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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.117 supl.1 São Paulo  2021

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210043 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Ação psicopedagógica em período de pandemia

 

Psychopedagogical action in the pandemic period

 

 

Maria Angélica Moreira Rocha

Pedagoga, especializações em: Orientação Educacional, Educação Especial, Psicodrama, Modificabilidade Cognitiva, Psicopedagogia, Neuropsicopedagogia. Atuação em Clínica, consultoria e supervisão em Psicopedagogia; Conselheira Titular da Associação Brasileira de Psicopedagogia Seção Bahia; Parecerista da Revista Psicopedagogia da ABPp, Salvador, BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Desde março de 2020, até a presente data, estamos enfrentando situações, devido à pandemia da COVID-19, que trouxeram inúmeros impactos nas pessoas, individualmente, nos grupos familiares, institucionais e na sociedade em geral, principalmente na produtividade e economia. A Psicopedagogia não poderia estar distante desse contexto e, ainda, trazer uma contribuição pelo seu propósito de apoio ao ser humano, na sua condição de adaptar-se às novas situações, aprender no sentido amplo, que é o seu foco. Neste artigo, será relatada a proposta de ação realizada e em desenvolvimento durante 2020 e 2021, sendo valorizada, especificamente, a ação social, com assistência remota a pessoas, desde crianças, adolescentes, adultos, pais, educadores e psicopedagogos. Será ressaltado o esclarecimento de conceitos subjacentes ao entendimento desse processo, a revisão do papel do psicopedagogo como mediador, através de escuta sensível e intervenções pertinentes, visando a possibilidade de ressignificação de sentimentos e encontros de alternativas possíveis a cada caso, tendo como base parâmetros científicos e fundamentos que norteiam a Psicopedagogia e sua interdisciplinaridade com outras ciências. A partir das experiências realizadas, ratifica-se o papel social da ação do psicopedagogo como profissional qualificado pela sua formação multidisciplinar.

Unitermos: Ação Psicopedagógica. Contexto. Escuta Sensível. Ressignificação. Diversidade.


ABSTRACT

Since March 2020, until the present date, we have been facing situations due to the COVID-19 pandemic, which had numerous impacts on people, individually, on family and institutional groups and on society in general, mainly on productivity and economy. Psychopedagogy could not be far from this context and also make a contribution for its purpose of supporting the human being, in its condition of adapting to new situations, learning in the broad sense, which is its focus. In this article, the proposal for action conducted and under development during 2020 and 2021 will be reported, with specific value being given to social action, with remote assistance to people, from children, teenagers, adults, parents, educators and psychopedagogists. It will be highlighted the clarification of concepts underlying the understanding of this process, the review of the role of the psychopedagogist as a mediator, through sensitive listening and pertinent interventions, aiming at the possibility of resignification of feelings and encounters of possible alternatives in each case, based on scientific parameters and fundamentals that guide Psychopedagogy and its interdisciplinarity with other sciences. Based on the experiences conducted, the social role of the action of the psychopedagogist is confirmed as a professional qualified by his multidisciplinary training.

Keywords: Psychopedagogical Action. Context. Sensitive Listening. Resignification. Diversity.


 

 

INTRODUÇÃO

É óbvio que a situação pandêmica tem sido um momento crítico na vida das pessoas, já muito abordado pelos meios de comunicação, incluindo as redes sociais; portanto, não há intenção de repetir as constatações dos seus efeitos. O que vale ressaltar são as controvérsias que são geradas, como debates entre opiniões opostas para o distanciamento social, ensino a distância ou híbrido e, até mesmo, a vacina. Importante é o aproveitamento das visões opostas como caminho para as tomadas de decisões.

Cabe ao psicopedagogo propor ações para que as pessoas reflitam sobre a eficácia que uma escolha oportuniza às pessoas, analisar esse conceito e outros, como eficiência, racionalização e efetividade, com base em parâmetros científicos. É fundamental, também, a consonância com os fundamentos da Psicopedagogia, tendo como referência os aportes teóricos, preconizados por Piaget, Vygostsky, Feuerstein e reforçados por psicopedagogos pioneiros como Sara Paín, Jorge Visca e Alicia Fernández. E, ainda, ter em vista a interdisciplinaridade com a Psicanálise, Psicologia e Neurociências, que fortalecem a ação psicopedagógica, nos vários âmbitos de atuação.

