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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.34 no.104 São Paulo  2017

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Colaboração pedagógica na ação inclusiva nas escolas regulares

 

Educational cooperation in action inclusive in regular schools

 

 

Claudia GomesI; Cristiane dos Reis CardosoII; Daniele LozanoIII; Fernanda Vilhena Mafra BazonIV; Josiele Giovana de LuccaV

IProfa Dra; Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), Alfenas, MG, Brasil
IIMestre do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), Alfenas, MG, Brasil
IIIProfa Dra; Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Araras, SP, Brasil
IVProfa Dra; Departamento de Ciências da Natureza, Matemática e Educação, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Araras, SP, Brasil
VLicenciada em Química, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Araras, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo tem como objetivo discutir as ações profissionais de professores da sala regular e de professores especializados no que concerne aos postulados da educação inclusiva, tendo em vista os desafios e perspectivas para a constituição de uma prática profissional colaborativa. Para tanto, foram participantes do estudo 50 professores da rede regular e nove professores especializados. O conjunto de dados foi constituído por meio de entrevista semiestruturada, que versou sobre espaços formativos, experiências e atuação profissional na temática inclusiva, assim como a concordância e concepções sobre o tema. A análise das informações foi organizada em dois eixos: "Atuação individual e (des) comprometida na educação inclusiva" e "Necessária parceria de trabalho pedagógico para a educação inclusiva". Os resultados apontaram que, de modo geral, os professores não indicam um reconhecimento efetivo das ações educacionais inclusivas; demonstram que suas ações profissionais são embasadas em atuação individual e isolada, distante dos postulados de uma ação colaborativa; assim como mostraram concordância e concepções que se contrapõem à estruturação de novas ações profissionais. Conclui-se que a premissa da instauração de novos modelos de atuação profissional para a educação inclusiva depende do desenvolvimento do protagonismo dos docentes envolvidos neste processo, a fim de que efetivem ações profissionais atreladas aos princípios de acesso, permanência e aprendizagem a todos os alunos.

Unitermos: Aprendizagem. Educação Especial. Inclusão Educacional.


ABSTRACT

This study aims to discuss the professional actions of teachers in the regular classroom and specialized care in relation to the principles of inclusive education, in view of the challenges and prospects for the formation of a professional practice collaboratively. For this study participants were fifty teachers of regular and nine specialized teachers. The dataset consisted of using a semi-structured questionnaire that turned on formative spaces, experiences and professional practice in inclusive theme, as well as correspondence and views on the subject. Analysis of the data was organized into two areas: "Acting individually and (dis) engaged in inclusive education" and "Necessary Partnership pedagogical work for inclusive education." The results showed that in general, teachers do not indicate an effective recognition of educational activities inclusive; demonstrate that their professional actions here are based on individual performance and secluded away from the postulates of a collaborative action, as shown agreement and conceptions that oppose the structuring of new shares professionals. We conclude that the premise of introducing new models of professional practice for inclusive education depends on the development of the role of teachers involved in this process, so that enforce professional actions linked to the principles of access, retention and learning for all students.

Key words: Learning. Education, Special. Mainstreaming (Education). Collaborative Learning, Special Educational Needs.


 

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos 20 anos, a Educação Inclusiva no Brasil passou por mudanças expressivas que desencadearam modificações em diferentes segmentos tais como: políticos, culturais, sociais e pedagógicos, avançando em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação a partir de uma prática educacional mais democrática1.

Dentre vários documentos legais no âmbito nacional que fundamentam as propostas educacionais, destacamos a Constituição Federal2; Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA3, e em 1996 a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação4, na qual é incluído um capítulo legislativo exclusivo para tratar sobre a temática educacional de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) nas escolas brasileiras.

Destaca-se que discussões a favor desta política de atendimento educacional a ser oferecida aos alunos com NEE foram também polarizadas por movimentos internacionais, que, com o objetivo de repensar a educação de qualidade para todos, adentraram o panorama mundial. Mencionamos aqui a Declaração de Salamanca5, documento de maior impacto internacional, ao sustentar que a escola é responsável por acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas e outras.

Para tanto, é na compreensão do princípio promulgado pela Declaração de Salamanca5 que o Brasil busca efetivar a implementação de suas ações educacionais inclusivas. Ações estas que são reafirmadas recentemente, pelo Decreto n. 6.571, de 17 de setembro de 20081, denominado Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que avança nas discussões da inclusão escolar ao regulamentar a possibilidade de atendimentos educacionais especializados aos alunos com NEE decorrentes de deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, e altas habilidades ou superdotação no próprio espaço da escola regular.

