Psicanálise pela Université Paris Diderot (Paris VII), Professor do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Fortaleza, CE, Brasil. email: lucasbloc@yahoo.com.br
IIIPós-Doutora em antropologia médica pela Harvard Medical School, Doutora em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Professora do programa de pós-graduação em psicologia da Universidade de Fortaleza (PPGP/UNIFOR), Fortaleza, CE, Brasil. email: virginiamoreira@unifor.br

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo realizar uma revisão integrativa sobre a produção científica brasileira a respeito da participação das famílias no processo psicoterapêutico infantil dentre as abordagens inspiradas no pensamento humanista e/ou fenomenológico. Foi realizada uma busca de artigos publicados no período entre janeiro de 2008 e outubro de 2018 nas bases de dados PEPsic e Capes, por meio de descritores que dessem conta da multiplicidade de abordagens e nomenclaturas destas. Após a aplicação dos critérios de inclusão, estabelecidos previamente, foram selecionados 11 artigos para análise. Na análise, os artigos foram divididos em duas categorias: uma contendo os estudos que descrevem as percepções dos próprios psicólogos ou das famílias sobre o assunto, e outra com aqueles que descrevem como ocorreu a atuação junto aos responsáveis durante a psicoterapia infantil. Os resultados apontam para uma concordância entre os estudos atuais e o arcabouço teórico, mostrando o lugar relevante da participação das famílias na psicoterapia infantil. Sugere-se a ampliação das pesquisas e publicações sobre o tema, além do investimento na qualificação dos psicoterapeutas infantis para este tipo de trabalho, que tem sido pouco explorado e demonstra ser uma área que demanda grande atenção e aprimoramento dos psicólogos.

Palavras-chave: psicoterapia infantil; famílias; pais e mães; fenomenologia; clínica humanista.


ABSTRACT

This study aimed at presenting an integrative review of the Brazilian scientific production regarding the participation of families in the child psychotherapeutic process among the approaches inspired by humanistic and/or phenomenological thinking. The PEPsic and Capes databases were searched for articles published between January 2008 and October 2018, using descriptors that allowed for the multiplicity of approaches and nomenclatures in those. After applying the inclusion criteria, which were previously established, 11 articles were selected for analysis. For the analysis, the articles were divided into two categories: one containing the studies that describe the perceptions of the psychologists themselves or of the families about the process, and another category with studies describing how was the participation of families in the child psychotherapy. Results point to a concordance between the current studies and the theoretical framework, showing how relevant the families' participation is. It is suggested that research and publications on the subject be expanded, in addition to investing in the qualification of children's psychotherapists for this type of work, which has not been much explored and proves to be an area that requires great attention and improvement by psychologists.

Keywords: child psychotherapy; families; fathers and mothers; phenomenology; humanist psychology.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo realizar una revisión integrativa sobre la producción científica brasileña acerca de la participación de las familias en el proceso psicoterapéutico infantil entre los enfoques que poseen inspiración en el pensamiento humanista y/o fenomenológico. Se realizó una búsqueda de artículos publicados en el período entre enero de 2008 y octubre de 2018 en las bases de datos PEPsic y Capes, por medio de descriptores que dieran cuenta de la multiplicidad de abordajes y nomenclaturas de éstas. Después de la aplicación de los criterios de inclusión, establecidos previamente, se seleccionaron 11 artículos para análisis. En el análisis, los artículos fueron divididos en dos categorías: una conteniendo los estudios que describen las percepciones de los propios psicólogos o de las familias sobre el tema, y otra con aquellos que describen cómo ocurrió la actuación junto a los responsables durante la psicoterapia infantil. Los resultados apuntan a una concordancia entre los estudios actuales y el marco teórico, mostrando el lugar relevante de la participación familiar en la psicoterapia infantil. Se sugiere la ampliación de las investigaciones y publicaciones sobre el tema, además de la inversión en la calificación de los psicoterapeutas infantiles para este tipo de trabajo, que ha sido poco explorado y señala ser una área que demanda gran atención y perfeccionamiento de los psicólogos.

Palabras clave: psicoterapia infantil; familias; padres y madres; fenomenología; clínica humanista.


 

 

Introdução

O início dos trabalhos em psicoterapia infantil remonta ao momento da criação da psicanálise por Sigmund Freud (1856-1939), com a noção de que as primeiras experiências podem ser tão críticas que até mesmo as crianças podem ter necessidades de intervenção (Weisz et al., 2005). A psicoterapia com crianças se desenvolveu durante o século XX, inicialmente com enfoque psicanalítico, ao qual trabalhos sob outras abordagens se seguiram. No final do século, a psicoterapia infantil já se mostrava em marcante expansão em sua variedade e alcance (Weisz et al., 2005).