 

AÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NO PERÍODO PANDÊMICO

O cenário pandêmico foi, no início, devastador para todas as pessoas, independentemente de idade, profissão ou classe social.

Em qualquer momento de crise, as pessoas precisam reconstruir, inovar, adaptar-se, ou seja, aprender para continuar vivendo, mesmo com as limitações impostas.

Esse processo é variável para cada um, sendo que alguns apresentam melhores condições de resiliência, outros negam suas fragilidades e outros chegam a entrar em desorganização ou colapso. A depender da situação, vai variar, também, o tipo de ajuda, por profissional específico, como terapeutas ou médicos.

O psicopedagogo pode atuar desenvolvendo o papel socioeducativo, de promover à sua clientela atividades diversas que visem a reflexão sobre suas necessidades, a identificação de suas possibilidades e escolhas assertivas para as situações encontradas. A depender da área de atuação, ou seja, na clínica, em instituições ou em atividades de consultoria e supervisão, a ação psicopedagógica é proposta como apoio, promovendo uma escuta sensível e mediações pertinentes às situações e sujeitos aprendentes.

Ressaltando que, em qualquer desses contextos, prevalece, nesse período pandêmico, a ação socioeducativa, de oferecer esclarecimentos, oportunizar reflexões, utilizando o pensamento analítico e crítico, a identificação de suas necessidades, sentimentos e escolhas de possíveis estratégias, adequadas às suas condições pessoais, como aprendente. Considerando "aprendente" qualquer pessoa em situação de adaptação1.

"Todo ato de inteligência, por mais simples e rudimentar que seja, supõe uma interpretação da realidade externa, quer dizer, uma assimilação do objeto por conhecer a algum tipo de sistema de significados existentes no sujeito. Igualmente, todo ato de inteligência, por mais elementar que seja, supõe um enfrentamento com as características do objeto, quer dizer, uma acomodação às demandas ou requerimentos que o mundo dos objetos impõe ao sujeito."

Fernández, 1990, p. 109.1

 

CONCEITOS SUBJACENTES PARA ANÁLISE REFLEXIVA

Eficácia significa a segurança de um bom resultado em um procedimento, podendo considerá-la com validez, tendo como sinônimo o sucesso, em relação ao resultado alcançado.

Quanto à eficiência, refere-se à maneira como o procedimento é realizado, estando ligada à racionalidade e à produtividade. Portanto, esses conceitos estão interligados e a junção dos dois leva a um terceiro, que é a efetividade, que é a capacidade de alcançar a eficácia e eficiência, ao mesmo tempo.

Trazendo esses conceitos para o contexto atual, em vez de controvérsias e estabelecimento, de pontos que se opõem, é pertinente analisá-los, em cada situação.

Para a Sociedade Científica, para ser considerada a eficácia de um procedimento, é necessário um estudo randomizado ou controlado, buscando-se identificar a relação entre as variáveis. É, portanto, um estudo experimental, com objetivo de pesquisa para, a partir de evidências científicas, determinar a eficácia do procedimento. Então, pode-se fazer ensaios clínicos para medicamentos, vacinas e tratamentos médicos.

Extrapolando a área médica, realiza-se, também, para validar testes psicométricos, emprego de metodologias educacionais e atividades que têm o propósito de validação.

Do mesmo modo, a maneira como é realizado um procedimento, uma metodologia educacional, uma estratégia de ensino, de avaliação, etc, pode indicar a eficiência quanto à sua qualidade. Seguindo esse percurso, pode-se identificar a efetividade do que está sendo realizado.

Voltando à ação do psicopedagogo, no seu papel de mediador, deve estar atento para promover reflexões com seus clientes, em qualquer âmbito de atuação sobre a aplicação desses conceitos aqui comentados. Considerando o contexto de instituições educativas, pode-se questionar:

- Qual o propósito da modalidade remota ou híbrida, para essa instituição?

- Como identificar a sua eficácia?

- Os procedimentos, em termos de atividades e avaliações, foram eficientes?

Em relação ao segmento familiar:

- A forma como está sendo estabelecida a rotina dos elementos, tem sido eficaz?

Para os participantes dos atendimentos clínicos:

- Quais as necessidades pessoais e a correlação com as demandas externas?

Nesse aspecto estão subentendidas as questões subjetivas do sujeito, no que diz respeito ao desejo, sentimentos e identificação de suas possibilidades, habilidades e competências.

