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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.27 no.2 São Paulo jul./dez. 2019

https://doi.org/10.15329/2318-0498.20190026 

https://doi.org/10.15329/2318-0498.20190026
COMUNICAÇÃO BREVE

 

O uso da dramatização na avaliação do processo de ensino-aprendizagem

 

The use of role play on the assessment of the teaching-learning process

 

El uso de la dramatización en la evaluación del proceso de enseñanza-aprendizaje

 

 

Viviane Oliveira de Almeida1,*

1.Viver Psicologia: Psicodrama - Tubarão (SC), Brasil.

 

 


Resumo

O relato objetiva descrever a aplicação da dramatização na avaliação do processo ensino-aprendizagem no contexto acadêmico a partir da pedagogia psicodramática. A dramatização utilizada na avaliação acadêmica se mostrou um método que alia aprendizagem, conhecimento adquirido e congrega outros saberes; vivifica e reflete os conteúdos; promove a integração da turma no ambiente acadêmico; instiga o aqui e agora; desenvolve a espontaneidade, criatividade e telessensibilidade; impulsiona o comprometimento e a participação de todos; e dá um clima leve à avaliação.

Palavras-chave: Dramatização; Avaliação; Pedagogia psicodramática.


Abstract

The report aims to describe the application of dramatization in the assessment of the teaching-learning process in the academic context from psychodramatic pedagogy. The dramatization used in the academic evaluation showed itself to be a method that combines learning, acquired knowledge and congregates other knowledge; vivifies and reflects the contents; promotes the integration of the class in the academic environment; instigates the here and now; develops spontaneity, creativity and telesensitivity; promotes the commitment and participation of all; and gives a light climate to the evaluation.

Keywords: Dramatization; Evaluation; Psychodramatic pedagogy.


Resumen

El relato tiene por objetivo describir la experiencia en aplicar la dramatización en la evaluación del proceso de enseñanza-aprendizaje en el contexto académico a partir de la pedagogía psicodramática. La dramatización utilizada en la evaluación académica mostró una técnica que combina aprendizaje y conocimiento adquirido, congrega otros saberes; vivifica y refleja los contenidos; promueve la integración de la clase en el ambiente académico; instiga el aquí y ahora; desarrollo de la espontaneidad, creatividad y telesensibilidad; impulsa el compromiso y la participación de todos; y da un clima ameno a la evaluación.

Palabras-clave: Dramatización; Evaluación; Pedagogía psicodramática.


 

 

INTRODUÇÃO

O método da pedagogia psicodramática possui uma infinidade de possibilidades para o processo de ensino e aprendizagem. Entretanto o estudo de possibilidades de instrumentos e técnicas no momento da avaliação deste processo é pouco explorado. No levantamento de referências bibliográficas para a elaboração deste artigo, poucos são os livros que abordam o tema em questão e nenhuma referência foi encontrada em artigos científicos até o momento nas principais bases de dados (Scielo, Lilacs, Portal BVS, BVS Brasil, Periódicos CAPES e Educa) com os seguintes descritores: psicodrama pedagógico and avaliação, e pedagogia psicodramática and avaliação.

Para a pedagogia psicodramática, a avaliação deve ser entendida como parte integrante do processo de ensino-aprendizagem, que demonstra o desempenho não apenas do aluno, mas também do professor. Apresenta a dimensão e a compreensão do que foi trabalhado, reorientando o aluno, o professor, o grupo e a instituição (Fava, Marino, Wechsler & Sgorbissa, 2005; Haidar, Costa & Freitas, 1997).

Esse relato tem como objetivo principal descrever a experiência de aplicar a avaliação do processo ensino-aprendizagem no contexto acadêmico por meio da dramatização a partir dos pressupostos da pedagogia psicodramática. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com o estudo descritivo.

 

METODOLOGIA

A proposta desse relato de experiência é descrever como a dramatização tem sido utilizada como um recurso de avaliação do processo de ensino-aprendizagem no contexto acadêmico. O exemplo vem da Unidade de Aprendizagem (UNA) denominada Intervenções da Fenomenologia II no curso de Psicologia em uma universidade do sul de Santa Catarina. A UNA é dividida entre o ensino da Gestalt e do Psicodrama; cada abordagem tem sua professora; é ministrada no 4º semestre do 2º ano do curso, com 30 horas para cada abordagem, em oito encontros. Na parte referente ao ensino do Psicodrama da UNA, tem-se como intuito apresentar as principais teorias e métodos/técnicas de intervenções da Socionomia.