Atualmente, após todo um processo de desenvolvimento teórico e metodológico, as diferentes abordagens de psicoterapia infantil apresentam suas diferenças em termos de visão do ser humano e metodologia de atuação. Porém, algumas características podem ser consideradas como típicas da clínica com crianças, como a possibilidade de trabalho com crianças de qualquer faixa etária, os métodos lúdicos com uso de brinquedos e demais recursos, o entendimento de que o brincar é a forma de expressão e ação criativa da criança no meio, de que a problemática apresentada pela criança faz parte de contextos mais amplos, como o familiar (independentemente de sua configuração), o escolar, o social, dentre outros (Aguiar, 2005). A participação das famílias, ou mesmo a sua necessidade, é uma das características da psicoterapia infantil, principalmente se partirmos da consideração que são as famílias que, geralmente, identificam as demandas das crianças e as conduzem para o acompanhamento psicológico (Klinger et al., 2011; Bazanelli-Prebianchi, 2011). De forma direta ou indireta, a família, em suas diferentes configurações, participa dos atendimentos do início ao fim (Gordon & Cooper, 2016) e possui um papel determinante para que se alcancem os objetivos da clínica psicológica com crianças (Post et al., 2012).

O processo psicoterapêutico infantil geralmente inclui sessões individuais ou grupais com as crianças. Periodicamente, são também realizadas sessões com a família (pais, mães e outros familiares com maior proximidade), assim como podem ocorrer sessões conjuntas com a criança e sua família. Os atendimentos com os responsáveis têm o intuito de oferecer acolhimento e escuta, fornecer orientações e informações sobre o desenvolvimento infantil que possam constituir dúvidas, sensibilizar para a compreensão das questões da criança e até mesmo favorecer a comunicação entre os membros da família, sempre tendo como foco principal o benefício da criança que está sendo atendida (Aguiar, 2005; Oaklander, 1980).

Em estudo exploratório com psicoterapeutas infantis de diferentes abordagens, Oliveira et al. (2018) encontraram que todos os participantes costumam incluir os pais na psicoterapia da criança, a maioria (76,3%) com regularidade e os demais (23,7%) de acordo com a necessidade do caso, variando entre periodicidade semanal (2,6%), quinzenal (27,6%), mensal (57,9%) ou variável (11,8%). As principais técnicas utilizadas pelos psicoterapeutas no momento das entrevistas com as famílias foram escuta aberta, coleta de informações sobre a criança e aconselhamento e orientação aos pais. Esta pesquisa também se preocupou em descrever categorias relacionadas a dificuldades e benefícios relacionados à participação dos pais, constituindo dificuldades: a criança como sintoma dos conflitos familiares ou do casal; a resistência dos pais à psicoterapia e às mudanças; e o cumprimento do contrato pelos pais (p. 41). Os benefícios identificados foram: a aliança terapêutica; a compreensão da dinâmica familiar e dos sintomas da criança; e o fortalecimento dos vínculos entre pais e filhos.

A importância da participação das famílias na psicoterapia da criança se explica pela função essencial desempenhada por elas na formação e no desenvolvimento do indivíduo. A criança, quando nasce, adentra um contexto familiar específico que pode favorecer ou dificultar determinados comportamentos. Inicialmente, é nesse contexto que ela começa a adquirir suas características pessoais e singulares, ao assumir e diferenciar papéis, além de aprender modelos de comportamento social e receber bases para seu aprendizado emocional (Benedito et al., 1988). Com isso, as dificuldades apresentadas no trabalho com a criança necessariamente se encontram relacionadas a dificuldades nos vínculos familiares (Benedito et al., 1988; Aguiar, 2005).

Ao entender que a família é uma totalidade autorregulada e que consequentemente, ao se trabalhar com uma criança na clínica psicológica infantil, intervém-se no equilíbrio dessa totalidade familiar, evidencia-se que esse aspecto deverá ser levado em conta durante a compreensão diagnóstica e o processo terapêutico (Aguiar, 2005). Ao longo desse processo, cabe ao psicoterapeuta infantil acompanhar as famílias das crianças que atende, oferecendo o suporte necessário para que o sistema familiar possa lidar de forma mais satisfatória com as mudanças e atingir um novo equilíbrio (Aguiar, 2005).

Costa e Dias (2005), em estudo com psicoterapeutas infantis das abordagens gestáltica, centrada na pessoa e psicodrama, levantaram que estas já experimentaram sentimentos de frustração, solidão e impotência em relação à dependência desse processo para com pais ou a rede social. De acordo com as autoras, os pais podem vir a acreditar que serão apontados pelo psicoterapeuta como culpados pelos problemas da criança, e a resistência por eles expressada pode decorrer daí. As autoras afirmam ainda que, provavelmente, isso ocorre por conta de práticas que privilegiam o saber do psicólogo e desqualificam o saber dos pais, focando mais nas deficiências do que nas competências destes.

Muitas vezes a possibilidade de reconfiguração familiar, advinda das mudanças da criança em psicoterapia, pode ser vivida pela família como ameaça ao seu equilíbrio e, percebendo-se sem suporte para dar continuidade ao processo terapêutico, pode vir a acontecer uma interrupção precoce e inesperada do processo. Ao contrário, quando a família encontra apoio para vivenciar e superar os desequilíbrios momentâneos que podem ocorrer durante a psicoterapia infantil, ela tem possibilidades de crescer e se reconfigurar para formas mais saudáveis de se relacionar (Aguiar, 2005).