Percebe-se a estreita relação do papel do psicopedagogo ao propor ações e atividades para o autoconhecimento e busca de autonomia.

Concernente à Psicopedagogia, vale reforçar o conceito de Mediação que embasa a ação psicopedagógica.

Segundo Reuven Feuerstein apud Gomes2, "a mediação da aprendizagem é um tipo especial de interação entre alguém que ensina (o mediador) e alguém que aprende (o mediado). Essa interação deve ser caracterizada por uma interposição internacional e planejada do mediador que age entre as fontes externas do estímulo e o aprendiz. A ação do mediador deve selecionar, dar forma, focalizar, intensificar estímulos e retroalimentar o aprendiz em relação às suas experiências, a fim de produzir aprendizagem apropriada, intensificando as mudanças no sujeito."

Fica evidenciado que é uma forma diferenciada de interação, por isso, incorpora critérios específicos da teoria criada por Feuerstein, denominada Teoria da Modificabilidade Cognitiva.

Consequentemente, o psicopedagogo age como mediador, tendo em foco os critérios estabelecidos na teoria, com ênfase principalmente em:

Intencionalidade e reciprocidade, transcendência, ou seja, a promoção de metacognição, e o significado, que diz respeito ao valor do que está sendo trabalhado para o sujeito. Dessa forma, haverá o despertar da motivação.

A relação estabelecida entre o psicopedagogo e o cliente, quer seja individual, do grupo, de uma instituição, de atividade de consultoria ou supervisão, tem relação com as suas atitudes. Estas são aprimoradas com a sua prática, com o exercício do seu papel profissional.

Destaca-se, na sua conduta a observação atenta do que é explícito e do que é manifesto através de expressões corporais, a escuta do que é dito, das lacunas e, até, silêncios. Permeia, também, a relação empática de acolhimento, aceitação sem julgamentos e as propostas de intervenções, com vistas à autonomia, metacognição, enfim, a conquista de aprendizagens significativas.

Cabe a citação de Leonardo da Vinci:

"Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende."

 

EXPERIÊNCIAS REALIZADAS

Com intuito de troca e de compartilhamento do sentimento de satisfação na realização de atividades em Psicopedagogia, serão apresentados recortes das assistências durante esse período.

Na clínica

Com os clientes que já estavam sendo atendidos anteriormente, foi adotada, conforme consenso com a Associação Brasileira de Psicopedagogia, a assistência psicopedagógica, através de interações remotas.

Inicialmente, feito enquadramento com os aprendentes, com estes e seus pais ou responsáveis quando tratou-se de crianças e adolescentes, incluindo: a escolha do recurso tecnológico, a depender das disponibilidades; dias, horários e periodicidade; renegociação de honorários e formas de pagamento.

Com o próprio aprendente foram levantadas as demandas pessoais e as relações com as exigências externas. Em cada caso, surgiram exigências com muitos pontos em comum, mas foram observadas as necessidades, possibilidades, desejos e perspectivas de cada um, para propostas de atividades de intervenção, adequadas a cada situação.

Pôde-se constatar que uma situação comum a todos foi a necessidade de uma reorganização da rotina, visto que o distanciamento social trouxe a utilização exacerbada dos recursos tecnológicos.

Esta situação prática requer o uso de funções executivas, que envolve: organização pessoal, planejamento, estabelecimento de possibilidades e uso de estratégias específicas, considerando o seu conceito:

"Funções cognitivas refere-se a um conjunto de processos cognitivos e metacognitivos que permitem ao indivíduo exercer controle e regular tanto seu comportamento frente às exigências e demandas ambientais quanto todo o processamento de informação, possibilitando seu engajamento em comportamentos adaptativos, auto-organizados e direcionados a metas."

Seabra et al.3

Em todas as idades, tem sido importante o exercício de análise e revisão de atitudes, o treino de habilidades metacognitivas, de acordo com as modalidades de aprendizagens individuais.

Os recursos psicopedagógicos foram adaptados e criados novos, aproveitando os recursos digitais, mas com propostas práticas para vivência no espaço doméstico.

Tratando-se de crianças e adolescentes, os desdobramentos com família e escola, que antes já faziam parte da complementaridade da intervenção psicopedagógica, continuaram a ser integrantes do processo, com encontros virtuais com os envolvidos. Foi percebida a grande mudança, também gerada nesses dois segmentos, com necessidades próprias de reorganização e de ressignificações.