Esta mesma legislação vem possibilitar a oferta do atendimento especializado aos alunos, com o oferecimento de recursos e procedimentos apropriados, facilitando a acessibilidade e a eliminação de barreiras e, assim, efetivando a promoção da formação integral dos mesmos1, visando assim o término da segregação ou exclusão, com a construção de um novo espaço de ação, tanto do professor da classe comum, como do professor especializado, que poderão estar alocados no mesmo espaço de trabalho, visando à construção de estratégias, parcerias de ações e intervenções efetivamente inclusivas aos alunos com NEE.

Apesar de estarmos nos debruçando sobre o Decreto de 2008, em decorrência de sua grande relevância para o estabelecimento de ações colaborativas, não podemos desconsiderar que todos esses avanços podem vir a perder validade a partir de 2011, com a promulgação do Decreto 7.611, que vem gerando uma série de divergências na área. No artigo 4º deste novo documento encontramos a afirmação que o poder público estimulará o acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) de forma complementar ou suplementar ao ensino regular, porém a legislação permite e assegura a dupla matrícula. Dessa forma, o dispositivo legal pode gerar novamente ações segregadas que permitam o atendimento exclusivo de pessoas com NEE em escolas especiais.

Entretanto, é notório pelos estudos desenvolvidos que a responsabilização do sucesso ou não da inclusão é muitas vezes creditada de forma exclusiva e isoladamente a cada um dos profissionais (professores, sejam eles do ensino regular ou especial). O discurso dos professores ao apontarem suas dificuldades e necessidades pode estar chamando a atenção para a condição de isolamento profissional que vivenciam. A democratização da gestão e a educação inclusiva se relacionam diretamente, e uma escola inclusiva deve ser, antes de tudo, uma escola democrática6.

Para se garantir intervenções pedagógicas de qualidade, os profissionais voltados à Educação Especial e Educação Inclusiva precisam fornecer o apoio necessário para que os professores da rede regular de ensino não se sintam desamparados e desqualificados para atender os alunos com NEE, promovendo ambiente acolhedor e estimulador. Assim como, os professores especialistas também devem investir em possibilidades que poderão ser desenvolvidas autonomamente pelos alunos que apresentam NEE, realizando para tanto um efetivo e compromissado trabalho educativo e social.

Nesse sentido, há uma crítica sobre a formação dos professores especialistas indagando se a perspectiva da Educação Inclusiva "não exigiria uma formação mais abrangente, que permitisse ao professor especializado atuar com os mais diferentes tipos de necessidades educativas especiais, dentro de processos pedagógicos diversificados" (p. 14)7.

Essas discussões sobre o currículo profissional, os métodos e os recursos chamam a atenção, pois só com uma nova ótica será possível o abandono de práticas que valorizam a acumulação de conteúdo, em que os alunos precisam se ater ao que está posto, sem o direito de questionar. Portanto, é importante que o professor especialista auxilie o professor capacitado, e juntos pensem estratégias para o sucesso de seus alunos, na perspectiva da educação inclusiva, sendo esta favorecedora de uma ação educacional mais justa, igualitária e democrática.

O que fica deflagrado é que os professores capacitados e especializados, tal como determinado na legislação, precisam trabalhar em parceria, visando sempre o desenvolvimento dos alunos. As pessoas que estão inseridas na escola precisam auxiliar no processo de inclusão de todo e qualquer aluno com NEE. O mesmo deve ter a oportunidade de frequentar os diversos ambientes da instituição e se sentir acolhido por toda a equipe, não apenas pelo professor regular ou o especialista que o acompanha.

Para reforçar a importância de cada personagem do cenário escolar, a Resolução CNE/CEB no. 02 de 11.09.2001 define claramente as atribuições dos professores capacitados, que devem ter condições de perceber as necessidades educacionais dos seus alunos, flexibilizar a ação pedagógica de modo adequado a estas necessidades, avaliar a eficácia do processo educativo e atuar em equipe com o professor especializado. Para os últimos, por sua vez, a Resolução apresenta que são aqueles que devem implementar, liderar e apoiar estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, auxiliando o professor da classe comum na inclusão dos alunos com NEE8.