Partindo da premissa que a psicoterapia infantil é atravessada diretamente pela participação da família no processo psicoterapêutico, questiona-se a produção científica que envolve a participação da família na psicoterapia infantil. Assim, este artigo tem como objetivo analisar a produção científica sobre a participação de pais, mães e outros familiares no processo psicoterapêutico infantil. Diante da diversidade de abordagens psicoterápicas e suas especificidades, e da prática clínica dos autores do artigo, optou-se por focar em artigos que utilizam como base as abordagens humanistas e/ou fenomenológicas em psicoterapia. Foram contempladas, portanto, as seguintes abordagens clínicas: gestalt-terapia, abordagem centrada na pessoa, ludoterapia, psicoterapia humanista, psicoterapia humanista-fenomenológica, psicoterapia fenomenológico-existencial e psicodrama. Ainda que o psicodrama não seja considerado uma abordagem ligada diretamente ao movimento humanista e/ou fenomenológico em psicologia, para fins deste estudo, incluímos essa abordagem por suas afinidades com esta perspectiva. A escolha deste caminho visa, de um lado, a contemplar as perspectivas oriundas da psicologia humanista - considerada a terceira força em psicologia, que surge na primeira metade do século XX no contexto norte-americano e tem como principais representantes autores como Carl Rogers, Rollo May, Frederick Perls, entre outros -, e, de outro, a lente fenomenológica - filosofia que surge no início do século XX com Edmund Husserl e que tem fornecido, ao longo das décadas, contribuições teórico-metodológicas para a clínica, além de ter influenciado e estabelecido um diálogo com a psicologia humanista e de se apresentar como método qualitativo de investigação empírica. Surgidas no período pós-guerra, as perspectivas humanista e/ou fenomenológica inauguraram novas formas de se entender o homem e serviram de base para o surgimento de propostas psicoterapêuticas voltadas para o público infantil.

 

Método

Este estudo utilizou como método a revisão integrativa de literatura, que permite sintetizar o estado do conhecimento científico acerca de determinado tema, aponta possíveis lacunas e possibilita extrair conclusões gerais. Este método de pesquisa oferece a possibilidade de adquirir informações aprofundadas sobre determinado assunto, baseando-se em estudos anteriores e analisando-os criticamente, podendo ser eficaz para o profissional que o consulta, em vez de precisar recorrer às fontes originais, muitas vezes em grande quantidade (Mendes et al., 2008).

Apresentaram-se neste artigo os resultados das buscas por artigos disponíveis nas bases de dados Capes e PEPsic publicados nos últimos dez anos a respeito do tema esboçado. O levantamento foi realizado no início do mês de outubro de 2018. A pesquisa foi realizada por meio da combinação de diversas palavras-chave, utilizando os operadores booleanos AND e OR. Inicialmente, foram utilizados os descritores que se referem ao processo terapêutico infantil (psicoterapia infantil OR psicoterapia de crianças OR psicoterapia da criança OR ludoterapia), que em seguida foram combinados por meio do operador AND com os descritores que se referem aos responsáveis pela criança (pais OR família).

Tendo em vista a diversidade de abordagens psicológicas vinculadas às práticas que serão abordadas neste trabalho, foram utilizados também como descritores aqueles que identificam as abordagens (gestalt-terapia OR abordagem centrada na pessoa OR psicodrama OR psicoterapia humanista OR psicoterapia fenomenológico-existencial OR psicoterapia humanista-fenomenológica), as quais foram combinadas com os descritores referentes ao atendimento infantil (crianças OR infância).

Como critérios de inclusão, foram considerados: (1) data de publicação de janeiro de 2008 a outubro de 2018; (2) escritos em português, espanhol ou inglês; (3) exclusivamente artigos empíricos disponíveis eletronicamente; (4) fazerem referência a abordagens de inspiração humanista e/ou fenomenológica ou que utilizem um método fenomenológico de pesquisa; (5) fazerem referência direta à prática clínica com crianças, de avaliação, de manejo das sessões ou técnicas; (6) mencionarem a participação dos pais e/ou familiares no processo psicoterapêutico.

Após consulta às bases de dados, foram identificados 187 artigos, 127 na base de dados Capes e 60 na base PEPsic. Primeiramente, foi realizada a leitura de resumos e palavras-chave. Com a aplicação dos critérios de inclusão/exclusão na leitura dos resumos e a eliminação dos repetidos, foram selecionados 29 artigos. Em seguida, os artigos selecionados foram lidos na íntegra e excluídos aqueles que não atendiam ao objetivo da pesquisa, isto é, não tratavam da participação dos pais, mães e/ou familiares no processo psicoterapêutico infantil com abordagens humanista e/ou fenomenológica. Foram incluídos estudos que não indicaram abordagem, assim como aqueles que indicavam apoio em abordagens mistas. Os estudos com adolescentes que continham crianças também foram contemplados. Ao final, restaram selecionados onze artigos, que tiveram suas informações registradas, culminando na descrição e análise dos estudos que atenderam aos objetivos propostos.