As análises com esses envolvidos acontecem em função do aprendente atendido, sendo que uns respondem com aprendizagens e transcendência a outros do ambiente, como alunos e familiares.

Consultoria

As atividades realizadas com instituições educacionais aconteceram como consultoria, a partir das solicitações das mesmas.

Considerando o conceito de aprendizagem, expresso por Barbosa (2016), "um processo de interação entre aquele que aprende e o objeto a ser aprendido, em um momento de significação e atribuição de sentido próprio, que o transforma"4. E, ainda, outros fundamentos explicitados pela mesma autora (2001)5.

E, ainda, que toda instituição é aprendente e que funciona como espaço de aprendizagem, é fator preponderante o conhecimento da realidade para análise e discussão de estratégias. Contudo, a demanda apresentada vinha acompanhada de uma solicitação de emergência, para atender em caráter de urgência.

Em março de 2020, as escolas começaram a funcionar e, em seguida, abruptamente, tiveram que passar para o funcionamento remoto. Era preciso continuar, mas como?

As experiências a serem relatadas foram com duas instituições de médio e grande porte, que explicitaram o pedido de ajuda para "organizar o caos", que se encontravam, conforme disseram.

A primeira, em 2020, o contato inicial foi com a psicopedagoga da instituição, que havia sugerido à direção a realização de consultoria, para apoiá-los, pois segundo ela estavam "aprendendo a nadar no meio do mar, em tempestade"!

Em tempo breve, foram realizadas entrevistas com três segmentos: equipe gestora; grupo de coordenação pedagógica e psicopedagoga; corpo docente, com objetivo de levantar as demandas de cada segmento, diante da situação. Foi constatado que estas eram bem diferenciadas, que as comunicações estavam ocorrendo de forma diretiva, com desencontros nas interações intra e inter os setores.

Os resultados refletiam diretamente nas famílias, que apresentavam suas expectativas, sendo comum o funcionamento das escolas, com oferecimento de atividades para os filhos. E, principalmente, nos alunos que tiveram que adaptar-se à nova modalidade.

O fato mais relevante foi que todos estavam ansiosos, preocupados em realizar suas atribuições, mas a carga maior, de estresse e desgaste, foi apresentada pelo corpo docente. Era o professor que teria que atuar, cumprir as exigências de forma desordenada, dos outros setores. Além de que, tiveram que utilizar, em suas aulas, recursos tecnológicos que não conheciam.

A equipe gestora havia oferecido um treinamento, denominado "a utilização da tecnologia na sala de aula", mas o conhecimento dessas ferramentas, por si só, não resolveu as questões metodológicas, interacionais e da avaliação dos resultados.

A partir desse conhecimento da realidade inicial, em uma reunião com equipe gestora e do corpo técnico, foram definidos os propósitos da instituição e alinhadas as atribuições de cada, tendo em vista o objetivo que passou a ser o mesmo para todos: o funcionamento da escola, com a finalidade de promover aprendizagens significativas para os alunos. Os conteúdos seriam contextualizados e, dentro do possível, com integrações horizontais. Em seguida, o segmento técnico passou a traçar atividades com o corpo docente, para análise e discussões, tomando como base a BNCC (Base Nacional Comum Curricular)6.

Foram vários desdobramentos e a equipe trazia, para as reuniões de consultoria, o andamento, as dúvidas surgidas e as trocas de experiências. Nessas oportunidades, a temática sobre os sentimentos dos professores era considerada. Foi enriquecedora a experiência de grupos e aprendizagem, realizadas por Barbosa, 2016:

"O principal objetivo dos grupos de aprendizagem, é 'aprender mais e melhor' a respeito das coisas do mundo, inclusive para melhorar a forma de ser pessoa e aprendiz."4.

De grande relevância, os depoimentos sobre o atendimento às suas necessidades de serem ouvidos, acolhidos e não só os "cumpridores de tarefas".

Foram momentos ricos, também, com busca de informações teóricas. Foram realizados alguns encontros da consultora psicopedagógica para discussão de dois temas apresentados pelo grupo, como necessários para a prática educativa:

O processo de aprendizagem baseada no neurodesenvolvimento.

A avaliação, como instrumento de aprendizagem.

A fundamentação sobre os temas citados foi encontrada com revisão da literatura sobre neurodesenvolvimento7 e aprendizagem8.