Para tanto, um dos modelos promissores de atuação profissional para a parceria entre a educação especial e a educação regular é o definido como ensino colaborativo. "Este ensino parte de uma ação conjunta entre os professores de educação regular e os de educação especial, na qual ambos trabalham juntos compartilhando objetivos, expectativas e frustrações" (2006, p. 31)9. A colaboração possibilita que cada um com sua experiência auxilie nas resoluções de problemas mais sérios de aprendizagem e/ou comportamento de seus alunos, envolvendo a parceria direta entre eles.

A Educação Inclusiva bem-sucedida é consequência do trabalho conjunto de profissionais e de outras pessoas que fazem parte da vida do aluno, desenvolvendo e implementando estratégias que visem à construção de uma escola democrática, na qual sejam efetivadas condições de permanência e apropriação do conhecimento. Nessa configuração, os envolvidos no processo inclusivo dividem a responsabilidade de planejar, intervir e avaliar os procedimentos e, acima de tudo, qualificarem o processo de ensino e aprendizagem dos alunos10.

Desta forma, para o sucesso do trabalho colaborativo é necessário o compromisso de todos, assim como exige transformações principalmente para os professores, implicando um processo de mudança identitária na forma como cada docente visualiza a profissão. Este novo olhar da profissionalidade docente não consiste no entendimento do professor de forma isolada, mas sim "inserido num corpo docente e numa organização escolar, sua atuação passa a ser menos individual" (p. 23)11, compartilhando metas, decisões, instruções, responsabilidades, avaliação da aprendizagem, resoluções de problemas, e a administração da sala de aula.

Com base nestas considerações, este estudo teve como objetivo discutir as ações pedagógicas de professores especializados e da escola regular, a partir dos pressupostos da educação inclusiva, visando identificar os desafios e perspectivas para a constituição de uma prática profissional colaborativa.

 

MÉTODO

Visando compreender as concepções dos professores quanto aos desafios e perspectivas profissionais alinhadas aos postulados da educação inclusiva e sistematizadas na constituição de dinâmicas colaborativas de ação, este estudo optou por delineamento exploratório e qualitativo, visto que o entendimento destas questões exige análise pormenorizada que perpassa conteúdos individuais, subjetivos e singulares12.

Participantes

Foram participantes do estudo professores do ensino regular e especial das cidades de Alfenas e Araras. A seleção dos informantes da pesquisa foi mediante sorteio, sendo esclarecido a todos a não obrigatoriedade de participação no estudo e o direito a se recusar em qualquer momento do mesmo. Ressalta-se que a pesquisa faz parte de um projeto em parceria para o mapeamento das condições educacionais inclusivas dos municípios de Alfenas/MG e Araras/SP, contando para tanto com o apoio da FAPESP e FAPEMIG. Para tanto, neste estudo foram informantes:

Professores do ensino regular da rede pública:

a) Alfenas: 27 professores, sendo 26 do sexo feminino e um do masculino, com idades entre 24 e 55 anos. Em relação à formação acadêmica, apenas um professor aponta possuir ensino superior incompleto, os demais possuem graduação completa e cursos de pós-graduação concluídos ou em andamento;

b) Araras: 23 professores, sendo 16 do sexo feminino e sete do masculino, com idades entre 28 e 55 anos, sendo que em relação à formação acadêmica somente um professor aponta não possuir ensino superior, os demais participantes apresentam formação acadêmica superior, inclusive com cursos de pós-graduação completa ou em andamento.

Professores atuantes na educação especial:

a) Alfenas: Seis professoras de uma Instituição de Ensino Especial, com idades entre 35 e 55 anos. Em relação à formação, apontam possuir pós-graduação nos seguintes cursos: educação especial; metodologia do ensino.

b) Araras: três professores atuantes na rede de ensino especial, com idades entre 34 e 37 anos. Com relação à formação, todos possuem pós-graduação em educação especial.