 

Resultados

Observou-se que, nas bases de dados consultadas, quanto ao período, foram publicados até três artigos por ano, como é o caso de 2011, período de maior concentração de publicações. Nos anos de 2008, 2012 e 2013 não foram encontradas publicações com as características pretendidas. As técnicas empregadas na coleta de dados foram relatos de experiência (5 artigos), estudo de caso ou relato de caso clínico (2), encontros terapêuticos (1) e observação participante (1). Nos estudos com foco nos próprios psicólogos, utilizou-se questionário com perguntas abertas e fechadas enviado por e-mail (2) e a entrevista semiestruturada (1). A Tabela 1 apresenta a caracterização dos artigos contemplados.

 

 

Em seguida, foi realizada a análise dos principais achados a respeito do tema proposto, ou seja, do trabalho com os responsáveis na psicoterapia infantil, subdivididos em duas categorias: (1) Percepções de psicólogos e dos responsáveis sobre sua participação na psicoterapia infantil; e (2) Relatos de sessões/intervenções.

Percepções de psicólogos e responsáveis sobre a participação das famílias na psicoterapia infantil

Compõem essa categoria os estudos que se preocuparam em compreender a percepção das pessoas que participam de sessões familiares na psicoterapia infantil, sejam as famílias, seja o psicoterapeuta, sejam as crianças. Os artigos desenvolvem pesquisas empíricas que têm como foco os agentes participantes do processo psicoterapêutico. Rodrigues e Nunes (2010) desenvolveram uma pesquisa fenomenológica com gestalt-terapeutas infantis que foram consultados para relatar suas experiências sobre o brincar, assim como suas possibilidades, as habilidades necessárias e as dificuldades vivenciadas por eles. Para a coleta de dados, os autores utilizaram um questionário estruturado, que buscava explorar a experiência dos gestalt-terapeutas, tendo como objetivo principal buscar o significado do brincar para estes. Na análise dos dados, os autores se basearam no método proposto por Amadeo Giorgi e nas contribuições de Antônio Coppe. A relação com os responsáveis pelas crianças em atendimento foi mencionada como a principal dificuldade vivenciada pelos participantes desse estudo, principalmente suas expectativas e sua colaboração com o processo terapêutico, ou ainda as dificuldades do próprio terapeuta em desenvolver essa relação.

O estudo de Bazanelli-Prebianchi (2011) preocupou-se em avaliar os serviços de uma clínica-escola que oferece psicoterapia infantil nas abordagens comportamental, humanista e psicanalítica, realizando entrevistas com os estagiários de psicologia que atendem as crianças e com os responsáveis por elas. Foi encontrado que os estagiários se queixam da incompreensão dos responsáveis a respeito do serviço prestado. Em contrapartida, esses reclamam da falta de comunicação com os estagiários, o que acaba por excluí-los do processo e pode, portanto, diminuir o entendimento sobre ele. Os autores chamam a atenção para a importância dos atendimentos com os responsáveis, já que existem concepções sociais e culturais em relação ao corpo, à saúde e à doença que diferem do entendimento dos psicólogos. Além disso, como a clientela é encaminhada por outros profissionais de saúde, geralmente apresentam-se com diferentes expectativas e crenças do que sejam o tratamento psicológico, a doença, suas causas e as possibilidades de cura. É apontado que a exclusão dos responsáveis pelas crianças do processo terapêutico minimiza o trabalho colaborativo, dificulta a parceria entre o psicólogo e a rede social da criança e torna o processo vulnerável ao abandono. Em suas conclusões, a autora afirma que a formação clínica que privilegia o individual e o intrapsíquico em detrimento de um olhar histórico e social pode trazer estas e outras consequências negativas ao processo terapêutico. Apesar de incluir na pesquisa estagiários que atendem sob diversas perspectivas, a teoria utilizada, assim como a análise dos resultados, é fundamentada no referencial humanista. Na análise dos dados, também é utilizada a análise de conteúdo de Bardin.

Oliveira et al. (2018) desenvolveram um estudo exploratório de levantamento com psicoterapeutas infantis de diferentes abordagens. Encontraram que todos os participantes costumam incluir os pais na psicoterapia da criança. Nos resultados da fase exploratória de sua pesquisa, criou categorias que diziam respeito às dificuldades e benefícios que os psicólogos atribuíram à participação dos responsáveis na psicoterapia infantil. Como dificuldades, uma categoria chama-se "a criança como sintoma dos conflitos familiares ou do casal", indicando que os psicólogos percebem como dificuldade comum os casos em que a criança é representante de um problema que é familiar ou conjugal. Nesses casos, percebem dificuldades por parte dos responsáveis em reconhecerem seus próprios conflitos e se implicarem no processo. Eles podem experimentar o sentimento inconsciente de culpa pelos problemas do filho, mas o expressam demonstrando competitividade com o terapeuta, acabando por atribuir a ele toda a responsabilidade de resolver os problemas da criança. Outra categoria foi nomeada "resistência dos pais à psicoterapia e às mudanças", relacionada ao comportamento dos responsáveis de não responderem de forma saudável à melhora da criança ou ao surgimento de suas próprias dificuldades, interrompendo bruscamente o processo ou deixando de cumprir combinados. Também alegaram perceber nos pais (homens) uma maior dificuldade em participar do processo.