O acompanhamento da consultoria aconteceu até dezembro de 2020, quando foi avaliado todo o processo. O resultado foi que o trabalho foi satisfatório, sendo representado como estavam no início e como se encontravam no momento final.

As produções foram muito interessantes, e construído um mural, coordenado pelos professores de artes. Foram percebidos, também, resultados significativos nas atitudes de cooperação e mudanças nas relações interprofissionais e, apesar do distanciamento social no âmbito das relações pessoais, resumiram o ano com a frase:

"A pandemia causou sofrimento, mas aprendemos mais sobre nós para sermos melhores para nossos alunos".

Em 2021, tivemos um encontro para realinhamento de propósitos e replanejamento, partindo da consideração que "2021, não será igual a 2020, nem retomará igual a 2019".

Na segunda instituição foi iniciada a consultoria, em 2021, e está sendo construído o trabalho.

A primeira constatação foi de que não poderia repetir a experiência da primeira, pois as demandas foram diferentes.

Novas revisões da literatura têm sido feitas, principalmente sobre fundamentos da Teoria do vínculo de Pichon-Rivière, 1992, e o estudo sobre diversidade e o que preconiza a legislação sobre o tema estabelecida pelo MEC.

Foi identificada como maior demanda a preocupação de como lidar com os alunos, considerados de inclusão.

O trabalho está sendo construído, sendo utilizada a metodologia de "grupo reflexivo", denominado e conceitualizado por Barbosa, 2016, p. 117.

"O Grupo Reflexivo tem como objetivo possibilitar ao grupo, um espaço para que fale das tensões cognitivas e/ou afetivas durante a realização de sua tarefa, ao mesmo tempo que usufrua de um espaço no qual o coordenador do grupo também tenha voz para fazer a sua leitura de como o grupo está trabalhando e trazer temas que foram esquecidos ou interpretados de diferentes formas durante a reflexão".4

Esta metodologia tem como base os fundamentos de Pichon-Rivière9.

É importante considerar que o "desequilíbrio"* causado nas instituições educacionais teve como causa direta a pandemia, mas já fazia-se necessário antes dela e já era assunto de reflexões por muitos educadores.

A escola caracterizou-se como espaço onde acontece a transmissão de conteúdo, que devem ser cobrados em avaliações, representados por notas ou resultados nos vestibulares. A preocupação sempre norteada para esse resultado final, trazendo arraizado o conceito de aprendizagem somente vinculada à aquisição de conhecimento.

Nessa perspectiva, a análise entre as estratégias anteriores usadas pelas escolas e as novas que tiveram de ser criadas inclui a transformação, recriação e, principalmente, a inclusão de novos paradigmas sobre o processo de aprendizagem, já constatado antes da pandemia.

Portanto, nas experiências relatadas, a ênfase da consultoria psicopedagógica dirigiu-se para a reflexão do papel da instituição, como responsável para promover aprendizagem significativa para que os alunos possam conquistar autonomia e atuar como cidadãos responsáveis, produtivos e éticos.

"Hoje, mais do que nunca, é necessário promover a condição humana para que as Instituições possam cumprir seus objetivos. O elemento humano e a qualidade das relações existentes no interior das Instituições e da própria sociedade passam a ser o ponto-chave da eficácia e da eficiência em organização que aprende".

Portilho et al., 2018, p. 19.10

Os profissionais da Escola começaram a perceber o seu papel socioeducativo; os pais, com compreensão do que cabia a si e aos professores. Um ponto muito positivo foi que passaram a valorizar muito mais a figura do docente, como profissional que teve um preparo e formação específica para exercê-lo.

O reforço maior foi para o psicopedagogo, nos encontros de supervisão, para aprimoramento do seu papel profissional, com reflexões, análises, leituras para ressignificações e elaborações.

Família

Em 2021, surgiram outras solicitações das famílias.

Com a pandemia, o espaço familiar foi transformado, para acontecerem várias atividades, ao mesmo tempo. Os pais com home office, os filhos com atividades acadêmicas, e outros, os menores, com ambiente recreativo. A modificação foi além do ambiente espacial, com acúmulo de tarefas para os pais que, além das suas específicas laborais, tiveram o acréscimo de atividades domésticas e, ainda, atuarem como orientadores das atividades pedagógicas, enviadas pelas escolas. Somando-se a tudo isso, outras questões advindas da relação conjugal.