Instrumentos e Análise das Informações

Para a coleta de informações, foi adotada a entrevista semiestruturada, que foi gravada e posteriormente transcrita e categorizada em núcleos de análise que favoreceram a interpretação das concepções dos docentes sobre o processo de atuação profissional e os desafios e perspectivas para uma prática pedagógica pautada nos princípios colaborativos. Para a construção das discussões, serão transcritos trechos literais dos relatos dos participantes com a indicação de códigos de legenda que garantem o anonimato da identidade dos participantes firmado nos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No eixo "Atuação individual e (des)comprometida na educação inclusiva", notamos, por meio do discurso dos informantes, diversas falas que indicam que os desafios dos professores participantes na instauração de dinâmicas colaborativas efetivas para o processo educacional esbarram e são delimitados por uma compreensão por vezes equivocada e divergente dos postulados políticos e jurídicos da educação inclusiva.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva1 assegura a participação e o desenvolvimento dos alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades nas escolas comuns de ensino regular.

De acordo com as entrevistas, pôde-se observar que todas as professoras de educação especial possuem conhecimento acerca das políticas educacionais. No entanto, quando questionadas sobre quais as leis elas têm conhecimento, das nove entrevistadas somente duas especificaram os seguintes documentos: "Decreto no 6571 de 17 de setembro de 2008 (AEE) e o Decreto no 7612, de 17 de novembro de 2011 (IEE1); "Constituição Federal artigo 208, ECA, LBD, CAP. Lei 7853/89; Lei 10172/01; resolução no 2 11/09/2001- diretrizes NAC e de ESP" (IEE4). Já no caso dos professores de ensino regular, o conhecimento das políticas e amparos jurídicos não é contemplado efetivamente.

Temos que considerar, entretanto, que conhecer as legislações que contemplam a educação inclusiva não garante que este processo se efetive, ao contrário, visualizamos possíveis abismos entre o que as políticas apontam e o que de fato acontece. Vale ressaltar que todas as docentes da educação especial já participaram de algum curso ou palestra sobre a temática e, novamente no caso dos professores de ensino regular, esta realidade não é evidenciada.

No entanto, quanto ao reconhecimento e atuação com alunos com NEE, ambos os grupos de profissionais indicam a atuação com diferentes alunos contemplados pelas ações educacionais inclusivas, como, por exemplo, pode ser exemplificado no seguinte relato, "alunos com diferentes necessidades especiais, abrangendo todas as deficiências" (IEE1); "déficit de aprendizagem, deficientes físicos, crianças com síndrome de Down" (IEE5); "alunos com múltiplas deficiências/autistas/deficiente intelectual/baixa visão/surdo/paralisias cerebral/ síndromes diversas (West e outras); alunos com deficiência intelectual, física, múltiplas, surdez, cegueira e síndrome" (IEE9).

O que se pode constatar com as informações apresentadas é que, de modo geral, tanto na rede regular quanto na especial de ensino as professoras entrevistadas apontam o reconhecimento e a atuação profissional com diversos alunos com NEE, no entanto, o que nos levanta questionamentos é que tipo de atuação vem sendo favorecida pelos estes profissionais? Retomando as informações anteriores, não podemos desconsiderar que muitos são os profissionais que indicam não possuir conhecimentos ou realização de cursos ou atividades formativas para esta ação profissional.

Entendemos que é de crucial importância que sejam disponibilizados espaços formativos para professores especializados ou capacitados, não apenas aqueles que garantem sua formação inicial, mas também que favoreçam a formação continuada, a reflexão sobre suas práticas e condições de ensino-aprendizagem dispostas aos alunos com NEE.

No entanto, efetivar a educação inclusiva é ir além do reconhecimento legal e jurídico ou da ação específica de cada esfera profissional. Os embasamentos da educação inclusiva atualmente situam a educação especial como modalidade transversal a todos os níveis e etapas educacionais, a dualidade no ensino acaba e nesse momento histórico se estrutura, ao invés de dois sistemas paralelos, uma parceria entre professores capacitados e especialistas dentro da mesma instituição.

O que se pode evidenciar é que a maioria dos participantes do estudo ainda não contempla efetivamente esta noção, sendo raros os relatos que reafirmam esta mudança na compreensão e ação profissional, como pode se observar: "ontem, duas profissionais da APAE vieram visitar um aluno com NEE, porém não deram assistência nenhuma" (IER 2); "eu preparei atividade separada para o aluno com deficiência, mas não sei se ele está aprendendo, porque não fui preparada para atender essa necessidade" (IER 2).

O que se espera das políticas públicas é compartilhar as responsabilidades do ensino, bem como trabalhar em conjunto formas para desenvolver um currículo flexível capaz de suprir as necessidades de todos os alunos, criando possibilidades para aprender e prover apoio à inclusão na sala de aula regular, combinando as estratégias do professor capacitado e do professor especialista, fato que podemos notar com o relato de uma das professoras especialistas: "a gente tem assim uma equipe a disposição. Se nós precisarmos de alguém que faça teste cognitivo, nós temos psicólogos, se a gente quer que a TO observe a gente tem a TO para observar" (IEE1).