A categoria "cumprimento do contrato pelos pais" indicou a ocorrência de faltas, atrasos, descumprimento de obrigações de pagamento, sigilo e outras relacionadas a tal assunto. Como benefícios, a categoria "aliança terapêutica" diz respeito à percepção de que, quando os responsáveis e os psicólogos estabelecem uma boa relação, se favorece uma melhor adesão da criança ao processo, melhor vínculo com o terapeuta e melhor aporte de informações. A "compreensão da dinâmica familiar e dos sintomas da criança" é citada como benefício, que advém da participação dos responsáveis nas reuniões de acompanhamento, possibilitada por um melhor entendimento de pais e mães sobre suas expectativas, desejos e preocupações, contribuindo também para a consolidação das mudanças que vão acontecendo. Por fim, a categoria "fortalecimento dos vínculos pais-filhos" refere-se à percepção pelos psicólogos de que o trabalho com os responsáveis possibilita que haja melhor comunicação e compreensão entre a família, com melhora nas relações estabelecidas entre seus membros.

Os autores concluem que perceberam um consenso sobre a importância desse tipo de participação na psicoterapia infantil, incluindo a flexibilidade com que isso pode acontecer, dentre outros achados. Este estudo utilizou questionário como instrumento de coleta de dados, foi feita uma análise descritiva da parte quantitativa e análise de conteúdo de Bardin da parte dissertativa. Dentre os psicoterapeutas participantes do estudo, apenas um identificou-se como gestalt-terapeuta e outros 14 com abordagens mistas, enquanto os demais dividiram-se entre as abordagens psicanalíticas e comportamentais. Não existem outras referências às abordagens de inspiração humanista e fenomenológica.

Relatos de sessões/intervenções

Entre os resultados, encontram-se estudos que abordam diretamente as intervenções clínicas com as famílias durante as sessões familiares ou conjuntas. Os artigos se centram na dimensão prática que envolve a participação familiar na psicoterapia e as possíveis intervenções propostas. Campos e Cury (2009) descrevem um estudo fenomenológico com o objetivo de realizar e analisar encontros terapêuticos e seu enquadramento como possibilidade para a criação de um espaço de acolhimento e escuta em ambiente institucional (uma creche da rede pública). Os encontros terapêuticos eram realizados individualmente com crianças de 3 a 6 anos, por iniciativa da própria criança e sob a perspectiva da psicologia humanista. É citado que foram realizadas reuniões com os responsáveis no início e no final da pesquisa, além de esclarecimentos aos que os procuravam durante o trabalho. Porém, é importante ressaltar que no artigo não houve a preocupação de detalhar essas reuniões. O estudo utiliza o referencial teórico da Abordagem Centrada na Pessoa de Carl Rogers e da Ludoterapia Centrada na Criança de Virginia Axline. A coleta de dados ocorreu por meio dos próprios encontros terapêuticos. Foi realizada uma análise fenomenológica das narrativas das crianças que participaram dos encontros, a partir do acontecer clínico que emergiu desses encontros, buscando apreender o significado das experiências vividas.

O artigo de Campos et al. (2011) apresenta um relato de experiência de gestalt-terapia infantil de grupo no contexto da saúde pública. Nesse modelo de trabalho, optou-se pelo atendimento em conjunto (crianças e responsáveis) a cada três encontros apenas com as crianças, começando pelo primeiro encontro, em que tanto pais quanto crianças expuseram suas queixas iniciais, e finalizando com o encerramento do grupo. Os objetivos dos encontros em conjunto se relacionavam a desmistificar crenças sobre o processo terapêutico e verificar expectativas, observar o diálogo e a relação entre crianças e responsáveis, realizar apontamentos sobre o que estava sendo observado visando a promover discussões e awareness. Em suas considerações finais, aponta a família como representando grande influência sobre a criança em seu campo holístico e que a participação dos responsáveis no processo psicoterapêutico infantil está ligada a intervenções mais satisfatórias relacionadas ao autoconhecimento e ao possível diálogo entre os envolvidos. Nesse estudo, a fenomenologia e o humanismo são representados pela abordagem gestáltica, utilizada pelos autores como referencial clínico.