A avaliação da UNA ocorre por meio da pesquisa-ação, que de acordo com Souza e Drummond (2018) "se caracteriza como o uso de métodos vivenciais para avaliação acadêmica e pode ser realizada como alternativa às provas" (p. 247), em que as questões-problemas dos conteúdos da UNA são trabalhadas e avaliadas por meio da ação dramática, mais especificamente, a dramatização.

 

A DRAMATIZAÇÃO COMO UM RECURSO NA AVALIAÇÃO DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Em uma pesquisa realizada com estudantes universitários sobre os tipos de avaliações mais utilizadas nos cursos universitários, descobriu-se que a prova dissertativa individual é o tipo mais utilizado pelos docentes. No curso de Psicologia a prova dissertativa individual também é a mais utilizada, seguida por provas objetivas (testes) individuais e seminários em grupos (Oliveira & Santos, 2005). Percebe-se que a avaliação no contexto acadêmico, mesmo no curso de Psicologia, acontece ainda nos moldes tradicionais, cuja ênfase está na interpretação dos resultados de forma objetiva e facilmente mensurável.

Nesta experiência acadêmica do curso de Psicologia, todas as aulas de Psicodrama acontecem na premissa da pedagogia psicodramática utilizando-se métodos como vivências, dramatizações, role-playings, psicodrama de grupo, teatro espontâneo e sociodrama. A avaliação de todo o processo de ensino-aprendizagem desta UNA é baseada no método da dramatização.

A dramatização é o cerne, o núcleo do Psicodrama, é a revivência por meio de personagens colocando o ser humano em ação e interação, expressando seu mundo interno e externo como protagonista ou grupo. Dentro da dramatização, muitas possibilidades de promover insights, compreensões e relações com o conflito ou tema abordado, abrangendo dimensões tanto individual quanto grupal e social (Pontes, 2018; Puttini, 1997).

Como aquecimento para a avaliação, é realizada uma retomada rápida de todo o conteúdo e principais técnicas apresentadas ao longo da UNA. O professor cita uma teoria e os alunos vão dizendo os conceitos e as técnicas.

Todo o conteúdo trabalhado nas aulas é dividido entre os alunos em subgrupos. Cada subgrupo é responsável por montar uma dramatização demonstrando como se aplica determinada técnica do Psicodrama e outra dramatização relacionando as principais teorias da Socionomia. Eles possuem um tempo estimado de 10 a 15 minutos para preparar suas dramatizações.

A maioria das dramatizações ocorre apresentando um setting terapêutico, em que um dos alunos é o diretor e outro colega é o paciente. É dramatizado um recorte de sessão em que determinada técnica é aplicada. No caso do psicodrama de grupo, ocorre o mesmo processo: um dos alunos é o diretor e os demais colegas são os participantes do grupo, e a técnica é trabalhada durante a dramatização do setting terapêutico. O caso a ser dramatizado é criado por eles. Como é um curso de formação de psicólogos, a prova deve se dar de forma técnica, exigindo dos alunos bases sólidas de conhecimento, em que quanto mais situações-problemas práticas forem dramatizadas, melhor será a avaliação (Souza & Drummond, 2018).

Após a dramatização, a professora colhe ressonâncias de toda a turma e abre espaço para comentários de todos. Discute-se o que deu certo, pontos a melhorar e outros caminhos que o diretor tinha diante do caso. A partir da dramatização, todos são ouvidos: o grupo que está apresentando a dramatização e os demais colegas em um clima de coconstrução, confiança e coesão grupal.

A avaliação para a Socionomia é uma pesquisa-reflexão que acontece em um clima lúdico, campo relaxado e de acolhimento, onde o aluno se expressa com segurança e respeito, e com possibilidade de ampliar seu conhecimento acolhendo outras visões com o compartilhamento de seus colegas. É considerado um enfoque ativo, pois o aluno participa ativamente através da ação dramática de sua avaliação, ampliando seus conhecimentos (Souza & Drummond, 2018).