Assim, a premissa que sustenta o efetivo processo de inclusão dos alunos com NEE é o oferecimento de suporte e apoio que garanta a inserção e propicie seu desenvolvimento no meio acadêmico. Desta forma, quando indagadas quanto aos objetivos do AEE as docentes da educação especial indicam que "(...) o atendimento educacional especializado tem como principal objetivo dar suporte para os alunos deficientes, facilitando seu acesso ao currículo" (IEE 1); um serviço da educação especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que elimine barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas atividades especificas" (IEE8).

Podemos ressaltar que a caracterização das ações do AEE, com os relatos exemplificados anteriormente, indica consonância aos embasamentos legais que amparam a questão. No entanto, esta compreensão ainda não é assumida pelos professores do ensino regular, que encontram dificuldades em entender a função do AEE nas escolas, como notamos nas afirmações: "a necessidade de uma sala de recursos para com as crianças, pois em sala convencional não é possível atender a todas as necessidades" (IER 2); "é o atendimento em que a criança com dificuldade possa ser atendida por profissionais especializados fora da sala de aula" (IER 3).

O serviço oferecido no atendimento educacional especializado configura-se de forma diversa à educação regular, sendo desenvolvido no contraturno e distanciando-se das ações de reforço escolar. Alguns exemplos das atividades desenvolvidas no AEE são bem claros, tais como a identificação, elaboração e organização de recursos e materiais pedagógicos e de acessibilidade, como, por exemplo, o ensino da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), código BRAILLE, tecnologia assistida, orientação e mobilidade, ações que eliminem as barreiras e favoreçam a participação plena dos alunos no processo de escolarização1.

Destaca-se que é dentro desta perspectiva de ação profissional que as professoras especialistas quando questionadas se desenvolvem algum tipo de AEE, afirmam realizar "(...) acompanhamento às salas de recursos que já foram implantadas na rede Municipal de ensino, desde a inserção dos alunos nestas salas à evolução e acompanhamento dos casos e o apoio pedagógico com professores de sala de recursos" (IEE1 e IEE3); ou ainda, "alfabetização de crianças com deficiência intelectual e surdas, o ensino de Libras e braile e a comunicação alternativa" (IEE4, IEE6, IEE8). O que gera contradição, pois os professores das escolas regulares, que participaram da pesquisa, afirmam que não recebem o apoio especializado, embora os professores especialistas apontem o oferecimento dos mesmos.

Os pressupostos políticos e legislativos possibilitam a inserção das salas de recurso nos sistemas de ensino regular, porém os professores, tanto especialistas quanto capacitados, parecem não compreender de fato sua função. Quando novamente a docente de educação especial relata que: "O professor especialista da sala de recurso, ele deveria dar esse apoio para o professor capacitado, só que geralmente ele trabalha no período inverso" (IEE 3) esta inquietação é deflagrada.

Cabe ressaltar que não é suficiente ter o serviço de apoio e o espaço físico adequado se os profissionais envolvidos não compreendem sua responsabilidade, como é evidenciado na fala de uma das professoras especialistas: "Eu acho assim, independente se é sala de recurso ou se é multifuncional, tem que ser um local em que a pessoa que esteja ali queira trabalhar com os alunos, ela vai ter vários alunos com dificuldades, cada um com seu jeito" (IEE 6).

No entanto, tais compreensões só são possíveis quando atreladas à concepção profissional alinhada à inclusão educacional. Fato este que pode ser verificado nos relatos dos professores especialistas quando consideram ser de sua responsabilidade e competência desenvolver práticas educacionais com alunos NEE na rede regular de ensino, como por exemplo: "(...) somos parte deste processo e minha prática educativa precisa ser coerente e pautada nas políticas educacionais vigentes"; "é preciso atender os alunos de forma que possam ser desenvolvidas todas as suas potencialidades" (IEE 1).