O artigo de Wechsler et al. (2014) apresenta práticas de intervenções psicodramáticas com foco clínico e socioeducacional. No foco clínico, relata uma intervenção em que se procura atendimento para uma criança de três anos. Entretanto, são identificados conflitos familiares e indicada terapia familiar. É descrita também uma sessão de psicoterapia familiar, com pai, mãe e a criança e, nas conclusões, é reconhecido o desserviço que seria trabalhar apenas com a criança, pois a identidade infantil é produto das relações intersubjetivas com os grupos, o primeiro dos quais é constituído pela família. A técnica da Realidade Suplementar é apresentada como possibilidade de atuação nessa demanda, permitindo a elaboração de questões e solução de conflitos por intermédio de personagens imaginários. Ainda no foco clínico, as autoras relatam brevemente um atendimento em grupo com cinco crianças de idades entre seis e oito anos, porém sem informar sobre o manejo junto aos responsáveis pelas crianças. No foco socioeducacional, relata brevemente sobre o trabalho numa instituição, com um grupo com mães de crianças que estavam em tratamento contra o câncer, servindo de espaço de escuta, acolhimento ao sofrimento e convivência. Um segundo grupo de mães foi criado, porém, assim como o primeiro, passou por um esvaziamento que já era recorrente nesse tipo de trabalho naquela instituição. Não descreveu com detalhes o manejo dos grupos. Ambos, após o esvaziamento, se transformaram em outros, de acordo com as demandas que surgiam espontaneamente, que foram acolhidas como oportunidades de não enrijecimento frente ao instituído. O segundo grupo passou a atender crianças e adolescentes, trabalhando também questões relacionadas a como lidar com a doença. As autoras analisaram, por meio do relato de experiência, as práticas relatadas à luz do psicodrama como abordagem psicoterapêutica.

Em estudo com fundamentação também no psicodrama, Bérgamo e Bernardes (2015) apresentam o relato de experiência de uma avaliação psicológica de uma criança vítima de abuso sexual. Descrevem brevemente sessões com a criança e com a mãe, informando que o pai e o padrasto (acusado de praticar os abusos contra a criança) foram convidados, mas não compareceram. Apresentam interpretações acerca da dinâmica familiar identificada na avaliação, assim como dos efeitos sobre a mãe de uma sessão conjunta entre ela e a filha. O final da avaliação indicou psicoterapia tanto para a mãe como para a criança. Nesse relato de experiência, a abordagem psicodramática foi utilizada pelos autores como base teórico-metodológica.

O artigo de Santos (2015) tem como objetivo promover reflexões sobre o processo de avaliação psicológica de fundamentação gestáltica, utilizando o método fenomenológico e tendo como ilustração um caso clínico. A autora demonstra a importância do processo de avaliação inicial, para que possa definir de que forma realizará o manejo com a criança, seus pais e a escola. Aborda principalmente a participação dos pais da criança durante a avaliação do caso clínico, com descrições a respeito das expectativas apontadas pelos responsáveis, o que identificava neles e como respondeu a eles. Descreve também como ocorreu a sessão devolutiva, sua importância para informar aos pais sobre a criança, como também para implicá-los no processo terapêutico que seria indicado. Relata brevemente sobre as mudanças percebidas na relação deles com a criança após dois anos de psicoterapia com sua filha. A autora afirma que seu vínculo com os pais tem papel fundamental no processo de avaliação psicológica e psicoterapia, compreendendo que os responsáveis têm a atribuição de informar sobre a criança, mas que também estão implicados nos sintomas. A autora utiliza a gestalt-terapia como aporte central, destacando também seu caráter fenomenológico. Menciona, por exemplo, o método fenomenológico na prática da avaliação psicológica infantil, a importância de estar com a criança sem aprioris, ainda que reconheça a impossibilidade de suspendê-los completamente. A visão humanista é ainda apontada como tendo influenciado uma mudança na forma como as avaliações psicológicas eram feitas e que, sob outros referenciais, tendiam a reforçar um desequilíbrio de poder entre o psicólogo e o cliente.

No estudo de Andrade et al. (2017) é apresentado um modelo de intervenção em um grupo formado por crianças de 9 a 11 anos, com queixas associadas a dificuldades de aprendizagem e a problemas de comportamento. Nos encontros grupais era utilizada como abordagem teórico-metodológica o psicodrama moreniano. Quanto à atuação com os pais ou responsáveis pelas crianças, é citada apenas uma entrevista de anamnese, realizada também num grupo com eles.

Bittencourt e Böing (2017) apresentam o relato de experiência da atuação em um Centro de Atenção Psicossocial para Infância e Adolescência (CAPSi) em grupos de crianças, adolescentes e familiares. As experiências relatadas tiveram como base epistemológica o pensamento sistêmico e como base teórico-metodológica as visões sistêmica e gestáltica. A entrada da criança nos grupos era precedida de uma entrevista de anamnese individual com a família, com o objetivo de verificar a queixa inicial, a história da criança e seu desenvolvimento psicomotor. Também eram realizadas sessões com as famílias no entendimento de que, além das características individuais, deve-se focalizar as relações e o contexto de vida da criança. Essas sessões familiares eram realizadas tendo como base a perspectiva sistêmica e não foram fornecidas maiores informações sobre o manejo clínico, mas sim a respeito da teoria e da convergência entre as duas abordagens. Promover o engajamento das famílias nos processos de diagnóstico e intervenção foi um dos fatores citados como dificultadores do processo psicoterapêutico. A gestalt-terapia é apontada como abordagem cujas bases se fundamentam, dentre outras teorias, na fenomenologia. As autoras apoiaram-se na visão humanista na diferenciação entre a psicologia e as demais áreas, nas equipes multidisciplinares.