Um dos principais benefícios do uso da dramatização e de todo o processo de avaliação de ensino-aprendizagem descrito acima é que ele também se torna um momento de aprendizagem, em que os erros são acolhidos e o feedback é dado no mesmo momento. Após os comentários da professora e dos colegas a respeito de como aquela técnica e teorias foram representadas, o grupo tem a oportunidade de refazer a sua cena acrescida de maior ampliação de seus conhecimentos a partir da coconstrução da turma inteira. A utilização da dramatização no contexto da avaliação na perspectiva da pedagogia psicodramática possibilita ao aluno comunicar como compreendeu determinado conteúdo, revelando o seu entendimento (Puttini, 1997).

Depois de todos os grupos se apresentarem e o processo de ampliação do conhecimento ter ocorrido, permitiu-se um momento para a discussão de toda a avaliação.

Os comentários foram: "gostaria que toda prova na faculdade fosse assim", "a gente aprende muito mais fazendo dessa forma", "nem parece prova", "não foi difícil a prova, porque lembrávamos de todos os conceitos e técnicas", "fiquei nervosa no início, mas depois vi que poderia fazer as coisas nesse grupo", "muito obrigada professora por nos ensinar tanto dessa forma", "foi a disciplina que mais aprendi em tão pouco tempo", "esperava todas as semanas por este dia".

A educação tem dado indícios de mudanças de paradigmas sobre como conceber o processo de ensino-aprendizagem e sua avaliação. Contudo o que se constata atualmente sobre o processo de avaliação no contexto das universidades é que ela ainda se apresenta de forma tradicional, autoritária, com autonomia do professor e com os mesmos instrumentos há décadas. Denota-se aí o desgaste do atual modelo teórico-epistemológico vigente, necessitando a criação de novas práticas pedagógicas que dê conta de novas gerações de alunos ativos, espontâneos e criativos (Souza, 2012). Em meio à rigidez acadêmica, em que a nota numérica é uma das suas exigências, pode-se proporcionar momentos de aprendizagem com espontaneidade, criatividade e vínculos saudáveis a partir de dramatizações.

O processo avaliativo por meio de dramatizações faz com que o aluno recorra à grande parte do aprendizado adquirido e internalizado da sua subjetividade, em que o racional e o emocional estão integrados, fazendo com que ele recrie o conteúdo. Na ação psicodramática "aprende-se e ensina-se, integrando sensações, sentimentos, instituições e intelectos" (Souza & Drummond, 2018, p. 105), além de possibilitar vir à tona sentimentos e valores individuais e de grupo, a percepção de si e do outro, a experimentação de novas respostas, a espontaneidade e a inversão de papéis (Pontes, 2018).

Romana (1996), grande defensora da ação dramática na educação, propõe a dramatização como recurso ou instrumento imprescindível no processo de aprendizagem. Aponta entre seus benefícios: a relação concreta estabelecida entre o aluno e objetos, situações ou conceitos; o aprendizado através da interação; incorporação de um método ativo; elaboração de uma imagem unindo seu mundo à realidade; e promoção de experiências e vivências.

A aprendizagem é auxiliada pela leitura do material de apoio da UNA, mas principalmente por tudo o que o aluno vivenciou ao longo do processo da disciplina por meio da pedagogia psicodramática. Processos racionais e emocionais fizeram com que todo o conteúdo não fosse esquecido, mas ficasse internalizado e disponível, promovendo uma eficiente e verdadeira aprendizagem expressa no momento da avaliação por meio da dramatização. O palco do Psicodrama ou, de acordo com Puttini (1997), "o cenário psicodramático é o lugar onde o aluno pode exercitar-se de maneira plena no processo de aprender".

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pedagogia psicodramática proporciona o encontro com o aprendizado de uma forma leve, ativa e com interação. Faz com que o aluno resgate a sua espontaneidade e criatividade perdida em meio a tantas conservas culturais, principalmente, no contexto acadêmico.

A utilização da pedagogia psicodramática é um grande desafio, pois "quebra" muitos paradigmas e conservas na educação. O aluno, tão habituado ao mesmo modelo de educação na graduação, com muitos slides de teorias prontas, avaliações com provas conceituais, recebe um grande "choque" impactante e ao mesmo tempo encantador, que o coloca como coconstrutor, ativo e interativo em aula e refazendo os conteúdos pela dramatização.

Para Moreno (2012), a telessensibilidade é um tipo de sensibilidade exacerbada, de processos recíprocos interiores mútuos que explica uma forte conexão e sintonia. O professor-diretor necessita usar toda a sua telessensibilidade e espontaneidade para conduzir o grupo a um certo nível de aquecimento para que todos possam usufruir o que a dramatização produz nos três contextos da cena: individual, grupal e social.