A solicitação e pedidos de ajuda e orientações foram dirigidas aos psicopedagogos. Foram pedidos explícitos como: "Não sei o que fazer", "Como conduzir ou orientar com as atividades escolares?", "Como estabelecer uma rotina para cada um e para a família como grupo?".

Houve a necessidade do psicopedagogo imbuir-se do seu papel de mediador, rever as suas competências e, também, prestar assistência às famílias dos seus clientes-aprendentes.

A princípio, aconteceram solicitações desornadas, a todo tempo, com pedidos de respostas imediatas. Então, foi lançada proposta para encontros em pequenos grupos, com pais de crianças e adolescentes com objetivo de reflexão e trocas de experiências sobre as situações vividas, durante a pandemia, tendo como base o estudo de Pichon-Rivière:

"O grupo é todo conjunto de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe, explícita ou implicitamente, uma tarefa que constitui sua finalidade".

Pichon-Rivière9

A mediação do trabalho será feita por psicopedagoga, que alia à sua formação, a especialização em Psicodrama, e irá utilizar fundamentos e metodologia da teoria criada por Jacob Levi Moreno.

Valendo-se da condição interdisciplinar da Psicopedagogia, serão aliados aos conceitos referidos os próprios da Psicopedagogia, tendo como referência a experiência de Alicia Fernández, psicopedagoga e, também, psicodramatista.

"Para pensar com autoria, manter nossos sonhos, recordar e superar os sofrimentos, nós adultos precisamos, também, como as crianças, do 'jogar - brincar'. Usufruir do 'jogar - brincar' e Psicodramatizar como espaços nutrientes da alegria, que é energia transformadora".

Fernández, 200111

Fernández chama a atenção para esse mediador que necessita uma "profunda e vasta formação clínica e ter ele mesmo passado pela experiência psicodramática", para que esteja preparado para evitar transformar-se em ensinante, aplicador de técnicas ou apropriar-se, indevidamente, para intervenções terapêuticas. Necessita, pois, reconhecer os limites e diferença entre o enquadre do terapêutico e do de aprendizagem.

Para esta ação considerada como espaço de aprendizagem, vale ressaltar os pilares na sua formação:

- a construção teórica dos fundamentos da Psicopedagogia, a experiência profissional e a análise terapêutica pessoal, conforme orientação do Código de Ética do Psicopedagogo, estabelecido pela Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Considera-se que a intervenção psicopedagógica não é aplicação de técnicas ou uso de instrumentos e recursos, mas sobretudo uma questão de atitude do psicopedagogo.

Houve, portanto, a necessidade do psicopedagogo rever o seu papel e delimitar o seu espaço de competência para realizar assistências sistemáticas.

Como cada contexto familiar apresentava suas peculiaridades, o trabalho realizado foi a partir das demandas surgidas, com o cuidado de explicitar, desde o enquadramento, que este não se caracteriza como terapia familiar e, sim, espaço de aprendizagem.

O acompanhamento dos pais poderá refletir no comportamento dos filhos, adquirindo condições de cada um cumprir as suas atribuições.

O trabalho com os grupos de pais será desenvolvido a partir da construção de cada grupo. O desenvolvimento e resultados poderão ser compartilhados posteriormente, pois ainda será iniciado.

Supervisão

A realização da supervisão, desde a pandemia, continuou a acontecer, individualmente ou em grupos, através de encontros virtuais.

A proposta com cada grupo, que já havia iniciado antes da pandemia e com os novos, partiu sempre do enquadramento, sendo discutidas as constantes e elaborado o contrato grupal.

Foi esclarecido com os supervisandos as finalidades e a operacionalização do trabalho.

Esta objetiva:

Refletir sobre a atuação psicopedagógica, num contexto relacional apropriado;

Avaliar a relação interventiva no "aqui e agora";

Facilitar o processo de construção do estilo pessoal.

As dimensões a serem trabalhadas são: teórica, com indicação de leituras; técnica, com construção do próprio estilo e experemencial, abrangendo a compreensão do processo e do supervisando e deste com o seu cliente.

Faz parte, também, a reflexão e análise dos limites entre o supervisor e supervisando. Incluindo:

As características pessoais que tenham implicação direta com a relação psicopedagógica;

A compatibilidade ou harmonia dos conceitos do supervisando em relação a ele mesmo;

A incondicionalidade entre supervisor/supervisando, com relação ao respeito à escolha do estilo pessoal;

Entre o supervisando e seu cliente, em relação às atitudes de aceitação, e ausência de julgamentos, bem como ao sigilo das informações reveladas.