O estudo de Pajaro e Andrade (2018) relata o processo psicoterápico de uma criança, tendo como objetivo apresentar a leitura fenomenológica do desenho como metodologia de trabalho na psicoterapia. Para isso, foi realizado um estudo de caso, utilizando como método a pesquisa documental dos diários de campo da psicoterapeuta e dos desenhos do cliente. As autoras descrevem como foram realizadas as leituras fenomenológicas de sete desenhos da criança e apontam de que forma este método pode refletir nas intervenções clínicas em gestalt-terapia. São abordados atendimentos com a mãe, que tinham o objetivo de favorecer nela o acolhimento ao sofrimento da criança. Fala-se em "acompanhamento contínuo", porém sem especificar a periodicidade, os participantes e as características do manejo clínico nessas sessões.

 

Discussão

Os resultados encontrados mostram, de forma geral, o lugar relevante da participação das famílias, em suas diferentes configurações, na psicoterapia infantil. No que tange às abordagens humanistas e fenomenológicas, esses resultados sugerem dois caminhos distintos. O primeiro caminho é centralizado no uso do método fenomenológico como estratégia de investigação qualitativa que foca na experiência daqueles que estão envolvidos. Estes estudos são importantes por trazerem de forma próxima a experiência dos envolvidos como norte de possíveis intervenções e reflexões do contexto infantil. O segundo caminho se volta para as intervenções de base humanista e fenomenológica, mostrando como tais abordagens têm desenvolvido uma prática clínica com crianças. Podem ser destacados os estudos, de cunho empírico, que trazem intervenções do psicodrama e da gestalt-terapia. Vale ressaltar que esses dois caminhos, ainda que distintos, são fundamentais para se lançar um olhar amplo sobre o fenômeno infantil e para o sofrimento que o envolve, compreendendo-se todo o campo envolvido. Quanto mais a participação da família é deixada de lado, mais se contribui para um centramento na criança como um problema.

Foram identificados três estudos (Rodrigues e Nunes, 2010; Bazanelli-Prebianchi, 2011; Oliveira et al., 2018) que descreveram a percepção dos psicólogos sobre o trabalho com os responsáveis na psicoterapia infantil. Nesses trabalhos, os psicólogos reconhecem: a necessidade da participação das famílias; a importância de uma condução de qualidade desse momento para o fortalecimento da relação de confiança entre a família, o psicólogo e a criança; e os ganhos referentes ao nível de informações sobre o caso, o comprometimento dos responsáveis com o cumprimento do contrato, com o andamento da terapia e com uma maior abertura para as possibilidades de mudanças que podem advir desse processo. Esses achados confirmam visões presentes na literatura sobre o tema (Aguiar, 2005; Oaklander, 1980) e reconhecem o caráter imprescindível da participação familiar na psicoterapia infantil. As intervenções não são percebidas como um complemento, mas como uma dimensão efetiva que compõe esse tipo de trabalho.

A vivência dos psicólogos infantis indica a necessidade de um maior suporte teórico-prático para o manejo das sessões com as famílias. Um dos estudos (Bazanelli-Prebianchi, 2011), em sua conclusão, afirma que o conhecimento a respeito do processo psicoterapêutico é dos psicólogos, e não necessariamente dos pais, cabendo aos primeiros o cuidado nos esclarecimentos e ajustes de expectativas. Costa e Dias (2005) afirmam que a maturidade emocional e o acúmulo de experiência profissional do terapeuta contribuem para uma melhor articulação entre teoria e prática, com consequente melhora no manejo da relação com as famílias e favorecendo um processo mais efetivo. Esta articulação pode e deve ser facilitada por uma produção científica que explore a participação familiar no processo. Ainda que se reconheça a relevância, o aprofundamento teórico-prático parece ainda ser limitado. E, por mais que a literatura de forma geral e comum reconheça a relevância da participação familiar, a carência de estudos dificulta uma maior apropriação dos profissionais envolvidos.

Foi encontrado apenas um estudo que trata das percepções das famílias sobre o processo, com informações de que existiam dificuldades na comunicação com os terapeutas. São, portanto, dados que se complementam: de um lado as famílias que se sentem desassistidas e desinformadas; de outro, psicólogos que se sentem incapazes ou incompreendidos. Não foram encontradas nesses estudos informações sobre atitudes de compreensão e empatia para com os responsáveis pelas crianças, conforme verificou-se na literatura, acerca de seus sentimentos, dificuldades, frustrações como pais, mães, pessoas com suas próprias histórias. As famílias estão também imersas em diversos contextos e recorrem ao psicólogo para obter ajuda, ainda que, em vários casos, essa ajuda seja percebida por eles como necessidade da criança. Isso pode ser papel difícil para o psicólogo infantil, pois está ali pela criança, conhece suas dores e é porta-voz dela. Porém, o reconhecimento de que os próprios pais e mães têm suas histórias, suas dores e justificativas pessoais para o seu comportamento (Axline, 1986), e a aceitação de que criticar e julgar os pais não é nosso papel (Aguiar, 2005) pode contribuir para entendê-los como colaboradores do processo, ainda que comumente não saibam como fazê-lo. O discurso comum e consensual acerca da necessidade da participação da família na psicoterapia destoa da aparente dificuldade em situá-los nesse processo.