Entretanto, quando avaliamos discurso dos professores regulares, notamos compreensão distinta, como pode ser evidenciado nas seguintes falas: "Eu não tenho preparação para trabalhar com escola inclusiva" (IER 2); "Nós recebemos o aluno por conta da lei, mas eles não entendem nada, ficam de ouvinte, damos média porque eles têm que passar" (IER 3) ou "tem professor que vê assim, ah esse problema não é meu, ele é especial, deve ter alguém para auxiliá-lo" (IER 11).

Consideramos de extrema importância a presença de profissionais comprometidos e devidamente capacitados, que proporcionem envolvimento com o processo inclusivo para que aos poucos as falhas e dificuldades enfrentadas nos dias atuais possam ser superadas. Esta é uma mudança que requer tentativas e consequentemente acontecerão erros e acertos; para isso, é preciso ir além das discussões e buscar implementar experiências que favoreçam a efetivação da inclusão.

Para atender ao novo ideal de escola inclusiva, é necessário que ocorram mudanças no que concerne à formação de professores. A educação inclusiva exige que não só o "professor do ensino regular seja preparado em seu processo de formação para atender aos alunos com NEE, como também os professores especialistas precisam ampliar suas ações" (p. 46)13, as quais, geralmente, são centradas nas características peculiares dos alunos relativas à deficiência.

A inclusão escolar, apesar de se configurar como temática relevante no cenário da educação atual, possui diversas formas de entendimento que levam a dificuldades e contradições na efetivação deste processo. Entretanto, mesmo com a presença destas contradições, a meta central volta-se para o ideal de que todos os indivíduos devem gozar de equiparação de oportunidades, independentemente de suas características e necessidades particulares.

Temos que considerar que, mesmo com os desafios frente à compreensão dos documentos jurídicos e legais que amparam o cenário da educação inclusiva nas escolas regulares, é urgente a formação de parcerias, para que o professor capacitado não se sinta como o único responsável pelo sucesso ou não de seus alunos. "Não é possível construir um conhecimento pedagógico para além dos professores, isto é, que ignore as dimensões pessoais e profissionais do trabalho docente" (p. 34)11, ou seja, o profissional da escola regular precisa ser respeitado em sua singularidade e limitações no processo de inclusão, discussões estas lançadas no eixo "Parceria de trabalho pedagógico para a educação inclusiva".

Considerando o contexto escolar, é necessário deixar de lado atitudes individualizadas e avançar em um trabalho conjunto, como se destaca na fala de uma professora especializada: "tem que ter toda uma equipe junta, especialistas, psicólogos, fonoaudiólogos, igual nós temos aqui, uma equipe que a gente trabalha" (IEE 4). Nesse caso notamos uma ação colaborativa entre os profissionais que trabalham no ensino especial, mas precisamos avançar para que essa realidade aconteça no ensino regular.

A qualidade do ensino e a igualdade de oportunidades só serão alcançadas quando a escola como um todo fizer a reflexão e o planejamento no que concerne à inserção dos alunos com NEE, reformulando a ação educacional de acordo com o seu contexto. Entendemos que é preciso que ocorram transformações nas práticas educacionais, pois, caso contrário, continuaremos a escutar relatos que o lugar da criança com NEE é em uma instituição especializada, fato deflagrado no relato de outra profissional de educação especial "Quando nós vamos até a escola eles falam, e é claro, que dentro da escola regular não é só os professores, a própria equipe gestora, ainda é muito pesado, a gente vai contra a maré ali, né?, por mais que a gente tente, ainda existe aquela fala "Mas não seria caso para a APAE? Não seria caso para tal lugar?" (IEE 2).

É preciso que a inclusão escolar seja discutida de maneira a garantir que os alunos com NEE tenham acesso e permanência às salas comuns do ensino regular e possam desfrutar de um ensino de qualidade, para que falas distorcidas sobre o processo de inclusão como indicado pela professora do ensino regular (IER2) sejam substituídas por falas mais comprometidas e construtivas "Essa inclusão está difícil, o professor não sabe a linguagem de Libras, os professores deveriam ter curso de inclusão que prepare o professor para trabalhar com o aluno, é professor que deve aprender procurar o método de trabalho para lidar com esse aluno, mas o profissional tem que gostar." (IER 2).

É compreensível que existam resistências por parte dos professores das classes comuns em aceitar o desafio e a responsabilidade pela inclusão, como é notado na fala de uma professora: "a rede regular não tem estrutura nenhuma para amparar os alunos com NEE, os profissionais não têm qualificação para lidar com eles." (IER 1). No entanto, é necessário avançar para estratégias que minimizem as barreiras de aprendizagem, garantam a formação permanente e estabeleçam rede de apoio, para que as responsabilidades pela escolarização de alunos com NEE sejam compartilhadas14.