É importante o esclarecimento sobre a diferença com o trabalho terapêutico, de análise pessoal, que irá complementar esse processo. Outro fator estabelecido é que, após o enquadramento e contrato, os encontros serão avaliados, considerando as dimensões anteriormente estabelecidas.

Seguindo essa perspectiva, é necessário que o supervisor psicopedagógico assuma que sua função precisa estar sedimentada em aportes teóricos, buscando relacioná-los à prática.

Segundo Pereira, 2016, "que lhe permita sentir-se seguro da sua ação profissional do como se aprende e de que a aprendizagem se estabelece no momento em que é o próprio sujeito que o constrói. Para tal, o uso do pensamento crítico, da reflexão crítica, deve permear suas ações, trazendo a possibilidade do sujeito, ora em Supervisão, descobrir a necessidade dessa forma de pensar e agir numa intervenção psicopedagógica".12.

Seguindo essa mesma abordagem, encontramos ressonância em Fernández, 1990, p. 52.

"Não aprendemos de qualquer um, aprendemos daquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar".1

Seguindo esses pressupostos, os grupos de supervisão têm ocorrido, durante a pandemia, numa perspectiva de "CO-VISÃO", com um trabalho dialético, quando todos os participantes, supervisor e supervisando, aprendem.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que as intervenções psicopedagógicas aconteçam de maneira eficaz, o psicopedagogo em sua ação mediadora, em qualquer âmbito de atuação, necessita estar atento ao contexto e situações do momento, incluindo as questões socioculturais.

No caso desse tempo de pandemia, a sua ação prioritária é o desenvolvimento do papel social, efetivando sua contribuição à sociedade.

 

REFERÊNCIAS

1. Fernández A. A Inteligência Aprisionada. Tradução Iara Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.         [ Links ]

2. Gomes CMA. Feuerstein e Construção mediada do conhecimento. Porto Alegre: Artmed Editora; 2002.         [ Links ]

3. Seabra AG, Laros JA, Macedo EC, Abreu N, orgs. Inteligência e Funções Executivas: avanços e desafios para a avaliação neuropsicológica. São Paulo: MEMNON; 2014.         [ Links ]

4. Barbosa LMS. Psicopedagogia: o aprender do grupo. São José dos Campos, SP: Pulso Editorial; 2016.         [ Links ]

5. Barbosa LMS. A Psicopedagogia no Âmbito da Instituição Escolar. Curitiba: Expoente; 2001.         [ Links ]

6. Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação; 2018 [acesso 2021 Ago 10]. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br        [ Links ]

7. Fonseca V. Cognição, neuropsicologia e aprendizagem: Abordagem neuropsicológica e psicopedagógica. Petrópolis: Vozes; 2009.         [ Links ]

8. Dolle JM. Para compreender Jean Piaget - Uma iniciação à Psicologia Genética Piagetiana. Rio de Janeiro: Editora Guanabara; 1974.         [ Links ]

9. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes; 1988.         [ Links ]

10. Portilho E, Parolin ICH, Barbosa LMS, Carlberg S. A Instituição que aprende sob o olhar da psicopedagogia. Rio de Janeiro: WAK Editora; 2018.         [ Links ]

11. Fernández A. Psicopedagogia em Psicodrama - Morando no brincar. Tradução: Yara Rodrigues. Petrópolis, RJ: Vozes; 2001.         [ Links ]

12. Pereira D. A supervisão psicopedagógica e o pensamento crítico. Rev Psicopedag. 2016; 33(100):75-85.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Maria Angélica Moreira Rocha
Mapsi - Clínica e Consultoria
Rua Alceu Amoroso Lima, 668 - Ed. América Towers, sala 1306
Caminho das Árvores - Salvador, BA, Brasil - CEP 41820-770
E-mail: maangelicarocha@gmail.com

Artigo recebido: 26/4/2021
Aprovado: 11/10/2021

 

 

Trabalho realizado na Mapsi - Clínica e Consultoria, Salvador, BA, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.
* desequilíbrio, segundo Piaget, refere-se a alguma perturbação da situação de aprendizagem, que pode gerar inibição, dificuldade e, depois, conduzir à adaptação.

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