Certamente um psicodramatista didata faz a diferença no processo de ensino e aprendizagem, assim como na sua avaliação, principalmente no meio acadêmico. Pressupõe-se que na constituição do seu papel ele tenha desenvolvido telessensibilidade, espontaneidade, criatividade e sabe formar vínculos saudáveis para realizar avaliações nos moldes do psicodrama pedagógico.

O psicodramatista didata leva consigo uma ferramenta poderosa à sala de aula contra as conservas e a rigidez acadêmica: o psicodrama pedagógico.

Neste relato de experiência, a avaliação se fez na interação, coesão e permissão ao erro e ressignificação dos conteúdos. A dramatização é mais uma vez descrita como um importante recurso que o psicodramatista tem para utilizar em sua prática, não apenas psicoterápica, mas também na prática socioeducacional. Ela traz consigo todo o ideal e potencial moreniano, é um espaço onde experimentamos diversos papéis em diferentes situações a fim de que nos deparemos com a ampliação da nossa telessensibilidade e com todo o conhecimento que é introduzido e produzido por meio dela.

A dramatização utilizada na avaliação acadêmica se mostrou um recurso que alia aprendizagem e conhecimento adquirido, não apenas da disciplina, mas de outros saberes; vivifica e reflete os conteúdos, que não são apenas lidos; promove a integração da turma no ambiente acadêmico, o que muitas vezes é até incomum; instiga o aqui e agora; traz todos para o momento moreniano; impulsiona o comprometimento e a participação de todos; e dá à avaliação um clima leve, e não de tensão como acontece em quase todas as vezes.

O limite imposto no uso da dramatização como recurso de avaliação no contexto acadêmico é a dificuldade de transformar tudo o que é expressado e vivenciado em número, ou seja, em nota. Afinal, a universidade preconiza e exige uma nota de avaliação do processo de aprendizagem do aluno. Dificuldade essa que é amenizada com a avaliação de variáveis como: postura ética, conhecimento e manejo técnico e teórico, espontaneidade e bom relacionamento interpessoal durante toda a sessão de dramatização.

 

REFERÊNCIAS

Fava, S. R. S., Marino, M. J., Sgorbissa, M. L, & Wechsler, M. P. F. (2005). Educação em cocriação: perspectiva sociopsicodramática. In H. J. Fleury, & M. M. Marra (Org.). Intervenções grupais na educação. (pp.17-48). São Paulo, SP: Ágora.         [ Links ]

Haidar, E. D. & Costa, M. C. & Freitas, S. B. (1997). O olhar do psicodrama no campo da avaliação escolar. In: E. F. Puttini, & L. M. Lima (Org.). Ações Educativas: vivências com o psicodrama na prática pedagógica. (pp. 33-56). São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Moreno, J. L. (2012). O Teatro da espontaneidade. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Oliveira, K. L. & Santos, A. A. A. (2005). A Avaliação da Aprendizagem na Universidade. Psicologia Escolar e Educacional, 09(01), 37-46. https://doi.org/10.1590/S1413-85572005000100004        [ Links ]

Pontes, R. L. (2018). A relação educador-educando. São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Puttini, E. F. (1997). Psicodrama pedagógico: considerações sobre a produção do conhecimento na escola. In: E. F. Puttini, & L. M. Lima (Org.). Ações Educativas: vivências com o psicodrama na prática pedagógica. (pp. 13-24). São Paulo: Ágora.         [ Links ]

Romana, M. A. (1996). Do psicodrama pedagógico à pedagogia do drama. Campinas: Papirus.         [ Links ]

Souza, A, C. & Drummond, J. (2018). Sociodrama na Educação. Rio de Janeiro: Wak Editora.         [ Links ]

Souza, A. M. L. (2012). Avaliação da aprendizagem no ensino superior: aspectos históricos. Revista Exitus, 02(01), 231-254. Retirado de: http://www.ufopa.edu.br/portaldeperiodicos/index.php/revistaexitus/article/viewFile/85/85        [ Links ]

 

 

 

*Autora correspondente: viviane0101@hotmail.com

Almeida VO  https://orcid.org/0000-0001-6289-8432

Recebido: 10 Jun 2019 – Aceito: 25 Out 2019

Editor de Seção: Paulo Bareicha

 

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