Diante de várias falas, observa-se que o AEE pode ser o recurso para que isso se efetive, pois contando com ambiente adequado e profissional especializado, o direito do aluno com NEE a um atendimento qualificado no ensino regular é garantido, não necessitando do encaminhamento para espaços segregados, como exemplificado na fala: "O AEE auxilia o professor na estratégia pedagógica, é um apoio necessário; porque são pessoas capacitadas para tal"; "A proximidade da sala de recursos estar na escola, então o contato é rápido, próximo e fica muito mais benéfico para todos." (IER 9).

É notória a importância do AEE nas escolas, porém precisamos ter cuidado para que esse espaço não seja configurado como um meio de segregação dos alunos, que acarretaria maiores dificuldades para o trabalho de parceria entre professor capacitado e especializado. Ao mesmo tempo em que temos o avanço na Resolução de 2008 definindo as competências e parcerias dos professores, a mesma é ambígua ao estabelecer a sala de recursos multifuncional que abre espaço para a atuação separada do professor especialista, descaracterizando assim uma possibilidade de ação colaborativa15.

 

CONCLUSÃO

Tendo por base os objetivos do estudo, não propomos quaisquer generalizações, apenas buscamos entender as concepções dos informantes da pesquisa, bem como suas experiências em prol da análise de como espaços de atuação profissional que favoreçam a busca pela efetivação do processo inclusivo e da construção de uma educação democrática.

Com os resultados do estudo, pudemos evidenciar que "Atuação individual e (des)comprometida na educação inclusiva" configura-se como um dos grandes entraves ao se discutir o processo de inclusão de alunos com NEE. Como já demonstrado, entendemos que a defesa dos marcos legais da proposta de inclusão escolar não garante a reconstrução dos espaços escolares, no entanto, é um indicativo importante das transformações necessárias neste processo; sendo constatado de forma geral que os professores da rede regular de ensino ainda não apontam um conhecimento efetivo da proposta em suas instituições escolares.

Evidenciamos ainda uma atuação isolada e individual que demarca ações, por vezes descomprometida com os ideais pedagógicos inclusivos, uma vez que esses profissionais parecem estar "à deriva" das propostas e implementações legais que sustentam sua profissão. Como pensarmos em práticas inclusivas quando ainda temos relatos que demarcam que o espaço regular de ensino não é o mais adequado aos alunos com NEE? Ou ainda, quando são expressas compreensões equivocadas da proposta ao indicar que o lugar do aluno com NEE em uma escola é delimitado à sala de recursos?

Compreendemos que seja premissa para a "Necessária parceria de trabalho pedagógico para a educação inclusiva", que os professores das classes regulares e especializados se situem como sujeitos constitutivos do processo. Para tanto, podemos evidenciar que as perspectivas abordadas dependem, fundamentalmente, de ações de formação e profissionalização que contemplem os agentes educacionais, com ações que se contraponham às práticas isoladas, competitivas e segregadas a que muitos professores estão acostumados a vivenciar.

É necessário avançar para práticas mais diversificadas e colaborativas entre todos os envolvidos. A reflexão crítica em equipe é fundamental para criar as condições para a implementação da educação inclusiva, em que todos possam receber apoio e oportunidades para o seu desenvolvimento profissional.

Evidenciamos um pedido eminente por parte dos envolvidos com o processo de inclusão e isso não significa que o professor não é competente e sim que o mesmo está diante de desafios constantes que requerem novas estratégias de intervenção pedagógica. Entendemos a carência de oportunidades nas quais eles possam falar e compartilhar seus anseios e fracassos. Desta forma, defendemos que estas experiências podem transformar-se em efetivos espaços formativos ao possibilitar que as angústias e inseguranças devidamente compreendidas e instrumentalizadas potencializem situações de formação cotidiana.

 

AGRADECIMENTO

Ao CNPQ, pelo apoio à pesquisa.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Claudia Gomes
Rua Tiradentes, 830 - Centro
Alfenas, MG, Brasil - CEP: 37130-175
E-mail: cg.unifal@gmail.com

Artigo recebido: 24/11/2016
Aprovado: 20/6/2017

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), Alfenas, MG, Brasil.

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