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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.55 no.102 São Paulo jan./jun. 2022
HISTÓRIA DA PSICANÁLISE
Nota introdutória1
Luiz Moreno Guimarães Reino
Membro filiado do Instituto Durval Marcondes da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Doutor pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). São Paulo / luizmorenog@gmail.com
O tema "conflito de gerações" era frequente na psicanálise brasileira no início de 1970. Por meio dele, investigava-se alguns fenômenos sociais recentes na época. Fenômenos que pareciam ter um traço recorrente: propunham algo novo, mas também rompiam com a tradição.
Nos anos 1950, nascia a "geração beat"; nos 1960, de certa forma, sucedendo aos beatniks, surgiam os hippies; o festival de Woodstock, por exemplo, ocorreu em 1969, a pleno vapor do "movimento hippie", ou melhor, a pleno paz-e-amor. Em paralelo, pipocavam pelo mundo as "revoltas estudantis", na maioria em 1968. Isso para mencionar apenas os acontecimentos que ficaram mais conhecidos. Tal como o nosso, era um tempo de intensas transições: em que ocorria uma passagem de gerações e, concomitantemente, essa mesma passagem se problematizava.
Essa atmosfera deu ensejo à composição de dois extensos relatórios com títulos quase idênticos. Um da SBPSP "Conflito de gerações" (Uchôa, 1973), que analisava os movimentos beats, hippies e yippies. E outro da sprj "O conflito das gerações" (Schneider et al., 1973), que propunha uma leitura mais ampla da problemática geracional. Ambos foram publicados na Revista Brasileira de Psicanálise (vol. 7, ns. 2 e 3, 1973).
O relatório da sprj causou um impacto considerável, e isso ocorreu sobretudo pela forma como concluía o texto. Seu percurso argumentativo era o seguinte: os autores começavam abordando os aspectos históricos e antropológicos do conflito de gerações (tão antigo quanto a humanidade); passavam em seguida a definir analiticamente as noções de conflito e de geração; depois se detinham no estudo do desenvolvimento sexual, com ênfase no período da adolescência; para, ao final, tratarem do conflito geracional nas instituições psicanalíticas. "É necessário estudar a crise e as causas da crise na estrutura das sociedades de psicanalistas" (Schneider et al., 1973, p. 303). O artigo que selecionamos, publicado no mesmo número da rbp, seguiu o caminho aberto por esse relatório.
Cesar Ottalagano, Gecel Szterling e Fajga Szterling haviam participado do iv Congresso Brasileiro de Psicanálise, que tinha dois eixos principais: o conflito de gerações e a emergência de novas ideias. A perspicácia dos autores foi, em vez de aceitarem a separação dos assuntos, simplesmente juntá-los em um só. Aliás, essa é a técnica freudiana por excelência: aquela que "põe abaixo a parede divisória que o paciente tentou erguer" (Freud, 1913, p. 186). Formando assim a sua pergunta disparadora: como o conflito de gerações, no interior da instituição psicanalítica (no caso, da SBPSP), impede o surgimento de ideias novas?
Tema difícil de escrever, difícil de ler e de debater - ainda mais naquela época. Os autores, contudo, mantiveram o cuidado, a lucidez e a elegância mais que precisas. Sem caricaturar e sem sacralizar os nossos impasses. Resulta disso que o artigo transmite um estilo, um modo de lidar com as questões que são, ao mesmo tempo, geracionais e institucionais. "A verdade, mesmo sob a forma de crítica", citam os autores, "é a bondade em sua condição mais alta".
Boa leitura.
Referências
Freud, S. (2010). O início do tratamento. In S. Freud, Obras completas (P. C. de Souza, trad., Vol. 10). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1913) [ Links ]
Schneider, G. et al. (1973). O conflito das gerações. Revista Brasileira de Psicanálise, 7(3),263-320. [ Links ]
Uchôa, D. (1973). Conflito de gerações. Revista Brasileira de Psicanálise, 7(2),141-185. [ Links ]
1 Agradecemos à Monica Salibe, pelo apoio na pesquisa; e à Irene Pereira, pela ajuda com o material do Centro de Documentação e Memória da SBPSP.