Não foram encontrados estudos que abordem a percepção das próprias crianças sobre a participação de suas famílias no processo terapêutico, o que surge como um paradoxo, já que na psicoterapia infantil, o principal foco é na criança. Considerou-se importante verificar como as sessões familiares ou conjuntas são entendidas pela criança. Ainda que se reconheça a dificuldade para o desenvolvimento desse tipo de pesquisa, é fundamental que ela seja ouvida para que estratégias efetivas sejam desenvolvidas.

No que diz respeito à categoria "Relatos de sessões/intervenções", foram identificados estudos que abordam a participação das famílias no processo psicoterapêutico em diferentes fases da psicoterapia. No entanto, eles não especificam claramente como ocorre esse trabalho. Dois estudos (Wechsler et al., 2014; Bittencourt e Böing, 2017) que não se concentraram em descrever como ocorreu o acompanhamento às famílias informaram, ainda, que houve dificuldades relacionadas a esse aspecto, sem informar quais. Os demais estudos trouxeram descrições de sessões com os responsáveis, manejo técnico e suporte teórico, com indicações de técnicas e fazendo reflexões. Apesar de restritos em quantidade, percebe-se a diversidade das intervenções propostas, com possibilidades de atuação junto às famílias individualmente, em grupo ou em sessões conjuntas. Os estudos encontrados relatam experiências em coerência com as abordagens pesquisadas, preservando o foco no benefício da criança, o seu sigilo e o entendimento que seus problemas fazem parte de um contexto mais amplo, do qual é dependente. Esse tipo de estudo pode servir de inspiração para a prática, além de oferecer apoio ao psicólogo infantil que, de acordo com Costa e Dias (2005), pode vivenciar sentimentos de frustração, solidão e impotência em relação à atuação com as famílias das crianças. O compartilhamento de experiências por meio do relato de outros psicólogos pode contribuir para diminuir a solidão profissional citada por essas autoras, já que chegaram em sua pesquisa à percepção de que existem poucos psicólogos infantis que atuam segundo as abordagens estudadas (gestalt-terapia, psicodrama e abordagem centrada na pessoa).

Não foram encontrados estudos que apontem situações de falhas ou insucessos vinculados à relação com as famílias no processo terapêutico infantil. A importância desses pode ser uma alternativa para o acolhimento e suporte aos profissionais que passam por essa experiência sozinhos em seus consultórios, embora sejam situações comuns. A convivência em uma sociedade que privilegia ideais de sucesso, desempenho, rapidez e perfeição também pode afetar esse profissional, que, por estar imerso nesses mesmos valores, pode deixar de estar próximo da criança e de promover o espaço necessário à reflexão das famílias sobre seus valores e estilos de vida (Mattar, 2010).

 

Considerações finais

Considerando as duas bases de dados consultadas e o período de tempo utilizado, foi encontrada uma quantidade restrita de trabalhos que abordam com mais profundidade o trabalho junto aos pais e demais familiares no processo psicoterapêutico infantil. Apenas onze artigos preocuparam-se em informar que houve um acompanhamento às famílias das crianças e, ainda assim, somente cinco estudos indicaram com maiores detalhes como efetivamente ocorreu este acompanhamento. Tais detalhes permitiram a percepção de que existem várias formas de realizar esse tipo de intervenção, com ações individuais, grupais, conjuntas, com apenas um dos responsáveis ou com vários, periodicamente ou esporadicamente, utilizando leituras de histórias, desenhos, dramatizações, dentre outras das mais variadas técnicas.

Percebe-se que existe nos estudos um consenso sobre a importância da participação das famílias para que o processo psicoterapêutico infantil seja viável e tenha resultados mais efetivos. Infelizmente, esse momento da psicoterapia infantil parece ainda ser encarado mais como um ônus pelos psicólogos do que como um trabalho valioso e que também implica formação, atenção, preparo e dedicação. Sugere-se aos psicólogos infantis maior atenção à sua própria qualificação para atuação junto às famílias das crianças e que se busque trocar experiências com outros profissionais sobre o assunto, sejam de sucesso, sejam de fracasso, tanto tendo em vista o conhecimento, quanto a diminuição da solidão que se pode experienciar.

Sugere-se o investimento em pesquisas, publicações de estudos e experiências sobre o trabalho com as famílias na clínica infantil, tendo em vista que este campo tem sido pouco explorado e é uma área que demanda grande atenção e aprimoramento dos psicoterapeutas.

 

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Recebido em 12 de fevereiro de 2019
Aceito para publicação em 14 de fevereiro de 2020

 

 

Esta pesquisa está vinculada ao projeto PQ-1D "Fenomenologia Clínica da Intersubjetividade no mundo vivido (Lebenswelt) psicopatológico", do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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